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O poder normativo das agências reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito

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02/12/2008 às 00:00
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RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar a repercussão do agigantamento do ambiente normativo do Estado brasileiro, verificado a partir do advento do Estado regulador, no patrimônio jurídico do indivíduo. Para tanto, será necessário identificar, em primeiro, a extensão do poder normativo exercitado pelas agências reguladoras, revelando as posições doutrinárias divergentes e a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito. Em seguida, será abordada a enxurrada normativa provocada pelo exercício de tal poder pelas agências reguladoras e a deficiência do controle judicial para a análise de legalidade e legitimidade dessas normas. Por último, será analisada a mudança na relação Estado-indivíduo quanto à prestação de serviços públicos e a necessidade de estruturação de controle concentrado para aferir a legalidade das normas regulatórias e, assim, possibilitar a proteção do indivíduo frente às agências reguladoras e às empresas privadas prestadoras de serviços públicos.

Palavras-chave: Agências reguladoras; poder normativo; princípio da legalidade; controle de legalidade; delegação legislativa; regulamento delegado.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade: debate doutrinário e a posição do Supremo Tribunal Federal; 3. Enxurrada normativa e ausência de controle eficaz; 4. O indivíduo como sujeito de direito no Estado regulador; Referências bibliográficas.


1. Introdução

As agências reguladoras independentes já possuem mais de 11 anos de existência no Brasil e seu surgimento causou certa apreensão na comunidade jurídica em face de disporem de amplos poderes, em especial o normativo, normalmente incomuns na Administração Pública tradicional.

A sua criação no Brasil se deu a partir da implantação de ideário (neo) liberal que se propunha a reduzir o tamanho do Estado e a alterar a sua atuação na economia. Neste último aspecto, o Estado brasileiro promoveu privatizações de empresas estatais que prestavam serviços públicos e exerciam atividades econômicas em sentido estrito e passou a atuar na economia prioritariamente por meio da direção, e não mais pela absorção.

Assim, o aparecimento das agências reguladoras no Brasil coincide com a mudança de perfil do Estado, que, salvo algumas exceções, já não mais se apresenta materialmente na economia, seja prestando serviços públicos, seja produzindo bens e prestando serviços privados em concorrência com a iniciativa privada [01].

Apesar da sensível diminuição da presença material do Estado brasileiro na economia, ainda assim é possível identificar sua participação na direção dessas atividades, sejam serviços públicos (telefonia, distribuição de energia, etc.), sejam atividades econômicas em sentido estrito (serviços bancários, por exemplo). A participação do Estado brasileiro na economia a partir de agora, no entanto, passa a ter ênfase normativa. Em vez da presença concreta na vida cotidiana do cidadão brasileiro, o Estado brasileiro se faz presente de forma virtual (MOREIRA NETO, 2002 [02]).

O que pretendo analisar, então, é a repercussão do agigantamento do ambiente normativo do Estado brasileiro no patrimônio jurídico do indivíduo. Ou seja, a intenção é investigar o que, do ponto de vista jurídico, mudou na relação entre o indivíduo e o Estado brasileiro a partir da passagem do modelo social para o modelo regulador.

Para atingir tal reflexão, pretendo, inicialmente, identificar a extensão do poder normativo exercitado pelas agências reguladoras, revelando as posições doutrinárias divergentes e a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Em seguida, abordarei a enxurrada normativa provocada pelo exercício de tal poder pelas agências reguladoras e a deficiência do controle judicial para a análise de legalidade e legitimidade dessas normas.

Por último, analisarei a mudança na relação Estado-indivíduo quanto à prestação de serviços públicos e a necessidade de estruturação de controle concentrado para aferir a legalidade das normas regulatórias e, assim, possibilitar a proteção do indivíduo frente às agências reguladoras e às empresas privadas prestadoras de serviços públicos.


2. O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade: debate doutrinário e a posição do Supremo Tribunal Federal.

A doutrina tem discutido bastante sobre a extensão do poder normativo atribuído às agências reguladoras. A discussão tem girado basicamente em relação à sua estrita submissão, ou não, à legalidade. Em resumo, apresentam-se duas posições.

De um lado, alguns autores defendem a exclusiva possibilidade de as agências reguladoras desenvolverem, por meio de seu poder normativo, o poder regulamentar já previsto para o Presidente da República, nos estritos limites definidos no art. 84, IV, da Constituição Federal de 1988 (expedir regulamentos para sua fiel execução de leis). Assim, apenas admitem a expedição pelas agências reguladoras dos regulamentos executivos.

