7. O percebimento de retribuição pecuniária pelo exercício de cargo ou função comissionada por parte dos servidores remunerados por subsídio
O subsídio dos integrantes da Carreira não exclui o direito à percepção de outro subsídio, pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento, além de parcelas indenizatórias previstas em lei. Há respaldo doutrinário para a disposição.
Nesse sentido, ainda, calha transcrever trechos da obra de José dos Santos Carvalho Filho (destaques não originais):
Em conseqüência, também, para remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção, assessoramento e os cargos em comissão, terá a lei que fixar, para cada qual, um subsídio composto de parcela única. O mesmo se diga com relação aos vários níveis de cada carreira abrangida pelo sistema de subsídio. Também não podem deixar de ser pagas as vantagens que têm caráter indenizatório, já que se trata de compensar o servidor por despesas efetuadas no exercício do cargo; é o caso das diárias e das ajudas de custo. [17]
Em princípio, o subsídio, como forma de retribuição pelo exercício do cargo efetivo, não impediria, salvo melhor juízo, que o desempenho de outro cargo, comissionado, de direção, chefia ou assessoramento, pudesse ensejar a correspondente retribuição pecuniária específica pelo Estado. O Conselho Nacional de Justiça admite o pagamento de parcelas outras, juntamente com o subsídio, nas hipóteses seguintes, regradas na Resolução n. 13, de 21 de março de 2006:
Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas:
............................................................................
II - de caráter eventual ou temporário:
a) exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor;
b) investidura como Diretor de Foro;
............................................................................
f) coordenação de Juizados;
g) direção de escola;
Não obstante, a solução jurídica da matéria não é tão clara como se supõe, pois, nos moldes da mesma Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, o Conselho Nacional de Justiça pontifica que:
Art. 4º Estão compreendidas no subsídio dos magistrados e por ele extintas as seguintes verbas do regime remuneratório anterior:
............................................................................
II - gratificações de:
a) Vice-Corregedor de Tribunal;
b) Membros dos Conselhos de Administração ou de Magistratura dos Tribunais;
c) Presidente de Câmara, Seção ou Turma;
d) Juiz Regional de Menores;
e) exercício de Juizado Especial Adjunto;
f) Vice-Diretor de Escola;
g) Ouvidor;
h) grupos de trabalho e comissões;
i) plantão;
j) Juiz Orientador do Disque Judiciário;
k) Decanato;
l) Trabalho extraordinário;
m) Gratificação de função.
............................................................................
VII - vantagens de qualquer natureza, tais como:
a) gratificação por exercício de mandato (Presidente, Vice-Presidente, Corregedor, Diretor de Foro e outros encargos de direção e confiança).
Daí a dificuldade em torno do assunto, apesar de algum lastro doutrinário para o percebimento de subsídio de cargo comissionado. A dúvida maior incidiria na hipótese de o servidor ocupar função comissionada, paga mediante gratificações ou verbas de representação, que estariam vedadas, numa interpretação literal de primeira toada do estipulado no art. 39, § 4º, da Constituição Federal de 1988.
Novamente se suscita tema para que o Supremo Tribunal Federal enfrente, mas não se pode deixar de antecipar uma visão inicial no sentido de que a Constituição Federal previu que as funções em comissão seriam ocupadas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (art. 37, V), sem discriminar a forma de remuneração dos funcionários concursados, titulares de posto de provimento efetivo (se pelo sistema de subsídio, em parcela "única", ou comum, de vencimento básico mais vantagens adicionais).
Será que a Constituição Federal de 1988 pretendeu instituir o exercício de função comissionada, para atividades de assessoramento, direção ou chefia, de forma gratuita pelos servidores remunerados por subsídio, enquanto o fez de modo oneroso para outros funcionários efetivos, pagos mediante vencimento básico mais vantagens adicionais?
É justa e razoável essa exegese, no sentido de uma incompreensível discriminação pelo Constituinte entre agentes públicos de carreira, apenas porque o Estado resolveu, aleatoriamente, com fulcro no permissivo do art. 39, § 8º, da Carta, estabelecer a sistemática remuneratória por subsídio para algumas carreiras e manter o regime ordinário para outras?
