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Alcance da imunidade tributária recíproca nos impostos indiretos

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26/09/2008 às 00:00
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O Poder Público acaba por figurar como contribuinte de fato dos tributos indiretos, pois, mesmo não sendo diretamente sujeito passivo, sofre as conseqüências da cobrança.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 dispõe em seu inciso VI, alínea "a", do art. 150, acerca da imunidade tributária recíproca. Tal limitação constitucional ao poder de tributar cria regra de delimitação negativa, determinando que os entes federados não podem instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços, uns dos outros.

O instituto em comento, conforme atesta a melhor doutrina, teve sua evolução influenciada pelo constitucionalismo americano, estando previsto, no Brasil, em sede constitucional, desde a Constituição de 1891. Justifica-se, em suma, em função do próprio sistema federativo, determinando seja garantida a harmonia entre as esferas que compõem o Estado.

Interessa, porém, perquirir acerca da extensão da imunidade tributária intergovernamental, em particular no que concerne aos impostos indiretos. As referidas espécies tributárias apresentam peculiaridades relativas à dinâmica de incidência, sendo necessária avaliação dessas particularidades a fim de investigar o alcance da regra delimitadora de competência tributária.

Nos impostos indiretos prevalecem determinados princípios, merecendo destaque o da não-cumulatividade e o da seletividade, marcando a distinção entre o contribuinte de fato e o contribuinte de direito. Dessa forma, o contribuinte de jure realiza o fato gerador, mas quem suporta o imposto de modo indireto é o contribuinte de fato. Sobressai o fenômeno da repercussão econômica, havendo, portanto, a transferência do encargo para o sujeito que ocupa a fase seguinte da cadeia tributária. Como exemplos destes tributos, têm-se o ICMS e o IPI.

Destarte, deve-se verificar a aplicabilidade da regra imunizante quando, no caso de imposto indireto, o Poder Público figura como contribuinte de fato, vez que, mesmo não incorrendo diretamente na relação jurídico-tributária como sujeito passivo, sofre as conseqüências da cobrança.

Ao cotejar a doutrina e a jurisprudência sobre o assunto, verificam-se posições totalmente antagônicas. A querela mostra-se não resolvida, havendo manifestações no sentido de uma interpretação ampla da imunidade tributária recíproca, propugnando sejam investigados a repercussão sobre os entes públicos e, de outro lado, aqueles que intentam uma interpretação restritiva.

Assim, propomos neste trabalho o aprofundamento da questão, a fim de termos subsídios para oferecer uma solução à problemática advinda da relação entre imunidade tributária recíproca e os impostos indiretos. Buscamos inicialmente demarcar os principais conceitos pertinentes ao tema, para, após, avaliar as diferentes correntes doutrinárias e suas repercussões na jurisprudência. Por fim, fincados os parâmetros, objetivamos concluir com nosso posicionamento.


2. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Ao avaliar a etimologia do termo "imunidade" tem-se que o mesmo deriva do latim imunitas, referindo-se, nesse sentido, ao que é destituído de múnus, encargo, obrigação ou até mesmo penalidade. Observa-se o uso de tal figura em diversos ramos do Direito, precipuamente o Direito Penal, o Direito Constitucional, o Direito Tributário, entre outros. Desse modo, em avaliação simplista, mas prática e didática, o jurista Hugo de Brito Machado infere que na seara tributária: "o que é imune não pode ser tributado" [01].

O estudo da imunidade tributária, entretanto, em seus contornos característicos e profundos, é extremamente complexo e marcado por diversas construções doutrinárias. Incabível, neste estudo, pretensões exaustivas acerca da questão. Entretanto, inicialmente, pertinente vincar a conceituação e os posicionamentos majoritários sobre a temática, antes de adentrar na análise específica relacionada ao trabalho que ora se propõe.

1.Nesse passo, pertinente a colação das conclusões de Misabel Abreu Machado Derzi acerca dos aspectos convergentes na doutrina sobre a imunidade tributária: é regra jurídica, com sede constitucional;

2.é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência;

3.obsta o exercício da atividade legislativa estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados;

distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou complementar. [02]

Ao atuar no plano de delimitação da competência tributária, as imunidades devem ser analisadas concomitantes às normas atributivas de poder tributário. Como preleciona a professora mineira [03], as imunidades são um "non sense, se analisadas isoladamente". Desse confronto de normas positivas e negativas surge o campo definitivo em que as pessoas políticas têm aptidão para criar os tributos dispostos constitucionalmente.

