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A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado

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24/09/2008 às 00:00
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5 A denunciação da lide como método mais eficaz, célere e econômico de resolução do conflito.

Como visto, inúmeras são as hipóteses que admitem a denunciação do agente público à lide, para que este assuma os prejuízos que causou de forma célere, sendo desnecessária uma futura ação de regresso, evitando gastos e desabarrotando o Poder Judiciário.

De fato, a ação de regresso é cabível quando, aquele que teve que indenizar um terceiro pelos danos causados por outrem, resolva cobrar o ressarcimento da pessoa que efetivamente causou o prejuízo, como no caso do Estado que, após indenizar o particular, cobra a dívida do agente responsável.

Cumpre, neste ponto, reiterar a previsão dos seguintes artigos insertos na Lei nº 8.112/90:

Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

[...]

§ 2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.

§ 3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida...

Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.

Observa-se que os dispositivos supracitados, extraídos da Lei que trata do regime jurídico dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais, prevêem o direito de regresso, não vedando, por outro lado, a denunciação da lide.

Saliente-se, ainda, que, apesar da previsão do art. 37, § 6º, da CF, vê-se ser mais eficaz a aplicação da denunciação nos casos de responsabilidade estatal, ao invés da cobrança via ação regressiva, com a finalidade de diminuir os gastos processuais e agilizar a resolução do feito. Entretanto, tal cobrança impende que seja verificada a culpa ou o dolo do funcionário, já que sua responsabilidade é subjetiva, e o elo de ligação entre a pessoa que está movendo a ação de regresso e aquele que está sendo demandado, justamente para que fique claro que o autor (o Estado) merece ser ressarcido.

Neste sentido, são as palavras de Zanella Di Pietro (2006, p.536):

Quando se trata de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas com argüição de culpa do agente público, a denunciação da lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo (com a citação da pessoa jurídica e de seu agente) ou a propositura de ação diretamente contra o agente público.

Ademais, não há qualquer argumento jurídico que impeça que a decisão administrativa que reconhece a culpa do agente seja utilizada como meio de prova para o chamamento do mesmo à demanda, até porque tal sentença se fundamentou na instrução realizada no processo disciplinar.

Por outro lado, depreende-se que a decisão da ação de responsabilidade civil do Estado abarcará tanto o denunciante, quanto o denunciado, como salientam os seguintes autores:

O juiz ao decidir a lide originária, como ainda, a lide oriunda da denunciação, terá de apreciar os pressupostos de uma e outra. Assim, se dá pela procedência da ação contra o Estado, tendo em vista a culpa do funcionário, ipso facto, deverá dar pela procedência da denunciação da lide, estabelecendo, na sentença o ressarcimento devido: os fundamentos da ação contra o Estado e o da denunciação da lide identificam-se (ALVIM NETTO, 1980, p.264-265).

Finalmente, uma vez admitida a denunciação da lide àquele que estiver obrigado a indenizar em ação regressiva o prejuízo do que perder a demanda (art. 70, III, do CPC), a sentença, sob pena de nulidade, deve decidir não só a responsabilidade da ré em relação à vítima, mas também a do funcionário denunciado perante a Administração Pública (6.ª Câm. Cív. do TJRJ, 6.12.77, RT 519/235); pois, sentença que não julga o mérito da denunciação da lide, ou da ação de garantia, é inoperante (6.ª Câm. do 2º TACivSP, 14.2.79, RT 525/164) (CAHALI, 1995, p.106).

Desse modo, observa-se que, com a denunciação da lide, tanto o particular, quanto o Estado sairão beneficiados do processo, tendo em vista que o primeiro receberá a indenização diretamente do agente público, não precisando aguardar o pagamento via precatório, e o segundo restará apenas como devedor subsidiário no caso de ausência de capacidade financeira por parte do denunciado.

Vê-se, pois, que a aplicação de tal espécie de intervenção de terceiros nas ações de responsabilidade estatal corrobora os princípios da celeridade, da eficiência e da economicidade, elencados no art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna, seja na resolução do conflito, seja no que tange ao ressarcimento estatal.

O Poder Judiciário, por seu lado, ao analisar a decisão administrativa que reconheceu a culpa do agente, haverá de realizar o controle de legalidade, observando se o procedimento transcorreu corretamente (GIUSTI, 2004, p.137). O que não será necessário, por certo, é uma ampla e demorada instrução visando averiguar a responsabilidade do funcionário, uma vez que a mesma já foi analisada no procedimento interno. As decisões administrativas, portanto, não são definitivas, mas se revestem de moralidade, fundamentando, por conseguinte, o pleito de denunciação da lide.