Sob outra ótica, o provável resultado dessa interpretação poderia ser que, no caso de servidores de carreira remunerados por subsídio, se considerado vedado o percebimento de gratificação ou adicional pelo exercício de função comissionada, todos se recusassem, com toda a razão, a desempenhar, graciosamente, função de confiança, no exercício de trabalhos especiais de assessoramento, chefia e direção, sem receber qualquer contraprestação pelo encargo extraordinário,, inclusive determinante de maiores responsabilidades em nível administrativo, cível e criminal, haja vista os encargos funcionais especiais.
É a esse tipo de conseqüência que deve induzir a aplicação da Carta Magna, com a possível inviabilização parcial do serviço público, porque ninguém exerceria atividades comissionadas, privativas de servidores de carreira (na hipótese das funções em comissão: art. 37, V, Carta Magna de 1988), de modo gratuito, deixando os postos de confiança vagos e com prejuízo à continuidade dos misteres administrativos?
Será, por outro lado, que o Constituinte pretendeu discriminar os servidores públicos apenas pelo critério da forma de remuneração, favorecendo os que percebem pelo sistema comum de vencimento básico mais vantagens adicionais, autorizados a receber, como é justo e de direito, pelo exercício de função em comissão, tratando, de outro lado, de forma prejudicial e gravosa os infelizes funcionários retribuídos por subsídio, forçados a trabalhar de graça em postos de confiança?
Esse tipo de tratamento discriminatório é compatível com os consectários do princípio constitucional da isonomia? Tanto que o eminente Procurador-Geral da República, em parecer junto ao Supremo Tribunal Federal na ADI 3638, noticiado na Internet pelo Ministério Público Federal em 28 de julho de 2008, destacou que
Antonio Fernando afirma que inconstitucional, nos termos do artigo 39, parágrafo 4º, seria recompensar pelo exercício do cargo com quantia já remunerada pelo subsídio. Ele não inclui nesse caso as gratificações por exercício de função de chefia, direção e assessoramento, quando elas não forem próprias das tarefas essenciais e padronizadas cometidas como objeto da prestação definida para o agente. Também seria constitucional o pagamento do adicional de magistério policial e as verbas indenizatórias, pelo fato de atenderem a uma situação extraordinária, que não é considerada no momento da fixação do subsídio.
A questão ora discutida, pois, é outra hipótese em que se vêem as perplexidades emanadas da obtusa e literal interpretação do sistema remuneratório por subsídio em parcela única. De outro ângulo, o ordenamento jurídico brasileiro alberga a prestação de serviço público gratuita? Basta atentar para o explicitamente enunciado em contrário no Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União: "É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei" (art. 4º, Lei federal n. 8.112/1990).
Lembre-se de que o próprio Conselho Nacional de Justiça assentou esse fundamento como inspirador dos considerandos da Resolução n. 22, de 26-09-2006 (Regulamenta o pagamento de retribuição pecuniária aos juízes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça), estabelecendo que (negrito nosso):
CONSIDERANDO que a Constituição Federal e o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça prevêem a requisição compulsória de magistrados para auxiliarem nos serviços da Presidência e da Corregedoria Nacional de Justiça, vedando o ordenamento jurídico a prestação de serviços gratuitos;
Será que o sistema remuneratório por subsídio é uma condenação sobre o servidor de carreira, fadado a não receber um centavo a mais sequer por serviço extraordinário ou noturno, além de ser forçado a desempenhar funções de chefia, direção e assessoramento de forma gratuita? Destaque-se, aliás, que a Câmara dos Deputados dispôs sobre o subsídio de função comissionada de seus servidores Resolução nº 28/1998 (Dispõe sobre a reorganização do Plano de Carreira dos servidores da Câmara dos Deputados e dá outras providências). [18]
O Estado de Mato Grosso também fixou subsídio de cargos comissionados (Projeto de Lei Complementar n° 64 de novembro de 2006 e também Lei Complementar Estadual Mato-Grossense n. 332, de 10-10-2008 [19]), juntamente com o Estado de Tocantins (Decreto Estadual n. 1.690, de 17 de janeiro de 2003), assim como o Estado de Goiás (Lei Delegada Estadual Goiana de 20 de junho de 2003) para postos de direção, facultando que
Art. 2º - O servidor ocupante de cargo de provimento efetivo ou emprego permanente no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional ou militar titular de posto que, nomeado para exercer cargo previsto no Anexo Único desta Lei, optar, na forma legalmente permitida, por sua remuneração de origem, percebê-la-á cumulativamente com o subsídio a que fizer jus pelo exercício do cargo em comissão, reduzido de um quarto.
