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O pagamento de adicional noturno ou serviço extraordinário e exercício de cargos-funções comissionados a servidores públicos remunerados por subsídio.

Uma interpretação dos arts. 39, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição Federal

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6. Da impropriedade da discriminação entre servidores públicos no que concerne a direitos trabalhistas fundamentais

Demais disso, impende asseverar que não se afigura razoável inferir que os direitos trabalhistas considerados fundamentais pelo Constituinte, tanto que foram estendidos aos servidores públicos estatutários em geral (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), somente deveriam amparar os agentes públicos remunerados pelo sistema tradicional de vencimento mais vantagens adicionais, relegando os iguais colegas de serviço público, regidos pela disciplina remuneratória do subsídio (e tão-somente por esse fato), à declarada exploração de seu trabalho com locupletamento do Estado, legitimado a sujeitar, sem ônus financeiros, os servidores pagos na forma do § 4º do art. 39 da Carta ao trabalho extraordinário ou noturno gratuito, discriminando-se os agentes públicos, sob a ótica da proteção laboreira, estritamente pela sistemática vencimental, como se todos não fossem trabalhadores e, nessa qualidade, merecessem a tutela estatal mínima do art. 7º, da Carta-cidadã, voltada para a tutela da pessoa humana que sacrifica sua energia no labor, seja no serviço público, seja na iniciativa privada, independentemente da forma remuneratória.

Replicar-se-ia que os agentes públicos remunerados por subsídio constituiriam, supostamente, especial e elevada categoria de servidores estatais, não sujeitos, em tese, a rigores de horário ou de condições laborais mais gravosas, o que afastaria desses agentes públicos superiores essas normas de natureza trabalhista do serviço em caráter extraordinário ou noturno.

Em uma primeira análise, a tese até poderia impressionar, não fosse o capitulado no próprio Texto Constitucional no sentido de que a remuneração de todo e qualquer servidor público, desde que organizado em carreira, independentemente da complexidade das funções desempenhadas e do padrão remuneratório, pode ser instituída, por lei, no regime de subsídio (art. 39, § 8º, Constituição Federal de 1988), o que permite que se inclua, nessa sistemática vencimental inovadora, não somente os agentes políticos e algumas categorias elevadas no funcionalismo, mas também funcionários de menor grau de complexidade de suas atribuições, excluindo-se apenas os titulares de cargos de provimento isolado, de mais rara presença na estrutura da Administração Pública brasileira, em que domina o funcionalismo em carreira.

Ora, se servidores de certa expressão de complexidade em suas atribuições, de nível superior, por exemplo, remunerados pela sistemática convencional (não necessariamente pagos em parcela única, porque podem auferir gratificações, adicionais e outras vantagens pecuniárias sobressalentes ao vencimento básico), têm direito a perceber o pagamento de adicional noturno ou de serviço extraordinário, sendo tutelados pelas normas trabalhistas estendidas pela própria Carta (art. 39, § 3º, CF 1988), quanto mais deveriam, sim, ser amparados pelos direitos fundamentais laborais os agentes públicos de carreiras mais simples e de menor nível de complexidade, com menores remunerações, para as quais venha, porventura, todavia, a ser instituído o regime de subsídio, como autoriza o § 8 do art. 39 da Constituição Federal, sem restrição.

Será que a Constituição teve, por acaso, por escopo excluir servidores que justificariam ainda mais, até pelo menor nível remuneratório, o amparo de direitos fundamentais trabalhistas, como as garantias compensatórias pecuniárias contra o trabalho extraordinário, noturno, somente pelo motivo de que o Estado resolveu se valer da remuneração por subsídio?

Pior, será que tão-somente pelo fato de o Estado ter decidido remunerar alguns servidores por subsídio, haveria nisso legitimidade para suprimir direitos celetistas básicos, objeto de especial preocupação do Constituinte, a ponto de estender a garantia expressamente no art. 39, § 3º, da Constituição de 1988?

