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O Ministério Público como o novo tribunato

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13/11/2008 às 00:00
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9. DA EXPRESSÃO PARQUET

 A expressão francesa parquet representa a tradição do representante do Ministério Público, na França, falar aos juízes do piso mais baixo da sala de audiência.  Tal designação reflete valores de uma época na qual o Ministério Público buscava ser ouvido e ascender ao mesmo status dos juízes.  Sua tradução, “assoalho”, ou piso baixo, nada reflete ou resume em relação às atribuições e funções atuais da instituição ministerial.

 O membro do Ministério Público brasileiro tem assento à direita, e no mesmo plano, do juiz que preside a audiência, conforme disposições legais constantes da Lei Complementar n. 75/93.

 Por outro lado, conforme Paes (2003), o Ministério Público francês sempre fez parte do Poder Executivo, e até hoje o faz, tendo por Chefe o Ministro da Justiça, que pode, inclusive, definir planos de atuação para os Procuradores-Gerais, que o repassarão aos demais Procuradores.  Por sua vez, o Ministério Público brasileiro possui independência funcional, constitucionalmente assegurada, art. 127, § 1º, da CF/88, não sendo subordinando a qualquer autoridade, interna ou externa, no que toca à atuação funcional. 

 Dessa forma, o Ministério Público brasileiro mais se assemelha, em nossa opinião, ao antigo Tribunato da Plebe, e ao Tribunato proposto por Rousseau, em razão da independência e da função de órgão moderador dos poderes estatais. Melhor seria, então, que fosse designado de Tribunato, em vez de parquet.


10. CONCLUSÃO

O Ministério Público não é, nem deve ser, apenas um órgão essencial à função jurisdicional do Estado, apenso ao poder judiciário, um simples parecerista em processos judiciais ou o tradicional autor da ação penal.  

 Sua função é maior.  Ela consiste na defesa do regime democrático, da ordem jurídica, dos interesses difusos.  Relaciona-se com a manutenção do equilíbrio entre os poderes públicos.  Essa é sua vocação natural, que nenhum outro órgão possui.  Não sendo parte de nenhum dos poderes, o Ministério Público pode fiscalizar a todos, de modo imparcial, sem precisar do respaldo de qualquer deles.  O mandato recebido pelo membro do MP, através da lei, qualifica-o como representante do povo tanto como os parlamentares.

O Tribunato da Plebe, como boa instituição que foi, trouxe para dentro da sociedade romana a discussão sobre seus conflitos, de modo que fossem estabelecidas regras e limites para que aqueles ocorressem.  Da mesma forma, um Estado Democrático de Direito precisa ter definidas suas regras e valores, com base na vontade popular, e o Ministério Público pode auxiliar o povo a resolver os conflitos sociais, participando do jogo político, sem se corromper por ele.

 Ele não deve ser entendido como instituição defensora dos pobres, dando-se a esse termo o sentido de classe menos favorecida da população.

O objetivo do Ministério Público é defender a sociedade como um todo, não indivíduos ou classes sociais determinadas.  Ele deve defender, quando preciso, os pobres, os ricos, os mendigos, as minorias, ou seja, qualquer um que precisar, que tiver uma injustiça contra si praticada.  O fato de os pobres serem as maiores vítimas de injustiças não quer dizer que o Ministério Público não possa atuar em favor de um grupo social privilegiado, quando isso for necessário, por motivos legítimos.

O papel a ser desempenhando pelo Ministério Público é o proclamado por Rousseau em relação ao Tribunato, de mantenedor da ordem social e do equilíbrio no Estado.

Para aqueles que acreditam serem impossíveis as mudanças acima apregoadas, ou muito difíceis de serem realizadas, respondemos que a história ensina que os homens costumam agir de forma semelhante e cometer os mesmos erros,  razão pela qual soluções encontradas no passado podem ser aproveitadas e adaptadas para o presente e são capazes de trazer bons frutos, se for captado o seu sentido e feitas as adaptações necessárias.

 As mudanças deveriam ser sempre bem vindas, quando visam o bem comum.  Que haja vontade política no Brasil para executá-las.


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Sobre o autor
Alexandre Assunção e Silva

Procurador da República. Mestre em Políticas Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alexandre Assunção. O Ministério Público como o novo tribunato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1961, 13 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11947. Acesso em: 10 mai. 2024.

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