Não obstante serem normas negativas, não há que se confundir as imunidades com as isenções. Estas atuam em planos diversos daquelas. As isenções, veiculadas por leis infraconstitucionais, atuam no plano de incidência da norma tributária, referindo-se ao exercício da competência tributária. De outra feita, as imunidades, normas de cunho constitucional, apesar de também impedirem a incidência, atuam no plano de determinação da competência tributária.

Outrossim, importante diferenciar as imunidades dos princípios que regem o Direito Tributário. Embora estejam dispostos na Constituição Brasileira na mesma seção, intitulada "Das Limitações do Poder de Tributar" (arts. 150/152), com esses não se confundem.

Os princípios, qualificados com atributos como a generalidade e abstração, dispõem sobre as diretrizes de um sistema jurídico. As imunidades, de outra forma, apresentam-se determinadas e certas em relação a certos fatos ou pessoas, marcando a ingerência da competência tributária. Os princípios norteiam o legislador no exercício correto concernente à instituição dos tributos. Já as imunidades, de caráter negativo, não indicam como deve ser exercida a competência tributária, atuando na determinação dos seus contornos.

Dessa forma, ao invés da correspondência com os princípios, entendemos que as imunidades atuam para expressá-los. Magistral a alcunha de Regina Helena Costa sobre o princípio que as imunidades manifestam, qual seja, "princípio da não-obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação" [04]. Segundo a autora, tal princípio, implícito no texto constitucional, determina que os direitos e liberdades contemplados não podem ser tolhidos pelos tributos. É o que se extrai da seguinte passagem de sua obra: Em outras palavras, se a Lei Maior assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação, também constitucionalmente disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos.

E uma das maneiras pelas quais, indesejavelmente, pode o exercício de direitos vir a ser amesquinhado é por intermédio da tributação, porquanto o tributo, necessariamente, interfere com o direito de liberdade e o direito de propriedade dos cidadãos. [05] Ao atuarem como elemento de contenção do poderio do Estado, as imunidades não devem ser analisadas como um fim em si mesmas, mas como instrumento para garantir a efetividade dos principais valores eleitos pelo constituinte. Desse modo, protegem a organização partidária, a liberdade de informação, a liberdade sindical, dentre outros.

Importante, ainda, aferir o plano de eficácia concernente às normas que expressam imunidades tributárias. Não obstante a eficácia possa ser compreendida em termos sociológicos, referindo-se à real e efetiva aplicação da norma, resta-nos investigá-la sob o parâmetro jurídico.

Partindo-se da premissa de que todas as normas produzem efeitos jurídicos, concretizando seus efeitos, valemo-nos da classificação propugnada por José Afonso da Silva [06], que, ao investigar o grau de eficácia das normas constitucionais as classifica em:

1.normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral;

2.normas de eficácia contida e aplicabilidade direta, imediata e integral;

normas de eficácia limitada. Em suma, o douto professor diz serem as normas de eficácia plena aquelas que contêm todos os elementos imprescindíveis à sua aplicabilidade, e que estabelecem uma conduta jurídica positiva ou negativa com comando certo e definido, incidindo diretamente sobre os interesses a que o constituinte quis dar expressão normativa.

Já as normas constitucionais de eficácia contida possuem, essencialmente, eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata, enquanto não expedida legislação futura. Entrementes, sua peculiaridade deve-se ao fato de que, se, porventura, houver a intervenção do legislador ou ocorrerem circunstâncias restritivas constitucionalmente admitidas, estas serão no sentido de restringir sua aplicabilidade, sendo tal hipótese prevista na própria norma. Diferencia-se da norma de eficácia limitada quanto à função da atuação do legislador: enquanto na norma de eficácia limitada o legislador amplia sua aplicabilidade, na de eficácia contida, esta é restringida, dada a possibilidade de contenção de sua eficácia.

Portanto, normas de eficácia contida são aquelas "em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados." [07].

Por sua vez, as normas de eficácia limitada são aquelas que não possuem aplicabilidade direta, mas indireta, ou seja, dependem de outra vontade para serem aplicadas. Não são, assim, auto-aplicáveis, auto-executáveis ou bastantes em si. Enquanto não for criada determinada lei, tais espécies constitucionais não podem ser aplicadas ao caso concreto.

