Resumo: O artigo estuda a competência para processar sindicância punitiva no regime jurídico do pessoal regido pela Lei federal n. 4.878/1965 (Estatuto dos integrantes das Carreiras Policiais da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal), consignando que, em face da lacuna legislativa, aplica-se subsidiariamente a regra estatuída pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. 149, § 2º, Lei federal n. 8.112/1990), o qual, de forma expressa, declara a competência de comissão para processar o procedimento sindicante. Procede-se a uma interpretação sistemática do direito positivo federal, também sob a ótica do princípio constitucional do juiz natural ou do administrador competente, à luz da jurisprudência e da doutrina, no sentido de que ninguém poderá ser processado senão pela autoridade ou órgão administrativo competentes. Advoga-se que a falta de observância da formação de colegiado para exercer o ofício instrutório e acusatório contra servidores públicos configura prejuízo para a defesa, em face da reduzida perspectiva de absolvição do sindicado, na hipótese de sua responsabilidade disciplinar ser apreciada por uma só autoridade sindicante.
1. Introdução
1. Merece estudo a questão da possibilidade, ou não, de sindicante singular funcionar como órgão de instrução e acusação nas sindicâncias punitivas instauradas contra os servidores regidos pelos ditames da Lei federal n. 4.878/1965 (Estatuto dos integrantes das Carreiras Policiais da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal), particularmente sob a ótica das indagações acerca da ocorrência de prejuízo para o sindicado, na hipótese de não se constituir comissão sindicante, além de se desatar o problema em torno de a atuação de autoridade processante única implicar, ou não, violação de princípios constitucionais, ou mesmo se haveria exigência legal no sentido de que se formasse conselho trino para processar os procedimentos sindicantes sancionadores.
2. Aplicação subsidiária do regime da Lei federal n. 8.112/1990 ao pessoal regido pela Lei Federal n. 4.878/1965, inclusive no tocante à competência para processar sindicância
2. Impende pontuar que a Lei federal n. 4.878/1965 é silente sobre a competência para processar sindicância punitiva, mas seu art. 62. reza expressamente:
Art. 62. Aos funcionários do Serviço de Polícia Federal e do Serviço Policial Metropolitano aplicam-se as disposições da legislação relativa ao funcionalismo civil da União no que não colidirem com as desta Lei.
3. De fato, a Lei federal nº 8.112/90 é aplicável, sim, subsidiariamente, aos policiais civis e federais e federais, por expressa disposição do predito art. 62, da Lei federal nº 4.878/65.
4. A premissa primeira, pois, é de que a competência para processar sindicância punitiva para o pessoal da Polícia Federal e da Polícia Civil do DF, enquanto não sobrevém legislação específica, regula-se pelas mesmas regras da Lei federal n. 8.112/1990 (art. 62, da Lei federal nº 4.878/65).
5. Nesse sentido, formulamos súmula em nosso Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública 1, recentemente lançado pela Editora Fortium de Brasília, 1.072 páginas: www.fortium.com.br – editora – direito administrativo):
1) "No regime da Lei federal n. 8.112/90, que se aplica também em caráter subsidiário aos integrantes da Carreira Policial Civil do Distrito Federal enquanto não sobrevém regra legal específica, compete a comissão trina processar sindicância investigativa ou punitiva, nos termos do art. 149, § 2º, do Estatuto dos Servidores Públicos da União."