Como restará o provimento dos cargos comissionados, quando privativos de integrantes da carreira por expressa disposição legal, no caso de se cuidar de servidores remunerados em regime de subsídio, os quais poderiam, com todo o direito, se recusar a trabalhar de graça e a desempenhar atividades de direção, chefia e assessoramento, nos postos comissionados, maiormente porque os cargos em comento são regrados em sistema de dedicação integral, ficando o seu titular, além do cumprimento da jornada normal, sujeito a ser convocado a qualquer hora, sempre que houver interesse da Administração (art. 19, par. único, Lei n. 8.112/1990)?
Será razoável considerar que uma restrição a direito e um acréscimo de responsabilidades, com maior grau de responsabilidade administrativa, civil e criminal, por ser imposto pelo Estado ao agente público, sem qualquer contraprestação adicional, além do pagamento da parcela única pelo exercício das atribuições do cargo efetivo?
Daí o juízo de boa parte da doutrina de que seria legítima a instituição de subsídio específico pelo exercício do cargo comissionado, o qual deveria ter valor correspondente ao montante das atribuições do cargo efetivo mais o equivalente pecuniário devido pelo desempenho dos misteres do cargo de confiança.
Impende trazer à colação que o Conselho Nacional de Justiça entende lícito (Resolução n. 13/2006) que ao subsídio de magistrado seja acumulada parcela adicional recompensadora do exercício de exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor (art. 5º, II, "a"); investidura como Diretor de Foro (art. 5º, II, "b"); coordenação de Juizados (art. 5º, II, "f"); direção de escola (art. 5º, II, "g"); exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na Vice-Presidência, na Corregedoria e no Segundo Grau de Jurisdição (art. 5º, II, "i") - perceba-se que todas as hipóteses são de atividades ou cargos de direção e chefia ou assessoramento).
Sim, acréscimo de outras frações remuneratórias a pessoal remunerado por parcela "única"!
Nem se diga que se cuidaria de parcelas de natureza indenizatória, porquanto a sobredita Resolução do órgão judicial é expressa no sentido de que esses valores, acumulados ao subsídio de magistrado, estão sujeitos à incidência do teto remuneratório (art. 5º, par. único), ao passo que, caso de tratasse de quantum indenizatório, poderia ser percebido além do teto de remuneração (art. 37, § 11, Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005).
Eis, de toda sorte, o delicado problema a ser cotejado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, contudo, supõe-se, deva prestigiar a regulamentação primária desenvolvida pelo alto Conselho do Poder Judiciário.
Conclusão
Por isso que se conclui que:
a) a Constituição Federal não pode ser interpretada com o efeito de abrigar antinomias em seu seio, modo pelo qual se deve conciliar o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal, no sentido de reconhecer a possibilidade do pagamento de adicional de serviço extraordinário e de trabalho noturno aos servidores públicos remunerados por subsídio;
b) os direitos trabalhistas fundamentais dos incisos determinados do art. 7º da Constituição Federal, estendidos aos servidores ocupantes de cargo público por força do disposto no art. 39, § 3º, da Carta Magna, não excluem os agentes públicos remunerados na forma de subsídio, haja vista que as normas tutelares obreiras destinam-se a assegurar direitos sociais essenciais, como o lazer, o convívio familiar, o descanso, em defesa da pessoa humana que trabalha no serviço público, independentemente da maneira como estipulada sua remuneração, se em parcela única ou em se em vencimento básico mais vantagens pecuniárias adicionais;
c) os servidores públicos remunerados por subsídio podem perceber específica retribuição pelo exercício de cargo ou função comissionada por atividade de direção, chefia ou assessoramento, sem violação ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal;
d) o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em suas resoluções, tem permitido o pagamento de gratificações e adicionais aos magistrados, apesar de remunerados por parcela única, assim como tem admitido a percepção de retribuição pecuniária pelos membros do Poder Judiciário quando do exercício de alguns cargos de direção, chefia ou assessoramento, como de juiz auxiliar requisitado pelo próprio Conselho, além de exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor; investidura como Diretor de Foro; exercício cumulativo de atribuições, como nos casos de atuação em comarcas integradas, varas distintas na mesma Comarca ou circunscrição, distintas jurisdições e juizados especiais; substituições; diferença de entrância; coordenação de Juizados; direção de escola; exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na Vice-Presidência, na Corregedoria e no Segundo Grau de Jurisdição; participação em Turma Recursal dos Juizados Especiais.