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O clamor público nas prisões preventivas: Cristo ou Barrabás?

Uma análise jurídica que adentra no campo da dogmática cristã referente ao paradigma do caso Isabella Nardoni

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3.O enfoque bíblico-cristão

Após todo esse alegado, é imperioso saber de onde veio a expressão "clamor público", quais são as suas origens?

Numa perspectiva amparada pela dogmática religiosa cristã é aferível uma ocorrência curiosa para o presente estudo: O julgamento de Cristo.

Naquela ocasião, o povo Judeu preferiu libertar Barrabás – criminoso, ao invés de Jesus – inocente. [14] Conforme as referidas escrituras, Pôncio Pilatos – Prefeito (praefectus) da província romana da Judéia entre os anos 26 e 36, teria sido o juiz que "lavou suas mãos" após atender ao clamor público do povo Judeu para condenar Jesus a morrer na cruz, apesar de não ter, Nele, encontrado nenhuma culpa.

Observe-se que, de acordo com o teor do texto bíblico-cristão, a interferência especulativa gerou uma situação de "clamor público" onde o "justo" ou o "injusto" consistiu na preferência de conceder o indulto a um "criminoso" que ao próprio "salvador".

Então, dentro do contexto bíblico-cristão, será mesmo que o atendimento ao "clamor público" pode mesmo ser considerada uma "nova" compulsão punitiva, já que, no mínimo, é fato existente desde os tempos de Cristo?


Conclusão

O processo penal jamais pode ser visto como forma punitiva e, por isso, os institutos acauteladores contidos no referido direito adjetivo, especialmente, aqueles que afetam a liberdade de locomoção devem ser vistos como exceções de ultima ratio.

No entanto, a partir de uma breve análise do triste caso da menina Isabella Nardoni, vê-se que algumas decisões judiciais pautam que a ratio para a decretação de prisão preventiva pode fundar-se no "clamor público" e na "necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional", isso quando a decretação não se camufla sob o páreo do vago conceito de ordem pública.

Assim, a natureza cautelar da decisão perde a sua natureza acauteladora e passa a revestir com a natureza punitiva.

O suspeito, que deveria ser parte tão somente do processo penal legal, passa a figurar claramente no processo midiático que, em tese, é legitimado pelo "direito de imprensa", porém, muitas vezes, o sagrado direito de defesa técnica, é suprimido nos palcos de apresentação dos programas televisivos, que se transformam em verdadeiros "Tribunais de Exceção", o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio e as conseqüências dessa divulgação desmedida são, pois, a sua maior pena.

Já o Estado, impotente quanto às reportagens, nada pode fazer para impedir a exposição da imagem do(s) acusado(s), pois tal poderia ser interpretado como "censura", mas maneja a Espada (símbolo da justiça) com habilidade política incrível! Acalmando os ânimos e acalentado o clamor público de um povo leigo e manipulado.

Enquanto isso, o suspeito ou acusado que ainda não tem qualquer prova cabal de sua culpabilidade no delito imputado, perde um bem jurídico muito precioso: A liberdade de locomoção. E isso, sem avaliar outros danos a outros bens jurídicos decorrentes de eventual prisão cautelar precipitadamente decretada.

Doravante, estabelecendo um paralelo comparativo realizado dentro do campo da dogmática Cristã, pergunta-se por que o povo judeu preferiu soltar Barrabás e não Jesus? E mais: Por que Pilatos – autoridade que possuía o poder de condenar ou absolver naquele momento, preferiu atender ao clamor público?

Como em tudo o que se encontra em meio ao disposto na bíblia, a resposta comporta diversas concepções interpretativas.

No entanto, em tempos atuais, a pergunta é: Por que no caso Nardoni o Judiciário preferiu atender ao clamor público em vez de aplicar o direito processual positivado susceptível de ser aplicado, observando-se, por excelência, os princípios normativos existentes?

Conclui-se, então, que o cenário político-jurídico e social moderno não se difere tanto dos encontrados no citado Livro Cristão. Em ambos, a opinião pública manifesta-se sob a forma de "clamor público", reclamando, pois, uma justiça imediatista.

Mas seria a lícito permitir que se faça "justiça" a qualquer preço, ou melhor, para preservar a respeitabilidade da atuação jurisdicional?

Ao preço ou ao valor da própria Justiça Brasileira, o que se crê é que diante do cometimento de qualquer crime grave e querendo, qualquer Juiz pode ser Pilatos para "lavar suas mãos" diante de um alto clamor público e qualquer integrante da sociedade, Jesus ou Barrabás, para ser crucificado ou em liberdade.

Uma aparente "nova tendência punitiva" aponta que o destino dos acusados que se tornam "celebridades midiáticas" dependerá, e em muito, do "clamor público", a vox populi.


Notas de Referências

  1. HERKENHOFF, João Baptista. Como Aplicar o Direito. Ed. Forense, 4 ed., revista, ampliada e atualizada de acordo com a Constituição de 1988 e leis posteriores, Rio de Janeiro, 1999, p.9.
  2. QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal – Introdução Crítica, Ed. Saraiva, São Paulo, 2001, p. 23-24.
  3. JAKOBS, Günter. Apud GOMES, Luiz Flávio. Recursos no processo penal. Princípio da taxatividade. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 17 abril. 2008, acessado em 28.09.2008.
  4. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Ed. Revista dos Tribunais. 4 ed., revista atualizada e ampliada, São Paulo, 2008, p. 88-89.
  5. BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Ed. EDIPRO – Edições Profissionais Ltda., 3 ed. revista, São Paulo, 2005, p.45-46.
  6. Idem, ibidem, p. 585.
  7. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Ed. UnB, 11 ed. Brasília/DF, 1998, p. 851.
  8. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Ed. Forense. 18 ed. Rio de Janeiro, 1999, p. 329.
  9. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 106742 / SP, Quinta Turma, Julgamento em 27/05/2008, Acórdão publicado no DJ em 23/06/2008.
  10. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal). http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf, acessado em 29.09.2008.
  11. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. v. 1, Parte Geral, Ed. Impetus, Rio de janeiro, 2008, p. 6.
  12. SILVA, Marisya Souza e. Crimes Hediondos & Progressão de Regime Prisional. Ed. Juruá, Curitiba/PR, 2007, p.135.
  13. GOMES, Luiz Flávio. Caso Isabella: processos midiáticos, prisões "imediáticas". Disponível em http://www.iuspedia.com.br, 09 maio. 2008. Acessado em 30.09.2008.
  14. Segundo a Bíblia Cristã (Novo Testamento, João 18:38-40), Barrabás era um bandido conhecido por sua crueldade.
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Sobre o autor
Fernando Cândido Stellato Ribeiro

Soldado do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal - UDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fernando Cândido Stellato. O clamor público nas prisões preventivas: Cristo ou Barrabás?: Uma análise jurídica que adentra no campo da dogmática cristã referente ao paradigma do caso Isabella Nardoni. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1992, 14 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12082. Acesso em: 19 abr. 2024.

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