3.A ação de regresso nos casos de responsabilidade estatal.
De início, cumpre observar que a nossa Constituição inovou, já que a responsabilidade das Pessoas de Direito Público foi estendida às Pessoas de Direito Privado que prestam serviços públicos. Ademais, substituiu-se o conceito de funcionários por uma expressão mais abrangente: agentes.
Ressalte-se, ainda, que a responsabilidade objetiva tem como principal fundamento o ressarcimento dos danos causados por agentes do Estado sem perquirição da intenção do funcionário. Assim, o ilícito, o prejuízo ou o abuso no exercício das funções, por parte do servidor, não exclui a responsabilidade da Administração Pública, já que esta assume socialmente os riscos pela execução dos serviços, bem como pela escolha dos agentes que irão exercê-los (culpa in eligendo), respondendo civilmente pelos prejuízos causados aos particulares de boa-fé.
Desse modo, vê-se que, nos casos de responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por seus agentes, aquele que paga a indenização (responsável indireto) possui um direito regressivo contra o efetivo causador do prejuízo. Tal direito se traduz pela expressão "ação in rem verso", isto é, ação de regresso, que deverá ser proposta logo após o trânsito em julgado da ação principal.
Cretella Júnior (1999, p.340) conceitua o direito de regresso como sendo "O poder-dever que tem o Estado de exigir do funcionário público, causador de dano ao particular, a repetição da quantia que a Fazenda Pública teve de adiantar à vítima de ação ou omissão, decorrente do mau funcionamento do serviço público, por dolo ou culpa do agente".
A ação regressiva é, pois, uma medida judicial ordinária, que deve ser ajuizada após o término da ação que condenar o Estado a indenizar o particular, como explica Rui Stoco (2003, p.554):
O direito de regresso é também admitido quando a pessoa jurídica de direito público é condenada a ressarcir o dano causado por seu preposto (Cf/88, art. 37, parágrafo 6º). Mas a norma constitucional não estabelece a solidariedade entre o Estado e o servidor, nem determina o litisconsórcio passivo deste último na ação intentada contra a pessoa jurídica de direito público pelo particular lesado por ato do funcionário.A ação deve ser proposta contra a União, os Estados e Municípios, ou contra as entidades da administração indireta. Finalmente cabe observar que a ação regressiva se exerce mediante a prova do pagamento da condenação passada em julgado.
Desse modo, inferi-se que a cobrança regressiva é lenta e custosa, já que há de se esperar o trânsito em julgado da ação principal para que o Estado cobre do agente faltoso o ressarcimento devido, instaurando uma nova ação, devendo, ainda, perquirir a responsabilidade deste último, o que, na prática, é desnecessário, haja vista que esta já foi averiguada em sede de processo administrativo.
Por outro lado, caso o funcionário seja denunciado à lide, percebe-se que todo o procedimento se tornará mais célere, uma vez que ele adentrará no processo principal e será abarcado pela sentença, não havendo mais necessidade de instauração de nova demanda.
Este último entendimento, entretanto, encontra como opositores os juristas mais conservadores, tal como Hely Lopes Meirelles (2005, p.444), que afirma que:
A ação de indenização da vítima deve ser ajuizada unicamente contra a entidade pública responsável, não sendo admissível a inclusão do servidor na demanda. O lesado por ato da Administração nada tem a ver com o funcionário causador do dano, visto que o seu direito, constitucionalmente reconhecido (art. 37), é o de ser reparado pela pessoa jurídica, e não pelo agente direto da lesão. Por outro lado, o servidor culpado não está na obrigação de reparar o dano à vítima, visto que só responde pelo seu ato ou por sua omissão perante a Administração a que serve, e só em ação regressiva poderá ser responsabilizado civilmente.
Existem, porém, alguns doutrinadores que entendem que a vítima pode optar entre mover a demanda contra o Estado (cabendo o regresso), diretamente contra o servidor ou, ainda, contra ambos conjuntamente, através da denunciação, senão observemos algumas opiniões a esse respeito:
A ação de indenização proposta pela vítima pode ter como sujeito passivo o próprio agente público ou mesmo o Estado. Por outro lado, isso pode fazer o particular, se fundada a ação em culpa ou dolo do agente público e Estado, propondo a ação contra ambos, agente público e Estado, como responsáveis solidários, ou mesmo só contra o agente público (MELO, 1979, p.221, v.II).
À vítima cabe optar entre propor a ação contra o agente ou contra o Estado, que, acionando o agente, deve provar a culpa e assumir o risco da insolvência deste, e que, agindo contra o Estado, não precisa provar a existência de culpa, tendo a solvência garantida (DALLARI, 1990, p.87).
Nessa mesma linha de intelecção, vêm se estabelecendo o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, consoante se infere dos arestos abaixo colacionados:
A responsabilidade objetiva do Estado pelos prejuízos causados por seus agentes não afasta o direito que tem o prejudicado ou o Estado de postular a necessária reparação diretamente do funcionário que causou o dano (STF – 1ª T. – RE – Rel. Antonio Neder – RT 538/275).
O fato de a Constituição Federal prever direito regressivo às pessoas jurídicas de Direito Público contra o funcionário responsável pelo dano não impede que este último seja acionado conjuntamente com aquelas, vez que a hipótese configura típico litisconsórcio facultativo. Precedente: RE 90071 (STF – 1ª T. AI – Rel. Rafael Mayer – j. 26/11/85, RT 604/253).
Observa-se, assim, que a maioria dos doutrinadores aduz para a possibilidade do Estado, em sendo demandado, mover, posteriormente, ação regressiva contra o agente faltoso, com o fito de ter ressarcida a indenização paga. Tal entendimento, porém, não nos parece o mais adequado, tendo em vista a possibilidade de aplicação da denunciação da lide, trazendo, de logo, à demanda, o real causador do prejuízo, para que este possa, desde o início, se defender, bem como, se possível, arcar com as despesas processuais e quitar o débito, tornando desnecessária a ação de regresso e fazendo com que a vítima receba seu crédito diretamente do servidor, sem precatório.
O Poder Público não pode, portanto, isentar seus agentes da responsabilidade civil, já que não possui disponibilidade sobre o patrimônio público, devendo, apenas, adotar as providências cabíveis para reparar os prejuízos por eles causados, averiguando as faltas cometidas pelos mesmos.
Do mesmo modo que a demanda indenizatória, a ação regressiva transmite-se aos sucessores e herdeiros do agente público, nos termos do art. 122, § 3º, da Lei nº 8.112/90, podendo, ser ajuizada mesmo após a exoneração, a aposentadoria ou a morte do servidor, o que ocorre usualmente, já que tal demanda só pode ser proposta após o trânsito em julgado da ação principal.
