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Ação civil pública.

Aspectos sócio-jurídicos de sua imprescindibilidade

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5. Ação civil pública – Lei 7.347/85

Não obstante a Lei 4.717/65 [50], sistematizar a chamada ação popular, muitos direitos e interesses ficavam desamparados em razão da pouca abrangência desta legislação, em que pese seu caráter coletivo.

Ademais, o art. 6º do Código de Processo Civil determina que "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".

Este cenário nos leva à Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública criada em meados dos anos 80, pelos então Promotores de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson Nery Junior, com base em tese "sobre a Ação Civil Pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos (...)" [51]

A Lei 7.347/85 nas palavras de um de seus idealizadores, o Professor Nelson Nery Junior, "visa dar proteção jurisdicional ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse ou direito difuso ou coletivo, à defesa da ordem econômica, bem como à ordem urbanística, estabelecendo regras processuais para tanto." [52]

5.1 Conceito, objeto e finalidade

Quanto ao conceito de ação civil pública, para Paulo Affonso Leme Machado, "a ação judicial é denominada civil porque tramita perante o juízo civil e não criminal. Acentue-se que no Brasil não existem tribunais administrativos. A ação é também chamada pública porque defende bens que compõem o patrimônio social e público, assim, como os interesses difusos e coletivos, como se vê do art. 129, III, da CF/88. Quanto às finalidades deste instituto: "cumprimento de obrigações de fazer, cumprimento de obrigação de não fazer [53] e/ou a condenação em dinheiro. Ação visa defender o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico." [54]

Hugo Nigro Mazzilli tece algumas considerações sobre o conceito e finalidade da ação civil pública: "a expressão ação civil pública, preconizada por Calamandrei, busca guardar um paralelo com correspondente expressão ação penal pública. Inicialmente, com ação civil pública se quis dizer a ação de objeto não penal, proposta pelo Ministério Público. Na verdade, porém, tal expressão, se bem que já incorporada na legislação, doutrina e jurisprudência, não deixa de padecer de improbidade. De um lado, toda ação é pública, enquanto direito público subjetivo dirigido contra o Estado; de outro, como não tem o Ministério Público exclusividade na propositura da dita ação civil pública, podemos hoje considerar, de lege lata, que esta última compreende não só a ação de objeto não penal proposta por aquela Instituição, como a mesma ação, com mesmo objeto, proposta por qualquer dos demais co-legitimados ativos da Lei 7.347/85, desde que destinada à defesa de interesses difusos e coletivos." [55]

Paulo Salvador Frontini, Édis Milaré e Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, em trabalho que data de mais de duas décadas afirmaram ser a ação civil pública: "o direito conferido ao Ministério Público de fazer atuar, na esfera civil, a função jurisdicional... tendo em vista que o Ministério Público é o tutor natural do interesse público e dos interesses indisponíveis da sociedade, torna-se imperativa a ampliação do âmbito de abrangência da ação civil pública, a fim de que esta possa servir à tutela de todos os interesses difusos" [56]

O rol de interesses descrito na Lei 7.347/85 não é exauriente, buscando levar a proteção a interesses relacionados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (constituintes do patrimônio cultural) e da ordem econômica. A lei contém em seu art. 1º, inciso IV [57] uma norma de extensão permitindo que se dirija à responsabilização por danos de natureza moral e patrimonial causados a quaisquer interesses difusos e coletivos.

Quando do envio do anteprojeto à sanção presidencial, o chefe do Executivo Federal vetou inciso que trazia esta norma de extensão _ "quaisquer interesses difusos e coletivos" _ o que foi superado posteriormente com a edição do Código de Defesa do Consumidor. As leis surgidas nos últimos anos têm ampliado o rol de interesses difusos e coletivos. É forçoso acrescentar que toda a legislação que trata da defesa dos interesses difusos e coletivos e mesmo aquelas que buscam organizar aspectos materiais destes direitos, ainda que não trate da defesa em juízo destes direitos, forma o que podemos chamar de um sistema legislativo protetivo coletivo [58], que viabiliza exercício hermenêutico com base em aspectos punctuais dessas legislações.

