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O conselho penitenciário e sua atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional

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RESUMO

A alteração efetivada pela Lei n. 10.792/2003 na redação do inciso I do artigo 70 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal) fez com que se disseminasse a idéia de que o Conselho Penitenciário teria perdido uma de suas principais atribuições, qual seja, a de emitir parecer acerca do instituto do livramento condicional. Todavia, uma interpretação sistemática da legislação demonstra que o referido Conselho continua com tal atribuição.

PALAVRAS-CHAVE: 1) Conselho penitenciário; 2) Livramento condicional; 3) Execução penal.


Introdução

A Lei n. 10.792, de 1.º de dezembro de 2003, diploma legal que trouxe uma série de alterações tanto para a Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), quanto para o Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, tem sido alvo de severas críticas. Uma delas diz respeito à alteração inserida no inciso I do artigo 70 da LEP, que pretendeu retirar do Conselho Penitenciário a incumbência de se manifestar previamente acerca do pedido de livramento condicional.

No intuito de dar uma visão geral acerca do Conselho Penitenciário e sua atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional, este trabalho, primeiramente, discorre acerca da histórica ligação existente entre esses dois institutos. Posteriormente, trata da recente alteração legislativa levada a efeito pela Lei n. 10.792/2003, bem como de suas conseqüências práticas no âmbito da execução penal. Depois, propõe a adoção de técnicas de interpretação sistemática como a forma mais correta de se compreender a alteração legislativa em pauta.

Complementando este trabalho, serão apresentadas as conclusões que surgiram após toda a investigação a respeito do tema. Também serão apresentadas as referências bibliográficas utilizadas na elaboração deste artigo.


1. A ligação entre o Conselho Penitenciário e o livramento condicional

Como bem lembra POSTERLI (2001:269), a regulamentação do instituto do livramento condicional no Brasil deu-se por meio do Decreto n. 16.665, de 6 de novembro de 1924. Com este Decreto surgiu também o Conselho Penitenciário, que já naquela época tinha a função de fiscalizar o cumprimento da pena, bem como a de emitir parecer sobre livramento condicional, indulto, graça e comutação de pena. Desse modo, nas sábias palavras do preclaro mestre, "os Conselhos Penitenciários e o instituto do livramento condicional são indissociáveis".

Nesse sentido, a lição de SANTOS (2004), segundo o qual o Conselho Penitenciário e o livramento condicional nasceram "praticamente unidos pelo mesmo cordão umbilical".

Hodiernamente, o Conselho Penitenciário é elencado como um dos órgãos da execução penal, nos termos do art. 61, inciso IV, da LEP.

Por outro lado, o artigo 69, caput, do mesmo diploma legal dispõe que "o Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena". Comentando este dispositivo, MIRABETE (2004:233) afirma que o Conselho Penitenciário constitui-se numa verdadeira "ponte" entre os Poderes Executivo e Judiciário no que se refere à execução penal.

No que tange ao livramento condicional, CAPEZ (2005:460) o conceitua como sendo um "incidente na execução da pena privativa de liberdade". Segundo este autor, tal incidente consiste "em uma antecipação provisória da liberdade do condenado, satisfeitos certos requisitos e mediante determinadas condições".

A ligação legislativa entre o Conselho Penitenciário e o livramento condicional permanece intacta desde a regulamentação de ambos os institutos, em 1924, até os dias de hoje, como comprovam diversos dispositivos previstos na LEP. Assim, por exemplo, o artigo 136 desta Lei determina que, uma vez concedido o livramento condicional, deverá ser expedida carta de livramento com a cópia integral da sentença em duas vias, devendo uma delas ser remetida ao Conselho Penitenciário. Já o artigo 137 dispõe que o Presidente do Conselho Penitenciário deverá marcar o dia em que será realizada a cerimônia do livramento condicional, bem como ler a sentença ao liberando ou designar um outro membro do Conselho para que o faça. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 139 determina que a entidade encarregada da observação cautelar e da proteção do liberado deverá apresentar relatório ao Conselho Penitenciário. Os artigos 143 e 144 dispõem que o Conselho Penitenciário pode representar pela revogação do livramento condicional ou pela modificação das condições estabelecidas no benefício. Também cabe ao Conselho Penitenciário emitir parecer sobre a suspensão do curso do livramento condicional, nos termos do artigo 145. Por fim, o artigo 146 autoriza o Conselho Penitenciário a representar ao juiz para que este julgue extinta a pena privativa de liberdade uma vez expirado o prazo do livramento condicional sem revogação.