Observado que o Estado pode cobrar regressivamente o ressarcimento do agente público, passar-se-á a demonstrar, na prática, a desnecessidade da ação regressiva diante da possibilidade de aplicação da denunciação da lide, com fulcro na celeridade, na eficiência, na economicidade e na supremacia do interesse público, vez que o Estado deve priorizar os interesses da coletividade, não podendo dilapidar o patrimônio público pagando toda e qualquer indenização, por vezes decorrentes de atos ilícitos e dolosos causados por seus servidores.
Assim, caso o funcionário seja incorporado ao processo principal, não haverá necessidade de ajuizamento de nova ação, o que, certamente, ajudará a diminuir os gastos do Judiciário e o tempo de duração da lide, dando eficiência ao iter jurisdicional e à resolução do conflito, senão vejamos:
4.A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado.
A denunciação da lide é uma espécie de intervenção de terceiros forçada ou obrigatória, que imprescinde da existência de um direito regressivo, como já visto. No caso em foco, vê-se que o Estado possui, de fato, um direito de regresso em relação ao agente que causou o dano, uma vez que litiga em virtude de ato perpetrado por este último, com o qual mantém uma vinculação de trabalho.
Conceitualmente, costuma-se afirmar que: "Denunciação da lide é o ato pelo qual o autor ou o réu chamam a juízo terceira pessoa, que seja garante do seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na demanda em que se encontram. (SANTOS, 2004, p.27)". E mais:
Denunciar a lide à alguém não é senão trazer esse alguém para a lide, por força de garantia prestada, ou em razão de direito regressivo existente em face desse terceiro; aproveita o denunciante do mesmo processo para exercer a ação de garantia ou a ação de regresso em face do denunciado; visa, pois, a dois objetivos: vincular o terceiro ao quanto decidido na causa e a condenação do denunciado à indenização. (DIDIER JÚNIOR, 2006, p.101).
O Processo Civil muito utiliza a denunciação da lide, já que tal figura presta-se a chamar alguém (estranho à relação) a responder aos termos do processo, do qual, originariamente, não fazia parte e cujos efeitos podem atingi-lo. O denunciado é convocado para defender os seus interesses contra uma futura ação regressiva ou direito de garantia que o denunciante pretende contra ele, uma vez que a sentença faz coisa julgada e tal não pode acontecer sem o contraditório e a ampla defesa.
Com a denunciação, portanto, o terceiro citado é obrigado a integrar o pólo passivo da demanda, desde que antes seja verificada a sua legitimidade. Tal convocação deve ocorrer até o saneamento, inexistindo chamamento em fase recursal. Com a intervenção, instauram-se duas relações no mesmo processo: a do autor (no caso, o particular) e do réu (Estado) da ação principal e a do denunciante (Estado) e do denunciado (agente público) da ação de denunciação da lide. Ressalte-se, que o resultado da ação principal prejudica a ação de denunciação, pois se o denunciante vencer a demanda, a ação regressiva restará improcedente, já que não existiu pagamento de indenização.
De mais a mais, o art. 70 do CPC prevê as hipóteses de cabimento do referido instituto. Os incisos I e II não geram maiores problemas, já que abrangem o alienante na evicção e o proprietário ou possuidor indireto por força de obrigação ou direito, não sendo, pois, aplicáveis ao caso em tela. O alvo de debates, entretanto, se situa no inciso III, que prevê que:
A denunciação da lide é obrigatória:
[...]
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Como se observa, a norma fala em "contrato", porém não exemplifica quais os contratos que são abrangidos pelo referido artigo. Desse modo, alguns juristas têm entendido que o inciso é genérico e, portanto, ineficaz. É o que explica Sidney Sanches (1984, p.120), quando diz que:
A hipótese prevista no inciso III do art. 70 não é senão uma norma de encerramento: nos incisos I e II o legislador prevê a denunciação da lide em situações de garantia específicas; no inciso III, generaliza, afirmando que cabe a denunciação em outras hipóteses em que houver garantia. Não cabe a denunciação, fundada neste inciso III, em qualquer, absolutamente qualquer situação, sob pena de inviabilizar-se o julgamento da demanda. A interpretação há de ser restrita.
Outros doutrinadores, tal como Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.402), costumam afirmar que: "Daí a implantação da hipótese descrita no inc. III do art. 70, de redação intencionalmente ampla e destinada a ter vasta abrangência, para maior efetividade do instituto e da tutela jurisdicional que mediante ele se possa obter".
Ora, nos casos de responsabilidade do Estado, percebe-se que todos os requisitos inerentes à denunciação estão presentes, senão vejamos: a) verificação da culpa do agente público no processo administrativo, vez que a decisão daí oriunda será utilizada como instrumento de prova no processo judicial; b) existência de obrigação contratual, pois o servidor possui uma relação de "trabalho" com o Poder Público; c) direito de regresso do Estado, na proporção das condições financeiras do agente, permanecendo o primeiro como responsável subsidiário, diante da sua culpa in eligendo; d) possibilidade da sentença principal abarcar e condenar o agente litisdenunciado; e) controle de legalidade da decisão administrativa realizado pelo Juiz ao analisar o pedido de denunciação.
Desse modo, não há qualquer impedimento procedimental que torne inaplicável a denunciação da lide nos processos em debate, o que corrobora o entendimento de que é totalmente desnecessário o ajuizamento de ação regressiva autônoma, consoante já salientado.
Assim, o Estado, ao ser processado, deverá requerer a citação do real causador do dano, demonstrando, em Juízo, que a conduta deste último já foi averiguada via processo administrativo ou, ao menos, que possui provas da autoria do dano. Após o chamamento, o denunciado poderá: não comparecer e ser revel; comparecer, aceitar a denunciação e se defender, tornando-se litisconsorte do Estado; comparecer e concordar com as alegações da vítima; comparecer e negar a condição de denunciado, também efetivando o contraditório. De qualquer modo, após a citação, o agente passa a integrar a relação jurídico-processual, sendo abarcado pela sentença a quo (SANTOS, 2004).
A denunciação da lide, pois, encontra-se em total sintonia com as ações de responsabilidade estatal, quando existam indícios fortes acerca da autoria do prejuízo, efetivando a celeridade e a economia processuais, como afirma Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.399), senão vejamos:
Essa configuração do instituto permite apontar como sua ratio não só a economia processual, pois propicia o julgamento de duas causas em um processo só e sentença única, preparada por uma só instrução; como ainda a harmonia de julgados, pois evita o duplo sucumbimento daquele que, vencido em uma causa, correria o risco de receber depois outra sentença desfavorável na ação de garantia, declarando o juiz a inexistência da obrigação que lhes foi imposta antes.
