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Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência

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20/10/2008 às 00:00
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7.Suspensão do prazo de prescrição

O prazo de prescrição, uma vez interrompido pela instauração de sindicância disciplinar ou PAD, recomeça a correr após o prazo previsto para a conclusão do processo e, a partir de então, é, em geral, contínuo, não mais se interrompendo ou suspendendo.

No entanto, nos casos de sobrestamento judicial do PAD, o prazo prescricional não flui enquanto vigorar a decisão da Justiça de manter o PAD suspenso ou que impeça a aplicação de penalidade, ainda que não haja previsão legal expressa nesse sentido. Cessado o efeito da decisão judicial, o prazo prescricional volta a fluir, aproveitando-se o tempo já decorrido antes da suspensão.

Os julgados do STJ corroboram, de forma unânime, esse entendimento:

STJ MS 7095 (DJ: 14/04/2003) Relator: Gilson Dipp

Ementa: [...] I- Não procede a tese calcada na incidência da prescrição punitiva da Administração, quando a demora na conclusão do processo decorre, exclusivamente, de atos procrastinatórios intentados pelo próprio servidor. Desta forma, não é correto imputar ao ente público ônus a que não deu causa. [...]

Voto: [...] Quanto aos pontos argüidos na exordial, não procede a alegação de prescrição por inércia da Administração, pois a demora na conclusão do processo não ocorreu por culpa da Administração, mas, ao contrário, pela suspensão do seu andamento, em decorrência dos vários pedidos de sobrestamento formulados pela própria impetrante, especialmente nas ações judiciais por ela intentadas, com vistas a procrastinar o compêndio administrativo. Dentre as ações mencionadas, sobressaem as seguintes: [...], sendo certo que o trânsito em julgado do último ocorreu aos 31 de outubro de 1997. [...] (grifo nosso)

STJ MS 9568 (DJ: 02/08/2006) Relator: Arnaldo Esteves Lima

Ementa: [...] 4. Diante do fato de que a Administração restou impedida de aplicar a pena de demissão ao impetrante até o trânsito em julgado do acórdão em referência, que reformou a sentença concessiva da segurança, não há falar em ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado e de aplicação da "teoria do fato consumado" para justificar a reintegração do servidor no cargo. 5. Segurança denegada.

Voto: [...] Todavia, na hipótese, a contagem do prazo prescricional não se dará a partir da instauração do processo administrativo, uma vez que a Administração se viu impedida de aplicar a pena de demissão ao impetrante em razão de decisão judicial proferida em primeira instância nos autos do já citado Mandado de Segurança nº 89.0003887-7, impedimento este que perdurou até o trânsito em julgado do acórdão que julgou a Apelação 92.01.25482-2-DF, que denegou a segurança, ocorrido em 25/2/2003 (fl. 213). (grifo nosso)

STJ ROMS 10265 (DJ: 18/11/2002) Relator: Vicente Leal

Ementa: [...] - Não ocorre a prescrição da ação disciplinar se o prazo foi interrompido em razão da instauração de processo administrativo que esteve paralisado, em razão de concessão de liminar em mandado de segurança, não sendo atingido o prazo legal de 5 (cinco) anos. [...] (grifo nosso)

A figura a seguir detalha o curso da prescrição nos casos de suspensão do PAD por decisão judicial:

Existem diversos motivos que podem ensejar a decretação de nulidade de uma sindicância disciplinar ou PAD, como cerceamento de defesa, falta de indiciação, julgamento por autoridade incompetente, etc. Alguns destes motivos podem ensejar a declaração de nulidade, administrativamente ou pela via judicial, desde o início da apuração, em geral se relacionados com a própria portaria de instauração, como vícios na composição da comissão ou instauração por autoridade incompetente, por exemplo. Desta forma, uma sindicância disciplinar ou PAD declarados nulos desde o seu início devem ser considerados como se nunca tivessem existido, não tendo o condão, portanto, de interromper a prescrição.

Assim, caso a sindicância disciplinar ou o PAD seja anulado desde o início, a interrupção do prazo de prescrição dar-se-á apenas com a instauração de uma nova sindicância disciplinar ou PAD.