Levando em consideração o plano de eficácia, a normas que expressam imunidades tributárias enquadram-se, consoante a classificação propugnada por José Afonso da Silva como normas de eficácia plena ou normas de eficácia contida. Têm, assim, aplicabilidade direta, imediata e integral, não dependendo de nenhum ato intermediário para serem aplicadas à situação fática. Mesmo em hipóteses em que há previsão de atendimento aos requisitos da lei, como no caso do art.150, VI, alínea "c" da Constituição, a promulgação da referida norma não pode obstar o exercício da imunidade, sob o risco de destituir de sentido a previsão do instituto na hipótese contemplada. Ou seja, incabível considerar a lei nessas hipóteses como imprescindível para a atuação da imunidade, como é o caso das normas constitucionais de eficácia limitada.

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Além disso, salienta-se que as imunidades tributárias estão, em grande porção, contempladas entre as normas constitucionais imodificáveis. [08] Ao se relacionarem diretamente com direitos fundamentais ou normas estruturais do Estado, como é o caso da própria imunidade tributária recíproca, que se funda no federalismo, incluem-se entre as cláusulas pétreas dispostas no art. 60, § 4º, da CF. São, dessa forma, inalteráveis até mesmo pelo poder constituinte reformador, ou seja, não podem ser suprimidas por emendas constitucionais.

Diferem, de outro modo, de imunidades como a prevista no art. 155, §2º, X, "a", que prevê a não incidência de ICMS em relação a operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior. Nesse caso, o disposto constitucional, que foi inclusive acrescentado pela Emenda Constitucional n. 42/2003, não se estrutura sobre nenhuma cláusula constitucional sensível, podendo ser atacado por emendas posteriores.

Feita breve incursão sobre a imunidade tributária, segue o estudo daquela que diretamente se relaciona com nosso estudo, qual seja a imunidade tributária recíproca. De cunho subjetivo, por ser estabelecida, conforme veremos, em função de certas pessoas, a imunidade tributária recíproca diverge das imunidades tributárias objetivas, que são aquelas dispostas em razão da matéria tributável


3. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

Conhecida também por imunidade intergovernamental recíproca, encontra-se preconizada pela regra insculpida no art. 150 da Constituição Federal, segundo a qual:Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

(...)

Tal imunidade foi contemplada em todas as Constituições Brasileiras, desde a de 1891, e inspirou-se em instituto similar presente no Direito Norte-Americano.

Apesar de não dispor expressamente acerca da referida exoneração tributária, a imunidade tributária recíproca foi tema muito discutido nos pretórios dos Estados Unidos a partir do século XIX, destacando-se o célebre julgamento referente ao caso "McCulloch vs Maryland", de 1819. [09] Nesse, o Estado de Maryland, intentou tributar a filial de um banco nacional. Inconformada, a União recorreu ao Judiciário. Ao analisar a hipótese proposta, a Suprema Corte firmou entendimento pela impossibilidade da cobrança, valendo, nesse sentido, trazer trecho do voto do Justice Marshall, relator do acórdão, acerca dos fundamentos da decisão:

Insistiu-se também que, como se reconhece que o poder de tributação do governo federal e no estadual é concorrente, todo argumento que amparar o direito de o governo nacional tributar Bancos patenteados pelos Estados, apoiará igualmente o direito de os Estados tributarem Bancos patenteados pelo governo federal. O povo de todos os Estados criou o governo federal e lhe outorgou o poder federal de tributação. O povo de todos os Estados e os próprios Estados estão representados no Congresso, e, através de seus representantes, exercem este poder. Quando estes tributam as instituições patenteadas pelos Estados tributam seus representados; e esses impostos devem ser uniformes. Mas, quando um Estado tributa as operações ou serviços do governo dos Estados Unidos, ele atinge as instituições não criadas por seus próprios cidadãos, mas por todo o povo sobre o qual os deputados estaduais não exercem nenhum controle. Atinge medidas de um governo criado por outros e por eles mesmos, para o proveito de outros em comum com eles. A diferença é aquela que sempre existe, e sempre deve existir, entre a ação de todo sobre uma parte, e a ação de uma parte sobre o todo, entre as leis de um governo que é declarado supremo, e as de um governo que, quando em oposição àquelas leis, não é supremo. [10]

Os magistrados norte-americanos, a partir do referido caso, firmaram algumas conclusões acerca da imunidade tributária recíproca, conforme preleciona Roque Antônio Carrazza:

