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Competência para processar sindicância punitiva contra os servidores regidos pela Lei federal nº 4.878/1965

(Polícia Federal e Polícia Civil do Distrito Federal)

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8. Sistema da competência de comissão trina no regime da Lei federal n. 8.112/1990 e o prejuízo para a defesa na hipótese de funcionamento de órgão singular em vez de colegiado: a ótica jurisprudencial

101. A matéria não é irrelevante. Tanto que o colendo Superior Tribunal de Justiça, em recentíssimo acórdão (RMS 25.952-DF, julgamento de 19 de agosto de 2008), anulou processo administrativo disciplinar processado por comissão de três servidores, porque, após a instauração do feito e o início de alguns atos processuais, deu-se a publicação da Lei distrital n. 3.642/2005, a qual finca a competência de comissão com 10 membros para processar os feitos contra os servidores da Polícia Civil do Distrito Federal. O STJ, dando aplicação ao princípio do juiz natural ou do administrador competente, anulou a pena de demissão imposta, porque violada a garantia do acusado quanto ao órgão competente para processá-lo, o que se considerou constituir prejuízo para o funcionário processado, conforme trecho da ementa, que se transcreve a seguir:

"A Lei distrital n. 3.642/2005, que dispôs que a Comissão Permanente deve ser composta por 10 membros, entrou em vigor após a instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar e conseqüente constituição da Comissão processante, de sorte que, uma vez praticado o ato, não pode a nova regra retroagir para torná-lo ilegal. No entanto, por se tratar de nova regra processual, que beneficia o acusado, a mesma tem que ser aplicada imediatamente, abarcando, inclusive, nos Processos Administrativos que se encontram pendentes de julgamento, como no caso em tela. [49]

102. Vale transcrever elucidativos trechos do voto do eminente Ministro relator:

A questão cinge-se, portanto, em saber se a partir da vigência da novel legislação, a Comissão Processante já composta e referente a Processo Administrativo em curso, porém ainda não concluído, tem o dever de adequar-se à nova regra atinente à sua composição. [...] De fato, a Lei distrital n. 3.642/2005, que dispôs que a Comissão Permanente deve ser composta por 10 membros, entrou em vigor após a instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar e conseqüente constituição da Comissão processante, de sorte que, uma vez praticado o ato, não pode a nova regra retroagir para torná-lo ilegal. No entanto, por se tratar de nova regra procedimental, que diz respeito à composição do órgão e beneficia o acusado, tem aplicabilidade imediata, abarcando, inclusive, os PAD´s que ainda se encontram pendentes de julgamento, como no caso em tela. Ora, não há como negar que a imposição de sanção administrativa, fundamentalmente a demissão, por significar juízo de severa reprovação proveniente da sociedade e do Estado, possui uma carga extremamente negativa, que afeta sobremodo a subjetividade do sancionado. Por esta e outras razões, o servidor sujeito a um Processo Administrativo, possui inúmeras garantias processuais insuscetíveis de eliminação, como sói ser no Processo Penal. Tratando-se de mais uma dessas garantias, não pode a Administração quedar-se inerte diante da previsão inovadora, que, ao prever a inclusão de mais sete membros na Comissão Processante, acabou por ampliar as chances de uma possível absolvição. Tem-se, pois, que, quando da escolha dos integrantes, foi corretamente aplicada a legislação vigente à época, porém, a partir da publicação da Lei Distrital 3.642/2005, a Administração deveria ter se adequado a nova regra e aumentando o número de membros integrantes da Comissão. [50]

103. Percebe-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça considerou garantia essencial do acusado (que o beneficia e cujo desrespeito gera, sim, prejuízo para a defesa) o maior número de integrantes do colegiado que processa o servidor, em vista da maior possibilidade de o funcionário processado obter voto favorável a partir de uma apreciação dos fatos e de sua responsabilidade administrativa por um maior número de integrantes de colegiado, em vez de sindicante único ou trinca no lugar de conselho com dez componentes, aplicando o princípio do juiz natural na esfera administrativa no particular, no que concerne ao órgão de instrução disciplinar, questão da maior importância, a ponto de anular demissão imposta em processo administrativo disciplinar.

104. Sucede a mesma situação na hipótese da subtração da garantia do acusado de se ver processar por colegiado trino para, em vez disso, ser submetido a sindicante singular, a apreciar solitariamente a responsabilidade do sindicado, quando o processado teria, em tese, melhores perspectivas de absolvição se fosse processado por trinca disciplinar, por um conjunto mais amplo de pontos de vista, até porque é bíblico que: "Há vitória na multidão de conselhos" (Provérbios 24.6). Em realidade, até para a Administração Pública, na verdade, concorre a múltipla visão sobre o problema da existência, ou não, de responsabilidade administrativa e o grau de censurabilidade que deve merecer, tanto que a doutrina admite, inclusive, para assegurar a plenitude e independência de cada membro da comissão processante de processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva, a elaboração de voto divergente pelo componente que divirja sobre a inocência ou culpabilidade do acusado, como sustenta José Armando da Costa: "Estando todos os membros de acordo, deverão todos eles assinar o relatório. Havendo desacordo, o que divergir apresentará o seu voto em separado". [51]

105. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região [52], de forma semelhante, assentou:

I - A Lei nº 4.878/65, que estabeleceu o Estatuto dos Policiais Civis da União e do Distrito Federal é clara no sentido de que qualquer irregularidade ou transgressão disciplinar deve ser apurada através de processo disciplinar, o qual será promovido por Comissão Permanente de Disciplina, composta de três membros designados pela autoridade competente. De outra banda, a Lei nº 8.112/90, cuja aplicação subsidiária a Apelada defende, não permite a condução de sindicância por uma só pessoa, seja qual for a penalidade imposta. Assim, a sindicância conduzida por um único membro inobserva a garantia do devido processo legal, de que trata o art. 5º, LV, da Constituição Federal, devendo ser invalidada a punição.

106. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também pontificou [53]:

- A Lei 4.878/65 no art. 52, combinado com o art. 53, parágrafo 1°, submete as transgressões cometidas por policiais federais ao devido processo disciplinar, promovido por uma Comissão Permanente de Disciplina, composta de três membros, de preferência bacharéis em Direito, designados pelo Diretor-Geral.- Inadmissível que mera sindicância, presidida por uma única pessoa, resulte em pena de detenção, quando o procedimento adequado e único é o inquérito administrativo, para garantir a lisura do procedimento. Ilegal a sindicância, nula a penalidade aplicada.

107. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região sufragou o mesmo juízo [54]:

1. A Lei nº 4.878, de 03 de dezembro de 1965, não revogada sequer implictamente pela Lei 8.112/90, exige processo disciplinar (art. 52), movido por uma Comissão Permanente de Disciplina, composta por três membros, e assegurada a ampla defesa, para a aplicação de quaisquer penalidades ao policial civil. Nesse processo, desde a publicação da portaria que o instaurar, é garantida a participação do policial em todos os seus trâmites, para tanto devendo ser notificado (art. 56).

Não é lícito substituir o processo disciplinar por mera sindicância, movida por autoridade única, pois o julgamento através daquela comissão é uma garantia para o indiciado.

2. Apelação improvida.

108. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região [55], de forma semelhante, assentou:

1. No caso concreto, restou caracterizada a ofensa ao art. 149 da Lei 8.112/90, uma vez que a Comissão de Processo Disciplinar teve início com apenas dois servidores, quando a Lei determina o número de três integrantes, além de que teve trâmite como se sindicância fora.

109. Sustentou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

Demonstrado nos autos que o processo disciplinar instaurado contra o impetrante teve designação de apenas dois servidores, contrariando o disposto no art. 149 da Lei n. 8.112/1990, bem como que algumas diligências foram feitas sem a sua notificação, sendo de se ressaltar, ademais, que o resultado de tais diligências resultaram em seu prejuízo, resta configurada a ofensa ao art. 156 da Lei n. 8.112/1990, que assegura ao servidor o direito de acompanhar pessoalmente o processo. [56]

110. No mesmo diapasão, aplicando o princípio do juiz natural na esfera da sindicância, sob a ótica da imperatividade de comissão para processar o feito sindicante, o e. Tribunal Regional Federal da 2ª Região julgou [57]:

-

Deve ser anulado o ato administrativo porque a sindicância não é meio idôneo destinado à aplicação da pena de demissão à servidora pública estável, visto que a Lei nº 1.711/52 exige a instauração do processo administrativo para tal desiderato, o que não foi observado pela autoridade administrativa; - A inobservância da forma prescrita em lei, associada ao fato de não serem os membros da Comissão de Sindicância agentes capazes, porque a lei não lhes outorgou poder para apurar falta grave, ensejará a anulação da demissão, com efeitos ex tunc, assegurando à servidora todos os direitos decorrentes do desfazimento do ato, bem como à Administração o direito de proceder à apuração da imputação atribuída a servidor, nos termos da Lei nº 8.112/90, uma vez que o artigo 253 desta revogou expressamente a Lei nº 1.711/52.

111. No mesmo entendimento, consta julgado do e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região [58]:

1. O ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90 ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE COMISSÃO FORMADA POR 3 (TRÊS) SERVIDORES ESTÁVEIS DESIGNADOS PELA AUTORIDADE COMPETENTE, QUE INDICARÁ, ENTRE ELES, O PRESIDENTE.

2. IN CASU, FORAM DESIGNADOS APENAS 2 (DOIS) SERVIDORES CIVIS PARA PROCEDER À SINDICÂNCIA, CONFIGURANDO A NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO.

112. Sob igual inspiração no princípio do administrador competente ou do juiz natural, incidente na esfera administrativa, segue ementa de recente julgado do e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região [59]:

1. Existindo uma norma regulamentar procedimental, de cumprimento obrigatório, deve a mesma ser observada na condução do procedimento administrativo, sob pena de nulidade deste.