O trabalhador do serviço público, organizado em carreira, remunerado por subsídio, tem um corpo físico, uma estrutura biológica diferenciada dos demais servidores remunerados por vencimento básico mais vantagens adicionais? Enquanto pessoas humanas, de carne e osso, os agentes públicos pagos por subsídio ou pelo sistema convencional são diferenciados? Um servidor de carreira que desempenha atividades em horário noturno, remunerado por subsídio, tem menos fadiga que seus consortes remunerados por vencimento mais adicionais e, por esse suposto fato exclusivamente, o agente público pago na forma do art. 39, § 4º, da Constituição Federal de 1988, teria uma composição orgânica peculiar, que lhe permitiria a sujeição a excessos de jornada de trabalho sem qualquer desgaste nem contraprestação pecuniária correspondente pelo Estado, a despeito do enforçado pelo art. 7º, da Carta-cidadã?

Procede que certos funcionários de carreira, apenas porque o ente estatal resolveu remunerá-los na sistemática de subsídio, podem ser submetidos a labor noturno, sem que sintam sono, exaustão nem percam convívio com seus familiares, de modo a justificar a dispensa da tutela laboreira básica constitucional, expressamente estendida a todos os servidores ocupantes de cargo público, sem exceção, pela condição simples de serem trabalhadores, seja da iniciativa privada, seja do serviço público?

Parece que a Constituição teve em mira, ao contemplar com seu manto protetor (art. 39, § 3º) não só os empregados particulares, mas também o funcionalismo público de regime estatutário (os servidores ocupantes de cargo público em geral), fundar regras basilares para proteção do trabalho humano, independentemente do vínculo e da forma de remuneração.

Será que foi intenção do legislador constituinte, ao expressamente assegurar direitos trabalhistas essenciais para os servidores ocupantes de cargo público (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), permitir, entretanto, paradoxalmente, que os aludidos direitos fossem burlados e esbulhados pelo processo legislativo ordinário do Estado, mediante o simples expediente de instituir a disciplina remuneratória por subsídio, ainda que para carreiras que não desempenham complexas atividades públicas nem tenham sequer dignidade constitucional, cujos componentes podem ser submetidos a condições gravosas laborais sem qualquer contraprestação adicional pelo Poder Público, explorador da mão-de-obra do funcionário público?

O ser humano que titulariza cargo na Administração Pública não precisa, como os celetistas, de ter respeitadas certas conquistas fundamentais, que colimam amparar o homem contra a sujeição a regime diretivo empregador arbitrário ou desrespeitoso de condições laborais básicas inalienáveis, conquistadas pela civilização, pelo menos com a instituição de proteção financeira contra a exploração do labor em situações mais desfavoráveis, como o trabalho noturno ou extraordinário? Vale a resposta de Valentin Carrion (destaques nossos):

A evolução da doutrina entende que as leis sociais se aplicam às atividades exploradas pelo Estado, sendo hoje inadmissível o trabalho humano, contínuo, para qualquer entidade pública sem proteção jurídica. Nem a União, os Estados-Membros, ou os Municípios, diretamente ou através de serviços com relativa ou completa autonomia, podem manter colaboradores sem que gozem os correspondentes direitos trabalhistas, ou de funcionários públicos. [09]

É mister rememorar, outrossim, a advertência de Mauricio Godinho Delgado, Desembargador do Trabalho [10] (destaques nossos), que discorre sobre os adicionais, incidente no caso de serviço extraordinário e noturno para os servidores públicos:

Os adicionais correspondem a parcela salarial deferida suplementarmente ao obreiro por este encontrar-se, no plano do exercício contratual, em circunstâncias tipificadas mais gravosas. A parcela adicional é, assim, nitidamente contraprestativa; paga-se um plus em virtude do desconforto, desgaste ou risco vivenciados. [...] O Direito do trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. [11]

Calha lembrar, outrossim, o ensino da Desembargadora do Trabalho [12] Alice Monteiro de Barros, que explica a existência dos adicionais noturno e de serviço extraordinário, deferidos aos servidores públicos estatutários pela Constituição Federal (destaques nossos):

As normas sobre duração de trabalho têm por objetivo primordial tutelar a integridade física do obreiro, evitando-lhe a fadiga. Daí as sucessivas reivindicações de redução da carga horária de trabalho e alongamento dos descansos. Aliás, as longas jornadas de trabalho têm sido apontadas como fato gerador do estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo. O estresse, por sua vez, poderá ser responsável por enfermidades coronárias e úlceras, as quais estão relacionadas também com a natureza da atividade, com o ambiente de trabalho e com fatores genéticos. A par do desgaste para o organismo, o estresse é responsável ainda pelo absenteísmo, pela rotação de mão-de-obra e por acidentes do trabalho.