Sob a coordenação deste conceituado Chief-justice, a Suprema Corte norte-americana, numa decisão que marcou época, transformando-se num autêntico leading-case, deixou assentadas as seguintes idéias, que valem até hoje, inclusive para o Brasil, que, nesta matéria, adota o modelo estadunidense: I – a competência para tributar por meio de impostos envolve, eventualmente, a competência para destruir; II – não se deseja – e a própria Constituição não admite – nem que a União destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou à União; e III – destarte, nem a União pode exigir impostos dos Estados-Membros, nem estes da União, ou uns dos outros. [11]

Posto isto, cabível investigar os fundamentos da imunidade intergovernamental recíproca. Nessa seara, tem-se que tal instituto é decorrência necessária da forma federalista de organização do Estado, bem como do princípio da igualdade, o qual, consoante as lições de Misabel Derzi [12], deve ser analisado preponderantemente segundo o critério da capacidade contributiva.

3.1. FEDERALISMO

O federalismo apresenta-se como forma de organização do Estado, devendo essa ser entendida, consoante lição de José Afonso da Silva, como "modo de exercício do poder político em função do território". [13]

O Estado Federal caracteriza-se como estado composto, marcado pela divisão de esferas de competência entre um poder central, soberano, e poderes locais, autônomos. As competências e esferas de ingerência de cada ente estão dispostas na Carta Política Fundamental que inaugura o Estado.

Como dito de antanho, a Constituição Americana, em sua conformação sintética, não agasalha dispositivo especial para tratar da imunidade tributária recíproca. Porém, ao conceber o federalismo como forma de Estado, prevendo uma descentralização político-jurídica, prestigia implicitamente o instituto.

O federalismo norte-americano, consolidado com a Constituição de 1787, é conhecido por federalismo clássico. Organiza-se em torno de duas esferas de poder, quais sejam: a União e os Estados. Esses, derivados das antigas colônias, abdicaram de parcela de sua soberania a fim de se unirem para formar uma nova entidade de direito público. Há, desse modo, uma construção centrípeta em que os Estados concedem determinados poderes ao órgão central. Conforme preleciona o constitucionalista José Luiz Quadros de Magalhães [14], diversamente do que a referida configuração possa sugerir, tal modelo é caracterizado pela maior descentralização de competências. Apesar de abrirem mão de parcela do poder exercido, os Estados mantiveram grande número de competências administrativas, legislativas e jurisdicionais.

Vale realçar a inexistência de municípios como esferas próprias de competências na Federação norte-americana. Naquele país, esses atuam como meras instrumentalidades previstas na organização estadual, recebendo de cada Constituição Estadual, maior ou menor autonomia.

Delineado o modelo do Estado Federal, o qual procura equilibrar a unidade com as peculiaridades regionais, vislumbra-se a pertinência da consagração da imunidade tributária recíproca.

A tributação mediante cobrança de impostos subjugaria um ente político diante do outro. O princípio federalista não compactua com tais espécies de subordinação, vez que prejudiciais à reclamada coesão nacional (questão que está propriamente no seio das origens do federalismo).

Nos termos da clássica frase proclamada pelo chief-justice John Marshall no acórdão que tratou da questão da imunidade tributária recíproca pela primeira vez nos Estados Unidos, "the power to tax involves the power to destroy". Assim, ao se submeter às pretensões do Fisco estadual, a União estaria sendo atacada em sua soberania.

Apesar de adotar também o modelo federalista como forma de Estado, sobreleva destacar as peculiaridades observadas no Brasil. Denota-se uma disposição própria e variável dos moldes adotados em nosso país, variando ao longo das Constituições e conformando-se aos parâmetros sociais e políticos de cada momento.

Tal questão é natural do próprio sistema. Apesar de seguir a diretriz ditada pelos americanos na consagração do Estado Federal, ressalta-se, na trilha da lição empreendida por Dalmo de Abreu Dallari, que "o federalismo é um fenômeno político-social, vale dizer humano, não sujeito a certezas matemáticas ou a delimitações puramente racionais e previsíveis." [15]

Nesse passo, evidencia-se a adoção da forma de Estado Federal, pelo Brasil, desde a sua primeira Constituição, em 1891. Tem-se em seu primeiro artigo:

Art. 1º. A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1891, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.