2. Não reunindo o Coordenador Geral da Comissão condições estatutárias para a função que lhe foi cometida, há evidente desrespeito a norma cogente, motivo pelo qual nulo é o procedimento administrativo que nela se funda, a partir do primeiro ato procedimental praticado pela comissão de sindicância integrado por pessoa sem os atributos necessários previstos no ato normativo em tela.


9. Justificativa da competência instrutória de comissão para processar a sindicância punitiva

113. Ademais, a idéia da observância do princípio do administrador competente ou do juiz natural, no âmbito da sindicância punitiva, prende-se à compreensão do fundamental papel desempenhado pelo conselho processante nos atos processuais, tal como emoldurado no sistema da Lei federal 8.112/90.

114. Compete-lhe, com efeito, colher todas as provas no curso do procedimento [60] e apreciá-las, oportunizando o desforço de defesa ao acusado para, ao final dos trabalhos, propor, se o caso, a imposição de penalidade disciplinar à autoridade administrativa competente para o julgamento. Ora, é mais que consabida a importância dos opinativos dos conselhos disciplinares para a formação do juízo decisório do processo, a despeito da vigência do princípio do livre convencimento do julgador também na esfera administrativa.

115. Nelson Nery Junior, pontuando a incidência do princípio do juiz natural no processo administrativo em geral e no disciplinar com o título de princípio do julgador natural, aquele competente e imparcial, estende o postulado para nele englobar a figura do acusador natural, em cujo conceito insere as comissões sindicantes e de processo disciplinar, em face das atividades instrutórias capitais procedidas por esses colegiados, que

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instruirão a sindicância ou o processo, interrogando o réu, ouvindo testemunhas, deferindo provas e, ao final, elaborarão o relatório sugerindo a aplicação da pena administrativa [...] têm de ser competentes e imparciais. [61]

116. Assim restou sedimentado pelos egrégios Supremo Tribunal Federal [62], Superior Tribunal de Justiça [63], Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios [64], pela doutrina [65], por cujo efeito a Administração Pública deverá respeitar as franquias constitucionais e legais deferidas ao sindicado acusado, no que tange à composição dos colegiados processantes, órgãos de instrução com competência e requisitos de formação previstos em lei, em nome dos postulados da imparcialidade e isenção (art. 150, caput, Lei n. 8.112/1990).

117. Na verdade, a exigência de que o processamento de sindicância seja realizado por comissão de servidores estáveis se justifica pela qualidade do conselho sindicante, na qualidade de órgão com competência exclusiva para proceder à instrução do procedimento, elaborar peça acusatória de indiciação e propor relatório final, formando, na peça processual derradeira, anterior ao julgamento pela autoridade competente, um juízo conclusivo sobre a imposição de penalidade ao sindicado, ou sobre sua inocência.

118. É garantia, pois, de todo servidor público, sujeito ao regime da Lei n. 8.112/1990, como reflexo do princípio do juiz natural, que o juízo acerca da prova colhida em torno dos fatos de que o funcionário é acusado seja exercitado por uma comissão sindicante, composta por três membros independentes, isentos e imparciais, e não por apenas um só agente público.

119. É que a Lei n. 8.112/1990 adotou a pressuposição de que há maior segurança jurídica e provavelmente mais possibilidade de alcance da justiça, se o exame das provas e razões defensórias (além da conseqüente proposta de julgamento) é fruto do convencimento de tríade, órgão colegiado, do que a apreciação por sindicante único, sobretudo porque, não raramente, poderia ocorrer a viciosa interferência da autoridade instauradora sobre o agente solitário designado, mais passível de pressões, quando a autoridade sindicante singular não atua já com caminhos previamente traçados, ou busca angariar simpatia dos hierarcas superiores, sequiosos de punições, ou mesmo promover-se na carreira por meio do subterfúgio do rigor parcial e das duras penas que proponha como injusto algoz dos funcionários sindicados.

120. Foi com o escopo de coibir esses abusos, recorrentes na Administração Pública brasileira, que o sistema da Lei n. 8.112/1990 confiou a competência processante e acusatória a conselho trino independente, livre para formar opinião sobre a responsabilidade ou não do acusado, de molde a empenhar a observância do princípio da impessoalidade e da moralidade no processo administrativo com efetividade.

121. Afinal, grosso modo, a tendência é que três cabeças pensem melhor do que uma e cheguem a uma solução mais acertada para o procedimento sindicante apenador do que a que seria alcançada por uma só autoridade sindicante.

122. Carlos S. de Barros Júnior [66] encarece que a oitiva de comissões consubstancia "garantia de justiça para os acusados e de acertada repressão por parte do poder público".

123. Reafirme-se que três servidores estáveis podem resistir melhor à ingerência de autoridades administrativas hierarquicamente superiores ou de terceiros, interessados em favorecer ou prejudicar o acusado, do que um só agente público, mais enfraquecido na solitária sujeição a influências nocivas à independente apuração dos fatos e ao isento exame da responsabilidade ou inocência do funcionário processado.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Competência para processar sindicância punitiva contra os servidores regidos pela Lei federal nº 4.878/1965: (Polícia Federal e Polícia Civil do Distrito Federal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1957, 9 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11939. Acesso em: 19 abr. 2024.

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