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Artigo 745-A do CPC: a natureza jurídica do parcelamento da dívida e outras polêmicas

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10/09/2008 às 00:00
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8. A APLICABILIDADE DO ARTIGO 745-A AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

A análise da articulação do Código de Processo Civil revela que o artigo 745-A foi inserido no capítulo dedicado aos embargos à execução [31]. Tal disposição deixa claro que o instituto é aplicável à execução fundada em título executivo extrajudicial, já que apenas o processo executivo autônomo aceita a oposição de embargos.

Para a execução baseada em títulos executivos judiciais, a Lei nº. 11.232/2005 instituiu o cumprimento de sentença, procedimento que é mera fase do processo sincrético e que aceita apenas o oferecimento de impugnação.

O artigo 475-R do CPC, entretanto, dispõe que as normas que regem o processo de execução extrajudicial são aplicáveis subsidiariamente ao cumprimento de sentença, no que couber.

Com base neste dispositivo, passou-se a discutir se o parcelamento compulsório está entre as normas que aceitam tal aplicação subsidiária.

Boa parte da doutrina tem se manifestado favoravelmente, sob o argumento principal de que não haveria qualquer incompatibilidade entre o instituto do parcelamento e o procedimento do cumprimento de sentença.

Assim se posiciona o Juiz Federal Nazareno César Moreira Reis, que, após avaliar aspectos relevantes do parcelamento e destacar o permissivo trazido pelo artigo 475-R, conclui não haver "obstáculo de ordem lógica ou jurídica que torne inviável, em tese, o parcelamento de débito em dinheiro decorrente de condenação judicial" [32].

O emérito processualista Elpídio Donizetti vai além quando assevera que, mesmo inexistindo a regra do art. 475-R, "a aferição da proporcionalidade entre a garantia à execução do crédito tal como consubstanciado no título e o melhor proveito para o exeqüente autorizaria o parcelamento" [33].

Outros sustentam também o necessário respeito ao princípio da isonomia, argumentando que, se o benefício fosse exclusivo do devedor na execução de título extrajudicial, haveria privilégio não estendido ao devedor de montante judicialmente reconhecido.

Veja-se, neste sentido, a colocação da professora Sandra Aparecida:

Parece-nos que, em observância ao art. 5º da Constituição Federal, cujo teor consagra o princípio da isonomia, com relação ao parcelamento da dívida, o mesmo tratamento dispensado ao executado de título extrajudicial deverá ser dado ao devedor de título judicial, que poderá utilizar aquele procedimento, preenchidos todos os requisitos do art. 745-A, desde que não ofereça a impugnação prevista no art. 475-L, ambos do CPC. [34] (grifos no original)

Também a Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela aplicabilidade subsidiária, com fundamento no princípio da isonomia, como se percebe no trecho de ementa abaixo transcrito:

EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL -Ação de cobrança - Pretensão de parcelamento do débito, nos termos do art. 745-A, CPC - Possibilidade - Embora inserto no capítulo de embargos à execução, o que pressupõe execução por título extrajudicial, as regras concernentes a este tipo de execução são aplicáveis subsidiariamente ao cumprimento de sentença - Art. 475-R, CPC - Devedor de título extrajudicial não pode ter mais benefícios que o devedor de título judicial - Caso, no entanto, em que o depósito não atingiu 30% do valor do débito - Possibilidade de complementação - Recurso parcialmente provido. [...] (Agravo de Instrumento nº. 7.176.134-5, Décima Quarta Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Des. Melo Colombi, Julgado em 21/11/2007).

Em que pese a força dos argumentos aduzidos, melhor doutrina é a que sustenta que a tutela efetiva dos direitos do credor não recepciona a aplicação subsidiária do art. 745-A ao cumprimento de sentença.

Já foi dito e repetido que o instituto do parcelamento compulsório só se justifica pela existência de um equilíbrio entre a situação jurídica das partes. Credor e devedor granjeiam vantagens e assumem ônus que se equivalem na medida.

Para obter e benesse do parcelamento do débito, o devedor precisa reconhecer o valor exeqüendo, mesmo que o considere excessivo. Mais do que isso, necessita abdicar do exercício do contraditório através da oposição de embargos à execução, ou de qualquer outra ação que discuta o valor confessado.

O credor, por outro lado, é compelido a acatar o adimplemento em prestações mensais, ônus que é compensado principalmente pelo pagamento realizado em menor tempo.