Da análise do texto referido, clarifica-se como cópia da clássica divisão dual de competências albergada pelo federalismo americano. A nossa primeira Constituição, organizada por Rui Barbosa, adequa-se ao contexto da época, caracterizado pelos amplos poderes locais, procurando delimitar ao longo de seu texto esferas específicas de atuação de cada um dos entes.

Passando pela Constituição de 1934, que durou pouco tempo, segue-se a Constituição de 1937. Apesar de agasalhar o federalismo, tal Carta, em função do autoritarismo Varguista, não refletiu os anseios de distribuição de poderes entre os entes políticos. Denota-se uma hipertrofia da União, enfraquecendo o âmbito de atuação dos Estados-Membros.

Por sua vez, a Constituição de 1946 intentou superar a excessiva centralização do modelo anterior e inovou, prevendo, pela primeira vez, os municípios como entes autônomos.

Em 1967, com a ditadura militar, tem-se um retrocesso à estrutura da Constituição de 1937. Há, no período, uma centralização do poder central, mantida pela Emenda de 1969.

Com a democratização do país, segue a Constituição de 1988, atualmente vigente, que prevê o federalismo em seu artigo inaugural e ainda o consagra como cláusula pétrea em seu art. 60 § 4º. Importante ressaltar as peculiaridades do modelo concebido pela Carta de 1988.

A Constituição de 1988, além de prever o município como ente autônomo, constrói o federalismo inspirado no paradigma previsto na Lei Fundamental da Alemanha de 1949, conhecido por federalismo de equilíbrio ou cooperativo.

Nesse, objetiva-se restabelecer a verdadeira autonomia e igualdade dos entes políticos. A cada um são atribuídas esferas de competências próprias, intentando repartição equânime do poder, em favor de um "desenvolvimento harmonioso e solidário" [16].

Desse modo, faz-se necessário, no desígnio protetivo da incolumidade do sistema federativo, a manutenção da imunidade tributária recíproca, evitando que uma unidade federativa possa interferir, pela exação, na área de competência e autonomia da outra.

Há, dessa forma, conforme ensinamento de Misabel Derzi [17], a consagração do princípio da lealdade mútua federal, preconizado pela Corte Constitucional Alemã, segundo o qual há imposição de que a União e os Estados ajam amigavelmente uns com os outros.

3.2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A Constituição Federal de 1988, em parágrafo do artigo 145, aduz expressamente acerca do princípio da capacidade contributiva. Nesse sentido, tem-se que:

Art. 145, §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Tal princípio, juntamente com a forma federal de Estado, é primordial para fundamentar a imunidade tributária recíproca. Consoante lição de Regina Helena Costa [18], há ausência de capacidade contributiva por parte das pessoas políticas que compõem a Federação, uma vez que seus recursos destinam-se à prestação dos serviços públicos encarregados a elas.

Na esteira ainda do respeito à capacidade contributiva, sustentamo-nos nas lições de Luciano Amaro [19], propugnando que a imposição de cobrança de impostos de um ente federativo a outro implicaria em subversão à ordem natural das coisas. Haveria instituição de imposto onde não houvesse riqueza.

Misabel Derzi [20] realça que a capacidade contributiva, no âmbito da imunidade tributária recíproca, deve ser analisada complementarmente, consoante parâmetros impostos pelo princípio da igualdade. Nessa senda, vale colacionar a lição de Roque Antônio Carrazza: De fato, a tributação por meio de impostos – justamente por independer de uma atuação estatal – pressupõe uma supremacia de quem tributa em relação a quem é tributado. Ou, se preferirmos, um estado de sujeição de quem é tributado em relação a quem tributa.

Ora, entre as pessoas políticas reina a mais absoluta igualdade jurídica. Umas não se sobrepõem às outras. Não, pelo menos, em termos jurídicos. É o quanto basta para afastarmos qualquer idéia de que podem sujeitar-se a impostos. [21] Ora, incabível aduzir superioridade de um ente político em relação ao outro. Cada um exerce seu poder dentro do âmbito de competência determinado pela Constituição. Ademais, não atuam para si. Cada pessoa política de direito público interno, no desempenho de sua função, age objetivando o interesse público, não produzindo, desse modo, riqueza que revele capacidade econômica.