5.2 Tutela principal e cautelar

A Lei 7.347/85, em seu art. 3º prevê ação civil pública cujo pedido contenha provimento condenatório de pagamento de indenização ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Como ensinam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "por tratar-se da lei processual ordinária, o CPC é o direito processual positivo comum, aplicando-se às lacunas existentes na LACP, naquilo em que for compatível com a LACP." [59] Nestes termos, é plenamente factível uma tutela mais abrangente em razão da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Os autores ainda lembram que no que respeita à ação de obrigação de fazer ou não fazer, este sistema legislativo protetivo coletivo funciona permitindo ao magistrado a "concessão de tutela satisfativa liminarmente, isto é, julgar procedente o pedido de forma provisória, tal como ocorre com a tutela antecipatória do CPC 273, com as ações possessórias e de mandado de segurança." [60], em razão do art. 21 da Lei de ação civil Pública, que autoriza a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente, de seu art. 84.

São, igualmente possíveis no sistema da ação civil, as cautelares de natureza instrumental e satisfativa, desde que presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni juris.

5.3 Competência

A Lei 7.347/85 determina em seu art. 2º que as ações civis públicas serão propostas no local onde ocorrer ou possa ocorrer o dano, estabelecendo que a competência do juízo será funcional.

Não há que se controverter sobre o tema. Como ensinam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "a competência é do foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Caso o dano se verifique em mais de uma comarca, é competente qualquer uma delas, resolvendo-se a questão prela prevenção [61] (...)". [62]

Este também é o entendimento de Hely Lopes Meirelles, para quem "a ação civil pública e as respectivas medidas cautelares deverão ser propostas no foro do local onde ocorrer o dano (...) justifica-se (...) pela facilidade de obtenção da prova testemunhal e realização de perícia que forem necessárias à comprovação do dano. (...) a competência para processamento da ação civil pública é de natureza funcional (...), e, portanto absoluta e improrrogável." [63]

5.4 Legitimação ativa e passiva

É da lavra de Pedro Lenza a seguinte conceituação acerca da natureza da legitimação: "pode-se dizer, (...) que a legitimação para a tutela coletiva é extraordinária, autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva: a) extraordinária, já que haverá sempre substituição da coletividade; b) autônoma, no sentido de ser a presença do legitimado ordinário, quando identificado, totalmente dispensada; c) exclusiva em relação à coletividade substituída, já que o contraditório se forma suficientemente com a presença do legitimado ativo; c) concorrente em relação aos representantes adequados, entre si, que concorrem em igualdade para a propositura da ação; e, e) disjuntiva, já que qualquer entidade poderá propor a ação sozinha, sem a anuência, intervenção ou autorização dos demais, sendo o litisconsórcio eventualmente formado, sempre facultativo." [64]

São legitimados, nos termos do art. 5º da Lei 7.347/85, para propositura da ação civil pública:

5.4.1 Ministério Público

O perfil institucional do Ministério Público encontra-se delineado na Constituição Federal, em seu art. 127, segundo o qual "(...) é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Nesse sentido a lição de Cândido Rangel Dinamarco, "o interesse público que o Ministério Público resguarda não é o puro e simples interesse da sociedade no correto exercício da jurisdição como tal _ que também é uma função pública _ porque dessa atenção estão encarregados os juízes, também agentes estatais eles próprios. O Ministério Público tem o encargo de cuidar para que, mediante o processo e o exercício da jurisdição, recebam o tratamento adequado certos conflitos e certos valores a eles inerentes." [65]

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, o Ministério Público "é na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. (...) é que o Estado social de direito se caracteriza fundamentalmente pela proteção ao fraco (fraqueza que vem de diversas circunstâncias, como a idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza, impossibilidade de agir ou compreender) e aos direitos e situações de abrangência comunitária e, portanto transindividual, de difícil preservação por iniciativa dos particulares. O Estado contemporâneo assume por missão garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a uma existência digna _ e um dos organismos de que dispõe para realizar essa função é o Ministério Público, tradicionalmente apontado como instituição de proteção aos fracos e que hoje desponta como agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos ou difusos." [66]

Como ensinam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery "para o MP, a amplitude do rol das ações decorre da CF 129 III, que lhe atribui como função institucional a defesa, em juízo, dos direitos difusos e coletivos (...)" [67]

O parquet é o legitimado ativo cuja atuação na defesa dos interesses transindividuais se faz mais presente na sociedade, tendo inclusive amparo constitucional à sua legitimação _ São funções institucionais do Ministério Público (...) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (art. 129, III, Constituição Federal).

A atuação do Ministério no âmbito dos interesses transindividuais inicia-se, em considerável parte das vezes, mediante a instauração de inquérito civil, que, nos moldes do inquérito policial, também é um procedimento administrativo de natureza pré-judicial, destinado à colheita de elementos que corroborem a propositura de ação civil pública. Ao contrário do que ocorre com o inquérito policial cujo trâmite se dá na alçada da polícia civil, não obstante a fiscalização do Ministério Público [68] e mesmo do Poder Judiciário, o inquérito civil é instaurado pelo órgão do Ministério Público, que o faz mediante representação [69] ou ex ofício.