Como a demanda inicial prejudica a segunda ação, só haverá necessidade dessa última persistir caso haja a obrigatoriedade de recomposição patrimonial por parte do Estado. Assim, com a denunciação, a Administração não mais precisará pagar o débito, uma vez que o funcionário já terá adentrado no processo, sendo abarcado pela decisão e condenado, caso seja a hipótese, a ressarcir diretamente a vítima, permanecendo o Estado como devedor subsidiário, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, já que o ente assume os riscos pelos serviços prestados e pela contratação dos servidores, sendo responsabilizado objetivamente em caso de incapacidade do verdadeiro causador do prejuízo.
Desse modo, caso o agente possua condições financeiras para pagar a indenização, o administrado receberá a quantia de forma direta, sem necessidade que o Estado lhe pague via precatório.
A maior polêmica acerca do art. 70, III, do CPC se refere à aceitação do instituto no caso em que a denunciação traz novas questões ao processo principal, ocasionando "demoras" na instrução (DINAMARCO, 2004). Ocorre que o ingresso do agente público na ação de responsabilidade estatal não ampliará os limites da demanda, uma vez que a culpa do mesmo já foi averiguada via processo administrativo, bastando que o magistrado controle a legalidade da referida decisão.
Pelo exposto, deve-se interpretar o dispositivo supracitado de maneira a atingir a finalidade instrumental da norma, que é a pacificação social, como explica Alexandre Câmara (2006, p.201), ao afirmar que a denunciação da lide "não é apenas uma comunicação (denúncia) acerca da existência de um processo, mas contém verdadeira demanda incidental de garantia, através da qual se formula pretensão em face do terceiro convocado a integrar o processo".
Observa-se, assim, que a denunciação da lide é uma garantia do Estado, já que este só terá que indenizar caso o servidor não possua condições financeiras para tanto. Assim, o direito de regresso será exercido na própria ação de responsabilidade estatal, tornando o feito mais célere.
De fato, o Estado não deve assumir todo e qualquer dano causado por agentes públicos, ainda mais quando o prejuízo derivou de um ilícito ou de um ato doloso, sob pena dos interesses particulares de determinados funcionários se sobreporem ao Estado Democrático de Direito, que preza pela supremacia do interesse público e pelo resguardo do patrimônio estatal.
Saliente-se, ainda, que a denunciação não procrastinará a ação de responsabilidade estatal, ao contrário, a agilizará, tendo em vista a existência de decisão administrativa reconhecendo a falta perpetrada pelo agente, não havendo necessidade de se rediscutir, no Judiciário, a conduta do mesmo. Da mesma forma, vê-se que o particular não será prejudicado, uma vez que receberá a indenização diretamente do funcionário, tornando despiciendo o lento pagamento via precatório.
Em desfavor da aplicabilidade da denunciação da lide se situa o entendimento jurisprudencial do STF, como bem pontua o jurista baiano Fredie Didier Júnior (2006, p.104), ao aduzir que:
As pessoas jurídicas de direito público e as prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [...] O STF tem se inclinado em sentido da inadmissibilidade da denunciação em tais casos, sob o argumento de que diversos os fundamentos da responsabilidade, num caso, do Estado, em relação ao particular, a simples causação do dano; no outro, do funcionário em relação ao Estado, a culpa subjetiva.
Cumpre, então, colacionar o seguinte aresto originado do Supremo Tribunal Federal, qual seja:
Constitucional. Responsabilidade Civil do Estado. Seus pressupostos. Processual Civil. Ação de indenização, fundada em responsabilidade objetiva do Estado, por ato de funcionário, não comporta obrigatória denunciação a este, na forma do art. 70, III, do Cod. Proc. Civil, para apuração de culpa, desnecessária a satisfação do prejudicado (STF, RE 93880, Rio de Janeiro, DJ 05.02.82, 2ª T., Min. Décio Miranda).
Em sentido oposto, consolida-se a jurisprudência do STJ, como demonstram as seguintes ementas:
Processual Civil. Responsabilidade do Estado. Denunciação da lide. Obrigatoriedade (Art. 70, III, do Código de Processo Civil). Em face de preceito expresso de lei, a denunciação da lide é obrigatória a todo aquele que estiver forçado pela lei ou por cláusula contratual a indenizar, pela via do regresso, o prejuízo do que perder a demanda. Tornar facultativa a denunciação da lide importa no descumprimento explícito da lei (art. 70, III, do CPC) e na afronta ao princípio da economia processual (STJ, RESP 196321, Paraná, DJ 26.04.99, T1, Min. Demócrito Reinaldo).
Responsabilidade civil do Estado – Denunciação da lide – Servidor público – Possibilidade em nome da celeridade e da economia processual, admite-se e se recomenda que o servidor público, causador do acidente, integre, desde logo, a relação processual (STJ, RESP 165411, Espírito Santo, DJ 03.08.98, T1, Min. Garcia Vieira).
O Estado responde pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Sua responsabilidade é objetiva, independe de dolo ou culpa. O agente público causador do dano, por sua vez, indeniza regressivamente a Administração Pública. Em virtude do direito de regresso existente entre o Estado e o funcionário de seus quadros, é admissível a denunciação da lide, com arrimo no art. 70, III, do CPC, para que o servidor causador do dano integre a relação processual na condição de litisdenunciado (STJ, RESP 156.289, T1, DJ 02.08.99, Min. Demócrito Reinaldo).
O Estado – quando réu em processo de indenização por acidente de trânsito – tem direito de denunciar a lide ao motorista que conduzia o veículo oficial [...] (STJ, RESP 13.621, São Paulo, Min. Humberto de Barros).
Estas últimas razões parecem ser mais condizentes com a prática atual, em razão da necessidade de desabarrotamento do Poder Judiciário. Assim, vê-se que nada impede que o Estado denuncie o agente público responsável para que este integre a demanda principal, tornando desnecessária uma posterior ação de regresso e ensejando, de logo, o início da execução contra o referido funcionário.
Ressalte-se que, caso o agente não seja denunciado à lide, tendo que aguardar a ação de regresso para ressarcir o Estado, o mesmo poderá, visando eximir-se da dívida, transferir seus bens a terceiros, para que, no momento da demanda, não mais possuir condições de ressarcir o Estado, causando grave fraude executória e contra credores. Assim, a sentença pós-denunciação tornará o servidor devedor do ente estatal, eximindo-se de tal encargo caso pague a indenização à vítima.
