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Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência

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20/10/2008 às 00:00
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Conclusão

A prescrição acarreta a extinção da punibilidade, restando à Administração Pública apenas o registro do fato nos apontamentos do servidor. No entanto, o objetivo da prescrição não é proteger o servidor faltoso, mas evitar que a apuração disciplinar se prolongue indefinidamente.

A prescrição da ação disciplinar é regida pelo artigo 142 da Lei nº 8.112/90, no qual são estabelecidos três prazos distintos de prescrição: a penalidade mais branda (advertência) prescreve em 180 dias, a penalidade de grau médio (suspensão) prescreve em 2 anos e as penalidades graves (demissão e demais penas expulsivas) prescrevem em 5 anos.

A instauração de sindicância disciplinar ou de PAD interrompe a prescrição, apenas uma vez. Os procedimentos investigativos não contraditórios, como a mera "sindicância investigativa", não interrompem o fluxo prescricional. Desta forma, tem-se a delimitação de dois momentos em que a punibilidade pode ser consumida pela prescrição: antes da instauração de sindicância ou PAD e depois da instauração de sindicância ou PAD.

O início do fluxo prescricional se configura na data em que o titular em exercício do órgão ou unidade teve conhecimento do fato. Obviamente, esta interpretação não prejudica a configuração do termo inicial da prescrição na hipótese em que a primeira autoridade a saber do fato já é exatamente a autoridade competente na esfera disciplinar.

A prescrição recomeça a correr depois de ter sido interrompida pela instauração de sindicância disciplinar ou PAD. No entanto, de acordo com a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Federal – STF, do STJ e da AGU, a interrupção cessa após o prazo previsto para a conclusão do PAD. O prazo previsto para a conclusão de PAD pelo rito ordinário é de 140 dias, para a sindicância disciplinar, de 80 dias e no caso do PAD sob rito sumário, de 50 dias. A prescrição recomeçará a correr, do zero, após tais prazos, impedindo que a apuração possa se postergar eternamente.

De acordo com o § 2º do artigo 142, "Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime". Desta forma, os ilícitos disciplinares que encontrarem correspondente tipificação no Código Penal – CP deverão respeitar os prazos de prescrição estabelecidos no CP. Entretanto, aplica-se apenas o prazo estabelecido no Código Penal, mas a forma de cômputo (interrupção do prazo com a instauração de PAD, franquia, etc) continua sendo a da Lei nº 8.112/90. Também o termo a quo deve ser considerado como sendo a data do conhecimento do fato, conforme o § 1º do artigo 142.

O ilícito de abandono de cargo tem algumas peculiaridades no que concerne à prescrição. Quanto ao termo inicial da contagem da prescrição, a AGU já se manifestou, por meio do Parecer AGU GQ-207 (vinculante), informando que "3. [...] (a) o abandono de cargo é ilícito instantâneo de efeitos permanentes; (b) o prazo prescricional inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência do servidor". Com relação ao próprio prazo de prescrição, também conforme a AGU, considerando que a pena máxima do crime de abandono de função é inferior a um ano, aplicar-se-ia o inciso VI do artigo 109 do CP, que estabelece o prazo de prescrição de 2 anos. O entendimento da AGU, que, por ser vinculante, já foi reproduzido por diversas outras Consultorias Jurídicas da Administração Pública Federal, é completamente equivocado. Entretanto, em que pesem todos os argumentos em contrário, tratando-se a prescrição da forma mais conservadora possível, é mais prudente para a administração considerar o prazo de prescrição de 2 anos nos casos de abandono de cargo. Por fim, a AGU igualmente já se pronunciou pela possibilidade de exonerar o servidor cuja penalidade de abandono de cargo foi declarada prescrita, mas cujo abandono ainda não cessou, embora a jurisprudência do STJ seja frontalmente contrária.

Nos casos de sobrestamento judicial do PAD, o prazo prescricional não flui enquanto vigorar a decisão da Justiça de manter o PAD suspenso ou que impeça a aplicação de penalidade, ainda que não haja previsão legal expressa nesse sentido. Cessado o efeito da decisão judicial, o prazo prescricional volta a fluir, aproveitando-se o tempo já decorrido antes da suspensão.

Caso a sindicância disciplinar ou o PAD seja anulado desde o início, a interrupção do prazo de prescrição dar-se-á apenas com a instauração de uma nova sindicância disciplinar ou PAD.


Referências

COSTA, José Armando da. Prescrição disciplinar. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Regime disciplinar do servidor público civil da União. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

PASCUIM, Luiz Eduardo. Dos prazos, sanções e outras disposições finais. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coordenadora). Comentários à lei federal de processo administrativo. Fórum, 2004.

TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre PAD. disponível em <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp>


Notas

  1. Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
  2. Art. 112. A prescrição é de ordem pública, não podendo ser relevada pela administração.
  3. Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência [...].
  4. Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.
  5. Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. (grifo nosso)
  6. Em todas as figuras, a área hachurada na cor clara (verde no original) corresponde ao período em que não corre a prescrição, enquanto que a área na cor escura (vermelho no original) representa o período em que corre a prescrição disciplinar.
  7. Art. 145. Da sindicância poderá resultar: [...] II - aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; [...].
  8. Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
  9. Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: [...] II - abandono de cargo;
  10. Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.
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Sobre o autor
Nelson Rodrigues Breitman

Especialista em Direito Disciplinar pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado na Corregedoria-Geral há mais de cinco anos, onde já exerceu o cargo de Chefe da Divisão de Ética e Disciplina. Coordenador e instrutor da matéria Direito Disciplinar do Curso de Formação para Auditores-Fiscais e Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil. Instrutor de cursos de Processo Administrativo Disciplinar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BREITMAN, Nelson Rodrigues. Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1937, 20 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11800. Acesso em: 19 abr. 2024.

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