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O princípio da moralidade como fundamento para o indeferimento de registro de candidatura

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04/10/2008 às 00:00
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"(...) que o verdadeiro político é o mais imprescindível dos cidadãos".

Ministro Carlos Ayres Britto.

SUMÁRIO: 1. UMA VISÃO PANORÂMICA DOS DIREITOS POLÍTICOS. 2 A JURISPRUDÊNCIA ELEITORAL. 3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE. 3.1. Aspecto conceitual. 3.2. Força normativa. 4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA.


RESUMO

Com o supedâneo em um entendimento, ainda que minoritário, faz-se uma análise correlativa acerca do indeferimento de registro de candidaturas e do princípio da moralidade. Diagnosticando a diferença entre os direitos políticos positivos e os direitos políticos negativos, as posições da jurisprudência, notadamente, do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral, e, posteriormente, o princípio da moralidade, no seu aspecto conceitual e sua força normativa, constata-se a constitucionalidade da eleição do princípio da moralidade como fundamento bastante para o indeferimento de registro de candidaturas, restringindo-se o princípio da presunção da inocência ao âmbito do direito penal e processual penal.

Palavras-chave – registro de candidatura, princípio da moralidade, força normativa, princípio da presunção da inocência.


1.UMA VISÃO PANORÂMICA DOS DIREITOS POLÍTICOS.

O presente artigo tem por finalidade precípua a análise da possibilidade, ou não, do indeferimento do registro de candidatura tendo como norte o princípio da moralidade. Tal temática apresenta-se mais importante em épocas de eleições, quando são freqüentes os dissídios e as polêmicas que circundam o processo eleitoral como um todo, notadamente, o ponto envolvendo o registro de candidatura.

Nesse diapasão, deveras importante demonstram-se algumas interpretações e decisões, se bem que minoritárias, da Justiça Eleitoral, com o fito de coibir a candidatura de cidadãos que respondem a processos criminais ainda não findos.

Para tanto, urge, de antemão, traçar algumas premissas básicas e essenciais no sentido de uma melhor compreensão da proposta sob comento. Neste sentido, é por demais imperioso fazer uma distinção, ainda que superficial, dos direitos políticos positivos e os direitos políticos negativos.

Nesse toar, têm-se as lições de Leo van Holthe: [01]

Os direitos políticos podem ser divididos em:

a)direitos políticos positivos – normas que asseguram a participação do indivíduo no processo político e nos órgãos governamentais, incluindo o direito de votar (capacidade eleitoral ativa) e de ser votado (capacidade eleitoral passiva), iniciativa popular da lei, plebiscito, referendo, propor ação popular etc;

b)direitos políticos negativos – normas que impedem ou restringem a participação do indivíduo no processo político eleitoral. São as inelegibilidades e as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos.

Não se deve olvidar, outrossim, dos ensinamentos de Dirley da Cunha Júnior [02]:

Os direitos políticos são expressão da soberania popular, que se assenta no fato de que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, investindo o indivíduo das prerrogativas da cidadania, para o exercício do sufrágio universal, com o direito de votar e ser votado. São prerrogativas fundamentais que asseguram ao povo a faculdade de participar democraticamente do governo, quer por seus representantes, quer por si. Compreendem assim, os direitos políticos ativos, que conferem ao cidadão a capacidade eleitoral ativa; e os direitos políticos passivos, que outorgam a capacidade eleitoral passiva. (...) Os direitos políticos negativos compreendem um conjunto de normas constitucionais que limitam o exercício da cidadania, quer impedindo o gozo da capacidade eleitoral passiva (inelegibilidades), quer neutralizando os próprios direitos políticos positivos, afetando tanto a capacidade eleitoral ativa como a capacidade eleitoral passiva (perda e suspensão).

Depreende-se, portanto, que os direitos políticos positivos disciplinam a participação do cidadão na vida política e democrática do Estado, seja através do plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei, ajuizamento de ação popular, seja por meio da capacidade de votar e de ser votado, enquanto que os direitos políticos negativos compreendem a suspensão e a perda dos diretos políticos – afeta os direitos políticos positivos como um todo - e as inelegibilidades (impedimento aos direitos políticos passivos, vale dizer, o direito de ser votado).


2.A JURISPRUDÊNCIA ELEITORAL.

Feitas essas considerações preambulares, é forçoso adentrar no tema propriamente dito.