Além desse fundamento de ordem fisiológica, as normas sobre duração do trabalho possuem, ainda, um outro de ordem econômica, pois o empregado descansado tem o seu rendimento aumentado e a produção aprimorada. Já o terceiro fundamento, capaz de justificar as normas sobre duração do trabalho, é de ordem social: durante o dia o empregado necessita de tempo para o convívio familiar e para os compromissos sociais. [13]

Ora, indaga-se: a finalidade da norma constitucional deferitória de direitos trabalhistas fundamentais aos servidores públicos estatutários (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), consistentes na proteção contra a duração excessiva do trabalho ou da tutela especial da jornada noturna, tem sua ratio essendi, porventura, na forma de remuneração auferida pelo agente público, se subsídio ou vencimento básico mais vantagens adicionais, ou a justificativa reside, sim, diretamente, na proteção da pessoa biológica do trabalhador do serviço público contra o serviço extraordinário e noturno demasiado, contra os efeitos decorrentes à sua saúde, como estresse, doenças, cansaço, privação de sono, perda do convívio familiar? Como nota Valentin Carrion, o trabalho noturno trata-se de "período prejudicial ao descanso e convívio do empregado."[14]A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, enuncia que todo homem tem direito a "condições justas e favoráveis de trabalho" (art. 23).

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Se a tutela laboral constitucional se justifica para os servidores de carreira em geral, ocupantes de cargos públicos in genere, parece que a forma de remuneração, se subsídio ou vencimento mais vantagens adicionais, não serve de razoável fator de discrímen para o fim de se deferir o pagamento de adicionais noturno e de serviço extraordinário, pois o ser biológico é igual, seja pago por uma sistemática ou por outra, e se sujeita a cansaço, estresse e precisa conviver em família, sendo gravoso sujeitar o trabalhador do serviço público remunerado por subsídio ao trabalho noite adentro e nas madrugadas.

Note-se, demais, é de se repetir, que o Constituinte considerou tamanha a magnitude do respeito à tutela laboral essencial, sob a ótica da defesa e proteção da pessoa humana e da exploração de sua força de trabalho, que não irradiou seu manto normativo somente sobre os empregados celetistas, mas se preocupou em que os servidores públicos de regime estatutário, que também são trabalhadores do complexo administrativo das pessoas políticas e entidades de direito público, fossem amparados (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988).

Não se pode confundir, além disso, os agentes políticos remunerados por subsídio, sob a ótica de inexistência de garantias trabalhistas fundamentais, como é o caso dos membros do Poder Legislativo, porque não exercem seus misteres constitucionais em condições de subordinação hierárquica, além de receberem uma série de até criticadas (sobretudo pela imprensa e pela opinião pública geral) regalias constitucionais, legais e regimentais para compensar eventuais sessões de votação noturnas ou extraordinárias, como décimo terceiro e décimo quarto e até décimo quinto salário!, verbas extras de mais um subsídio por convocação extraordinária pelo Chefe do Poder Executivo, verbas de auxílio de custo de elevada monta, sistema de descanso no longo recesso legislativo semestral, passagens aéreas semanais para retorno ao convívio familiar, expediente semanal encurtado, segundo noticia a mídia eletrônica nacional, de terça a quinta-feira, dentre outras vantagens pecuniárias.

Some-se a isso a irrestrita liberdade de comparecimento à Casa Legislativa pelo Parlamentar, que, enquanto titular de mandato popular, não tem que prestar contas de sua assiduidade e produtividade senão ao povo que o elegeu, a justificar, portanto, a não-incidência dos direitos trabalhistas essenciais aos que não se inserem na qualidade de trabalhadores em sentido estrito, até porque ninguém os pode forçar a trabalhar à noite, durante madrugadas, ou a prestar serviços extraordinários, exceto no que concerne às pressões partidárias e da própria base eleitoral dos membros do Poder Legislativo para votação de certas matérias de interesse de grupos ou de ordem nacional.

