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Competência para processar sindicância punitiva contra os servidores regidos pela Lei federal nº 4.878/1965

(Polícia Federal e Polícia Civil do Distrito Federal)

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A inobservância da formação de colegiado para exercer a instrução e a acusação contra servidores configura prejuízo para a defesa, em face da reduzida perspectiva de absolvição.

Palavras-chave: Lei federal n. 4.878/1965 (Estatuto dos integrantes das Carreiras Policiais da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal). Competência para processar sindicância punitiva. Omissão legislativa. Sindicante singular: possibilidade? Aplicação subsidiária do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. 62, Lei federal n. 4.878/1965). Inteligência do art. 149, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990. Incidência do princípio do juiz natural na esfera administrativa (art. 5º, LIII, Constituição Federal de 1988). Ninguém poderá ser processado senão pelo órgão administrativo competente. Competência de comissão de três servidores públicos estáveis para processar o procedimento sindicante. Entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Resumo: O artigo estuda a competência para processar sindicância punitiva no regime jurídico do pessoal regido pela Lei federal n. 4.878/1965 (Estatuto dos integrantes das Carreiras Policiais da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal), consignando que, em face da lacuna legislativa, aplica-se subsidiariamente a regra estatuída pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. 149, § 2º, Lei federal n. 8.112/1990), o qual, de forma expressa, declara a competência de comissão para processar o procedimento sindicante. Procede-se a uma interpretação sistemática do direito positivo federal, também sob a ótica do princípio constitucional do juiz natural ou do administrador competente, à luz da jurisprudência e da doutrina, no sentido de que ninguém poderá ser processado senão pela autoridade ou órgão administrativo competentes. Advoga-se que a falta de observância da formação de colegiado para exercer o ofício instrutório e acusatório contra servidores públicos configura prejuízo para a defesa, em face da reduzida perspectiva de absolvição do sindicado, na hipótese de sua responsabilidade disciplinar ser apreciada por uma só autoridade sindicante.


1. Introdução

1. Merece estudo a questão da possibilidade, ou não, de sindicante singular funcionar como órgão de instrução e acusação nas sindicâncias punitivas instauradas contra os servidores regidos pelos ditames da Lei federal n. 4.878/1965 (Estatuto dos integrantes das Carreiras Policiais da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal), particularmente sob a ótica das indagações acerca da ocorrência de prejuízo para o sindicado, na hipótese de não se constituir comissão sindicante, além de se desatar o problema em torno de a atuação de autoridade processante única implicar, ou não, violação de princípios constitucionais, ou mesmo se haveria exigência legal no sentido de que se formasse conselho trino para processar os procedimentos sindicantes sancionadores.


2. Aplicação subsidiária do regime da Lei federal n. 8.112/1990 ao pessoal regido pela Lei Federal n. 4.878/1965, inclusive no tocante à competência para processar sindicância

2. Impende pontuar que a Lei federal n. 4.878/1965 é silente sobre a competência para processar sindicância punitiva, mas seu art. 62 reza expressamente:

Art. 62. Aos funcionários do Serviço de Polícia Federal e do Serviço Policial Metropolitano aplicam-se as disposições da legislação relativa ao funcionalismo civil da União no que não colidirem com as desta Lei.

3. De fato, a Lei federal nº 8.112/90 é aplicável, sim, subsidiariamente, aos policiais civis e federais e federais, por expressa disposição do predito art. 62, da Lei federal nº 4.878/65.

4. A premissa primeira, pois, é de que a competência para processar sindicância punitiva para o pessoal da Polícia Federal e da Polícia Civil do DF, enquanto não sobrevém legislação específica, regula-se pelas mesmas regras da Lei federal n. 8.112/1990 (art. 62, da Lei federal nº 4.878/65).

5. Nesse sentido, formulamos súmula em nosso Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública [01], recentemente lançado pela Editora Fortium de Brasília, 1.072 páginas: www.fortium.com.br – editora – direito administrativo):

1) "No regime da Lei federal n. 8.112/90, que se aplica também em caráter subsidiário aos integrantes da Carreira Policial Civil do Distrito Federal enquanto não sobrevém regra legal específica, compete a comissão trina processar sindicância investigativa ou punitiva, nos termos do art. 149, § 2º, do Estatuto dos Servidores Públicos da União."