Os Tribunais Eleitorais, apesar de em minoria, têm se sensibilizado para a questão do indeferimento de candidatura quando o "candidato" responde a um processo criminal ainda não findo, cujos efeitos, como é lugar comum, não geram, ainda, a responsabilidade criminal.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro tem-se valido do entendimento de que o indeferimento do pedido de registro de candidatura é autorizado em relação àqueles que pleiteiam cargos políticos e que respondam a processos penais que se apuram eventuais delitos perpetrados, mesmo não sobrevindo decisão judicial condenatória transitada em julgado, sob o argumento de que a ética e a moralidade devem estar presentes naqueles que pleiteiam mandatos eletivos. Nesse diapasão, têm-se os acórdãos 31.238, 31.141, 31.240, todas datadas de 2006, da mencionada Corte Eleitoral [03].

Frise-se, outrossim, que tais decisões são prolatadas com o fundamento no artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, o qual se transcreve:

Art. 14. (...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direita ou indireta [04].

Sublinhe-se, porém, que essas manifestações judiciais, conforme dito anteriormente, são minoritárias. Eis porque o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal firmaram posição nas eleições de 2006, bem como nas eleições que ocorrerão no ano em curso, no sentido de que a norma supracitada é de eficácia limitada.

Isto significa que, segundo doutrina constitucionalista, em especial o jurista José Afonsa da Silva [05], a sua plena aplicabilidade está condicionada à edição da respectiva lei, razão pela qual o fato de eventuais candidatos estarem respondendo a processos criminais ainda não findos não autoriza o indeferimento do registro de candidaturas.

Sendo assim, consoante o Tribunal Superior Eleitoral, torna-se imperiosa a edição de respectiva lei complementar, implementando as condições e os casos que autorizam o indeferimento tendo como base o princípio da moralidade.

Tem-se, nesse contexto, a súmula 13 do referido Tribunal Superior: "Não é auto-aplicável o § 9º art. 14, da Constituição, com redação da Emenda Constitucional de Revisão 4/94" [06].

Desta feita, como ainda não foi editada a tão esperada lei complementar referente ao artigo 14, § 9, da Carta Magna, eventuais cidadãos que estejam respondendo a processos criminais não findados poderão candidatar-se normalmente a qualquer pleito eleitoral.

Ademais, outro argumento ventilado para permitir o registro daquelas candidaturas seria o princípio da presunção da inocência, estampado como direito fundamental no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, pelo que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". [07]

Nessa seara, transcreve-se a decisão do Tribunal Superior Eleitoral [08]:

RECURSO ORDINÁRIO N.º 1069 – CLASSE 27ª – RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro). Relator: Ministro Marcelo Ribeiro. Eleições 2006. Registro de candidato. Deputado Federal. Inelegibilidade. Idoneidade moral. Art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 1. O art. 14, §9º, da Constituição não é auto-aplicável (Súmula n.º 13 do Tribunal Superior Eleitoral). 2. Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los. Recurso provido para deferir o registro. Acordam os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, vencidos os Ministros Carlos Ayres Brito, Cesar Asfor Rocha e José Delgado, em conhecer e prover o recurso, nos termos da notas taquigráficas.

Contudo, em que pese a força da argumentação e a magnitude de sua procedência, sublinhe-se, com a devida vênia, que não se comunga com tal posicionamento, adotando-se para tanto, pois, o entendimento minoritário e de vanguarda no viés da possibilidade do indeferimento do registro da candidatura, tendo como pedra de toque o princípio da moralidade. Senão vejamos.


3.PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, preconizou como princípios da Administração Pública a legalidade, a impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Com efeito, a Carta de 1988 ao estabelecer tais normas-princípios, demonstrou a preocupação em equacionar e sistematizar regras moralizadoras no âmbito da Administração Pública.

Ora, ao transpor à época do Estado Liberal para o Estado da social democracia, no qual Administração Pública tem a missão precípua de efetivar e concretizar os direitos do cidadão, cumpre-se estabelecer um regime jurídico diferenciado e exorbitante do direito privado.

Trilhando nesse norte, o ordenamento jurídico brasileiro seguiu os passos do direito europeu-continental, estabelecendo, então, um regime jurídico administrativo, no qual se insere a Administração Pública quando, efetivamente, exerce atividade administrativa.

Deste modo, pode-se conceituar o regime jurídico direito administrativo como o conjunto de regras e princípios aplicáveis à Administração Pública, dando-lhe prerrogativas e sujeições.