Mello (2003) defende com veemência tal posição. Em síntese, afirma que no Brasil apenas há espaço para regulamentos executivos em razão de entender que, por força do art. 5º, II, da CF/88 ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"), só a lei pode inovar em caráter inicial da ordem jurídica.

Esta parcela da doutrina exclui categoricamente a possibilidade de lei delegar ao Poder Executivo a disciplina de matéria relativa à liberdade ou à propriedade das pessoas [03].

De outro lado, há autores que afirmam que a atribuição de tal poder normativo às agências se daria em razão da necessidade de se promover a deslegalização de algumas matérias para receberem as soluções técnicas adaptáveis e flexíveis proporcionadas pela regulação (MOREIRA NETO, 2002).

Defende-se que a legalidade, apesar de ter servido para refrear o poder do monarca, não mais funcionaria como instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico. Para viabilizar a adaptação das normas legais à dinâmica da economia capitalista, seria necessário conferir maior margem de liberdade ao Executivo para editar normas complementares à lei. Assim é que se defende a edição de regulamentos autorizados ou delegados, no qual a lei fixa apenas os princípios gerais a serem seguidos pela autoridade administrativa na disciplina de uma determinada matéria (BRUNA, 2003). A sua necessidade decorreria da existência de situações de fato extremamente mutantes, excessivamente técnicas ou politicamente complexas (SUNDFELD, 2002 [04]).

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a relação entre poder regulamentar e lei e deixou claro que aderiu à primeira corrente, mais conservadora, que entende pela admissibilidade apenas de regulamentos executivos. Nesse sentido podem ser citados os acórdãos proferidos no julgamento da ADI 1.075, da ADI 1.435 e da AC 1.033-AgR-QO.

No entanto, é importante ressaltar que as decisões do STF sobre a matéria foram proferidas fora do contexto das agências reguladoras e ainda não houve nenhum julgamento a respeito do poder normativo exercitado por elas.

Esse debate não é exclusivo do Brasil, mas tem sido travado em outros países que aderiram ao modelo de regulação da economia por agências independentes.

Martinez (2002) aponta que, nos Estados Unidos da América, o Tribunal Supremo já entendeu pela impossibilidade de delegação legislativa e de regulamentos autorizados (nondelegation doctrine), mas, atualmente, reconhece que "as complexas e variadas necessidades normativas das sociedades modernas superam a capacidade do Parlamento" e, assim, admite a delegação legislativa (delegation doctrine) e os regulamentos autorizados.

Na Alemanha, há uma tendência pela aceitação de amplos poderes normativos às agências reguladoras previstas diretamente na Constituição, o que ocorre como forma de diminuir a distância entre o autor e o destinatário de uma norma jurídica, ao mesmo tempo que se supõe uma descarga de trabalho para o legislador (MARTINEZ, 2002).

Na França e na Espanha, os respectivos Tribunais Constitucionais entendem que o legislador deve estabelecer o marco em que as AAI poderão ditar regulamentos executivos. Na verdade, os regulamentos das autoridades independentes estão sujeitos não somente à lei, mas também às normas regulamentares do Governo (MARTINEZ, 2002).

O que deve resultar claro da exposição é que o mero exercício de poder normativo pelas agências reguladoras já representa uma polêmica de grandes proporções, como se vê da divergência doutrinária existente no Brasil e dos debates já ocorridos em outros países, dificilmente se podendo chegar a um consenso.

No Brasil, como falado, o STF ainda não se pronunciou sobre a constitucionalidade do poder normativo exercitado pelas agências e, assim, tem-se uma razoável instabilidade a respeito do que é produzido pelas agências: vale ou não vale, vincula ou não vincula, pode ou não complementar as leis, enfim, encontra-se sem resposta um sem-número de questões que o exercício do poder normativo pelas agências proporciona.

Imprescindível, então, seria uma decisão – legal ou judicial – que defina claramente os limites dos poderes normativos das agências reguladoras. Enquanto não houver uma tal decisão – eis que consenso é impossível –, permanecerá o estado de incerteza.

Mas, para fechar o tópico, há uma questão mais importante a ser lançada: independentemente de se adotar uma ou outra corrente, como o indivíduo pode se defender de tantas fontes normativas? Como o indivíduo pode se defender do mau exercício do poder normativo pelas agências reguladoras? Os mecanismos de controle do Estado social seriam compatíveis com a produção normativa do Estado regulador? Buscaremos respondê-la em seguida.