Procuradoria-Geral do Distrito Federal (Precedentes do Processo/DF nº 052.000.959/2002, Interessado: I. de C; Processo/DF nº 130.000.073/2006, Interessado: SUCAR; Parecer nº 106/2006-PROPES/PGDF; Sindicância nº 012/2005 – SESIPE - Polícia Civil do Distrito Federal). Tribunal Regional Federal da 1ª Região (REO 1997.01.00.035035-0/PI, remessa ex-officio, relator o Juiz Federal MANOEL JOSÉ FERREIRA NUNES, 1ª Turma Suplementar, DJ de 03/07/2003, p.181, decisão: 10/06/2003, por unanimidade). Tribunal Regional Federal da 4ª Região (AC - Apelação Cível, Processo: 9604130021/RS, 4ª Turma, decisão de 25/05/1999, DJ de 28/07/1999, p.294, relator o Desembargador Federal A. A. RAMOS DE OLIVEIRA, unânime). Tribunal Regional Federal da 5ª Região (AG - Agravo de Instrumento 31751, Processo: 200005000416280/RN, 2ª Turma, decisão de 14/11/2000, DJ de 04/06/2001, p.455, relator o Desembargador Federal ARAKEN MARIZ, unânime). Edmir Netto de Araújo (O ilícito administrativo e seu processo, p.131; Curso de direito administrativo, p.861). Deoclécio Moura Filho (Orientação do processo administrativo: doutrina, prática e legislação, p.11). José Armando da Costa (Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª. ed., p.277 -278). Romeu Felipe Bacellar Filho (Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar, p.308). Robertônio Pessoa (Curso de Direito Administrativo Moderno, p.369.) Ricardo Gomes Amorim (Manual de Sindicância e Processo Administrativo, p.42).

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6. É cristalino, portanto, que, à míngua de disposição expressa no Estatuto dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal sobre a competência para processar sindicância punitiva, a Lei federal n. 8.112/1990 se aplica, em caráter subsidiário, inclusive em sua redação atualizada, por se tratar de pessoal organizado e mantido pela União e sobre o qual a competência legiferante é do Congresso Nacional (art. 21, XIV, Constituição Federal), nos termos do art. 62, da Lei federal n. 4.878/1965, é incontroverso, pois.


3. Competência para processar sindicância punitiva no regime da Lei federal n. 8.112/1990

7. Uma vez assentado que o Estatuto dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal é omisso na matéria e que remete à aplicação subsidiária das disposições do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, resta, pois, somente cotejar o texto da Lei federal n. 8.112/1990 para se verificar o que o diploma legislativo estatui acerca da competência para processar a sindicância punitiva.

8. Transcrevem-se alguns preceptivos da Lei federal n. 8.112/1990 para elucidar a questão:

Art. 133.  Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

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§ 2o  A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o  Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

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Art. 140.  Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

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II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

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Art. 149.  Oprocesso disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 1o  A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.

§ 2º  Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

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Art. 150.  A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.

Parágrafo único.  As reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado.

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Art. 151.  O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;

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Art. 152.  O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

§ 1o  Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final.

§ 2o  As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas.

.............................................

Art. 155.  Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

Art. 156.. . .............................................................. § 1º  O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

............................................................................................       

Art. 157.  As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos.

............................................................................................       

Art. 159.  Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

............................................................................................       

§ 2o  O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

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Art. 160.  Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.

Art.161.................................................................................

§ 1o  O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

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§ 4o  No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas testemunhas.

Art. 162.  O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado.

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Art. 165.  Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção.

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§ 2º  Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Art. 166.  O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento.

Art. 168.  O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

Parágrafo único.  Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

Art. 169.  Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo.(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

......................................................................

Art. 173.  Serão assegurados transporte e diárias:

.. .........................................................................................

II - aos membros da comissão e ao secretário, quando obrigados a se deslocarem da sede dos trabalhos para a realização de missão essencial ao esclarecimento dos fatos.

9. Da límpida atenção aos ditames da Lei federal n. 8.112/1990, resta evidente que o sistema adotado nesse diploma legislativo foi o de que a competência para processar sindicância é de comissão, nos termos do claríssimo texto do seu art. 149, § 2º, retrotranscrito.

10. Todos os atos, na disciplina da Lei federal n. 8.112/1990, serão praticados pelo colegiado: a comissão exercerá as atividades (art. 150, caput, Lei n. 8.112/1990); as reuniões e audiências são da comissão (art. 150, parágrafo único, e art. 152, § 2º, Lei n. 8.112/1990); a comissão é constituída (art. 152, caput, Lei n. 8.112/1990); a comissão colhe a prova (art. 155, caput, Lei n. 8.112/1990), a comissão promove o interrogatório (art. 159, caput, Lei n. 8.112/1990), a comissão elabora o relatório (art. 165, caput, Lei n. 8.112/1990). O procedimento sumário para acumulação ilegal de cargos públicos é processado por comissão, competente para formular a indiciação e o relatório do feito (art. 133, I, §§ 2º e 3º, Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei federal nº 9.527, de 10.12.1997). No caso de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, a competência também incumbe a comissão (art. 140, Lei federal n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei federal nº 9.527, de 10.12.1997).

11. Toda a disciplina da Lei federal n. 8.112/1990 estriba-se no trabalho de comissões. E não há dúvida de que a sindicância também é processada por colegiado, em face da literal previsão do seu art. 149, § 2º.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Competência para processar sindicância punitiva contra os servidores regidos pela Lei federal nº 4.878/1965: (Polícia Federal e Polícia Civil do Distrito Federal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1957, 9 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11939. Acesso em: 26 abr. 2024.

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