Logo, na exata medida em que são conferidas prerrogativas ao Poder Público para bem fielmente cumprir com seus objetivos constitucionais e institucionais, também são impostas sujeições e limitações à Administração Pública, a fim de que possam ser respeitados e observados os direitos mínimos do cidadão.

Assim, dessa tensão autoridade – liberdade é que se torna por demais essencial o Estado está inserido em regime jurídico exorbitante do direito comum, porquanto cabe-lhe concretizar e efetivar os direitos do cidadão, vale dizer, o interesse público primário.

Dentro deste contexto, é forçoso destacar a importância do princípio da moralidade pública, verdadeiro princípio regente e governante da Administração Pública como um todo, seja nas relações internas, sejas nas relações entre o Estado e o particular.

Nessa senda, insta acentuar as lições de Marino Pazzaglini Filho [09]:

Com o advento da Constituição de 1988, a moralidade foi consagrada, no art. 37, como um dos princípios constitucionais básicos e de observância universal no exercício de toda a atividade estatal. O controle jurisdicional da moralidade administrativa já havia sido introduzido no Direito Constitucional Brasileiro, mas restrito ao exercício da ação popular, com a atribuição constitucional conferida a qualquer cidadão de propor a ação popular com vista em impugnar ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5, LXXIII,da CF). No entanto, o novo formato constitucional do princípio da moralidade, como conteúdo da validade da atuação administrativa, deu-lhe autonomia e efetividade jurídica ampla, constituindo-se em exigência fundamental para a validade do comportamento do agente público no exercício de atividade estatal. (...) A sociedade brasileira, nos termos dos parâmetros sociais atuais prevalentes, reputa atentados contra o princípio da moralidade administrativa a corrupção e a impunidade dos corruptos; o enriquecimento ilícito dos agentes públicos; exigência ou solicitação e recebimento de propinas para o atendimento dos pleitos legítimos dos particulares junto à Administração; tráfico de influências; sectarismo da conduta de agentes públicos, privilegiando interesses pessoais no trato da coisa pública (v.g., nomeação desenfreada de parentes em cargos de comissão ou perseguição de desafetos); malbaratamento do dinheiro público, aplicado seja em mordomias abusivas, seja em propaganda institucional inútil ou de proselitismo pessoal ou partidário.

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Ainda dentro dessa temática, são precisas as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello [10]:

De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzindo de maneira confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.

Deveras, se cabe à Administração concretizar efetivar os direitos do cidadão, satisfazendo as necessidades coletivas, infere-se, pois, a magnitude do princípio da moralidade, o qual irá governar as atitudes dos agentes públicos no trato da coisa pública.

Com efeito, o agente público, ao exercer suas funções, deve-se portar sempre de acordo com as balizas da honestidade, da boa-fé, da ética, da probidade e da lealdade, porquanto, somente assim, o Estado Federal Brasileiro efetivará os direitos fundamentais e os objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3º, da Constituição, quais sejam: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [11].

Assim, não foi por outra razão, que o legislador constituinte preconizou no artigo 14, §9º da Carta Magna, o princípio da moralidade como diretriz bastante a ser exigida daqueles que pleiteiam exercer mandato eletivo.

Ora, se o princípio da moralidade é baliza governante e regente da Administração Pública e, conseqüentemente, de seus servidores, quiçá dos cidadãos que estão com intento de disputar um mandato eletivo, os quais, não raras vezes, se eleitos, serão responsáveis pelo controle do orçamento e da máquina administrativo-financeira estatal, pela escolha das políticas públicas relacionadas à educação, à saúde, à assistência social, à segurança pública, entre outras áreas, enfim, pela gestão da coisa pública como um todo.

Como conceber que a Administração Pública possa efetivamente concretizar os direitos fundamentais e satisfazer as necessidades coletivas, se alguns responsáveis por tais misteres estão envolvidos em descalabros administrativos e financeiros, tipificados como delitos?

Deste modo, o princípio da moralidade não só pode, como deve ser parâmetro legítimo para indeferimento de candidaturas daqueles que estão respondendo a processos criminais ainda não findos.

Não merece prosperar, portanto, com o devido respeito, aquele argumento levantado na direção de que o artigo 14, §9º, da Carta Magna, é de eficácia limitada, porquanto, em nosso sentir, trata-se, a bem da verdade, de norma de eficácia contida, ou seja, norma que tem aplicação imediata, podendo apenas e, tão-somente, a legislação infraconstitucional restringir a sua aplicabilidade.