Costa (2006, p. 114) questiona se a nulidade do PAD decretada pela própria administração também não teria interrompido a prescrição:

O critério básico indicativo de que deva prevalecer a data de interrupção de instauração do processo anterior funda-se na circunstância de que a administração pública, mesmo por meio de processo que veio posteriormente ser considerado como inválido, descortinou, naquela ocasião, a sua indignação, a sua reprovação. E mais, não fora negligente, e sim diligente. Posto que a circunstância definidora de desleixo, descuido ou incúria constitui uma das razões fundamentais da prescrição da falta disciplinar. Ademais, saliente-se que esse ponto de vista, longe de afrontar a coerência sistêmica do nosso direito positivo, dele extrai legítimos eflúvios. Pois se estriba na circunstância de que, a exemplo do que ocorre em relação à citação ordenada por autoridade judicial incompetente, a instauração do primeiro procedimento (mesmo havendo sido anulado posteriormente) revelou que não fora negligente a autoridade administrativa, devendo-se, por conseguinte, acatar tal efeito interruptivo. (grifo nosso)

Entretanto, a jurisprudência da AGU, STF e STJ é uníssona no sentido de que, decretada a nulidade da sindicância disciplinar ou do PAD desde o início, seja pela própria administração ou pelo Poder Judiciário, anulam-se todos os efeitos daquele processo anulado, não tendo se configurado então a interrupção da prescrição, que só ocorrerá com a instauração de um novo processo válido:

Parecer AGU GQ-108 (não vinculante):

12. Na hipótese em que o processo tenha se desenvolvido sem a observância do princípio do contraditório ou da ampla defesa, impondo-se, destarte, a declaração de sua nulidade, ab initio, em conseqüência desta não se configurou a interrupção do fluxo do prazo prescricional, o que autoriza asserir que, no tocante a esse aspecto, as faltas disciplinares têm as respectivas punibilidades sujeitas à extinção. [...] l4. Assim, torna-se necessário ponderar que: [...] c) na hipótese em que o processo disciplinar esteja inquinado de vício insanável, impondo-se a declaração de sua nulidade, não terá interrompido o curso do prazo prescricional, o que poderá implicar extinção da punibilidade. (grifo nosso)

STF MS 22728 (DJ: 13/11/1998) Relator: Moreira Alves

Voto: [...], o que é certo é que, declarado nulo o processo primitivo, desaparece a causa de interrupção da prescrição decorrente de sua instauração, e a prescrição volta a aferir-se do período entre a data em que o fato se tornou conhecido e a instauração do novo processo. Ora, no caso, entre essas duas datas não decorreram os cinco anos para a ocorrência da prescrição. (grifo nosso)

STJ MS 7081 (DJ: 04/06/2001) Relator: Felix Fischer

Ementa: [...] I – Inocorrência de prescrição, tendo em vista que, anulado o primeiro processo disciplinar, a causa interruptiva da prescrição surgida com a sua instauração desaparece, de modo que o prazo prescricional será contado entre a data em que o fato se tornou conhecido e a instauração do novo processo. Precedentes do c. STF. [...] (grifo nosso)

STJ MS 8192 (DJ: 26/06/2006) Relator: Arnaldo Esteves Lima

Ementa: [...] 6. Havendo anulação da sindicância, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo. Precedente. (grifo nosso)

STJ MS 8558 (DJ: 16/12/2002) Relator: Vicente Leal

Ementa: [...] - A declaração de nulidade do processo administrativo implica na desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da Comissão Disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, conseqüentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo disciplinar. [...]

Voto: [...] Todavia, em 19 de junho de 1998, a autoridade competente para o julgamento administrativo proferiu decisão anulatória do processo disciplinar, após detectar a presença de vícios insanáveis no mesmo (fls. 112/113). [...] Com efeito, o reconhecimento da nulidade do primeiro processo administrativo implica na desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da Comissão Disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, conseqüentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo administrativo. (grifo nosso)

STJ MS 9772 (DJ: 26/10/2005) Relator: Laurita Vaz

Voto: [...] Na espécie, informam os autos que o fato se tornou conhecido pela Administração em 20/11/1998 (fls. 14; 63), data que constitui o termo a quo para a contagem do lapso prescricional, nos termos do § 1º do art. 142 anteriormente transcrito. No entanto, após a anulação de dois processos disciplinares que continham vícios insanáveis, a contagem da prescrição foi interrompida com a instauração de novo PAD em 04/09/2003 (fl. 44), [...] (grifo nosso)

STJ RESP 456829 (DJ: 09/12/2002) Relator: Vicente Leal

Ementa: [...] - O reconhecimento da nulidade do processo administrativo implica na desconstituição de todos os seus atos, inclusive o de instauração da Comissão Disciplinar, o que resulta na inexistência do ato interruptivo da prescrição, que deve ser contada, conseqüentemente, desde o conhecimento do fato lesivo até a instauração do segundo processo disciplinar. (grifo nosso)

STJ RESP 643462 (DJ: 21/11/2005) Relator: José Arnaldo da Fonseca

Ementa: [...] Ocorrência da prescrição administrativa da pena de advertência, tendo em conta a anulação do primeiro procedimento (sindicância). (grifo nosso)