3. Enxurrada normativa e ausência de controle eficaz.

São muitos os entes federais, entre eles agências reguladoras, a exercitarem o poder normativo em áreas específicas, deles sendo exemplos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Para se ter noção da dimensão da atividade normativa da Administração Pública federal brasileira, vale destacar os seguintes dados:

1. Entre janeiro de 2004 e julho de 2008, a ANEEL editou 319 resoluções normativas [05];

2. Entre fevereiro de 1997 e julho de 2008, a ANATEL editou 506 resoluções normativas [06];

3. Entre janeiro de 2004 e julho de 2008, a ANP editou 177 resoluções de caráter normativo [07];

4. Entre outubro de 1992 e julho de 2008, a ANVISA editou 64 instruções normativas [08];

5. Entre abril de 1978 e julho de 2008, a CVM editou 470 instruções de caráter normativo [09];

6. Entre maio de 1992 e julho de 2008, o CADE editou 48 resoluções normativas [10];

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7. Entre fevereiro de 2002 e dezembro de 2006, a ANS editou 49 instruções normativas e 148 resoluções normativas [11].

Falcão (2008) chama atenção para o problema ao registrar que a produção normativa do Congresso Nacional foi pouco superior a 10% da produção normativa de três agências reguladoras:

Em 2007, o Congresso aprovou 198 leis. Em compensação, apenas três das principais agências reguladoras produziram 1.965 resoluções. A Agência Nacional de Energia Elétrica editou 635, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, 726, e a Agência Nacional de Águas, 604. Mesmo sem considerar resoluções das outras sete agências federais (ANVISA, ANS, ANCINE, ANATEL, ANP, ANTAQ e ANAC), são quase dez vezes mais atos normativos. Nos estados, o cenário se repete. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a AGERGS produziu 580 resoluções enquanto a Assembléia Legislativa gaúcha elaborou apenas 188 leis estaduais. Existem agências em 19 estados e também no Distrito Federal. Em alguns, mais de uma, como São Paulo e Rio.

Diante dos números apresentados acima, penso já ser possível se falar em enxurrada normativa por parte das agências.

Questão relevante a ser considerada é a que segue abaixo.

A produção normativa do Congresso se encontra submetida a eficazes mecanismos de controle concentrado e difuso de constitucionalidade, parâmetro bastante amplo em que se inserem análises de proporcionalidade, razoabilidade e legitimidade. O controle concentrado de constitucionalidade por meio do STF tem sido bastante exercitado e a possibilidade de deferimento de medida cautelar com efeito vinculante para todos, inclusive poderes públicos, evita a produção de efeitos ilegítimos sem que seja necessário aguardar o final do processo.

No entanto, a produção normativa das agências, que, em quantidade numérica, passa a se sobrepor à produção legislativa, não possui um controle eficaz de legalidade, aí se incluindo também análise de proporcionalidade, razoabilidade e legitimidade. O controle realizado pelo Poder Judiciário a respeito dessas normas é exclusivamente o difuso, a posteriori, que apresenta algumas deficiências, a saber: o processo judicial apenas se instaura a partir de uma lesão; falta de conhecimento técnico do setor regulado pelo juiz; análise meramente pontual, e não global, da normatização setorial; impossibilidade de ouvir todos os interessados na edição da norma no processo judicial, o que ocorre durante a elaboração da norma no âmbito das agências; efeitos apenas entre as partes do processo, ou quando muito, no âmbito de ações coletivas, com efeitos limitados à competência territorial do órgão prolator [12].

Ou seja, a coletividade não dispõe de meios eficazes para se insurgir contra a produção normativa das agências, o que é bastante perigoso.

É perigoso porque a falta de legitimação democrática das agências e a observação de que, na prática, isso poderia conduzir a desvios indesejáveis na regulação econômica, como é o caso da captura, suscitou na doutrina a necessidade de serem estabelecidos eficazes mecanismos de controle sobre as suas atividades, notadamente a normativa. Vale lembrar que a crítica fundamental ao modelo de agências independentes baseia-se essencialmente nos efeitos perversos do insulamento burocrático e seu déficit democrático. Assim, sua autonomia e independência representariam uma ameaça ao interesse público na medida em que agentes não eleitos tomam decisões relevantes para a sociedade.

Segundo Melo (2001), o fato de os agentes reguladores não serem eleitos torna particularmente relevante a análise das relações entre representação e responsabilização, a exigir controle democrático sobre a atuação das agências. A responsabilização seria a variável decisiva: alta delegação sem responsabilização geraria ineficiência; baixa delegação sem responsabilização, ineficiência.

De acordo com essa visão, o controle da atividade das agências se destina a conferir legitimidade democrática à atuação de agentes não-eleitos pelo povo.