Assim, como a denunciação torna despicienda a ação regressiva, diminui-se a possibilidade do agente fraudar a execução, já que o mesmo deverá indenizar diretamente o cidadão, sem necessidade de ressarcir o Estado, posteriormente, como ressalta Cahali (1995, p.138):

A sentença, que julga procedente a ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, e declara a responsabilidade do denunciado pelas perdas e danos da condenação, vale como título executivo contra o próprio funcionário faltoso, exercendo-se assim o direito de regresso nos próprios autos do processo original. [...] Um ponto, porém, deve ser reafirmado: o direito de regresso do permissivo constitucional somente pode ser exercido por via da denunciação da lide em que a sentença declara secundariamente a responsabilidade do funcionário; ou por via da ação regressiva de direito comum contra o funcionário.

Pelos motivos esposados, vê-se que os argumentos em desfavor da aplicabilidade da denunciação da lide nos casos de responsabilidade do Estado são completamente desfundamentados e ultrapassados.

De fato, a própria Controladoria Geral da União já proferiu parecer positivo em relação à aplicabilidade da denunciação nas referidas ações, reconhecendo, inclusive, que a responsabilidade subjetiva do agente público deve ser averiguada previamente, através de processo administrativo, senão vejamos os trechos pertinentes extraídos da apostila eletrônica do referido órgão, publicada no site http://www.cgu.gov.br/cgu/guia_PAD_novo/Apostila%20de%20Texto%20CGU.pdf, p. 269:

Para o foco pessoal do agente público, de imediato, antecipe-se que, no atual ordenamento jurídico, a responsabilidade civil de servidor tem natureza subjetiva. Em outras palavras, a obrigação pessoal do agente público em reparar dano em decorrência do exercício do seu cargo requer a comprovação de que a sua conduta causadora do prejuízo foi dolosa ou culposa. Sem esse pré-requisito essencial, ainda que a atuação pública do servidor tenha acarretado dano, não se cogita de responsabilizá-lo civilmente a reparar. A prévia comprovação da chamada culpa subjetiva do agente pode ter sido obtida em processo administrativo disciplinar (em que a comissão, após ter apurado ou ao menos indicado o prejuízo, ao final, procede à comunicação descrita em 4.10.7.2) ou em ação de reparação de danos. [...]

Na hipótese que aqui mais interessa, em que a prévia apuração da culpa subjetiva deu-se no escopo do processo administrativo disciplinar, após a comunicação do fato à Consultoria Jurídica do órgão e à Controladoria-Geral da União, conforme exposto em 4.10.7.2, como conseqüência do julgamento, instaura-se o rito sintetizado a seguir.

Por outro lado, se a ação do servidor acarreta dano a particular, em decorrência do art. 37, § 6º da CF, a análise requer uma separação de efeitos. Primeiramente, a responsabilização civil de ressarcir a vítima recai sobre o Estado, abrangendo o quantum o particular perdeu, despendeu e deixou de ganhar em decorrência do sinistro (ou seja, abrange desde o dano emergente até o lucro cessante). Aqui, diferentemente da necessidade de se comprovar culpa subjetiva do agente, de acordo com o que a doutrina chama de "teoria do risco administrativo" (que assume a existência de um risco inerente da atividade pública sobre o particular), basta à vítima comprovar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre este dano e a ação ou omissão da administração para que já se justifique o dever estatal de indenizar, não lhe sendo necessário comprovar a culpa da administração ou de seu agente. É como se aqui se operasse uma inversão do ônus da prova, incumbindo à administração comprovar a culpa de terceiro, ou a culpa concorrente ou exclusiva da vítima, ou força maior e caso fortuito, para excluir ou atenuar sua responsabilidade civil de reparar. [...]

Complementando a análise, retornando o foco para a repercussão sobre o servidor, relembre-se que, conceitualmente, a responsabilização civil de reparar o dano causado no exercício do seu cargo requer a prévia comprovação de que a conduta eivou-se de dolo ou culpa. Não havendo esses elementos da conduta, resta apenas a responsabilização objetiva do Estado em indenizar o particular.

Ou seja, para o caso em que a atitude dolosa ou culposa do servidor, no exercício do seu cargo, causa dano a terceiro, têm-se duas relações jurídicas de naturezas totalmente distintas: além da já mencionada responsabilidade civil objetiva, na modalidade risco administrativo (que liga o particular à administração, para a qual basta a comprovação do dano e da relação causal entre a atividade pública e o prejuízo), surge ainda, entre a administração e o seu servidor, a responsabilidade subjetiva contra este último, que requer a prévia comprovação da sua atitude culposa ou dolosa. [...]

O art. 37, § 6º da CF assegura à administração, uma vez indenizada a vítima, o direito de propor ação regressiva contra seu servidor cuja culpa subjetiva já foi previamente comprovada. Assim, não há ação regressiva contra o servidor sem as anteriores condenação definitiva da administração e comprovação da culpa subjetiva do agente. [...]