STJ ROMS 13386 (DJ: 01/07/2002) Relator: José Arnaldo da Fonseca

Ementa: [...] O primeiro procedimento administrativo respondido pelo impetrante restou anulado pelo Judiciário, não havendo falar-se em prescrição punitiva da Administração quando instaurou o segundo procedimento. [...] (grifo nosso)

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Destaque-se que, tendo em vista que o primeiro processo não mais interrompeu a prescrição, aumenta o risco das eventuais penalidades serem consumidas pela prescrição antes da instauração do novo processo, uma vez que todo o tempo decorrido do primeiro processo até a sua anulação será contado. A figura a seguir mostra com maiores detalhes como é o fluxo prescricional nos casos de nulidade do PAD desde o início, bem como expõe com clareza o risco da prescrição antes da instauração:

De acordo com o § 2º do artigo 169, "A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV". Esta responsabilização remete ao Capítulo IV, "Das Responsabilidades" do Título IV, "Do Regime Disciplinar", que informa, entre outras, que "O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. [...]" (artigo 121).

Ressalte-se que o comando do § 2º do artigo 169 foi específico no que tange à responsabilização em função da prescrição regulada pelo § 2º do artigo 142: "Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime". Assim, apenas a prescrição da ação disciplinar das infrações mais graves, ou seja, daquelas que também configurem crimes, está abrangida pela regra em comento, justamente porque, em tese, os prazos prescricionais seriam maiores. Este é mais um motivo que demonstra a incompatibilidade da aplicação de prazos de prescrição menores que 5 anos para a demissão. Entretanto, conforme já analisado anteriormente, esta não é a regra que tem sido utilizada pela própria administração e pelo Judiciário, que vêm encarando sem ressalvas a possibilidade de prazos prescricionais inferiores a 5 anos.

Em que pese o § 2º do artigo 169 responsabilizar apenas a "autoridade julgadora", entende-se que estão abrangidos todos aqueles que contribuíram para a prescrição do feito disciplinar, desde a comissão de inquérito, passando pela autoridade instauradora e outras de hierarquia superior, bem como suas consultorias jurídicas, até que o feito chegasse à autoridade julgadora competente.


10.Cômputo da Prescrição

Por fim, aborda-se aqui de modo muito resumido a forma do cômputo da prescrição, ou seja, como devem ser contados os dias do fluxo prescricional.

Conforme o artigo 238, "Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja expediente". Já a Lei n° 9.784/99, no § 3º do artigo 66, dispõe que "Os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês de vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês".

Pascuim (2004) analisa este dispositivo da seguinte forma:

[...] Assim, o prazo de um ano iniciado em dez de março findará no ano seguinte na mesma data. O mesmo vale para os prazos em meses. Um prazo de três meses iniciado em cinco de abril findar-se-á em cinco de julho. Vê-se no parágrafo, ainda, se não houver no mês de vencimento o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês. Hipoteticamente, o prazo de um mês, com início no dia 30 de janeiro, terá seu término no dia 28 de fevereiro ou 29 se se tratar de ano bissexto.

Exemplificando, suponha-se uma portaria de instauração de um PAD assinada em uma quarta-feira, publicada na sexta-feira, cuja comissão se instala na terça-feira seguinte. Não há dúvida que haveria defensores de que o prazo de "franquia" de 140 dias do PAD começaria a correr já na quinta-feira (dia seguinte à assinatura da portaria, por ser o mais benéfico para o acusado), no sábado (dia seguinte à publicação), na segunda-feira (dia útil seguinte à publicação, buscando analogias com o Direito Processual Civil) ou até na quarta-feira da semana seguinte (dia seguinte à instalação da comissão).

Porém, considerando que os prazos são longos, contados em anos para as penalidades mais severas, recomenda-se que sejam computados de forma conservadora. No exemplo, entende-se que a "franquia" deveria se iniciar no sábado, dia seguinte à publicação da portaria de instauração.

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Sobre o autor
Nelson Rodrigues Breitman

Especialista em Direito Disciplinar pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado na Corregedoria-Geral há mais de cinco anos, onde já exerceu o cargo de Chefe da Divisão de Ética e Disciplina. Coordenador e instrutor da matéria Direito Disciplinar do Curso de Formação para Auditores-Fiscais e Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil. Instrutor de cursos de Processo Administrativo Disciplinar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BREITMAN, Nelson Rodrigues. Prescrição disciplinar: uma abordagem didática, com base na jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1937, 20 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11800. Acesso em: 26 abr. 2024.

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