RESUMO
No presente estudo, tomou-se como ponto de partida o art. 1.641, II, do Código Civil, que trata do regime de separação de bens obrigatório ao maior de 60 (sessenta) anos, onde está alojada a essência do conflito normativo que se demonstrará ser inconstitucional. Contudo, a despeito dessa inconstitucionalidade, o objetivo geral consiste em demonstrar o caráter discriminatório dessa diferenciação que se consegue perceber ter sido estabelecida pelo diploma civil brasileiro, afrontando aos princípios e normas constitucionais. Na doutrina, utilizou-se como ilustração do que se quer demonstrar, o flagrante identificado na divergência do pensamento doutrinário, utilizando como referência as palavras de Sílvio de Salvo Venosa e, como entendimento contraposto, o pensamento de Silvio Rodrigues. Com isso, buscou-se pesquisar e estudar a norma positiva, comparando-a com a doutrina e jurisprudência pátrias, para que se consiga conhecer o real grau de violação a que se expôs o direito do sexagenário de escolher o próprio regime de bens que adotará, ao se casar. Para isso, cuidou-se de analisar algumas conseqüências e repercussões desse veto normativo, de forma que seja possível avaliar as implicações práticas que trarão ao indivíduo capaz que – apenas por contar com mais de 60 (sessenta) anos – teve ceifado direitos que deveriam ser limitados tão somente quando da sua incapacitação civil absoluta, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade civil apenas pelo implemento da idade. E, para se demonstrar como patente a questão da inconstitucionalidade da proibição pela escolha do regime de bens, evidenciou-se a desigualdade de direitos, através da demonstração do comparativo que se buscou tecer para que se reconheça quão abusiva vem a ser tal restrição que o Código Civil estabelece: ao proibir o direito de escolha pelo regime de bens a ser adotado por um sexagenário, quando do seu casamento, em contraponto à liberdade preservada para que ele possa votar, trabalhar, doar, testar e até mesmo adotar, sem que lhe sejam impostos quaisquer vetos etários para tanto.
Palavras-chave: Casamento de sexagenários. Regime obrigatório de bens. Discriminação por idade. Restrição de direitos.
SUMÁRIO:1- INTRODUÇÃO; 2- Garantia constitucional básica: igualdade de direitos; 3- Breve histórico SOBRE a revisão do Código Civil de 1916; 4- O casamento e os regimes de bens; 4.1- O CASAMENTO; 4.2 OS REGIMES DE BENS; 4.2.1- O pacto antenupcial; 4.2.2- O regime de comunhão parcial de bens; 4.2.3- O regime de comunhão universal de bens; 4.2.4- O regime de participação final nos aqüestos; 4.2.5- O regime de separação de bens; 4.2.5.1- O regime obrigatório de separação de bens; 5- regime OBRIGATÓRIO de SEPARAÇÃO DE bens. O CARÁTER DISCRIMINATÓRIO NA SUA APLICAÇÃO; 6- escolha do regime de bens em RAZão da IDADE; 6.1- limitação etária E CAPACIDADE CIVIL; 7- DIREITOS PRÓPRIOS DO GOZO DA CAPACIDADE CIVIL PLENA; 7.1- O SEXAGENÁRIO E O DIREITO DE VOTAR, TRABALHAR, DOAR, TESTAR E ADOTAR ; 7.1.1- O voto; 7.1.2- O trabalho; 7.1.3- A doação e o testamento; 7.1.4- A adoção; 8- CONCLUSÃO; rEFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
A história mostra que, quando da formação dos primitivos núcleos humanos, viver em sociedade principiou-se como tarefa no mínimo delicada. Enquanto isso, nos dias atuais, o que se poderia dizer da vida em sociedade é que certamente seria reconhecido como hábito de provável impossibilidade de não ser exercitado. Afinal, dentro dessa atualidade, pode-se arriscar afirmar quanto à improvável existência de algum indivíduo que, estando gozando de sua plena capacidade civil e liberdade penal, tenha conseguido viver afastado do convívio social.
Sobre isto, pede-se venia para a transcrição de pequeno trecho de trabalho monográfico, a despeito de ainda não publicado [01]:
Sempre que se elabora estudo que verse sobre tema extraído do Direito, de logo se mostra indispensável a lembrança do conceito básico de que onde há sociedade, há direito (ubi societas, ibi ius) e da verdadeira e indissociável recíproca de que onde há direito, há sociedade (ubi ius, ibi societas) [02]. Afinal, a história da humanidade fundiu os conceitos de sociedade e direito de tal forma que esse grau de enraizamento somente poderia ser desfeito acaso deixasse de se mostrar presente a configuração do conceito pleno de sociedade – o que, decerto, mostra-se fato improvável, na contemporaneidade dos dias atuais.