Quando necessário o inquérito civil _ o Ministério Público pode prescindir deste instituto quando presentes desde logo elementos suficientes à propositura da ação civil pública _ ele permite, durante sua tramitação, que o Ministério Público se valha de notificação "para colher depoimento ou esclarecimento e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas em lei." [70]

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Os autos do inquérito civil ou peças de informações com a promoção de arquivamento pelo promotor [71] serão enviados ao Conselho Superior do Ministério Público para que este, em sessão, homologue a promoção de arquivamento ou discordando das razões remeta-os ao Procurador Geral de Justiça, com indicação de outro órgão ministerial para ajuizar a ação, que o designará, cabendo-lhe ajuizar a ação civil pública. Desta forma, é respeitado o princípio do promotor natural e o Conselho Superior do Ministério cumpre com as atribuições que lhe são conferidas pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. [72]

O compromisso de ajustamento [73], desde que atenda o interesse transindividual, também enseja a homologação do arquivamento pelo Conselho Superior. A matéria é tratada na súmula nº 4 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo: "Tendo havido compromisso de ajustamento que atenda integralmente à defesa dos interesses difusos objetivados no inquérito civil, é caso de homologação do arquivamento do inquérito." O respaldo para esta súmula encontra-se no § 6º do art. 5º da Lei de ação civil pública que autoriza os órgãos públicos constantes do rol de legitimados a tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Forçoso ressaltar que incumbe ao membro do Ministério Público que celebrou o compromisso de ajustamento de conduta fiscalizar o seu cumprimento.

A Lei 7.347/85 determina em seu art. 5º, § 1º que "o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei" [74]. Este parágrafo contém a delimitação da atuação do Ministério Público na ação civil pública, estabelecendo-a seja como autor da ação, seja na condição de órgão interveniente, como fiscal da lei (custus legis). [75]

O art. 127 da Constituição Federal ao incumbir o Ministério Público da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não o faz como um direito que lhe assiste _ o direito de desincumbir-se destas citadas atribuições _, mas como um poder-dever que lhe é inerente. Emana, portanto, deste artigo mais um elemento a consubstanciar a obrigatoriedade [76] e indisponibilidade da propositura da ação civil pública pelo Ministério Público.

A obrigatoriedade [77] da atuação Ministerial encontra limites no princípio da legalidade e da autonomia funcional, sendo que este último orienta a submissão do agir ministerial apenas à convicção formada pelo promotor em face da análise das informações que tem, não se subordinando, o membro do parquet a nenhum poder ou órgão da Administração, o que lhe permite propor o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças de informação, desde que não se convença da existência de elementos suficientes para atuar. Quanto a este aspecto trata o art. 9º da Lei 7.347/85 que, "se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil, ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente."

O § 3º do art. 5º da Lei 7.347/85 determina que em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. Os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam que, "a desistência da ação deverá vir acompanhada de fundamentação pelo autor da ACP. Caberá ao MP verificar se é fundada ou não. A desistência pura e simples não obrigará o MP a assumir o pólo ativo da ACP, mas apenas a desistência infundada (...) Verificando que houve desistência infundada ou abandono injustificado da ação, o MP tem o poder-dever vinculado de assumir a titularidade ativa da ACP (...) não se trata de ato discricionário do MP, cabendo-lhe integrar os conceitos jurídicos indeterminados de "infundada" para a desistência e de "injustificado" para o abandono." [78]

Também é este o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli que ensina que, "em matéria de ação civil ou coletiva, implicitamente, a nova redação do § 3º do art. 5º da LACP passou a admitir que as associações civis autoras possam manifestar desistência fundadas, caso em que o Ministério Público não estará obrigado a assumir a promoção da ação. Daí podemos validamente deduzir que, se existem, desistências fundadas, formuladas por associações civis, então, por identidade de razão, também pode haver desistências fundadas de quaisquer co-legitimados, até mesmo do próprio Ministério Público (...) Ademais, não sendo a ação civil pública de titularidade privativa de ninguém (no que se distingue da ação penal pública), eventual desistência de um co-legitimado sequer impediria em tese o acesso à jurisdição (...) se qualquer co-legitimado ativo (e não apenas a associação civil) desistir do pedido ou abandonar a ação civil pública ou coletiva, o Ministério Público só terá o dever de assumir sua promoção se a desistência ou o abandono forem infundados (ainda que esse dispositivo só qualifique a desistência, não o abandono). Esse é o verdadeiro sentido do princípio da obrigatoriedade. "