Neste ponto, cumpre trazer à baila o pensamento inovador de Alexandre Câmara (2006, p.206):
A nosso juízo, e assumindo os riscos de uma posição isolada, o fato de o Estado, civilmente responsável, ter direito de regresso em face de seu agente que tenha causado o dano, não exclui a responsabilidade deste perante o lesado, a qual decorre do art. 927 co Código Civil de 2002. assim sendo, nada impediria que se formasse um litisconsórcio (facultativo, obviamente) entre a pessoa jurídica de direito público e seu servidor.
Efetivamente, a responsabilidade do Estado permanece em relação ao particular, até porque o ente público assumiu os riscos na contratação daquele agente, restando configurada a culpa in elegendo. Ocorre, entretanto, que o ente estatal só deverá ser obrigado a indenizar caso o servidor não possua condições para tanto. O que denota que a responsabilidade do Estado é meramente subsidiária.
Barbosa Moreira há muito defende a aplicabilidade da denunciação nas ações de responsabilidade estatal, como se percebe do seu relato na Ação Civil nº 8.995/1979:
Não colhe o argumento em contrário, às vezes suscitado, de que a denunciação da lide ao funcionário introduz no processo novo "thema decidendum", por depender da ocorrência de culpa ou dolo daquele o reconhecimento do direito regressivo da pessoa jurídica de direito público. Tal argumento prova demais, porque com a denunciação, em qualquer caso, se introduz novo "thema decidendum"; questioná-lo equivaleria a pensar que algum denunciado fique impedido de defender-se negando a obrigação de reembolsar o denunciante, isto é, contestando o direito regressivo deste. Na verdade, a nenhum denunciado se recusa a possibilidade de contestá-lo. Pouco importa que ela se relacione com a exigência de dolo ou culpa ou com qualquer outra circunstância: a situação é sempre, substancialmente, a mesma (TJ do Rio de Janeiro).
De fato, havendo o reconhecimento da culpa do agente em processo administrativo, não há argumento jurídico que impeça a aplicação da denunciação da lide, até porque o juiz deverá reapreciar a legitimidade do ato formador da decisão administrativa, cabendo a decretação da nulidade da mesma, caso haja vício ou ilegalidade. Desse modo, torna-se desnecessária a realização de nova instrução, bem como a ação de regresso, efetivando-se os princípios da celeridade, eficiência e economicidade, previstos no inc. LXXVIII, do art. 5º, da CF. A denunciação garante, pois, que o Estado não precise indenizar o particular para só depois cobrar o ressarcimento do servidor, já que todas as questões serão debatidas e resolvidas in simultaneus processus.
No caso de responsabilidade estatal, pois, estar-se-á diante de uma sub-rogação, já que o ente acionado, após indenizar, assume os direitos do credor, podendo cobrar o ressarcimento do agente causador do dano, não cabendo uma interpretação restritiva do art. 70, III, do CPC, vez que a norma quer "restringir a denunciação da lide às situações de garantia própria" (DIDIER JR., 2005, p.316).
Humberto Theodoro Júnior (2005, p.119) também admite amplamente a aplicação da denunciação da lide nos casos de responsabilidade civil do Estado, por entender que:
Existindo o direito regressivo a ser resguardado pelo réu, a instauração do procedimento incidental da denunciação em nada altera a posição do autor na ação principal. Se seu direito de indenização é objetivo, continua com esse caráter perante o Estado-réu. Se o direito regressivo contra o funcionário depende da culpa do servidor que praticou o ato lesivo, ao denunciante é que incumbirá o ônus da prova da culpa, durante a instrução normal do processo. O autor da ação principal não sofrerá agravo nenhum em seus ônus e deveres processuais. O direito regressivo do Estado é que restará condicionado ao fato da culpa do servidor e só será acolhido se tal restar evidenciado na instrução. [...] Se o art. 70, nº III, do CPC, prevê a denunciação da lide "àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda; e se o texto constitucional é claríssimo em afirmar que o Estado tem "ação regressiva contra o funcionário responsável", não há como vedar à Administração pública o recurso à litisdenunciação.
Ademais, a própria Constituição afirma que o Estado possui direito de regresso contra o agente faltoso, não havendo como lhe ser negado o instrumento da denunciação da lide, sendo este o entendimento do STJ, senão vejamos: "É de todo recomendável que o agente público, responsável pelos danos causados a terceiros, integre, desde logo, a lide, apresente sua resposta, produza prova e acompanhe a tramitação do processo." (STJ, 1ª T, RESP 594/RS, Min. Garcia Vieira, ac. 07.11.96).
Pelo exposto, vê-se que é decorrência lógica do Estado Democrático a adequação ao devido processo legal, além da otimização da duração da lide, bem como a proporcionalidade como corolário da relação necessidade-benefício social, prestando-se a denunciação da lide aos ditames do Estado de Direito, vez que visa ampliar o acesso à Justiça, atuar com menos onerosidade, com celeridade e eficiência e adequar o processo aos reais interesses coletivos.
Assim, não há qualquer empecilho à aplicação da denunciação nas ações de responsabilidade estatal, devendo-se demonstrar, na prática, exemplos que comportam a utilização do citado instituto.
4.1 Por atos cometidos no exercício da função jurisdicional.
A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais não é aceita pacificamente pela doutrina, sob o argumento de que o juiz precisa agir livremente, sem interferência dos outros dois Poderes. Não fosse isto, aduz Zanella Di Pietro (2006, p.533) que: "A indenização por dano decorrente de decisão judicial infringiria a regra da imutabilidade da coisa julgada, porque implicaria o reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei".
Este, entretanto, não parece ser o melhor entendimento, já que a própria Constituição, em nenhum momento, excetuou tal responsabilidade, além de que o Código Civil e o CPC taxam, expressamente, a responsabilidade pessoal dos magistrados, observando-se, na prática, inúmeros casos que comportam a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais, os quais, em regra, permitem a aplicação da denunciação da lide.
Maria Emília M. Alcântara (1988, p.75) aponta os casos mais corriqueiros de responsabilidade civil do Estado em razão de atos perpetrados por juízes, quais sejam:
Prisão preventiva decretada contra quem não praticou o crime, causando danos morais; a não concessão de liminar nos casos em que seria cabível, em mandado de segurança, fazendo perecer o direito; retardamento injustificado de decisão ou de despacho interlocutório, causando prejuízo à parte. A própria concessão de liminar ou de medida cautelar em casos em que não seriam cabíveis pode causar danos indenizáveis pelo Estado. Apenas para o caso de dolo, fraude, recusa, omissão, retardamento injustificado de providências por parte do juiz, o artigo 133 do CPC prevê a sua responsabilidade pessoal por perdas e danos.