Procuradoria-Geral do Distrito Federal (Precedentes do Processo/DF nº 052.000.959/2002, Interessado: I. de C; Processo/DF nº 130.000.073/2006, Interessado: SUCAR; Parecer nº 106/2006-PROPES/PGDF; Sindicância nº 012/2005 – SESIPE - Polícia Civil do Distrito Federal). Tribunal Regional Federal da 1ª Região (REO 1997.01.00.035035-0/PI, remessa ex-officio, relator o Juiz Federal MANOEL JOSÉ FERREIRA NUNES, 1ª Turma Suplementar, DJ de 03/07/2003, p.181, decisão: 10/06/2003, por unanimidade). Tribunal Regional Federal da 4ª Região (AC - Apelação Cível, Processo: 9604130021/RS, 4ª Turma, decisão de 25/05/1999, DJ de 28/07/1999, p.294, relator o Desembargador Federal A. A. RAMOS DE OLIVEIRA, unânime). Tribunal Regional Federal da 5ª Região (AG - Agravo de Instrumento 31751, Processo: 200005000416280/RN, 2ª Turma, decisão de 14/11/2000, DJ de 04/06/2001, p. 455, relator o Desembargador Federal ARAKEN MARIZ, unânime). Edmir Netto de Araújo (O ilícito administrativo e seu processo, p.131; Curso de direito administrativo, p. 861). Deoclécio Moura Filho (Orientação do processo administrativo: doutrina, prática e legislação, p. 11). José Armando da Costa (Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª. ed., p. 277 -278). Romeu Felipe Bacellar Filho (Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar, p.308). Robertônio Pessoa (Curso de Direito Administrativo Moderno, p. 369.) Ricardo Gomes Amorim (Manual de Sindicância e Processo Administrativo, p. 42).
6. É cristalino, portanto, que, à míngua de disposição expressa no Estatuto dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal sobre a competência para processar sindicância punitiva, a Lei federal n. 8.112/1990 se aplica, em caráter subsidiário, inclusive em sua redação atualizada, por se tratar de pessoal organizado e mantido pela União e sobre o qual a competência legiferante é do Congresso Nacional (art. 21, XIV, Constituição Federal), nos termos do art. 62, da Lei federal n. 4.878/1965, é incontroverso, pois.
3. Competência para processar sindicância punitiva no regime da Lei federal n. 8.112/1990
7. Uma vez assentado que o Estatuto dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal é omisso na matéria e que remete à aplicação subsidiária das disposições do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, resta, pois, somente cotejar o texto da Lei federal n. 8.112/1990 para se verificar o que o diploma legislativo estatui acerca da competência para processar a sindicância punitiva.
8. Transcrevem-se alguns preceptivos da Lei federal n. 8.112/1990 para elucidar a questão:
Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143. notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
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§ 2º A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163. e 164. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 3º Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
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Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
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II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
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Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 1º A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.
§ 2º Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.
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Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.
Parágrafo único. As reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado.
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Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
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Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão , admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.
§ 1º Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final.
§ 2º As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas.
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Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.
Art. 156.. . ..............................................................
§ 1º O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.
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Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão , devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos.
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Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157. e 158.
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§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.
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Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.
Art.161. ................................................................................
§ 1º O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.
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§ 4º No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de duas testemunhas.
Art. 162. O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado.
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Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção.
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§ 2º Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Art. 166. O processo disciplinar, com o relatório da comissão , será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento.
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão , salvo quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.
Art. 169. Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
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Art. 173. Serão assegurados transporte e diárias:
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II - aos membros da comissão e ao secretário, quando obrigados a se deslocarem da sede dos trabalhos para a realização de missão essencial ao esclarecimento dos fatos.
9. Da límpida atenção aos ditames da Lei federal n. 8.112/1990, resta evidente que o sistema adotado nesse diploma legislativo foi o de que a competência para processar sindicância é de comissão, nos termos do claríssimo texto do seu art. 149, § 2º, retrotranscrito.
10. Todos os atos, na disciplina da Lei federal n. 8.112/1990, serão praticados pelo colegiado: a comissão exercerá as atividades (art. 150, caput, Lei n. 8.112/1990); as reuniões e audiências são da comissão (art. 150, parágrafo único, e art. 152, § 2º, Lei n. 8.112/1990); a comissão é constituída (art. 152, caput, Lei n. 8.112/1990); a comissão colhe a prova (art. 155, caput, Lei n. 8.112/1990), a comissão promove o interrogatório (art. 159, caput, Lei n. 8.112/1990), a comissão elabora o relatório (art. 165, caput, Lei n. 8.112/1990). O procedimento sumário para acumulação ilegal de cargos públicos é processado por comissão, competente para formular a indiciação e o relatório do feito (art. 133, I, §§ 2º e 3º, Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei federal nº 9.527, de 10.12.1997). No caso de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, a competência também incumbe a comissão (art. 140, Lei federal n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei federal nº 9.527, de 10.12.1997).