A jurisprudência tem aceitado a denunciação à lide, instituto previsto no art. 70, III do CPC, com o qual o autor ou o réu do processo judicial chama a juízo terceira pessoa tida como garantia do seu direito, a fim de vê-lo desde já resguardado, caso venha a ser vencido na lide. Tendo a vítima argüido na inicial da ação indenizatória não só a responsabilidade objetiva do Estado, mas também a culpa subjetiva do agente, é cabível o emprego daquele instituto jurídico. Assim, a União contesta a ação indenizatória movida pelo particular e denuncia, como litisconsórcio, o servidor já previamente responsabilizado. (sem grifos no original).

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Vê-se, assim, que a União já tem se valido deste instrumento de celeridade, visando resguardar os interesses da coletividade, tendo em vista a indisponibilidade do patrimônio público, bem como para punir o agente faltoso, após o contraditório, resguardado o princípio da proporcionalidade, já que o mesmo só arcará com os prejuízos que causou na exata medida de suas condições financeiras.

Assim, a responsabilidade objetiva estatal, além de proteger o particular, resguarda o patrimônio público, uma vez que a finalidade precípua do Estado é efetivar os direitos básicos dos cidadãos, tais como: educação, saúde etc, pelo que o mesmo não pode continuar ressarcindo todos os danos causados por servidores, muitos dos quais oriundos de atos ilícitos ou dolosos, sob pena de desvirtuamento da sua função. Desse modo, não há qualquer óbice à aplicabilidade da denunciação nos casos em comento, como explicam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart (2006, p. 128):

Há quem sustente que não é possível a denunciação por conta da intromissão, no processo, de argumento novo, não presente na demanda original – afinal, a responsabilidade do estado é objetiva (independe de dolo ou culpa), enquanto a do servidor é subjetiva, dependendo da avaliação de culpa deste -, o que viria a prejudicar a aceleração processual, decorrente da exclusão da matéria "culpa" desse processo. Hoje, porém, prepondera a orientação no sentido do cabimento da denunciação, mormente considerando que está em jogo o patrimônio público, que, como elemento indisponível pertencente a toda coletividade, depende da mais pronta reintegração.

Diante dos fortes e convincentes argumentos apresentados acerca da aplicabilidade da denunciação da lide, observa-se "a deficiência do fundamento principal dos juristas e tribunais que defendem a tese restritiva, ora destroçado, que se ampara na ampliação do objeto de conhecimento do Juízo, prejudicial ao autor da ação principal." (sic) (GOMES, 2003, p.1).

Verificado, portanto, que a denunciação da lide, nestes termos, não ampliará a matéria processual em debate, vê-se ser totalmente desfundamentada a tese negatória de aplicação, consoante reconhecido pelo aresto ora transcrito, senão vejamos:

Servidor – denunciação à lide – Impossibilidade de Indeferimento. Processual Civil. Ação de Responsabilidade Civil contra o Poder Público. Ato ilícito praticado por agente público. Denunciação da lide. Impossibilidade de ser indeferida.

1 – A denunciação da lide contra servidor público autor do ato ilícito discutido em ação de responsabilidade civil proposta contra o Poder Público, se por este requerida, não pode ser indeferida pelo juízo. 2 – A adoção desse sistema de fixação de tal relacionamento processual visa se homenagear o princípio da economia processual, evitando-se uma nova demanda. Efeitos da ação regressiva. 3 – Recurso provido. (RESP n. 95368/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon).

Assim, em nome da celeridade, da economicidade e à luz da prevalência do interesse público sobre o particular e da preservação do patrimônio estatal, comprova-se a desnecessidade de ajuizamento de ação de regresso nas ações de responsabilidade do Estado, haja vista que, nesses casos, o juiz deverá acatar o pedido de denunciação e proferir sentença ampla, envolvendo ambos os litígios e abrangendo a matéria referente ao ressarcimento estatal, desde que observada a proporcionalidade entre a falta e o dano causado, além da condição econômico-financeira do citado funcionário.

Desse modo, estar-se-á resguardando os interesses do Estado, bem como os do particular, uma vez que este último receberá a indenização diretamente do agente, sem necessidade de esperar longos anos o pagamento via precatório, salientando-se que o ente estatal continuará sendo o garantidor subsidiário, já que detém a culpa in eligendo, por ter "escolhido mal" os seus funcionários.

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Sobre a autora
Fernanda Salinas di Giacomo

Bacharel em Direito pela UNIFACS (Universidade Salvador).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIACOMO, Fernanda Salinas di. A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1911, 24 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11766. Acesso em: 25 abr. 2024.

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