Não se pode, contudo, olvidar-se que os juízes, tais como os demais servidores, não são infalíveis e intangíveis, cabendo, portanto, a responsabilização pessoal destes pelas faltas cometidas, não procedendo o frágil argumento de que o Poder Judiciário é soberano e intocável (PIETRO, 2006).
Apenas para elucidar eventuais controvérsias acerca do tema, cumpre demonstrar algumas hipóteses exemplificativas que permitem a aplicação da denunciação da lide, senão vejamos:
1– Se restar comprovado que a sentença foi proferida com parcialidade ou sem obediência à proporcionalidade e à razoabilidade, poderá o juiz ser denunciado à lide, caso o lesado intente ação contra o Estado. Isto porque, não obstante a responsabilidade estatal ser objetiva, o referido ente não deverá arcar com um dano causado diretamente por seu funcionário, seja por dolo ou culpa, principalmente no caso do mesmo possuir condições de quitar o débito. Com a denunciação, pois, evitar-se-ão fraudes, já que o juiz adentrará, de logo, no processo, efetivando o contraditório e assumindo o prejuízo que causou, permanecendo o Estado como responsável subsidiário.
2– Também na hipótese de abuso da autoridade judiciária, poderá o juiz, em não sendo processado diretamente pelo particular, ser denunciado à lide pela Administração Pública, seguindo-se os ditames da Lei nº 4.898/65, que regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade.
3– Um outro exemplo de responsabilidade do Juiz que pode ensejar o seu chamamento ao processo principal está previsto no artigo 1.744 do Código Civil, o qual prevê a responsabilização no caso do mesmo se omitir e não nomear tutor de forma oportuna ou não exigir garantia legal deste.
4- A responsabilidade estatal também deverá ser averiguada no caso de demora ou negativa de prestação jurisdicional, seja por dolo ou por culpa. De fato, se o Juiz efetivamente causar um dano, no exercício da função, deverá ter a sua responsabilidade apurada administrativa e judicialmente, podendo ser denunciado à lide pelo Estado, vez que possui plenas condições de quitar o débito. É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa acometida por uma doença degenerativa ajuíza ação com pedido liminar que lhe permita realizar determinada cirurgia, que não está sendo liberada pelo plano de saúde, e o magistrado, mesmo ciente da gravidade da moléstia, acaba demorando, por desídia ou por inimizade, para proferir a decisão antecipada, ocasionando o falecimento do paciente.
Observe-se que, nesse caso, inexistiu uma omissão, mas sim uma expressa negativa de cumprimento da prestação jurisdicional, pelo que patente é a responsabilização do agente, o que não ocorreria se a demora decorresse de motivos fortuitos alheios a sua vontade ou por falta de aparelhagem.
Assim, desproporcional seria que o Estado esperasse longos anos o término da ação principal para só depois intentar ação regressiva contra o magistrado causador do dano, visando ser ressarcido.
Desse modo, em casos patentes de responsabilização pessoal do agente público, principalmente quando já houver decisão administrativa, não haverá necessidade de ajuizamento de ação de regresso, uma vez que a conduta faltosa do juiz já foi devidamente averiguada via processo administrativo, cabendo o chamamento deste, pois, ao processo indenizatório.
No que tange ao erro judiciário, cumpre salientar que esta situação exige a análise do caso concreto, tendo em vista ser casuística e variável, como explica Luiz Antônio S. Hentz (1995, p.31): "Opera com erro o juiz sempre que declara o direito a um caso concreto, sob falsa percepção dos fatos; a decisão ou sentença divergente da realidade conflita com os pressupostos da justiça, entre os quais se insere o conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica".
O erro, pois, pode ser in judicando, o que expressa equívoco no julgamento, ou in procedendo, isto é, na condução do processo. O principal erro judiciário abrange o cumprimento de pena além do tempo fixado na sentença, nos termos do inc. LXXV do art. 5º, da CF, senão vejamos estes arestos:
Se uma pessoa foi encarcerada, injustamente, sem qualquer motivo, e, se, em tal situação, tinha o Poder Público a obrigação de manter e assegurar sua incolumidade física, por certo que deve responder pelas conseqüências dos danos que ele sofreu na prisão, pagando-lhe uma indenização que há de ser a mais completa possível (TJSP – 4ª C. Apelação, Rel. Henrique Machado – RT 511/88).
O Estado é responsável pela reparação do erro judiciário, devendo a indenização cobrir os danos morais e materiais decorrentes da execução condenatória, em detrimento do réu inocente. A indenização pode ser pleiteada em ação autônoma, perante o Juízo cível, chamando-se o responsável ao processo, ou na ação de revisão criminal (TJBA – 1ª C. Apelação – Rel. Paulo Furtado – RDA 157/258).
Pelo exposto, vê-se que, em não sendo aplicada a denunciação da lide, tanto a parte lesada, quanto o próprio ente estatal demandado, seriam prejudicados pela demora, tendo que arcar com gastos desnecessários na ação de regresso e esperar a execução de precatório.
Não procede, portanto, o argumento de que a soberania dos serviços judiciários excluiria tal Poder de sofrer reprimendas, sob pena do Judiciário se sobrepor aos outros dois Poderes, violando a isonomia aclamada na Carta Magna, como salienta Lafayette Pondé (1995, p.315), ao afirmar que:
O serviço judiciário é um setor de funcionamento do Estado, como o são todos os demais serviços públicos; distingue-se destes tão-só pela função jurisdicional, que preferentemente ele exerce. Isto, porém, não o eleva acima da ordem jurídica, a cuja fiel e exata aplicação ele se destina. E, até mesmo por sua destinação específica, os danos que ele cause ser o mais prontamente reparados, para que não permaneça sem remédio a violação sofrida pela vítima que o buscará sedenta de justiça.
Existem, também, inúmeros outros exemplos práticos que permitem a denunciação do juiz causador do dano à lide, quando, como acentua o professor Canotilho (2005, p.660):
(1) houver grave violação da lei resultante de "negligência grosseira"; (2) afirmação de factos cuja inexistência é manifestamente comprovada pelo processo; (3) negação de factos, cuja existência resulta indesmentivelmente dos actos do processo; (4) adopção de medidas privativas da liberdade fora dos casos previstos na lei; (5) denegação da justiça resultante da recusa, omissão ou atraso do magistrado no cumprimento dos seus deveres funcionais.