11. Toda a disciplina da Lei federal n. 8.112/1990 estriba-se no trabalho de comissões. E não há dúvida de que a sindicância também é processada por colegiado, em face da literal previsão do seu art. 149, § 2º.
4. A questão do rito da sindicância punitiva: silêncio eloqüente da Lei federal n. 8.112/1990? Observância dos atos básicos do procedimento do processo administrativo disciplinar?
12. Com efeito, deve ser interpretado como silêncio eloqüente o fato de a Lei federal n. 8.112/1990 não ter disciplinado, minuciosamente, as regras procedimentais da sindicância, exceto com algumas balizas fundamentais como: é meio de apuração imediata de irregularidades (art. 143, caput); seu prazo de instrução é de 30 dias, prorrogáveis por igual prazo (art. 145, parágrafo único); existe na modalidade meramente investigatória (art. 145, I, III) e punitiva (art. 145, II); limitação das penas imponíveis no bojo do procedimento sindicante: advertência ou até 30 dias de suspensão (art. 145, II); será processada por comissão, da qual não poderá participar cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (art. 149, § 2º).
13. Como deve ser interpretada essa deliberada omissão do texto legal acerca do rito da sindicância punitiva, conquanto o Estatuto dos Servidores Públicos Federais tenha pontuado, grife-se, o mister de a sindicância ser processada por comissão (art. 149, § 2º)?
14. É pertinente enfrentar o problema do rito da sindicância punitiva sob o prisma de que a sindicância da qual resulta punição nada mais é do que típico processo administrativo disciplinar, ainda que de caráter sumário, devendo seguir as regras deste.
15. A sindicância punitiva, no silêncio da Lei federal n. 8.112/1990, deve seguir o rito do processo administrativo disciplinar, assegurando ampla defesa e contraditório, do que segue a obrigatoriedade de citação do acusado, coleta de provas em regime contraditorial, formalização de um despacho de indiciação e respectiva citação do sindicado para oferecer defesa escrita, lavra de um relatório final, culminando no julgamento pela autoridade administrativa.
16. Sedimentou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: "Quando a sindicância tem finalidade punitiva, o rito adequado é o do processo administrativo disciplinar."2
17. José Armando da Costa, propugnando a aplicação a ela das regras do processo administrativo disciplinar, delineia as fases da sindicância apenadora, apesar do silêncio da lei: instauração; instrução; defesa; relatório; julgamento.3
18. Alberto Xavier arrola as fases inerentes ao procedimento administrativo como: a 1) inicial ou introdutiva, quando se desenvolvem as formalidades para iniciar o processo; 2) instrutória, com a realização das providências imperativas para coleta dos elementos necessários para a decisão, com a produção de provas em geral; 3) a decisória, com o respeito ao rito de funcionamento dos órgãos colegiados e à forma de expressão da vontade administrativa pelo órgão ou autoridade decisor.4
19. A sindicância punitiva pode ser instalada de duas formas: ou resulta de uma sindicância meramente investigativa, que vem a ser convertida em procedimento sindicante apenador; ou, diante de irregularidades cuja autoria e materialidade já estavam perfeitamente definidas de antemão, sucede a pronta instauração como sindicância sancionadora. No primeiro caso (se resultante de anterior sindicância investigativa), cumpre seja reeditada ou aditada a portaria inicial, a fim de que sejam expostos os fatos constitutivos de infrações disciplinares, nominados os acusados, além de procedido ao enquadramento legal da conduta por eles praticada, em tese. No segundo caso (imediata abertura de sindicância punitiva), o feito já é deflagrado com uma acusação inicial, formalizada contra os servidores considerados responsáveis na portaria de instalação, com a descrição do comportamento censurado e sua respectiva tipificação jurídica.
20. José Raimundo Gomes da Cruz confirma que a sindicância investigativa, originalmente instaurada para apurar irregularidades (na qual se chega à autoria e materialidade de falta disciplinar, apenada com suspensão de até 30 dias ou advertência, uma vez estabelecida a possibilidade e a intenção de punir o servidor sindicado), converte-se e deve seguir o mesmo procedimento do processo administrativo disciplinar desde então .5
21. Como informada pela garantia de ampla defesa e contraditório, é fundamental que a sindicância punitiva respeite a fase de indiciação, com a elaboração de peça acusatória minuciosa, que exponha os fatos censuráveis atribuídos ao acusado, a respectiva tipificação legal e as provas que dão suporte ao juízo condenatório, abrindo-se, em seguida, prazo para oferecimento de defesa escrita pelo servidor, na forma do art. 161, da Lei n. 8.112/1990.
22. Decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
Em se tratando de sindicância disciplinar, impõe-se a observância dos mesmos procedimentos aplicáveis ao processo administrativo disciplinar propriamente dito, sob pena de afronta aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não sendo admissível, portanto, a aplicação da penalidade anteriormente à sua conclusão. 06
23. Inviável seria, do contrário, falar em amplitude de defesa se os pontos de acusação não fossem claramente declinados para ciência do acusado e pronta resposta defensória na sindicância em cujo término se aplicará sanção ao servidor sindicado.
24. Asseverou o Tribunal Regional Federal – 5ª Região:
A comissão sindicante não se pode descuidar dos atos relativos às garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do procedimento administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa. Desse modo, por analogia ao art. 161, parágrafo 1º, da Lei n. 8.112, de 1990, antes de encaminhar os autos à autoridade julgadora, para aplicação de punição disciplinar, a comissão sindicante deve dar oportunidade de defesa ao acusado, mediante notificação pessoal, para apresentação de razões escritas, no prazo de dez dias. 7
25. Ainda que a sindicância possa ser considerada um procedimento mais simplificado, não poderá desprezar as peças e atos essenciais para a defesa do servidor, como decorrência do mandamento constitucional de que, nos processos administrativos em que formalizada acusação, seja deferida a proteção da ampla defesa e do contraditório, com os meios inerentes a essas garantias, no que se compreende o conhecimento das acusações articuladas pela Administração Pública e a oportunidade para desconstituir os fundamentos da procedência das teses acusatórias oficiais.
26. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, firmando que a sindicância punitiva deve conter ato formal de indiciação, seguida de pertinente citação do acusado sindicado para oferecer defesa escrita, decidiu, ante a violação da garantia do contraditório e da ampla defesa, pela anulação de penalidade imposta em procedimento sindicante no qual não se formalizara o ato citatório sobre o despacho de indiciação, ao fundamento de que
a mera comunicação, por Comissão de Sindicância, de que seriam apurados os fatos contidos em documento elaborado pelo Departamento de Polícia Federal do Piauí, anexo à referida comunicação, e a solicitação de comparecimento do servidor para prestar informações quanto aos documentos em referência não suprem a necessidade de citação do indiciado, nos termos do disposto no art. 161, § 1°, da Lei n. 8.112/1990. 8
27. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região proferiu decisão de igual teor.9
28. Já a fase de defesa escrita é essencial para o exercício do desforço defensório. Reza a Lei Geral do Processo Administrativo da União, a propósito, que é imperativa a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados (art. 2º, par. único, VIII, Lei federal 9.784/99).
29. Pontificou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
Ao servidor público, indiciado em sindicância, deve ser oferecido prazo razoável para elaboração de sua defesa. O deferimento do exíguo prazo de 05 [cinco] dias para apresentação da peça defensiva, por parte do indiciado, importa violação da cláusula constitucional da ampla defesa [artigo 5º, LV]. Precedentes jurisprudenciais. 10
30. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, aplicando o rito do processo administrativo disciplinar ao procedimento da sindicância punitiva, anulou punição imposta porque "suprimida a fase da defesa administrativa escrita, pela Comissão de Sindicância, nulo é o ato decorrente do respectivo procedimento, por violar o princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV)". 11
31. Finalizadas as atividades processuais da sindicância punitiva, deve a comissão, depois de indiciar o servidor e lhe deferir prazo legal para defesa escrita, elaborar seu relatório, com a descrição de todo o conteúdo do feito, as provas colhidas, as razões defensórias ofertadas e seu cotejo minucioso com a respectiva crítica serena, à luz do conjunto fático-probatório dos autos, para, ao final, externar uma fundamentada proposta de julgamento, concluindo pela culpa ou inocência do servidor.