É inteiramente distinta a situação dos servidores públicos de carreira remunerados por subsídio, os quais, ainda que integrantes de carreiras importantes no funcionalismo e até de dignidade constitucional, possuem chefias imediatas para lhes controlar a freqüência e comparecimento e regular exercício das funções administrativas, subordinam-se a jornadas de trabalho ou a volume de tarefas a executar controlado pelos hierarcas superiores, dentre outras restrições, a evidenciar que esses servidores de carreira fazem jus, sim, à tutela da regra do art. 39, § 3º, da Carta Republicana.

Last but not least, vale admoestar que, a despeito de a Lei Fundamental ter estabelecido a sistemática da parcela única para a remuneração dos detentores de mandato eletivo no âmbito do Poder Legislativo (art. 39, § 4º), há uma série de verbas acessórias tradicionalmente agregadas ao subsídio parlamentar, pagas à guisa de auxílios de custo com passagens aéreas, com combustíveis, auxílio-moradia, verba livre estipulada em valor fixo para despesas gerais de montante substancioso (não se sabe se todos os órgãos legislativos já suprimiram esse tipo de parcela, embora tenha havido notícias em torno disso no âmbito federal), verbas de gabinete, etc., as quais terminam por dilatar o quantum auferido por parlamentares, direta ou indiretamente, modo pelo qual é de indagar se seria justo e conforme a teleologia constitucional incorrer na exegese de que até direitos trabalhistas fundamentais, como adicional noturno e de serviço extraordinário, poderiam ser ab-rogados com a criação legislativa de subsídio para qualquer carreira do funcionalismo. Parece ser caso de aplicação do velho brocardo: Summum jus, summa injuria. O excesso de direito gera injustiça.

Indaga-se mais: será que a Constituição Federal resolveu permitir que o Estado tratasse carreiras de servidores públicos de forma diferenciada no que concerne ao respeito a direitos trabalhistas fundamentais, permitindo que funcionários de igual grau hierárquico ou de complexidade de atribuições no funcionalismo fossem submetidos a serviço extraordinário ou noturno sem direito a qualquer contraprestação adicional, como expressamente determinado pelo art. 39, § 3º, da Lei Fundamental, tão-somente porque são diferenciados pela sistemática vencimental por subsídio?

Por que deveria haver, por exemplo, tratamento in pejus de uma carreira de Auxiliar de Administração Pública de um órgão, remunerada por parcela única, a qual não deveria receber tutela jurídica laboral essencial quanto a adicionais noturno e de serviço extraordinário, ao passo que outra carreira, similar, de Auxiliar de Atividades Administrativas de terceiro órgão, paga na forma tradicional de vencimento básico mais vantagens adicionais, gozaria da tutela jurídica obreira, ambas com igual situação jurídica na estrutura administrativa sob o prisma da complexidade das atribuições e do padrão remuneratório, unicamente pelo motivo de o Estado ter se valido do capitulado no art. 39, § 8º, da Lei Maior? Donde se situa o princípio da isonomia num panorama hipotética dessa natureza? Foi para permitir isso que a Constituição Federal expressamente conferiu direitos trabalhistas essenciais aos trabalhadores do serviço público (art. 39, § 3º)?

Bastaria ao Estado, para negar vigência ao disposto no art. 39, § 3º, da Constituição, então, genericamente estabelecer a disciplina remuneratória por meio de subsídio para o funcionalismo organizado em carreira, correspondente quase à totalidade dos servidores públicos, podendo o legislador ordinário, com esse expediente, suprimir direitos constitucionais essenciais, vinculados à proteção do trabalho humano, ainda mais em se cuidando não de agentes políticos, mas de funcionários públicos em geral. Está conforme os fins visados pelo Constituinte uma interpretação como essa?