Não fosse isto, a própria Constituição trata do erro judiciário no art. 5º, inc. LXXV, aduzindo que: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença". Este também é o entendimento do STJ, senão vejamos o seguinte aresto:
Administrativo. Responsabilidade Civil. Denunciação da lide. Cabimento. Art. 70, III, do CPC. 1- A Administração Pública tem direito subjetivo processual de denunciar a lide, na qualidade de terceiro, o seu funcionário, seja político, administrativo ou judicial, na forma do art. 70, III, do CPC, nas ações de Responsabilidade Civil contra si intentadas. 2- A referida denunciação, se requerida, não pode ser indeferida pelo Juiz. Precedente: RESP n. 95.368-18, Rel. Min. José Delgado, DJU de 08.11.96. (REsp 100158 / DF ; RESP 1996/0041948-5, Min. Milton Luiz Pereira), sem grifos no original.
Desse modo, caso o Juiz seja denunciado, o Estado permanecerá como responsável subsidiário, para o caso do agente não possuir condições de arcar com a indenização, nos termos do art. 37, § 6º, da CF e, ainda, em razão da culpa in eligendo, já que o dano foi causado por um servidor integrante do seu quadro funcional, assumindo o Estado os riscos de ter "contratado" aquele funcionário.
Diante das razões expendidas, vê-se que não há qualquer fundamento jurídico que impeça que o Estado chame o juiz faltoso para integrar o processo, visando acelerar o procedimento, diminuir os gastos e evitar a propositura de uma nova e desnecessária demanda.
4.2 Por atos cometidos no exercício da função administrativa.
Analisar-se-á, agora, a aplicação da denunciação àqueles que exercem a função administrativa.
De fato, quando um servidor prestar um serviço sem qualidade ou de modo ineficiente, o Estado poderá chamá-lo para integrar a ação de responsabilidade civil, após a averiguação de sua culpabilidade, evitando, assim, a propositura de uma ação regressiva e reduzindo o tempo da demanda e os gastos cartorários. Isto porque, o exercício de função pública, nas palavras de Hely Lopes Meirelles (2005, p.75), "exige perícia, técnica e perfeição de ofício". Assim, com a responsabilização do funcionário, estar-se-á exercendo um efeito preventivo de litígios, evitando atuações irresponsáveis e moralizando os agentes acerca de seus efetivos encargos públicos.
Muitos são os exemplos de aplicabilidade da denunciação da lide em ações movidas a título de responsabilidade civil do Estado por faltas perpetradas por agentes administrativos (professores, bombeiros, serventuários, policiais etc), sendo que os casos que mais ensejam o chamamento do funcionário são os de colisão de veículos oficiais, como explica Yussef Said Cahali (1995, p.142):
É certo que, por vezes, em caso de colisão de veículos, a análise da culpabilidade entrosa-se intimamente com a análise do nexo de causalidade material; de tal modo que, se entendida dispensável a prova de um mínimo de culpa do motorista do veículo oficial, resta o exame amplo da conduta do mesmo quando do acidente, para verificar até que ponto terá ela concorrido para a sua verificação de molde a determinar ou não a responsabilidade.
Ressalte-se, também, uma hipótese muito comum de responsabilização estatal por ato de agente na função administrativa que é a dos policiais, quando estes, por exemplo, prendem um suspeito erroneamente, apreendem um bem de forma abusiva e ilegal ou atiram num cidadão inocente. Isto porque, tais servidores vivem no liame entre o dever de agir, dando segurança aos cidadãos, e a possibilidade de atuar, levando-se em consideração a previsibilidade do dano (BAHIA, 1995).
Como não se pensar, ainda, na possibilidade de denunciação da lide no caso de erro médico cometido por um profissional concursado em um hospital público?
Pelos motivos expostos e levando-se em consideração os exemplos taxados, cumpre colacionar alguns arestos acerca da matéria em foco, senão vejamos:
Adotou o direito brasileiro, em sede de responsabilidade civil do Estado, a teoria do risco administrativo, com a possibilidade de o Estado, após indenizar os lesados, acionar regressivamente o agente causador do dano, em caso de dolo ou culpa deste. É com base no princípio da economia processual que se admite a denunciação à lide do servidor público culpado (Resp 236837/RS, Min. Garcia Vieira, T1, DJ 03/02/2000), grifos nossos.
Ação de Indenização contra o Estado – Responsabilidade objetiva – Presunção de culpa – Acidente de Trânsito – Denunciação da lide – Motorista Oficial (CPC art. 70).
[...]
II – O Estado – quando réu em processo de indenização por acidente de trânsito – tem direito de denunciar a lide ao motorista que conduzia o veículo oficial.
III – Requerida a denunciação, em tal processo, defeso ao Juiz condicioná-la à confissão de culpa, pelo Estado (Resp 163097, Humberto G. de Barros, DJ 28/09/98), sem grifos no original.
Ato ilícito praticado por preposto – Dano causado por disparo de arma de fogo de policial em tumulto público – Ação de Indenização – Denunciação da lide na espécie – Suficiência da certeza de ser a bala proveniente de arma utilizada pela Polícia Militar (RT, 641:139).
Como visto, já está se tornando pacífica a possibilidade de denunciar o agente público causador do dano à lide nas ações de responsabilidade civil do Estado, desde que haja indícios fortes acerca da culpa do mesmo, senão vejamos alguns arestos exemplificativos:
Ao funcionário interessa intervir na ação, não só para assegurar o justo valor da indenização como, também, para evitar as despesas de dois processos: o movido contra a Administração e o desta contra ele. A letra e o espírito da Constituição permitem a participação, no processo, do funcionário, já que o Poder Público, executado por ato de seu representante, lesivo a terceiro, tem direito de exigir, diante do princípio da regressividade, do autor do dano, aquilo que pagou ao prejudicado (RT 544/260, 18.06.80).
Admite-se a denunciação da lide nos casos de responsabilidade civil do Estado quando a reparação de danos funda-se na culpa do preposto, porque, uma vez reconhecida esta, o direito de regresso da pessoa jurídica de direito público será simples corolário da aplicação da norma constitucional (TACSP – 5ª C., AI, Rel. Laerte Nordi, DJ 11/6/86).
Subsidiária, como visto, será a responsabilidade do Estado nos casos em que o agente público não possua condições de indenizar, seja porque o ente assume os riscos de ter contratado aquele funcionário, seja, em razão da culpa in eligendo, nos termos supletivos do art. 932, III, do Código Civil ("Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.") e da Súmula 341 do STF ("É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto."), haja vista que o Estado é o "empregador" do agente público.
Cumpre salientar, ainda, diante da vastíssima gama de hipóteses de danos causados por agentes no exercício da função administrativa, outros casos que permitem a denunciação da lide:
1– Os leiloeiros, peritos, tabeliãs e tradutores poderão ser denunciados caso tenham causado dano ao particular, desde que haja nexo de causalidade entre suas condutas e os prejuízos sofridos.