32. Sob outro ângulo complementar, é intuitivo: se a sindicância pode implicar reprimenda administrativa ao servidor, o procedimento apenador sofre a incidência da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, do que segue o dever de instauração formal, de citação do sindicado, de oportunidade de produção de provas, de elaboração de peça acusatória em pontos claros e precisos (indiciação), de relatório final. Todos esses atos da sindicância punitiva devem ser praticados por comissão trina, integrada por servidores públicos estáveis, insuspeitos e desimpedidos, nos termos do art. 149, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990, c.c. arts. 18. a 20, da Lei federal n. 9.784/1999.
33. Ora, onde reina a mesma razão jurídica, aplica-se a mesma regra. A estabilidade foi prevista, expressamente, no art. 149, caput, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, para os membros da comissão de processo administrativo disciplinar. Poderiam, todavia, os integrantes de conselho sindicante ser meros ocupantes de cargos comissionados ou agentes públicos em estágio probatório? Como agiriam com independência e imparcialidade sob a ameaça de perda dos cargos comissionados, ou mesmo efetivos em que ainda são avaliados? A propósito, vide as considerações tecidas em nosso Manual de Processo Administrativo Disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. 12
34. Sob outro prisma, a necessidade de a defesa ser articulada diante de um ato de acusação formulado com base nas provas dos autos, com a tipificação legal da conduta e dos fatos increpados ao servidor somente se justifica no processo administrativo disciplinar, não na sindicância apenadora? Ora, a lavra de indiciação (art. 161, Lei federal n. 8.112/1990) é comum ao procedimento sindicante e ao processo administrativo disciplinar ordinário, em razão dos efeitos das garantias constitucionais de contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
35. E o que dizer do relatório na sindicância punitiva: pode ser prescindível, como resumo confiável do inteiro teor dos autos e com sólida proposta de decisão, remetida para o julgamento da autoridade competente, como sucede com o processo administrativo disciplinar? O órgão julgador do procedimento sindicante pode decidir sem um posicionamento opinativo do colegiado que colheu as provas na sindicância? Evidentemente que não.
36. A autoridade competente para aplicar penas de advertência ou suspensão de até 30 dias, na sindicância, não é a mesma definida, no art. 141, IIII, da Lei federal n. 8.112/1990, com o poder de julgar o processo administrativo disciplinar, no qual propostas as mesmas penalidades?
37. A coleta de provas na sindicância não deve seguir as mesmas disposições do processo administrativo disciplinar, consoante disciplinado nos artigos 153 a 160, da Lei federal n. 8.112/1990? A oitiva de testemunhas, as diligências, a prova pericial, o exame de sanidade mental, a acareação, etc. não constituem atos probatórios comuns à sindicância? Deve-se entender que os sobreditos preceitos legais expressos sobre a fase probatória (inquérito) não se aplicariam ao procedimento sindicante?
38. De mais a mais, o que deixa reluzente que a sindicância punitiva tem natureza jurídica de processo administrativo disciplinar é o fato de que a Lei federal n. 8.112/1990 dispôs conjuntamente, no Título V (intitulado Do Processo Administrativo Disciplinar), acerca dos dois institutos: tanto da sindicância (art. 145, I a III, e art. 149, § 2º) como do processo administrativo disciplinar, o que evidencia a vontade da lei de conferir a mesma disciplina normativa e rito básico a ambos, notadamente o processo administrativo disciplinar e a sindicância punitiva.
39. Outra evidência clara disso é de que, no tangente aos impedimentos, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais proclamou os mesmos critérios para os integrantes da comissão de sindicância ou de inquérito (processo administrativo disciplinar), conforme estipulado no art. 149, § 2º, do ato legislativo federal em comento.