É fácil perceber que tal equilíbrio é gravemente mitigado na sistemática do cumprimento de sentença.

A fase referida é apenas a última de um processo que envolve cuidadosa discussão da lide, sendo oportunizada toda espécie de defesa ao devedor. No momento em que é alcançada, é certo que o amplo contraditório já foi exercido (ou pelo menos oportunizado).

O prejuízo do não exercício do contraditório, portanto, não será suportado pelo devedor de título executivo judicial caso requeira o parcelamento compulsório, o que, por si só, já pende a balança a seu favor.

A situação do credor, já injusta, seria ainda agravada pelo fato de que o cumprimento de sentença tende a ser bem mais célere e descomplicado do que o processo de execução de título extrajudicial, sendo perfeitamente possível que se cumpra em menos de seis meses.

Com isso, o bônus do credor seria desproporcionalmente mitigado ou mesmo inexistente, sendo inadmissível que, após a desgastante espera provocada pelas fases de conhecimento e de liquidação, aquele fosse ainda compelido a aguardar por mais um semestre para ter sua pretensão satisfeita.

Não é outra a lição de Humberto Theodoro Júnior:

Aliás, não teria sentido beneficiar o devedor condenado por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento. Seria um novo e pesado ônus para o credor, que teve de percorrer a longa e penosa via crucis do processo condenatório, ter ainda de suportar mais seis meses para tomar as medidas judiciais executivas contra o devedor renitente. [35] (grifos no original)

A desproporcionalidade da situação descrita acima beneficia indevidamente o devedor, porque o parcelamento é para ele menos oneroso, ao mesmo tempo em que é menos benéfico para o credor (em razão da maior espera).

É por esse motivo que não se pode dizer que a aplicação subsidiária do parcelamento é medida isonômica. O devedor de título executivo judicial encontra-se em situação bem mais confortável porque já pôde discutir exaustivamente seu débito e procrastinar ao máximo o adimplemento. Tratar igualmente pessoas em situações diversas é injustiça, e não isonomia.

Didier, Sarno e Oliveira trazem outro ponto que depõe contra a corrente capitaneada por Elpídio Donizetti. Os eméritos autores explicam, acertadamente, que não cabe aplicação de analogia para estender um estado de sujeição ao credor, conferindo um direito potestativo ao devedor [36]. Tal espécie de direito constitui exceção dentro do ordenamento jurídico, razão pela qual depende de expressa previsão legal.

De fato, o parcelamento representa restrição à liberdade do sujeito ativo da relação obrigacional, que se vê compelido a acatar o pagamento fracionado. Esta sujeição foi expressamente prevista apenas para as execuções de título extrajudicial, de forma que sua aplicação no âmbito do cumprimento de sentença representaria analogia em prejuízo do credor, o que, como asseveram Didier, Sarno e Oliveira, é inaceitável.

É preciso ainda lembrar que a própria letra da lei evidencia a incompatibilidade entre o parcelamento compulsório e o procedimento de cumprimento de sentença, ao exigir que o devedor faça sua proposta no prazo dos embargos à execução. Como já se disse, o cumprimento é método que não acata a oposição de embargos, mas mera impugnação, que, a despeito das semelhanças, não é equivalente.

A incompatibilidade existe também em razão do artigo 475-J. Este dispositivo se encarrega de instigar o adimplemento voluntário do devedor na sistemática do cumprimento de sentença, através da imposição de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, aplicada em razão do não pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da condenação.

Se este procedimento já possui seu mecanismo de incentivo ao adimplemento voluntário, não há motivo para que se aplique o artigo 745-A, que possui exatamente a mesma função [37]. Não há espaço para o aproveitamento de outro instituto, pois não há verdadeira lacuna.

Portanto, é impossível invocar o art. 475-R para justificar a aplicação subsidiária do instituto do parcelamento, por serem manifestas a incompatibilidade e a desnecessidade deste artifício.

A acirrada discussão doutrinária reflete-se na jurisprudência dos Tribunais, que vem se manifestando em ambos os sentidos. A corrente aqui defendida, porém, está bem representada por inúmeras decisões bem fundamentadas.