2– Se um serventuário da Fazenda Pública expedir um título de posse, conferindo certo pedaço de terra a alguém que não tem direito ou, ainda, antes do prazo da usucapião, da mesma forma, em sendo comprovada que a sua conduta derivou de dolo (inimizade, por exemplo) ou culpa, poderá o mesmo ser chamado para integrar o processo, como bem pontuou o STJ: "O Estado responde pela culpa de seus agentes, expedindo títulos de domínio pleno de terras que não lhe pertenciam e que, por isso, foram restituídas aos legítimos donos em prejuízo dos sucessores daqueles títulos. Cabível a denunciação do agente pelo art. 70, III, do CPC. (STJ – 1 T. J. 315.74 – RTJ 72/145)".
3– Outro caso que permite a denunciação da lide é o erro cometido pelos subordinados de certo serventuário, senão vejamos: "É o serventuário responsável civilmente pelo que se passa em seu cartório. Cabe-lhe culpa in vigilando, ou in eligendo, sobre os erros de ofício de seus subordinados. (TJSP, Apelação – Rel. Henrique Machado – 63/155)".
4– Responde, ainda, cabendo a denunciação da lide, o titular do cartório por ato de escrevente que subtrai dinheiro entregue pela parte, para pagamento de dívida cobrada pelo Juízo, senão vejamos:
Administrativo e Processual Civil – Responsabilidade do Estado – Evento danoso causado por ato de tabelionato não oficializado – Legitimidade Passiva – Denunciação da lide – Ação de regresso – Nexo de causalidade.
1. Provado nos autos que a fraudulenta alienação imobiliária só se realizou em face de apresentação de falsa procuração pública, cabe ao Estado responder pela indenização por ato ilícito do seu preposto. 2. Os tabelionatos são serventias judiciais e estão imbricadas na máquina estatal, mesmo quando os servidores têm remuneração pelos rendimentos do próprio cartório e não dos cofres públicos. 3. Embora seja o preposto estatal também legitimado para responder pelo dano, sendo diferentes as suas responsabilidades, a do Estado objetiva e a do preposto subjetiva, caminhou a jurisprudência por resolver em primeiro lugar a relação jurídica mais facilmente comprovável, cabendo, entretanto, a denunciação à lide do agente (REsp 489511 / SP, Ministra Eliana Calmon – T. 2 - 22/06/2004, DJ 04.10.2004 p. 235), grifos nossos.
5- Um outro exemplo bastante comum ocorre quando um escrivão levanta uma quantia e se apropria indevidamente desse valor. Nessa hipótese, do mesmo modo, possível é a aplicação da denunciação da lide, como bem reconheceu o TJ de São Paulo na seguinte ementa: "Deve ser citado para integrar a lide contra a Fazenda do Estado, o escrivão que levantou quantia pertencente a terceiro e dela se apropriou" (4ª Câmara Cível do TJSP, 17.04.80, RT 540/103).
Pelo exposto, vê-se que é plenamente aplicável, às ações de responsabilidade estatal, a denunciação do agente público à lide, desde que reste demonstrada a efetiva culpa (em regra, há decisão administrativa prévia), bem como o nexo causal entre a conduta do funcionário e o prejuízo.
4.3 Por atos cometidos por agentes vinculados a concessionárias e permissionárias.
Passemos, agora, à análise acerca da responsabilidade do Estado em razão de ato cometido por agentes vinculados às Pessoas Jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviços públicos, mediante delegação estatal, ou seja, às concessionárias e permissionárias, vislumbrando-se a efetiva possibilidade de tais entidades serem denunciadas à lide pelo ente estatal demandado.
Inicialmente, entendia-se que as concessionárias e permissionárias não possuíam desejo e, portanto, não podiam causar ilícito ou agir com dolo ou culpa. Com a evolução do Direito Administrativo, entretanto, passou-se a se responsabilizar tais pessoas pelos atos perpetrados por seus agentes, mantendo-se, porém, a responsabilidade do ente que delegou o serviço, até porque este possui o dever de fiscalizar se as atividades estão sendo bem prestadas.
Não fosse isto, a própria Constituição prevê, em seu art. 175, a hipótese de delegação da prestação do serviço público, salientando que, se a atividade estiver sendo prestada de modo ineficaz, ilegal ou ineficiente, o ente delegante deve encampar o serviço e voltar a prestá-lo de maneira adequada, consoante interpretação extraída dos arts. 175, IV, da CF, 22 da Lei nº 8.078/90 (CDC) e 6º da Lei nº 8.987/95, sob pena de responder objetivamente pelos danos causados aos particulares.
Caso o usuário processe o Estado, este poderá denunciar a concessionária e tal empresa também poderá chamar seu funcionário para integrar a lide, tendo em vista a existência de um direito regressivo do Estado em face da prestadora de serviço e desta última em face do trabalhador faltoso.
Assim, diante da celeridade, da eficiência e da economia processual, previstas no art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna, há de ser aplicada a denunciação da lide nas ações de responsabilidade estatal, permanecendo o Estado como devedor subsidiário, para o caso da concessionária falir ou não ter condições de pagar o débito. De qualquer modo, vê-se que não haverá necessidade de propositura de ação regressiva, já que o "ressarcimento" será realizado na própria ação principal.
A denunciação da lide é, pois, um instrumento que garante a razoável duração do processo, não havendo qualquer fundamento que a torne inaplicável às ações de responsabilidade do Estado. De fato, o argumento de que a responsabilidade do agente não pode ser discutida no processo movido contra o Estado não procede, já que, em regra, o funcionário já foi processado administrativamente, restando comprovada a sua conduta faltosa, bem como o nexo de causalidade entre esta e o dano.
Por outro lado, respondendo a concessionária objetivamente perante o usuário do serviço, resta pacífica a possibilidade da mesma ser denunciada à lide caso o ente delegante tenha sido demandado diretamente pelo particular, assumindo todos os ônus processuais. Caso, porém, a empresa delegada não possua condições de indenizar, deverá o Estado quitar o débito, tendo em vista a Teoria do Risco, vez que a Administração Pública "assumiu o risco" de delegar a prestação de determinado serviço público, como bem pontuam os seguintes doutrinadores:
Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado. [...] Exauridas as forças do concessionário, desaparece o intermediário que, por ato do concedente, se interponha entre o terceiro prejudicado e o próprio concedente. Este, por conseguinte, emerge espontaneamente na arena jurídica, defrontando-se diretamente com o lesado, para saldar compromissos derivados do exercício de atuação que lhe competiria (MELLO, 2006, p.647).
