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Uma questão de princípios.

Estudando a Lei nº 11.705/08 ("Lei seca" brasileira) pela óptica do pós-positivismo alexyano

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7. Considerações finais.

A Lei nº 11.705/08, a "Lei Seca", foi o meio necessário encontrado pelo Legislador para evitar a morte de tantas pessoas inocentes no trânsito vítimas de motoristas alcoolizados e irresponsáveis. Defender a retirada quase que completa da eficácia desta, por meio da declaração da inconstitucionalidade do seu art.5º, é querer resguardar, em verdade, o direito de matar no trânsito, que como se sabe, não existe e quiçá jamais existirá.

Outro ponto interessante a anotar é o fato de que a imprensa, apesar de não gozar de total imparcialidade, teve papel importante em encaminhar às pessoas na discussão acerca da nova Lei como se extrai da interpretação das estatísticas da PRF. O poder dos veículos de comunicação contribuiu, sobremaneira, para que a novel legislação fosse observada com mais empenho pelos condutores de veículos automotores, mesmo que contra a vontade deste. Com a saída do assunto da pauta dos jornais a fiel observância dos dispositivos legais foi mitigada. No auge da polêmica trazida à baila pelos canais de televisão a redução, no período dos dois primeiros meses de vigência da Lei, da mortalidade no trânsito foi de 14,5%. Hoje, com considerável diminuição do assunto nos jornais em geral, constata-se uma diminuição de apenas cerca de 5% dos mortos em acidentes com veículos automotores.

De outra feita, deve-se ressaltar que o enunciado apresentado no art.2º da Lei 11.705/08 é desnecessário e desproporcional. Não há sentido em oferecer tratamento diferenciado entre estabelecimentos urbanos e de "zona rural", posto que a vedação de vender bebidas alcoólicas nas rodovias não é, de modo algum, impeditivo para que os reais destinatários da "Lei seca" cometerem suas condutas delituosas.

Primordial, entretanto, é entender a importância da nova Lei como meio coercitivo necessário para suprimir certos desejos individuais, como o de beber, que por diversas evidências históricas vinham prejudicando a coletividade, seja pelos custos advindos dos mortos e feridos, seja pela própria dor causada a tantas famílias. A própria ABRASEL admite que são mais de 100 milhões os que não bebem no Brasil, sendo portanto, estas pessoas vitimas inocentes de indivíduos sem bons valores.

Ao que se sabe ainda é utopia um mundo sem Leis. Um mundo onde em que a própria consciência das pessoas faça com que estas sigam o que é recht [29], um lugar onde não haja necessidade de juízos ou tribunais, portanto, a continuidade da "Lei Seca" em nosso sistema jurídico, infelizmente, ainda não pode ser descartada.


8. Referências Bibliográficas

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Notas

  1. SANTOS, Rubens. Juiz: cerveja é ´´´´paixão do brasileiro´´. Disponível em: . Acesso em: 25 out.2008
  2. BARBAGALO, Fernando Brandini. Lei nº 11.705/08: alcance das alterações no código de trânsito brasileiro. Disponível em:http://frentetransitoseguro.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=614&Itemid=56>. Acesso em: 23 set. 2008;
  3. CAMPOS, Cynthia Amaral. Lei n.° 11.705/2008 - Tolerância zero aplicada ao código de trânsito brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2008;
  4. GOMES, Luiz Flávio. Reforma do código de trânsito (Lei 11.705/2008): novo delito de embriaguez ao volante. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 23 set. 2008;
  5. JOVELI, José Luiz. Breves considerações sobre a lei nº 11.705/08: a questão da embriaguez ao volante e os testes de alcoolemia. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1820, 25 jun. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11432>. Acesso em: 23 set. 2008.
  6. MARQUES, Eduardo. Considerações sobre princípios, pós-positivismo e a constituição de 1988. Revista jurídica da Faminas, Muriáe,v.1, n.1,2005.
  7. Tridimensionalidade da dogmática jurídica, ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 48.
  8. Idem, p. 85-116.
  9. HELLER, Hermann. Die Krisis der Staatslehre (1926). In: Gesammelte Schriften apud ALEXY, op. cit, p. 48.
  10. SANTOS, Rubens. Juiz: "cerveja é ´´paixão do brasileiro". Disponível em: . Acesso em: 25 out.2008.
  11. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES. "No DF, 400 já foram demitidos no setor de bares". Disponível em: <http://www.abrasel.com.br/index.php/atualidade/item/4698/>. Acesso em: 25 set. 2008.*
  12. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 43.
  13. O caráter duplo das normas de Direitos Fundamentais é característica essencial destas e supedâneo para a formulação do conceito de "Direito Fundamental completo" que cf. ALEXY é um "feixe de posições definitivas e prima facie relacionadas entre si por meio de relações de especificação, meio-fim e sopesamento e que são atribuídas a uma disposição de Direito fundamental." Como exemplo, o mesmo autor, apresenta a construção de um Direito Fundamental Completo, exercício que, segundo o autor, é fruto principalmente da práxis jurisprudencial da Corte Constitucional Alemã: "(1) A arte é livre. [disposição de Direito fundamental] (2) São proibidas intervenções estatais em atividades que façam parte do campo artístico. [exercício de interpretação prima facie da disposição de d. fundamental] (3) São proibidas intervenções estatais em atividades que façam parte do campo artístico se tais intervenções não forem necessárias para a satisfação de princípios colidentes que tenham hierarquia constitucional (que podem se referir a Direitos Fundamentais de terceiros ou a interesses coletivos), os quais, devido às circunstancias do caso, têm primazia em face do princípio da liberdade artística." Idem, p. 142.
  14. Idem, p. 141-144.
  15. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 33-34.
  16. Idem, p. 36.
  17. Interessante acerca do tema "influência" é a conceituação de DINAMARCO apud DAHL que diz o seguinte: "[influência é a] ação entre dois agentes, em que um agente induz outros agentes a agirem por uma forma que de outra maneira não agiriam". DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 129.
  18. NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional para concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 283.
  19. Ibidem.
  20. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 248-253.
  21. Objeto de estudo da dimensão empírica. Consulte Capítulo 3 deste trabalho.
  22. Da Lei ninguém pode alegar ignorância. [tradução livre]
  23. Art. 337 A parte que alegar Direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.
  24. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso e Corregedor-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
  25. Técnica da Área Instrumental do Governo do Estado de Mato Grosso formada pela Faculdade de Administração da Universidade Federal do Mato Grosso. Ligia respondeu que: "Interesse público, os Direitos sociais e coletivos sobrepõem aos interesses individuais, caso contrário a vida civilizada torna-se impossível, além do custo social, decorrente da irresponsabilidade de alguns indivíduos, com hospitalização, faltas ao trabalho, morte ou invalidez de pessoas que foram capacitadas.In dubio pro societate." (sic) (grifo nosso)
  26. Discente do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso.
  27. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
  28. Idem, p. 94 – 114.
  29. Idem, p. 99.
  30. Ibidem.
  31. Idem, p. 90-91.
  32. reto
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Sobre o autor
Marlon Carvalho de Sousa Rocha

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso.<br>Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Educacional Damásio de Jesus.<br>Servidor público do Judiciário Federal Trabalhista (TRT da 23ª Região)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Marlon Carvalho Sousa. Uma questão de princípios.: Estudando a Lei nº 11.705/08 ("Lei seca" brasileira) pela óptica do pós-positivismo alexyano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1963, 15 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11974. Acesso em: 18 mai. 2024.

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