Assim, a coletividade se encontra despida de meios eficazes para combater as normas reguladoras. Não existe meio de impugnação que se revele expedito, que seja apreciado por quem tenha conhecimento da matéria posta sob exame e que essa decisão seja estendida a todos os interessados.


4. O indivíduo como sujeito de direito no Estado regulador.

Quando o Estado brasileiro prestava serviços públicos diretamente, não havia um estatuto claro quanto às condições de sua prestação e quanto aos direitos e deveres do cidadão. Tanto que se fazia crer que o acesso a determinados bens e serviços públicos seria uma liberalidade do governante, como se este os estivesse custeando com recursos privados. A politização do acesso a bens e serviços públicos com fins eleitoreiros – custeados, claro, com recursos públicos – possuía papel bastante importante na dinâmica da política brasileira.

A transferência da execução dos serviços a empreendedores privados e a percepção de que o acesso a esses bens e serviços passa a ter um caráter contratual – e não gracioso, como astutamente se fazia sentir, ainda que, em verdade, fosse financiado ou por tributos ou por preços públicos – enfraquece, senão exclui, o proveito eleitoreiro do acesso a eles.

De outro lado, a privatização da execução dos serviços públicos tornou necessária a regulamentação da relação entre Estado e o prestador do serviço (regida pela Lei nº 8.987/1995, que trata das concessões de serviços públicos, e pelas leis setoriais) e entre o prestador do serviço e o indivíduo (regida pela Lei nº 8.078/1990 e também pelas leis setoriais), agora qualificado como consumidor.

A vantagem principal é o estabelecimento de um estatuto de direitos e deveres do indivíduo quanto à prestação do serviço. A mera declaração de direitos já significa o reconhecimento da existência de direitos e deveres. Em período anterior, não se sabia ao certo quais eram os direitos do indivíduo (continuidade do serviço, possibilidade de cobrança por danos morais e materiais, indenização por cobranças indevidas).

Isso não quer dizer, no entanto, que haja o efetivo respeito pelas empresas concessionárias e pelas agências reguladoras aos direitos do consumidor de serviços públicos.

Na verdade, em geral, são fortes as críticas de que as agências reguladoras não estariam tão preocupadas com os interesses dos consumidores, que são basicamente qualidade da prestação do serviço e modicidade tarifária.

Segundo a literatura estrangeira, a tendência é que, por várias razões, as agências reguladoras passem a se identificar com os setores regulados e a atender suas demandas em detrimento dos consumidores. Uma das razões, a ser citada meramente para ilustrar a questão, seria a de que o pessoal que trabalha nas agências ou já trabalhou ou pretende trabalhar nas empresas reguladas, o que ocasionaria uma identificação natural entre regulador e regulado.

Stigler (2004) desenvolveu a tese de que a falta de legitimidade democrática das agências possibilita a captura pelos setores regulados. Com base em dados econômicos da regulação da Interstate Commerce Commission (ICC), defendia que, em regra, a regulação era adquirida pela indústria regulada, além de concebida e operada em seu benefício.

Posner (2004), a sua vez, afirmava que as características básicas dos serviços públicos de infra-estrutura e transporte público nos EUA poderiam ser explicadas não pela teoria da captura, mas pela teoria segundo a qual a regulação é estruturada para conceder benefícios a grupos de consumidores politicamente efetivos, o que se dá às custas de grupos desorganizados, em sua maioria também de consumidores.

Majone (1997), por outro lado, entende que é natural que grupos bem organizados – como é o caso dos grupos empresariais – tendam a colher mais benefícios da regulação do que interesses amplos e difusos, como é o caso dos interesses dos consumidores [13].

Na prática regulatória brasileira, muitas vozes têm se levantado contra a atuação das agências, podendo-se fazer referência a algumas delas:

1. "A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste) criticou a Agência Nacional de Saúde (ANS) por ter autorizado a aplicação de um reajuste de até 9,94% nas tarifas cobradas por cinco planos de saúde considerados antigos. Um plano de saúde antigo, segundo a ANS, é qualquer plano de saúde contratado pelo beneficiário até 1º de janeiro de 1999 e não adaptado às regras da Lei 9.656/98"; [14]

2. "Foi geral a contrariedade demonstrada ontem pelos consumidores em Belém, logo após o anúncio do reajuste da tarifa de energia elétrica pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A partir desta segunda-feira, o consumidor residencial irá arcar com uma tarifa aumentada em 1,74% e a classe industrial e comercial, com 7,20%;" [15]