40. Outro elemento de convicção que robustece a tese é de que o art. 143, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, no mesmo Título V (Do Processo Administrativo Disciplinar), enuncia que
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
41. Pois bem, o estatuto legislativo firmou que a apuração de irregularidades poderia ser promovida por meio de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, assegurando-se ampla defesa ao acusado. Ora, ressai nítido do texto legal que a previsão da figura de um acusado e da concessão de ampla defesa envolve feitos de caráter acusatório e nos quais se pode concluir com a possível imposição de penalidade, modo por que não há dúvida de que o art. 143, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, alude à sindicância punitiva, por excelência, juntamente com o processo administrativo disciplinar, haja vista que o procedimento sindicante de caráter investigativo, no qual não se finda com punição, senão ou com proposta de arquivamento das peças inquisitoriais ou de abertura de processo administrativo disciplinar (art. 145, I e III, da Lei federal n. 8.112/1990), não é informado pela garantia constitucional de contraditório e ampla defesa.
42. Todos esses elementos bastam para fazer ver que o rito da sindicância punitiva é, sim, no que tange aos atos básicos, similar ao do processo administrativo disciplinar, pois não se pode considerar que o legislador teria incorrido no gravíssimo equívoco de não definir os atos básicos do procedimento administrativo sindicante que pode resultar numa punição do servidor público, à revelia da segurança jurídica mais elementar. Não. O Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que inclusive regulamentou, no mesmo Título V (Do Processo Administrativo Disciplinar), os institutos do processo administrativo disciplinar e da sindicância, procurou conferir ao sindicado as garantias de que pelo menos sua responsabilidade seria: apreciada num feito processado por colegiado disciplinar trino (art. 149, § 2º), designado por ato de autoridade administrativa competente para instaurar o procedimento apenador, observando-se pelo menos os atos fundamentais da ritualística disciplinar, como a citação, a realização de fase instrutória, a lavra de peça de indiciação, a oportunidade para redigir defesa escrita contra peça indiciatória motivada nas provas e fatos coligidos nos autos, a elaboração de relatório final e julgamento.
43. Nada justificaria apontar no sentido de que o legislador federal tivesse por escopo, por absurdo, ao tratar dos dois institutos num mesmo título da lei, conferir segurança jurídica ao processo administrativo disciplinar e relegar a sorte do acusado em sindicância ao improviso, à indefinição, a um rito incerto, sem a observância de formalidades essenciais aos direitos do administrado. Basta ver nesse sentido que a própria Lei Geral de Processo Administrativo da União, aplicada no Distrito Federal por força do disposto na Lei distrital n. 2.834/2001, assevera:
Art.2º.....................................................................
..............................................................................
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
..............................................................................
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.
44. Pior ainda, concessa venia, seria inferir que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais teria deixado de definir quem teria competência para processar sindicância punitiva, quando o próprio art. 149, § 2º, do diploma legal em apreço, expressamente, estabeleceu que somente comissão poderia exercer o mister no procedimento sindicante.
45. Para que, então, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais se referiria à figura da comissão de sindicância (art. 149, § 2º), se o ato legislativo tivesse o intento de deixar a qualquer um, inclusive agente singular, a competência para processar feito sindicante? A exegese pela possibilidade de processamento de sindicâncias por inquisidor único implicaria tornar inócua a disposição do art. 149, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990.
46. Insta recordar que, na interpretação das normas jurídicas, não se pode recorrer à exegese que torne sem efeito qualquer uma disposição legislativa expressa, como a do art. 149, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990. É de Carlos Maximiliano a lição: "Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade" 13. O mesmo jurista ajunta:
Não se presumem, na lei, palavras inúteis. Literalmente, devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia [...] interpretem-se as disposições de modo que não pareça haver palavras supérfluas e sem força operativa. 14
47. Se o capitulado no art. 149, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990, sentenciou que a sindicância punitiva seria processada por comissão, não foi debalde que o estatuto firmou essa competência, mas para que fosse respeitada – e assim se deve interpretar a norma jurídica – não no sentido de que o preceito legal, de solar clareza e dicção, não deveria produzir, contudo, paradoxalmente, efeitos quaisquer, presumindo-se, erroneamente, palavras inúteis do texto legislativo, que explicitamente mencionou a figura da comissão de sindicância. Daí a conclusão, estribada nas mais áulicas lições da hermenêutica jurídica, de que existe, sim, dispositivo de lei vigente, eficaz e válido que demanda a formação de colegiado trino para processar sindicâncias punitivas no caso dos funcionários regidos pela disciplina do Estatuto dos Servidores Públicos Federais.