Como ensinam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "o controle da desistência de ACP já proposta é judicial, cabendo ao juiz aplicar os princípios norteadores do CPC (LACP 19): se já houve citação, deverá homologar a desistência depois da anuência do réu (CPC 267 § 4º); se a desistência ocorrer antes da citação, o juiz pode homologá-la desde logo. A conseqüência da homologação da desistência da ação é a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267 VIII). Caso o juiz não concorde com a desistência da ACP pelo MP, aplica-se analogicamente o CPP 28. O magistrado então remeterá os autos ao PGJ, que insistirá na desistência ou designará outro órgão do MP para assumir a titularidade ativa da ACP." [79]

O Ministério Público, na função de órgão interveniente, fiscal da aplicação da lei deve se manifestar acerca da desistência da ação civil pública por parte dos co-legitimados constantes do rol do art. 5º da Lei 7.347/85.

Por sua vez, em caso de abandono o Ministério Público também terá oportunidade de se manifestar no sentido de assumir ou não a titularidade da ação.

A assunção pelo Ministério Público em caso de abando ou desistência da ação civil pública somente ocorrerá se estes forem infundados.

No que respeita ao litisconsórcio, ele é possível entre os Ministérios Públicos Estaduais e da União, não obstante ainda haja linhas doutrinárias contrárias à atuação heterotópica.

Um tema bastante controverso na doutrina e na jurisprudência, com que gostaríamos de finalizar este título, respeita á legitimidade do Ministério Público para atuar na defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos [80]. A matéria tem súmula própria no Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, que entende que "O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g. dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g. dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária." [81] O cerne desta posição encontra-se na Constituição Federal, em seu art. 127, que trata do perfil institucional do parquet incumbindo-lhe da defesa (...) "dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

5.4.2 Administração Direta [82]

5.4.2.1 União

Para Alexandre de Moraes, a União "é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros e municípios, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado brasileiro. (...) a União poderá agir em nome próprio, ou em nome de toda Federação, quando, neste último caso, relaciona-se internacionalmente com os demais países." [83]

5.4.2.2 Estados membros

Na lição de Celso Ribeiro Bastos, os Estados-membros "são as organizações jurídicas das coletividades regionais para o exercício, em caráter autônomo, da parcela de soberania que lhes é deferida pela Constituição Federal. (...) os Estados-Membros não são soberanos, como, de resto, não o é a própria União. É traço característico do Estado federal a convivência, em igual nível jurídico, entre o órgão central, encarregado da defesa dos interesses gerais e com jurisdição em todo o território nacional, e os órgãos regionais, que perseguem objetivos próprios, dentro de uma porção do território nacional." [84]

5.4.2.3 Municípios

No que respeita aos Municípios, a lição de José Afonso da Silva com base no perfil delineado pela Constituição de 1988, caminha no sentido de que "(...) é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira." [85]

Ainda sobre Município, é a lição de Michel Temer, para quem estes " titularizam competências próprias. Di-lo o art. 30. Tudo o que disser com a administração própria, no que respeite ao seu interesse local." [86]

Em conformidade com os aspectos que inicialmente abordamos neste trabalho retomamos o fenômeno de Poder, agora sob a ótica de José Cretella Jr. que sustenta, "(...) os homens, ao invés de considerarem que o Poder é prerrogativa inerente a quem o exerce, imaginaram-lhe um sustentáculo, ou fundamento, desligado da personalidade do governante. Esse fundamento, ou base é o Estado. (...) somente o Estado é o titular abstrato e contínuo do Poder, nada mais sendo os governantes do que meros agentes efêmeros do exercício concreto desse Poder. (...) o mundo jurídico trabalha com objetos construídos, objetos culturais, que aderem aos dados, fatos do mundo sobre os quais há incidências normativas. Ao dado, suporte, adere o significado, o construído. (...) o Estado, síntese dos poderes soberanos, é um construído, assim como o Poder. (...) titular abstrato do Poder, cujo exercício cabe aos agentes, o Estado é noção muito recente, no mundo jurídico. Desse modo, o Estado, que é um conceito e, pois, uma abstração, somente existe porque e quando cogitado, de um lado, pelos agentes que exercem o Poder, e, de outro lado, pelos governados que o consideram o próprio fundamento das normas jurídicas que, de ofício, sem provocação, a Administração aplica diariamente." [87]

O Estado (de Direito) contemporâneo destina-se em termos organizacionais, administrativos e executórios a realizar o contrato social. Essa tarefa se constitui no cumprimento das funções Executiva, Legislativa e Judiciária em consonância com a demanda sócio-cultural e, desde que assim o faça sem que avilte o seu próprio sistema de legalidade.