De que valeria a notável conquista dos trabalhadores, determinada no rol do art. 7º, da Lei Maior, explicitamente estendido em boa parte (art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, Constituição Federal de 1988) aos servidores públicos ocupantes de cargo (art. 39, § 3º, CF 1988), se fosse possível ao Estado manejar o processo legislativo ordinário para instituir a sistemática remuneratória por subsídio como meio indireto de suprimir os direitos trabalhistas fundamentais deferidos pela Carta-cidadã?

Porventura um médico em regime celetista deve perceber remuneração adicional pelos serviços extraordinários, enquanto um colega de profissão, só que ocupante de cargo público remunerado por subsídio, deve ser relegado ao desamparo, embora ambos desempenham trabalho em situações fáticas assemelhadas e são igualmente trabalhadores que a Constituição procurou proteger? Foi para negar valores elevados, albergados na própria Carta Magna, que o legislador constituinte instituiu a remuneração por subsídio?

Eis o porquê de se supor a tendência do Supremo Tribunal Federal de conciliar os §§ 3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal. Nesse diapasão, aliás, existe julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. MP Nº 305, DE 29/06/2006. IRREDUTIBILIDADE REMUNERATÓRIA. SUPRESSÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.

- A interpretação sistêmica da Constituição Federal, leva ao entendimento de que a vedação aos acréscimos pecuniários indicados no parágrafo 8º, do art. 39, da CF/88, não se estende às verbas remuneratórias contempladas no art. 7º c/c o parágrafo 3º, do art. 39, da CF/88.

- Agravo de instrumento provido, em parte, para suprimir da Parcela Complementar de Subsídio, na remuneração dos agravados, apenas o adicional de insalubridade. [15]

Também o e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou:

A própria Constituição Federal, compondo o referido equilíbrio das normas constitucionais, mitigou a regra segundo a qual os agentes públicos serão remunerados por subsídio como parcela única, deixando à parte de tal espécie remuneratória direitos constitucionais como o 13.º salário, 1/3 de férias, dentre outros relacionados no § 3.º do artigo 39 da CF, aplicáveis, por força da referida norma, ao servidor público. [16]

Não parece que a forma de remuneração deva ser o diferencial para o pagamento, ou não, de justos adicionais de serviço extraordinário ou trabalho noturno, mas, sim, o efetivo labor em condições mais gravosas (serviço noturno ou extraordinário), daí, por sinal, a conclusão de que o preceito do § 3º do art. 39 da Constituição Federal assegurou vantagens trabalhistas aos ocupantes de cargo público, sem precisar se remunerados por vencimento básico mais adicionais ou subsídio.

Sob outro viso, como é que, de antemão, no cômputo da definição pecuniária do sistema de subsídio pelo Estado, em seu processo legislativo ordinário, poderia ser observada a eventual absorção de horas extraordinárias e do trabalho noturno, ambos fatos eventuais e em quantitativo incerto, no valor da definida parcela vencimental única para os servidores que não poderiam, em princípio, auferir adicionais quaisquer?

Ou se teria simplesmente estabelecido uma categoria com menos direitos – a dos servidores remunerados por subsídio, em detrimento dos que são pagos por vencimentos ordinários? Sim, se a Constituição Federal assegura que o serviço extraordinário seria remunerado com 50% acima do valor da hora normal, como seria antecipadamente retrucar que o trabalho extra estaria absorvido no montante do subsídio, se o número de horas laboradas além do normal é variável e eventual, além de o labor noturno também poder ostentar feição eventual?

Se há trabalho extraordinário, deve haver, sim, contraprestação do adicional correspondente, da mesma forma que pelo labor noturno, sob pena de ineficácia da regra constitucional do art. 7º., IX e XVI, c.c. 39, § 3º, todos da Constituição Federal de 1988.

Em última ratio, pois, afigura-se inadequado asseverar que a verba remuneratória exclusiva conglobaria, antecipadamente, todas as hipóteses de trabalho noturno ou extraordinária, haja vista a variabilidade quantitativa do labor de cada servidor público, mensalmente variável, a depender das circunstâncias e necessidades esporádicas do serviço.

Daí que parece impróprio afirmar que o subsídio conglobaria já "x" horas extraordinárias mensais ou noturnas. E se o agente público trabalhasse acima dessa estimativa aproximada? Sem dúvida que teria direito a uma complementação, por força do art. 39, § 3º, da Carta da Nação Brasileira, sob pena de ineficácia do Texto Magno. Deflui disso a tese de que, em realidade, o subsídio não poderia impedir a percepção de horas extraordinárias e noturnas.