Sobre o assunto, são as lições do Procurador de Justiça Marcos Ramayana [12]:

Cabe ao órgão jurisdicional competente para o deferimento do pedido de registro de candidatos (TSE, TERs e juízes eleitorais) perscrutar se o interessado é possuidor de vida pregressa ilibada aplicando a norma dos artigos 1º, II, e 14, 9º, da CRFB. Se concluir que as anotações criminais são decorrentes de fatores graves, tais como: processos criminais hediondos ou assemelhados aos mesmos; crimes de roubo, extorsão, estelionato, defraudações, seqüestros, latrocínios e outros deverão fiscalizar a ordem constitucional e indeferir os respectivos pedidos, cabendo as instâncias superiores à analise da razoabilidade destas decisões. As normas são de eficácia contida e não limitada: o que neste ponto, data vênia, ousamos discordar da posição sumulada no verbete 13 do Egrégio Tribunal Superior, conforme acima já destacada.

De mais a mais, ao se entender que o dispositivo artigo 14, §9º da Constituição possui eficácia limitada, implica relegar a força normativa do princípio da moralidade à mera vontade do legislador infraconstitucional em editar a esperada lei, fazendo, pois, tabula rasa o princípio da moralidade.

Ainda, nessa batida, mais uma vez, socorre-se dos ensinamentos de Marcos Ramayana [13]:

Assim sendo, urge concluir que, a vida pregressa do candidato fere o princípio da moralidade administrativa e política, constituindo obstáculo para o deferimento de registro de candidaturas, mesmo que no Brasil ainda não tenha sido regulamentado o parágrafo novo do artigo 14 da Constituição da República, no que tange especificamente ao princípio da moralidade em relação à vida pregressa (de anotações penais do interessado candidato).

Outrossim, o princípio da moralidade administrativa é previsto no art. 37 da CRFB e está em consonância com os princípios da lealdade e boa-fé. Em igual sentido são os artigos 5º, LXXIII, e 85, V, da Constituição Federal. Os acessos ao poder público em geral, inclusive aos cargos decorrentes de mandatos eletivos se pautam pelas normas constitucionais. Todavia, o conceito subjetivo de moralidade é superlativo e toca ao direito natural de convivência social, ensejando uma sinergia de proteção pelas autoridades responsáveis pela defesa do regime democrático brasileiro.

3.1. FORÇA NORMATIVA.

A moderna doutrina constitucional que, segundo Paulo Bonavides, Robert Alexy, entre outros, tem afirmado que os princípios não são destituídos, como outrora imaginado, de força normativa, vale dizer, não são meras orientações. Em absoluto não. Mas, ao revés, são, a bem da verdade, normas-princípios, integram o conceito do gênero norma jurídica, da qual são espécies as citadas normas-princípios e normas-regras.

Princípios significam um conjunto de regras e preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica. Servem de base para o Direito, e como salienta Ivo Dantas, é

categoria lógica e, tanto quanto possível universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade. [14]

Enfim, percebe-se que os princípios são os mandamentos nucleares e fundamentais de um sistema, a base fundamental do ordenamento normativo, cuja condição para que uma regra seja tida como princípio é sua capacidade de transcendentalidade. Nesse sentido, é lapidar a conceituação de Celso Antônio Bandeira de Melo

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido. [15]

Dado o enfoque jurídico, é preciso ter-se em mente, que atualmente, a natureza jurídica dos princípios é eminentemente normativa, apesar de não ter sido essa a postura dos doutrinadores ao longo do tempo.

De início, quando a orientação dos princípios se encontrava embebida na seara do Direito privado era conceituado como "o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação faz disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito positivo" [16].

Por outro lado, a corrente negativista justificava-se, aduzindo que os princípios têm alto grau de vagueza e são formulações prescritivas. Assim, eram qualificados como mera "exortações, preceitos de ordem moral ou política, mas não verdadeiros comandos de Direito". [17]

Como saliente Paulo Bonavides, nessas concepções estavam ausentes o traço do normativismo [18], uma postura que ganhou relevo, somente nos traços da modernidade com o pós-positivismo.

Esse período corresponde à hegemonia axiológico-normativa dos princípios, os quais são calcados a pedestais do sistema normativo, sendo reconhecida a sua natureza normativa e o caráter vinculante para solucionar casos concretos.

A alteração desse conceito foi paulatinamente sendo refletido nos textos legais, em que os princípios saíram dos códigos e saltaram para as Constituições, onde tiveram sua normatividade potencializada, passando a atuar como fundamento na ordem jurídica, informando o conteúdo das demais normas.