Quando o homem vive isolado dos seus semelhantes faz com que inexista a configuração da formação sociológica e política de sociedade. Um homem só, é só um ser; mas vários homens em convívio representam um ser social, que com-vive com outros.
E, como não poderia ser diferente, é dentro desse ambiente social, nessa sociedade, que se inclui a população civil de um Brasil que conta com extensos cinco séculos de mazelas e vícios políticos, culturais e sociais, além das reiterações nos erros na condução do que se apresentou como soluções para essas questões; enquanto isso, em contrapartida, o brasileiro é um povo que tem parcos qüinhentos e sete anos de história e tradições.
Nesse espaço de tempo – diminuto, se comparado à contagem dos milhares de anos ostentados por outras várias civilizações que coabitam o mesmo planeta – este país deixou de ser uma massa única de floresta tropical e passou a ser Colônia de Portugal, transformou-se em Império e, finalmente, a atual República de um Estado Democrático de Direito; mas, nem por isso, não se pode esquecer que também sofreu, em recente história, os horrores de uma ditadura militar. E, nesse compasso, ao longo dessa ainda curta história vive-se já a oitava Constituição Federal, enquanto que, em menos de um século, já no segundo Código Civil, e além disso se dispõe de um quase incontável elenco de normas infraconstitucionais.
Contudo, apesar de toda a segurança jurídica que o Direito procura hoje apresentar e assegurar à sociedade, ainda não se pode negar a existência de algumas sombras e resquícios discriminatórios que se consegue vislumbrar pelas entrelinhas do quotidiano. Por exemplo, sabem todos que racismo é crime, inclusive inafiançável e imprescritível [03], e ainda assim é comum que se presencie cenas de discriminação explícita ou, mais comumente, de preconceito disfarçado.
Ainda que não seja penalmente punível com a mesma severidade prevista para os crimes de racismo, incorrer na infração de quaisquer das outras formas de discriminação instituídas no art. 3º da Constituição Federal também vem representar conduta reprovável.
Aliás, tão marcada foi a preocupação do constituinte em assegurar princípios e direitos fundamentais, que foram inseridos dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, por exemplo, o de "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e de garantir a igualdade entre os cidadãos, sem discriminações, quando é expresso o objetivo de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" [04].
Talvez justamente por não existir sobre os demais objetivos fundamentais assegurados no art. 3º da Constituição Federal a mesma força punitiva prevista para a discriminação pela cor, é que os demais preconceitos – como os de origem, raça, sexo e idade – são como que menosprezados, apesar de igualmente tutelados pela mesma Norma.
Entretanto, não se pode discordar que, ao menos na teoria, todos os direitos que as leis asseguram aos brasileiros são perfeitos; e isso é de tal forma que esse povo é como que mantido sob a proteção de redomas de inimaginável intransponibilidade e tem ao seu dispor diversos mecanismos de fazer valer os seus direitos.
Nessa esteira, o povo brasileiro seria um dos que teriam mais preservados todos os seus direitos fundamentais, individuais ou coletivos, os quais constam devidamente previstos a partir dos diversos artigos do Título II da Constituição Federal.
Diante desse vasto cenário, necessário se faz o estreitamento do foco para o que vem a ser a proposta do que se pretende apresentar, a qual consiste no tratamento da questão do limite etário imposto aos sexagenários, legalmente impedidos de escolher o regime de bens que adotarão ao contraírem núpcias.
Mas é de se notar, todavia, que insistentemente tem-se tentado contornar esses impedimentos, o que vem sendo frustrado pelas decisões judiciais que, de forma repetitiva, vêm conseguindo manter como regra o cumprimento da lei civil, como que a ignorar ou despistar a existência e validade da norma constitucional.
Não obstante, apesar da flagrante inconstitucionalidade que será apontada e demonstrada acerca da discriminação sobre a qual discorreu-se, é oportuno chamar a atenção para o fato de que, na tratativa que se construiu, o cerne da temática estará focado sob a égide do Código Civil Brasileiro, tomando a Constituição Federal – como alguns outros dispositivos legais – como sustentáculos de relevante importância, porém não centrais.
Decerto, não se furtou em apontar que se entendeu existir uma situação antagônica revestindo a inconstitucionalidade da restrição quanto ao regime de bens imposto para o casamento dos sexagenários – o que vem a ser, aliás, a raiz do problema acerca do tema a ser abordado.
O que constatou-se, enfim, é que, se por um lado há o realismo pulsante identificado na exteriorização da emoção presente na narrativa dos fatos desses casos, quando submetidos à apreciação do Judiciário; de outro lado, o resultado verificado mostra-se fruto da frieza judiciária com que comumente são tratados os pedidos jurídicos formulados no sentido de que esse limite seja desconsiderado.