Aos entes políticos, na condição de entidades administrativas dotadas de autonomia em maior ou menor grau, ou seja, detentoras de poder de auto-organização, governo próprio e competências exclusivas, no caso dos Estados-membros e Municípios, e de titular do exercício das prerrogativas da soberania do Estado brasileiro, no caso da União, confere-se a legitimidade para defender interesses transindividuais.

Pertinente o registro de que, não obstante a ausência do Distrito Federal dentre o rol de legitimados constante do art. 5º da Lei 7.347/85, ele também é legitimado para a propositura da ação civil pública.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 82, em seu inciso II, incluiu entre os legitimados concorrentes para a propositura da ação coletiva, o Distrito Federal.

A Lei 7.347/85 determina em seu art. 21 que "aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor."

Assim, uma vez que o art. 82 do CDC se encontra no Título III da Lei 8078/90, não há que se controverter quanto à legitimação do Distrito Federal para a propositura da ação civil pública.

Ademais, ainda que o sistema não permitisse o exercício hermenêutico da forma como narramos, também não seria de se estranhar a inclusão do Distrito Federal no rol de legitimados, pois, na lição de Hely Lopes Meirelles, "ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios, nos termos do art. 32, § 1º, da CF. (...) com a atual organização político-administrativa, é um Estado-membro anômalo, entidade estatal portanto, e não apenas autarquia territorial, como são os Territórios Federais." [88]

5.4.3 Administração Indireta

5.4.3.1 Autarquia [89]

Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello autarquias são definidas sinteticamente como "pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa.(...) sempre se entendeu, pois, como é natural, que as autarquias, por serem pessoas, embora intra-estatais, são centros subjetivados de direitos e obrigações distintos do Estado. (...) perante terceiros as autarquias são responsáveis pelos próprios comportamentos. A responsabilidade do Estado, em relação a elas, é apenas subsidiária." [90]

A concepção jurídica de autarquia na Argentina, diferentemente da brasileira, bifurca-se em dois tipos conforme a doutrina de Agustín A. Gordillo, "as entidades estatales administrativas com competencia general [91]: son los llamados entes autárquicos "territoriales", o sea, las comunas o municípios, lãs regiones, distritos urbanos, condados, etc., según el sistema imperante. También se incluyen acá la Nación misma y las provincias (...) entidades estatales administrativas con competencia especial [92]: son los llamados entes autárquicos "institucionales", que prestan um servicio o um conjunto de servicios determinados, careciendo de la competencia genérica que caracteriza a las municipalidades. (...) Las dos especies mencionadas constituyen los llamados "entes autárquicos", que realizan uma actividad de tipo administrativo clásico: además de tener personalidad jurídica propia, pues, persiguen um "fin público", y se rigen íntegramente por el derecho público; todos sus agentes son públicos, (...)" [93]

Assim, na lição de Hely Lopes Meirelles, "autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Dirieto Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou." [94]

5.4.3.2 Empresa pública

Para Hely Lopes Meirelles empresas públicas "são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial." [95]

Para Roberto Dromi, empresa pública é a denominação que se dá "a toda empresa en sentido económico (organización de medios materiales y personales para realizar determinada explotación económica), que se encuentra en el sector público (no solo estatal) de la economía." [96]

Maria Sylvia Zanella di Pietro lembra que, "embora a Constituição, no inciso XIX do artigo 37, repetindo o mesmo erro do Decreto-lei nº 200, fale em criação por lei, na realidade a lei apenas autoriza a criação (...), pois essas pessoas jurídicas, como todas as demais do direito privado, só entram no mundo jurídico com a transcrição de seus atos constitutivos no órgão de registro público competente." [97]

5.4.3.3 Fundação

Conforme ensinam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "como não há restrição na norma (...), tanto as fundações instituídas pelo poder público quanto as privadas têm legitimidade para o ajuizamento da ACP. Basta que tenham entre suas finalidades institucionais a defesa de um dos direitos protegidos pela LACP." [98]

O Decreto-lei 200 com alterações em razão da Lei 7.596/87 conceitua fundação pública como, "a entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de Direito Público, com autonomia administrativa, patrimônio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes."