A Administração não pode deixar de ser o "garante final da indenização patrimonial do lesado" pela actuação do concessionário (GONÇALVES, 1999, p.374).
De mais a mais, o art. 25 da Lei nº 8.987/95 ("Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade".) prevê a responsabilidade objetiva de tais pessoas, não sendo coerente que o Estado responda pelos danos causados pelas mesmas, cabendo, pois, a denunciação da lide.
Tal previsão deriva, também, da atividade lucrativa prestada por tais Pessoas, já que as mesmas são remuneradas através das tarifas pagas pelos usuários, as quais representam elemento essencial ao equilíbrio contratual, não fundamentando um risco-proveito do Estado. (FERREIRA, 1999, p.780).
Por todo o exposto, observa-se ser plausível a aplicação da denunciação da lide tanto no caso da concessionária em face de seu agente (verdadeiro causador do dano), quanto no caso do ente delegante em face da prestadora de serviço público, senão vejamos o seguinte aresto:
Processo Civil. RESP. Prequestionamento. Ausência. Enunciado n. 282, Súmula/STF. Esferas Civil e Criminal. Independência. Art. 1.525, Código Civil. Interpretação. Denunciação da lide. Art. 70, III, CPC. Indeferimento. Ausência de cerceamento de defesa. Princípio da economia e presteza. Doutrina. Precedentes. Recurso desacolhido.
[...]
III - Embora, em princípio, admissível, nos termos do art. 70-III, CPC, o cabimento da denunciação da lide ao causador direto do dano, como no caso de preposto de empresa concessionária pública, por ser decorrente de lei a responsabilidade da empresa (arts. 37, § 6º da Constituição e 1.521-III, CC), não se mostra recomendável anular o feito, nesta Corte, a partir do inacolhimento da denunciação e ensejar a remessa dos autos à origem para que, uma vez admitida a intervenção, sejam ali apreciados os argumentos da denunciante, proferindo-se decisão a respeito. Tal procedimento redundaria em delonga, a que não se justifica submeter os autores, sem interesse algum na relação paralela.
IV - A denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiros, busca atender aos princípios da economia e da presteza na entrega da prestação jurisdicional, devendo ser prestigiada quando não pôr em risco tais princípios, como era o caso. (216657 /SP; RESP 1999/0046404-4, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, T4, DJ 16/11/1999), grifos nossos.
Diante das considerações tecidas, vê-se que, em sendo admitida a denunciação, desnecessária será a propositura de ação regressiva, haja vista que o agente público indenizará diretamente o particular lesado, sem necessidade de precatório ou, ao menos, ressarcirá o Estado imediatamente.
4.4 Por atos cometidos por agentes políticos.
Enfim, analisar-se-á a aplicabilidade da denunciação nas ações de responsabilidade estatal em razão de danos causados por agentes políticos, mais especificamente pelos parlamentares que atuam em nome do Estado, sem subordinação hierárquica e com garantias de prerrogativas e imunidades.
Inicialmente, cumpre salientar que os agentes políticos "são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é de formadores da vontade superior do Estado". (MELLO, 2006, p.135)
Já Hely Lopes Meirelles (2005, p.72) diz que tais agentes "são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais".
Ocorre que há muito se afirmava que os agentes políticos não poderiam ser responsabilizados por eventuais erros de atuação, sob o argumento de que os próprios cidadãos haviam escolhido tais pessoas para assumir o poder. Não obstante, passou-se a se vislumbrar que os parlamentares são servidores públicos, pelo que, tal como os demais funcionários, poderiam ser responsabilizados pelos prejuízos que causassem, o que tem sido muito comum nos dias atuais, já que é cada vez mais corriqueiro o desvio de verbas, a corrupção, a lavagem de dinheiro, entre outros ilícitos funcionais perpetrados pelas autoridades políticas brasileiras. Tais fatos, inclusive, têm majorado o número de processos administrativos disciplinares movidos contra membros do Senado e da Câmara.
Ressalte-se, de logo, que os parlamentares respondem pessoalmente por crimes de responsabilidade e por improbidade administrativa, o que não se confunde com as ações de responsabilidade civil movidas contra o Poder Público, em razão de danos causados diretamente pelos mesmos.
Havendo decisão administrativa, inclusive, reconhecendo a falta do parlamentar (principalmente as oriundas das CPI´s), verifica-se que a mesma deverá ser apresentada pelo Estado na ação de responsabilidade civil, servindo como instrumento probatório e demonstrando que não haverá necessidade de nova instrução para se discutir a responsabilidade do agente, desde que resguardado o exercício do contraditório e da ampla defesa, nem da propositura de ação de regresso autônoma.
Assim, tem-se entendido que o agente político pode OU ser demandado diretamente pelo particular OU ser denunciado à lide pelo ente estatal nos casos em que o prejudicado mova a demanda apenas contra o Estado, cabendo trazer à baila o seguinte aresto exemplificativo: "A Municipalidade responde pelos prejuízos causados a dono de estabelecimento comercial fechado ilegalmente por determinação do prefeito, cabendo a responsabilização direta do agente político. (TJSP – 5 Câmara – Apelação – Rel. Roberto Rodrigues, J. 26.4.79 – RT 541/131)".
Outro exemplo muito corriqueiro que permite a denunciação da lide ocorre quando determinado agente político concede entrevista a um programa de rádio ou televisão e injuria, difama ou calunia alguém. Assim, supondo-se que o prejudicado optasse por litigar contra o ente público do qual faz parte o parlamentar, este último poderia ser denunciado para integrar o processo, respondendo pelos prejuízos morais que causou, permanecendo o Estado como responsável subsidiário.
Ressalte-se, ainda, que, nos dias atuais, com o crescimento desenfreado da corrupção parlamentar, o número de processos administrativos movidos contra os agentes políticos tem aumentado diariamente, o que, mais uma vez, nos traz a idéia de que, em já existindo decisão administrativa condenatória, a mesma deverá ser apresentada como título probatório na demanda movida pelo particular contra o Estado, haja vista ser prova cabal da culpa do parlamentar.
Desse modo, caso o agente ingresse na demanda principal, estar-se-á obedecendo aos ditames da celeridade, da eficiência e da economicidade, uma vez que o Estado não precisará ajuizar nova ação para ser ressarcido, além do que a vítima receberá diretamente, sem necessidade de precatório.
Pelas razões expendidas, cumpre demonstrar quais os efeitos práticos decorrentes da denunciação da lide, principalmente o fato de tornar prescindível a ação de regresso, já que o direito regressivo será exercido na própria ação de responsabilidade civil do Estado.