Parece inacreditável, mas está em discussão no Congresso Nacional, dividindo as opiniões dos parlamentares, um acordo firmado em 20 de março de 2007 entre o Brasil e os Estados Unidos da América, por intermédio, respectivamente, do Secretário da Receita Federal do Brasil e do Embaixador dos EUA no Brasil.
Os termos desse acordo são idênticos àqueles firmados pelo governo dos EUA com as pequenas Repúblicas como as de Ilhas Bermudas, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Maurício, Ilha da Madeira, Ilhas do canal (Alderney, Guernesey, Jersey e Sark), comunidade das Bahamas etc., que constituem os assim chamados "paraísos fiscais". Só esse fato já ofende os brios de nosso país.
Esse acordo, na verdade unilateral, pois enquanto o Brasil fica com ônus os EUA ficam com o bônus, afronta a soberania nacional e os direitos fundamentais do contribuinte brasileiro, permitindo sua fiscalização por agentes americanos. Para disfarçar essa intromissão, a cláusula 3ª do Acordo refere-se à presença de agentes do governo estrangeiro na nossa repartição pública tributária "durante a etapa pertinente de uma fiscalização e análise de documentos, registros e outros dados relevantes relacionada com a fiscalização", com a faculdade de "submeter a juramento a pessoa física que esteja depondo ou exibindo livros, documentos, registros e outros elementos materiais", em uma típica manifestação de cultura americana.
Qualquer que seja o nome dado a esse tipo de acordo, se ele implica implementação do princípio da extraterritorialidade, como previsto em diversos de seus dispositivos, não há dúvida que se reveste da natureza de um tratado ou convenção internacional, cuja competência para firmar é privativa do Presidente da República, enquanto Chefe do Estado Federal Brasileiro (art. 21, I da CF) – e não enquanto Chefe do Poder Executivo da União, quando o Presidente da República, no exercício de suas atribuições, é auxiliado pelos Ministros de Estado (art. 76, I da CF).
No primeiro caso, não cabe delegação; no segundo caso, pode haver delegação ao Ministro de Estado e subdelegação deste para escalão inferior.
O tratado há de ser firmado privativamente pelo Chefe de Estado; no nosso caso, pelo Presidente da República (art. 84, VIII da CF), cabendo exclusivamente ao Congresso Nacional aprová-lo ou rejeitá-lo (art. 49, I da CF).
Dessa forma, o acordo bilateral firmado pelo Secretário da Receita Federal do Brasil padece de vício formal incurável, sendo um documento nulo que não se presta à discussão no Congresso Nacional.
Porém, os debates no Congresso Nacional, que certamente culminarão pela sua rejeição, são oportunos para prevenir a hipótese de encampamento desse acordo pelo Presidente da República Federativa do Brasil e pelo Presidente norte-americano.
Simplesmente incogitável que um servidor do segundo escalão tenha firmado acordo com potência estrangeira para permitir, a pretexto de trocar informações, que agentes do fisco alienígena venham executar no Brasil atividade que a Constituição Federal consagrou como sendo essencial ao funcionamento do Estado, exercida por servidores efetivos integrantes de carreiras específicas (art. 37, XXII da CF).