Ronald Dworkin, quem capitaneou uma reação intelectual do tema asseverou que é possível se valer da mesma forma de princípios e de regras jurídicas para a imposição de obrigações legais [19].

A nova hermenêutica é então a revirada teórica do século XX , e depois de aclamado o debate acerca de sua normatividade que foi demonstrada, a teoria dos princípios se converteu no coração das constituições. E por serem as constituições o gérmen do ordenamento jurídico, os princípios nela inseridos se transformam em fundamento da ordem jurídica global.

Ultrapassadas essas questões, impõe-se reconhecer que os princípios, hoje, desempenham papel determinante no ordenamento jurídico. Paulo Bonavides afirma que os princípios desempenham três funções específicas no ordenamento jurídico: fundamentadora, interpretativa e supletiva [20].

A primeira refere-se à capacidade de servir de base ao ordenamento jurídico em razão de representarem os valores supremos da sociedade. Fundam o sistema normativo, assim como têm a capacidade de excluírem todas as normas que lhe forem contrárias.

A função interpretativa serve de vetor orientador ao operador jurídico na interpretação das normas para adequá-las aos valores fundamentais. Nesse sentido, Daniel Sarmento:

Os princípios constitucionais desempenham também um papel hermenêutico constitucional, configurando-se como genuínos vetores exegéticos para a compreensão e aplicação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais. Nesse sentido, os princípios constitucionais representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados. [21]

Por fim, função supletiva é direcionada à tarefa de integrar a ordem jurídica quando constatada a inexistência de norma jurídica regulando o caso concreto.

Os princípios são, portanto, as vigas mestras do sistema, porque são eles que definem e caracterizam o estado e a cidadania através dos seus postulados. São considerados como fundamento das regras, o que, no dizer de Canotilho, desempenham função normogenética e são auto-aplicáveis, razão pela qual vinculam a atuação do legislador

Na verdade, o Direito vive hoje a era dos princípios e esses se colocam, definitivamente como forma de "equilibrar de um lado a rigidez do positivismo axiomático e, de outro, a abertura e a incerteza do decisionismo arbitrário." [22]

Enfim, os princípios são a "prima ratio, primeira concretização normativa de um valor, é um fundamento das regras, com força prospectiva, revelando o conteúdo e o limite das demais normas, como seus alicerces" [23].

Sobre o assunto, avultam importância as palavras do Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5º Região Francisco Cavalcanti, retiradas do livro de Terence Dornelles Trennepohl [24]:

os princípios têm avultado como verdadeiras normas de conduta, e não meramente como diretrizes hermenêuticas, realçando-se, hodiernamente, a distinção entre regras jurídicas e princípios jurídicas, sendo ambos normas jurídicas (processo de juridicização). Despertou-se, por assim dizer, para o fato de que os princípios jurídicos – escritos ou implícitos – representam as bases as quais o direito se constrói e das quais ele deriva (as regras jurídicas, inclusive, seriam a concreção dos princípios), ou, dito de outro modo, os elementos fundamentais que inspiram o sistema jurídico e que, portanto, devem funcionar como orientadores preferenciais da interpretação, da aplicação e da integração normativa, com a conseqüente afastamento de uma postura mais legalista (TRF 5ª Região, Agravo Regimental em Suspensão de Liminar n.º 3557/02 – PE, Pleno, j. 21/09/2005, Relator Desembargador Federal Francisco Cavalcanti).

Ainda nesse caminho, têm-se os ensinamentos de Leo van Holthe [25]:

Daí a doutrina dizer que as regras jurídicas são "comandos de definição" – devendo ser aplicados integralmente, quando válidos; enquanto os princípios são "comandos ou mandados de otimização" – devendo ser aplicados na maior medida do possível, a depender das circunstâncias do caso concreto.

Desta feita, tendo os princípios força normativa, devem ser observados e respeitados tais quais as regras.

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Sobre o autor
Gustavo Machado Tavares

Procurador Judicial do Município do Recife. Especialista em Novas Questões do Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas em convênio com a Escola Superior de Advocacia - ESA/OAB-PE. Pós-graduando em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Pernambuco. Concluinte do Curso de Preparação e Aperfeiçoamento à Magistratura pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Gustavo Machado. O princípio da moralidade como fundamento para o indeferimento de registro de candidatura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1921, 4 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11805. Acesso em: 25 nov. 2024.

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