3. "De um lado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar comemora que o reajuste autorizado nesta sexta-feira (08) para os planos de saúde, fixado em 5,76%, é o menor dos últimos seis anos. Do outro o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) criticou o aumento, lembrando que, apesar de estar abaixo dos 9% estimados, ainda é o dobro da inflação do período, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (2,58%)"; [16]

4. "Idec vê com muita preocupação a postura atual da ANEEL em relação às revisões tarifárias de energia elétrica que tem sido divulgada nos jornais. A agência está propondo mudar a metodologia de cálculo, o que pode beneficiar as concessionárias e prejudicar, em muito, os consumidores!"; [17]

Então, se a literatura estrangeira aponta essa identificação entre regulador e empresas reguladas e se, na prática, algumas decisões proferidas pelas agências reguladoras têm sido tão questionadas por associações de consumidores, por supostamente violarem os seus interesses, qual a posição do indivíduo diante disso?

Em primeiro, deve-se notar que o processo de decisão das agências reguladoras envolve, em regra, procedimentos de audiência e consulta públicas, nos quais são ouvidos os agentes do mercado e os consumidores quanto às normas a serem aplicadas a determinadas relações econômicas e de consumo. Quando a sociedade civil não está estruturada a ponto de participar tecnicamente do debate, haverá um confronto desigual com os agentes do mercado, os quais certamente disporão de todos os argumentos técnicos a favor de suas posições.

Caso emblemático é o das revisões tarifárias dos contratos de distribuição de energia elétrica. Essas revisões envolvem elementos tão complexos (parcela A e parcela B da tarifa, empresa de referência, fator X, perdas comerciais, conta de desenvolvimento energético – CDE, contratos de longo prazo, pool, etc.) que, supondo-se que haja um grave erro em sua elaboração pela Agência Nacional de Energia Elétrica, ao consumidor leigo não seria dado entender a questão e pleitear pela correta revisão.

Apenas a organização da sociedade civil a ponto de dispor de consultoria especializada possibilitaria a defesa de seu ponto de vista, em busca da modicidade tarifária e da qualidade do serviço.

Ou seja, o indivíduo, de forma isolada, não organizado junto aos seus semelhantes, parece não possuir grande importância no contexto do Estado regulador, exatamente em face desse agigantamento normativo. Daí a importância de estruturação de instituições de sociedade civil para fazer frente aos interesses econômicos que se encontram do outro lado da prestação dos serviços públicos, os quais, em razão de sua força, podem influenciar essa produção normativa em favor de seus interesses.

Em segundo, como já tratado acima, entendo que o controle difuso de legalidade de regulamentos não é eficaz para controlar as normas expedidas pelas agências reguladoras. A percepção é que um controle concentrado de legalidade, a exemplo do que ocorre com o controle concentrado de constitucionalidade, poderia ser implementado para analisar a legalidade de normas regulatórias.

A vantagem de um controle concentrado de legalidade seria a análise judicial da norma regulatória em um único processo, cuja decisão teria efeitos vinculantes para todos, e não limitados a determinados grupos de consumidores. Na verdade, de que serve afastar a aplicação para uns de norma regulatória visivelmente ilegal e mantê-la aplicável para outros? O modelo concentrado daria sentido e eficácia ao controle de legalidade.

Quanto à competência para apreciar e julgar uma tal ação, a proposta do controle concentrado ainda ficaria em aberto. E isso porque uma das fontes de legitimidade das agências é a especialização técnica (energia, telecomunicações, saúde suplementar, petróleo, vigilância sanitária, etc.) e não adiantaria em nada submeter a análise de regulamentos a juízes leigos nessas áreas.

Um modelo a ser estudado é o do Office of Management and Budget (OMB) norte-americano, que possui quadro de especialistas técnicos e desenvolve análises do tipo custo-benefício da regulação. No entanto, nos EUA, tal órgão não integra o Judiciário, mas faz parte do Poder Executivo.

Outro modelo é o espanhol. Segundo Martinez (2002), os atos administrativos dessas autoridades sujeitos ao Direito público são recorríveis diretamente, em única instância, ante a Sala de lo Contencioso-Administrativo de la Audiencia Nacional.

Enfim, o fato de não termos, na estrutura judiciária brasileira, órgão adequado a fazer este tipo de controle não quer dizer que devamos desistir dele, já que pode se apresentar como uma forma eficaz de fazer valer os direitos do indivíduo brasileiro frente ao Estado e às empresas privadas prestadoras de serviços públicos.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Eduardo Diniz. O poder normativo das agências reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1980, 2 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12029. Acesso em: 24 nov. 2024.

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