O valor da parcela única contemplaria a jornada normal da categoria, não o trabalho extra e à noite.

Por todo o articulado é que se ousa chegar à conclusão de que o sistema de parcela única deve ser entendido como a vedação de que a contraprestação pelo exercício ordinário das funções do cargo público seja decomposto em parcelas diversas, com gratificações e outras vantagens pecuniárias complementares, sem que, contudo, o subsídio abranja o pagamento de direitos trabalhistas fundamentais, expressamente estendidos aos servidores públicos em geral pela própria Constituição, nos termos do seu art. 39, § 3º, como é o caso do serviço extraordinário, do adicional noturno, complementação de salário mínimo, décimo terceiro salário, adicional de férias, salário-família.

Será que o escopo constitucional não foi proteger os trabalhadores da exploração de sua força de trabalho em condições adversas ou mais gravosas, em serviço extraordinário, em trabalho noturno, sejam do serviço público ou da iniciativa privada, exatamente pelo fato de que são seres humanos, cujos corpos reclamam respeito ao direito de descanso, pessoas que desejam usufruir de convívio familiar, etc?

Quando se onera o Estado com maiores custos de retribuição pecuniária pelo serviço prestado no período noturno ou em horas a fio além da jornada ordinária, o desiderato constitucional é tornar mais eficazes os direitos à saúde, ao lazer, à convivência em família (art. 6º, Constituição Federal de 1988), dos trabalhadores do serviço público. Pode-se afirmar que os servidores em geral, desde que integrantes de carreiras (art. 39, § 8º, CF 1988), amparados pelas garantias trabalhistas estendidas pelo art. 39, § 3º, da Lei Fundamental, não teriam direito a essas condições essenciais para a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF 1988) e para o valor social intrínseco do trabalho (art. 1º, IV, CF 1988), podendo ser submetidos à privação do descanso noturno e a limites penosos de jornadas laborais, pior ainda, sem receber nada em contraprestação por serviço extraordinário ou durante noites e madrugadas?

Se pode ser adotada pelo Estado a sistemática remuneratória do subsídio para todos os servidores organizados em carreira, então, conclui-se que a Constituição teria incorrido em paradoxo de embalde assegurar direitos trabalhistas fundamentais, cujo desrespeito poderia ser consumado, porém, nos termos do art. 39, § 4º, da Carta Republicana, inclusive com eficácia sobre praticamente todo o funcionalismo organizado em carreira (art. 39, § 8º, Lei Maior de 1988). Antolha-se escorreita essa exegese constitucional? De um vértice, a Constituição institui direitos trabalhistas considerados tão fundamentais que foram estendidos até para os servidores ocupantes de cargos públicos, enquanto, de forma inconguente, de outro, teria permitido que o legislador ordinário, pela adoção da sistemática da parcela única remuneratória, extinguisse conquistas laborais previstas no art. 7º., da Carta-cidadã, como o adicional por serviço extraordinário e noturno em favor do funcionalismo! Será que a esse tipo de exegese pode prestar-se a dogmática e a hermenêutica constitucional?

Não é necessário muito empenho para concluir que não, salvo posterior entendimento em contrário do Supremo Tribunal Federal, que surpreenderia.

Será que o Estado poderia negar vigência ao disposto no art. 39, § 3º, da Constituição, para alguns agentes públicos que desempenham, em virtude das funções inerentes a seus cargos, labor noturno ou extraordinário, ampliando-lhes a jornada laboral sem qualquer contraprestação, apenas pela instituição de subsídio?

Existe, em suma, contraditoriedade entre o capitulado nos §§ 3º e 4º do art. 39 da Norma Fundamental? Eis a controvérsia ainda a ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. O pagamento de adicional noturno ou serviço extraordinário e exercício de cargos-funções comissionados a servidores públicos remunerados por subsídio.: Uma interpretação dos arts. 39, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1974, 26 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12007. Acesso em: 27 dez. 2024.

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