Claramente demonstrada, portanto, a "verdadeira correspondência biunívoca entre Conselho Penitenciário e o livramento condicional", conforme ressaltado por POSTERLI (2001:272). Todavia, com o advento da Lei n. 10.792/2003, uma das principais atuações do Conselho Penitenciário em relação ao livramento condicional, qual seja, a emissão de parecer opinativo acerca de sua concessão, passou a ser tida como revogada.


2. A alteração legislativa e seus efeitos

Originalmente, o artigo 70, inciso I, da LEP, dispunha, in verbis: "Incumbe ao Conselho Penitenciário: I – emitir parecer sobre livramento condicional, indulto e comutação de pena". Assim, era pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência que, apesar do juiz não estar vinculado ao parecer do Conselho sobre livramento condicional, sua oitiva era obrigatória. Este o entendimento de JESUS (2002:629), segundo o qual o juiz não poderia conceder o benefício sem a manifestação do Conselho Penitenciário, embora não ficasse adstrito a ela.

A redação do referido inciso, porém, foi alterada pela Lei n 10.792/2003. Atualmente, o dispositivo em comento determina o seguinte: "Incumbe ao Conselho Penitenciário: I – emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto com base no estado de saúde do preso".

Partindo de uma análise meramente gramatical da alteração legislativa, o entendimento majoritário atual acerca da questão é de que o Conselho Penitenciário não tem mais a incumbência de emitir parecer sobre livramento condicional, uma vez que tal possibilidade deixou de constar do artigo 70 da LEP.

Desse modo, apenas alguns poucos Conselhos Penitenciários, como os do Distrito Federal e do Rio Grande do Norte, continuam com suas manifestações nesses casos, segundo informam KUEHNE et alii (2004).


3. A interpretação sistemática da alteração legislativa

De acordo com as lições de MIRABETE (2004:235) e SILVA (2006:89), o rol de atribuições do Conselho Penitenciário previsto no artigo 70 da LEP não é exaustivo. A LEP encarrega o Conselho Penitenciário de uma série de outras atribuições, dentre as quais se encontram as seguintes: propor a modificação das condições da suspensão condicional da pena (art. 158, § 2.º); inspecionar o cumprimento das condições da suspensão condicional da pena (art. 158, § 3.º); suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução (art. 186, inc. II); propor a declaração da extinção da punibilidade, caso seja concedida a anistia (art. 187); provocar o indulto individual (art. 188); propor o início de procedimento judicial correspondente às situações previstas na Lei de Execução Penal (art. 195).

Segundo SILVA (2006:90), nos termos do que dispõe o artigo 195 da LEP, o Conselho Penitenciário também estaria legitimado a propor: a progressão ou regressão de regime prisional; o pedido de livramento condicional; a substituição da pena por medida de segurança; os procedimentos administrativos que visem à regularização do funcionamento ou à interdição de estabelecimentos penais.

Por outro lado, o artigo 131 da LEP não teve sua redação alterada. Referido dispositivo determina que: "o livramento condicional poderá ser concedido pelo juiz da execução, presentes os requisitos do art. 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário".

Ora, utilizando-se o processo sistemático de interpretação, que segundo DINIZ (1989:389) é aquele "que considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto", percebe-se com clareza que o Conselho Penitenciário continua com a atribuição de emitir parecer em livramento condicional. O fato de tal incumbência não fazer mais parte do artigo 70 da LEP é irrelevante, porquanto continua presente no artigo 131 da mesma Lei. Como as atribuições do Conselho não se restringem às elencadas no artigo 70, a prevista no artigo 131 é mais do que suficiente.

Este o entendimento de MIRABETE (2005:340), que tratando sobre o instituto do livramento condicional afirma:

Embora a Lei n.º 10.792, de 1.º-12-2003, na nova redação conferida ao art. 70, inciso I, da LEP, tenha excluído a referência ao parecer do Conselho Penitenciário do rol de suas atribuições, permanece a exigência por força do disposto no art. 131 da LEP.

Outra não é a lição de NUCCI (2008:1011), que analisando a celeuma causada pela alteração legislativa em comento, afirma:

Cuida-se de situação polêmica, ainda não pacificada na jurisprudência, vale dizer, se há ou não o referido parecer para a concessão do livramento condicional. Pensamos que deva existir, pois é situação prevista no procedimento para a concessão do livramento condicional expressamente.

Entendimento contrário poderia levar à absurda interpretação de que nem mesmo o Ministério Público poderia emitir parecer acerca da concessão de livramento condicional, uma vez que tal atribuição não se encontra no rol das atribuições ministeriais previsto no artigo 68 da LEP. É evidente, no entanto, que o artigo 68, assim como o artigo 70 da referida Lei, é meramente exemplificativo, admitindo que outras atribuições sejam elencadas para o Ministério Público.