A seguir, destaca-se trecho de acórdão da Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidindo pela impossibilidade de aplicação subsidiária do art. 745-A e pela aplicação da multa do art. 475-J em razão do inadimplemento imediato, mostrando que esta última é a regra a que deve ser aplicada na sistemática do cumprimento de sentença:

SENTENÇA ARBITRAL - EXECUÇÃO - Pretensão da executada de solver o débito arbitrado em seis vezes, à luz do artigo 745-A, do CPC - Indeferimento pelo Juízo (fl.176), este só se aplica a títulos executivos extrajudiciais - Mesmo assim, enquanto o feito se arrastava, a parte foi depositando por esse modo, até quitar tudo - Hipótese, entretanto, de fixação da multa de 10% do artigo 475-J, do CPC, sobre o que veio a ser pago a posteriori - e de fixação de honorários advocatícios sobre o todo, à ordem de 10% sobre o valor em cobrança. Agravo provido, para tanto. (Agravo de Instrumento Nº. 533177300, Oitava Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator: Des. Luiz Ambra. Julgado em 22/11/2007).

Também a Décima Sexta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já se decidiu contra a aplicação subsidiária do parcelamento:

EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PRETENSÃO AO PARCELAMENTO PREVISTO NO ARTIGO 745-A, DO CPC - INOVAÇÃO INTRODUZIDA NA EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - NÃO CABIMENTO - DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Em que pese a importância da inovação introduzida pelo artigo 745-A, do CPC, verifica-se que sua incidência limita-se à Execução fundada em título extrajudicial, seja por expressa previsão no texto do artigo, que fala em Embargos do Devedor, seja pela sua manifesta incompatibilidade com o procedimento de cumprimento de sentença, regulado pelos artigos 475-I e seguintes, do CPC. Tratando-se de Execução de sentença, iniciada em 1999 e já em fase de alienação judicial do bem penhorado, não se pode deferir ao devedor o parcelamento aludido pelo artigo 745-A, do CPC, mormente quando a ele se opõe o credor. (Agravo 1.0105.98.000117-3/001(1), Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relator: Des. Batista de Abreu. Julgado em 14/05/2008).

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A despeito de ser forte a tendência nesse sentido, a questão precisará alcançar os Tribunais Superiores para se tornar pacífica. Espera-se que o posicionamento aqui defendido se consolide, por todos os motivos expostos.


CONCLUSÕES

O instituto do parcelamento compulsório, trazido pelo novo artigo 745-A do CPC, possibilita ao devedor adequar o pagamento do débito às suas possibilidades, sem que o credor deixe de receber, em prazo razoável, aquilo que lhe é devido.

A norma tece uma situação de equilíbrio, trazendo requisitos que devem ser estritamente observados, sob pena de desvirtuar a proporcionalidade que existe entre os benefícios granjeados e as restrições sofridas por ambas as partes.

Logo, não pode o credor, ou mesmo o magistrado, interferir discricionariamente na concessão do parcelamento, o que revela a natureza potestativa do direito do devedor.

Além disso, por modificar o andamento do processo de execução de título extrajudicial ao tempo em que altera a conformação da relação obrigacional, tal direito pode ser caracterizado como heterogêneo.

Disto decorre, dentre outras coisas, que:

1.O credor deve se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas apenas para alegar o desrespeito aos requisitos legais ou para concordar com a concessão do benefício. Sua discordância é irrelevante;

2.O magistrado deve deferir o requerimento que preencha todos os requisitos do art. 745-A, inexistindo discricionariedade neste ponto;

3.O instituto não desrespeita direito subjetivo do credor, pois é benefício concedido pela lei (e não pelo juiz, que apenas lhe confere eficácia), justificável pela necessidade de simplificar a prestação jurisdicional e pelas vantagens conferidas ao executado e ao próprio exeqüente.

4.O prazo de vigência da Lei 11.382/06 deve ser contado a partir do dia 07 de dezembro de 2006, razão pela qual o artigo 745-A vigora desde a data de 21 de janeiro de 2007. Suas regras, porém, só se aplicam às obrigações nascidas após esta data.

5.O art. 745-A não tem aplicação subsidiária no procedimento de cumprimento de sentença, pois não há lacuna que o permita e, mesmo que houvesse, a aplicação analógica estaria inviabilizada pela incompatibilidade entre os procedimentos.


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Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Artigo 745-A do CPC: a natureza jurídica do parcelamento da dívida e outras polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1897, 10 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11704. Acesso em: 2 nov. 2024.

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