3.3. TRIBUTOS ALCANÇADOS PELA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

A imunidade tributária recíproca abrange apenas os tributos não vinculados a uma atuação estatal, quais sejam os impostos. Isso por que, conforme propugna Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto, "a exigência de impostos postula a superioridade de quem os exige, supõe o exercício de um poder derivado da soberania, exercitável sobre os súditos do detentor desse poder." [22]

Não há que se falar em imunidade tributária recíproca no caso de taxa, contribuição de melhoria e contribuições especiais. Nesses tributos, a exação decorre de uma prestação efetivada, não havendo manifestação de poder de império de um ente político sobre o outro. A hipotética exoneração relativa aos referidos tributos implicaria locupletamento do ente beneficiário da prestação estatal realizada pelo sujeito ativo, clarificando-se a abrangência da imunidade tributária recíproca tão-somente em relação aos impostos.

Outro ponto que merece consideração relaciona-se aos impostos alcançados pela imunidade tributária recíproca. Observa-se que, ao tratar, da imunidade tributária recíproca, a Constituição se refere à vedação para instituição de impostos entre os entes políticos que onerem o "patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros".

O patrimônio, conforme aduz Baleeiro é constituído por "todos os bens ou todas as coisas vinculadas à propriedade pública e integrantes do serviço público, móveis ou imóveis, corpóreas ou não, inclusive complexo de coisas, como uma empresa, universitas rerum". [23]

Em relação à renda, na senda do mestre baiano [24], entende-se que são todos os rendimentos passíveis de serem auferidos pelo ente político para o exercício de suas atribuições, não comportando limitações.

Por serviços, tem-se que são os serviços públicos, cuja noção deve ser fornecida pelo Direito Administrativo. Nos termos das lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [25] depreende-se a complexidade no que diz respeito à abrangência e conceituação de serviço público, devendo esse ser entendido, mediante a conjugação de três elementos: material (atividades de interesse coletivo), subjetivo (presença do Estado) e formal (procedimento publicístico). Tal noção é variável no tempo e no espaço de acordo com os interesses nomeados pelo sistema normativo como pertinentes à coletividade. Sendo fixado, sob determinadas circunstâncias, o que sejam serviços públicos, prevalente a atuação da imunidade tributária recíproca.

Resta perquirir se há restrição aos impostos que o CTN enquadra como incidentes sobre o patrimônio (imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, imposto sobre a propriedade territorial rural, imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaiquer bens e direitos, imposto sobre veículos automotores), a renda (imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza) e os serviços (imposto sobre serviços de qualquer natureza, imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação).

Nesse aspecto, duas correntes se posicionam acerca da questão. A primeira defende uma interpretação restritiva e formalística, desconsiderando os demais impostos que afetam o patrimônio, a renda e os serviços do ente político.

Outra corrente, capitaneada por Baleeiro [26] e seguida por, entre outros, Regina Helena Costa [27] e Ricardo Lobo Torres [28] pugna por uma interpretação mais extensiva, a fim de que nenhum imposto recaia sobre os bens, rendas e serviços dos entes federados. Apóia-se na finalidade do instituto da imunidade tributária recíproca, aduzindo que a autonomia e igualdade das pessoas imunes não pode ser restringida por meio de impostos.

Tal tese foi prestigiada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar a questão relativa à incidência do imposto sobre operações financeiras, conforme se depreende do seguinte julgado:

"TRIBUTÁRIO. IOF. APLICAÇÃO DE RECURSOS DA PREFEITURA MUNICIPAL NO MERCADO FINANCEIRO. IMUNIDADE DO ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. À ausência de norma vedando as operações financeiras da espécie, é de reconhecer-se estarem elas protegidas pela imunidade do dispositivo constitucional indicado, posto tratar-se, no caso, de rendas produzidas por bens patrimoniais do ente público. Recurso não conhecido" (STF, 1ª T., RE-213059/SP, rel. Min. Ilmar Galvão. DJU. 27/02/1998).

Prevalecendo a posição destacada acerca do alcance da imunidade tributária recíproca em relação aos impostos, resta investigar a abrangência no que tange a uma espécie especial desse tipo de tributo, qual seja a do imposto indireto, questão que, diversamente da anterior, é extremamente controvertida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Nesse passo, seguem tópicos específicos a fim de se intentar oferecer subsídios para solucionar a querela que se põe como objeto principal desse estudo.

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Sobre o autor
Bruno Pereira Santos

Advogado em Belo Horizonte-MG.Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.Especialista em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Bruno Pereira. Alcance da imunidade tributária recíproca nos impostos indiretos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1913, 26 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11757. Acesso em: 7 out. 2024.

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