Além disso, ainda que a intenção do legislador tenha sido realmente a de retirar do Conselho Penitenciário a atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional, este intento não foi alcançado, pois o legislador deixou de fazer as devidas alterações no artigo 131 da LEP.

Nesse sentido, o magistério de SANTOS (2004):

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Como se sabe, uma vez editada a lei, a intenção do legislador não tem qualquer efeito, sabido que a norma legal, depois de editada, se desprende da autoridade que a gerou, transmudando-se em fonte autônoma do direito, a exigir, para sua compreensão, o uso dos métodos tradicionais de interpretação, com especial destaque para as interpretações histórica, lógica e sistemática.

Por outro lado, a lentidão na emissão de pareceres sobre livramento condicional por parte de um ou outro Conselho Penitenciário não pode servir como pretexto para a subtração de suas atribuições históricas. Melhor seria que fossem instituídas medidas visando o aperfeiçoamento desses órgãos e não o seu enfraquecimento.

Analisando-se, por fim, o disposto no artigo 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, norma comum a todos os ramos do Direito, tem-se que o mesmo dispõe o seguinte: "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Ora, a Lei n. 10.792/2003 não revogou expressamente o artigo 131 da LEP. Também a nova redação dada ao inciso I do artigo 70 da LEP não é incompatível com o disposto no artigo 131 da mesma Lei, porquanto está claro que o rol de atribuições do artigo 70 não é exaustivo. Além disso, a nova redação do artigo 70, inciso I, da LEP, não logrou regular inteiramente nem a matéria concernente às atribuições do Conselho Penitenciário, nem a matéria referente ao instituto do livramento condicional.


Conclusão

O Conselho Penitenciário surgiu há mais de oitenta anos e desde sua criação tem tido a incumbência de dar efetividade ao livramento condicional, inclusive manifestando-se previamente sobre a concessão ou não do instituto. Assim, a estreita ligação histórica entre Conselho Penitenciário e livramento condicional é incontestável, haja vista que a primeira regulamentação de ambos os institutos ocorreu no mesmo Decreto.

Todavia, desde a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, vem prevalecendo o entendimento que o Conselho Penitenciário não tem mais atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional.

Tal entendimento, porém, baseia-se numa interpretação equivocada, meramente gramatical, de um dispositivo isolado da Lei de Execução Penal que foi alterado pela Lei n. 10.792/2003, qual seja, o artigo 70, inciso I.

Com o auxílio dos métodos de interpretação sistemática, percebe-se que o dispositivo em pauta não logrou retirar a referida atribuição do Conselho Penitenciário, pois, no cotejo com outros artigos da Lei de Execução Penal fica claro que este órgão possui muito mais atribuições do que as previstas no artigo 70 da LEP. Uma delas, prevista no artigo 131, e cuja alteração deve ter sido esquecida pelo legislador, mantém a incumbência de emissão de parecer sobre livramento condicional ao Conselho Penitenciário.

Urge, portanto, que os Conselhos Penitenciários, que têm deixado de emitir parecer sobre livramento condicional, voltem a se manifestar acerca da concessão ou não do instituto, uma vez que a Lei n. 10.792/2003 não logrou êxito ao tentar retirar tal atribuição desses órgãos.


Referências bibliográficas:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.

KUEHNE, Maurício; WEIS, Carlos; SILVA, Mário Júlio Pereira da. Relatório da reunião comemorativa aos 80 anos da criação dos conselhos penitenciários. Dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/conselhos/cnpcp/legislacao/pareceres/relatorio%20reuniao%20conselhos.pdf>. Acesso em: 3 de outubro de 2008.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 1.

________. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

POSTERLI, Renato. Temas de criminologia. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SANTOS, Brasilino Pereira dos. O livramento condicional e o conselho penitenciário. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 301, 4 de maio de 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5161>. Acesso em: 3 de outubro de 2008.

SILVA, Haroldo Caetano da. Execução penal: com as inovações de Lei n. 10.792, de 1.º de dezembro de 2003. 3. ed. Porto Alegre: Magister, 2006.

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Sobre o autor
Gaspar Alexandre Machado de Sousa

Advogado. Mestre em Direito - Ciências Penais pela Universidade Federal de Goiás. Professor na Universidade Federal de Goiás e na Universidade Católica de Goiás. Membro do Conselho Penitenciário do Estado de Goiás, atualmente atuando como Vice-Presidente do Conselho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Gaspar Alexandre Machado. O conselho penitenciário e sua atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1940, 23 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11884. Acesso em: 26 dez. 2024.

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