Celso Antonio Bandeira de Mello questiona o conceito explicando que são, na verdade, pessoas jurídicas de Direito Público. [99] E, ademais, quando trata da natureza jurídica das fundações públicas afirma, que "(...) fundações públicas são pura e simplesmente autarquias, às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que têm. (...) as pessoas jurídicas, sejam elas de Direito Público, sejam de Direito Privado, são classificáveis em dois tipos, no que concerne ao "substrato básico" sobre que assentam: pessoas de base corporativa (corporações, associações, sociedades) e pessoas de base fundacional (fundações). Enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado, ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, "a personificação de uma finalidade." [100]

Os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery conceituam fundação como "universalidade de bens personalizada pelo ordenamento jurídico em atenção à finalidade pré-estabelecida. Para que se configure fundação, é necessária a aquisição da personalidade jurídica própria, cuja decorrência é a capacidade jurídica para atuar. Tem como característica ser criada por ato unilateral, solene e gratuito. O sistema do CC admite as seguintes finalidades para a fundação: a) religiosa; b) moral; c) cultural; d) assistencial." [101]

Eduardo Garcia de Enterria e Tomas-Ramon Fernandez, estabelecendo um paralelo entre o direito alemão e o direito espanhol assim se manifestam quanto às fundações públicas: "la figura de la Fundación jurídico-pública está montada sustancialmente sobre el fin público a que queda afecta la dotación patrimonial efectuada por un ente público, especialmente teniendo en cuenta que el derecho alemán de fundaciones admite normalmente que las fundaciones privadas se ordenen a un fin privado o familiar. Pero esta matización es imposible entre nosotros, puesto que, como ha demostrado De Castro, y resulta hoy de manera inequívoca del artículo 34.1 de la Constitución, em Derecho español las Fundaciones privadas requieren de esencia estar afectas a un fin "de interés general."" [102]

5.4.3.4 Sociedade de economia mista [103]

Na doutrina de José dos Santos Carvalho Filho sociedades de economia mista são "pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Indireta do Estado, criadas por autorização legal, sob a forma de sociedades anônimas, cujo controle acionário pertença ao Poder Público, tendo por objetivo, como regra, a exploração de atividades gerais de caráter econômico e, algumas ocasiões, a prestação de serviços públicos." [104]

Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que a sociedade de economia mista "há de ser entendida como a pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular." [105]

Hely Lopes Meirelles também as conceitua como "pessoas jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do Estado, como instrumentos de descentralização de seus serviços (em sentido amplo: serviços, obras, atividades." [106]

Os órgãos da Administração Indireta legitimados para a propositura da ação civil pública são extensões do Estado, e como tal desenvolvem atividades administrativas.

Detêm parcela do poder que devem exercer em prol da coletividade e do bem comum, sempre respeitando os princípios da Administração Pública.

5.4.4 Associação (e sindicatos)

Dentre os legitimados constantes do rol do art. 5º da Lei 7.347/85 encontram-se as associações.

A lei foi expressa em relação a elas no que respeita aos requisitos a serem cumpridos para que pudessem propor a ação civil pública: devem estar constituídas há pelo menos um ano e é preciso que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, turístico e paisagístico, ou ainda qualquer outro interesse difuso e coletivo.

O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz quando, em face da relevância do direito defendido, apresentar-se uma associação constituída há menos de um ano, ou mesmo, após a ocorrência do fato. Porém, faz-se necessário o cumprimento do requisito da pertinência temática donde exsurge o nexo causal entre a associação autora e o direito defendido.

Uma associação é constituída por pessoas físicas ou jurídicas que partilham de interesses comuns ou condição jurídica equivalente.

Para os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery "as associações não se formam por contrato, mas pela união de pessoas, sem direitos e obrigações recíprocos. (...) As associações podem participar de atividades lucrativas para alcançar objetivos. O que não faz parte da essência da associação é o lucro como finalidade. O eventual lucro arrecadado por esta associação dever ser nela "reinvestido"." [107]

Quanto aos sindicatos, uma vez que sua natureza é a mesma das associações civis também lhes é legítima a autoria de ação civil pública na defesa de interesses transindividuais, desde que presente a pertinência temática.

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Sobre o autor
Vinícius Leite Guimarães Sabella

Advogado e Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SABELLA, Vinícius Leite Guimarães. Ação civil pública.: Aspectos sócio-jurídicos de sua imprescindibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1908, 21 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11740. Acesso em: 18 abr. 2024.

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