Ressalte-se, que quando se utilizou, logo acima, a expressão frieza judiciária, não constou como objetivo fazer com que significasse a imparcialidade com a qual jamais deve deixar de serem analisados e decididos os pedidos formulados ao Judiciário. É importante salientar a intenção real quando se referiu à insensibilidade e, até mesmo, a indiferença com que vêm sendo tratadas essas questões relacionadas aos pedidos de desconsideração do caráter impositivo do regime de bens para o casamento dos sexagenários.
Identificou-se, inclusive, que é incontestável o fato de que tem-se notado a manifestação da insensibilidade e da indiferença – que sintetizou-se na expressão frieza judiciária – sendo reiteradas com freqüência superior à que seriam toleradas para excepcionais e eventuais casos de decisões permeadas de atecnia, exibidas desprovidas de fundamentação ao menos razoável.
Pelo contrário, apresentando-se em meio a uma inversão de valores que preocupa, percebeu-se que, em verdade, cada vez menos comuns vêm sendo os casos de decisões que conseguem ser dignamente permeáveis aos princípios éticos e em observância às necessidades particularizadas de cada indivíduo, possibilitando que os limites da proibição legal à escolha nupcial do regime de bens dos sexagenários seja ao menos flexibilizado, o que somente seria possível analisando-se caso a caso; e não se engessando, através de texto normativo genérico e discriminatório, a imposição de restrição que fere aos preceitos de igualdade defendidos.
No entanto, contrariando-se as exigências de particularização que deveriam ser preservadas quando da aplicação da norma positivada, o limite legal impede aos sexagenários de exercer sua capacidade civil, a qual somente não é reconhecida como plena para essa única decisão ao longo de suas vidas.
Decerto sempre deverá existir imparcialidade do julgador. E como toda ciência, a do Direito deve também estar envolta pela redoma do isolamento às contaminações externas que interfiram nocivamente no procedimento científico. Esse isolamento, no caso em específico da ciência jurídica, seria de caráter moral e capaz de garantir a isenção e imparcialidade com que se esperaria assegurar a ética do resultado.
Para que seja garantido que se chegará à justiça e eqüidade das decisões, a redoma não apenas necessitará ser translúcida, como também não poderá ser hermética, pois que, Direito não é ciência que sobreviva sem se interrelacionar com outras ciências.
Deve, ainda, ser possível a penetração do direito consuetudinário no mesmo ambiente onde não se pode admitir o domínio onipotente do direito positivado. Há que apenas proteger-se o julgador com a isenção moral – pois é a conduta que dele se esperaria –, estando este obrigado a se cercar de cuidados para que se mantenha isento de ser contaminado e influenciado por elementos externos nocivos à ética jurídica que deve permear e nortear todo o processo.
Com esse entendimento – e ressaltando que, neste presente estudo, preocupou-se em específico com a questão do limite etário imposto aos sexagenários, legalmente impedidos de escolher o regime de bens que adotarão ao contraírem núpcias – orientou-se o estudo sobre A Restrição Quanto ao Regime de Bens para o Casamento dos Sexagenários para o seu desenvolvimento, quando se dedicou uma maior atenção na análise de algumas questões que se interrelacionam com o tema central, em específico, da abordagem acerca do fato de que, a despeito de todas as situações previstas em quaisquer textos legais, onde não existe qualquer outra limitação etária específica ao sexagenário, o Código Civil estabelece taxativamente no art. 1.641, II, que a pessoa com mais de 60 (sessenta) anos, ao se casar, não poderá adotar outro regime patrimonial que não o de separação de bens [05].
Apresentou-se para análise, por exemplo, o fato de que mesmo existindo herdeiros legítimos ou necessários, pessoas com mais de 60 (sessenta) anos podem, em vida, fazer doação de parte de seu patrimônio para qualquer desconhecido, estranho à linha sucessória. Como poderão também fazer valer sua vontade após sua morte, em testamento. Para tanto, basta apenas que seja respeitada a cota limite de até 50% (cinqüenta por cento) do seu patrimônio, além de algumas outras restrições impostas pela lei; entretanto, nada que se relacione às limitações quanto a idade, independentemente de ser o indivíduo maior de 60 (sessenta) anos. Inclusive, é importante observar que inexistindo herdeiros legítimos ou necessários, poderá o sexagenário até mesmo dispor de todo o seu patrimônio, livremente.
Aventou-se também acerca da possibilidade efetiva das pessoas com mais de 60 (sessenta) anos terem deferido um pedido de adoção. Afinal, para que esta seja possível, basta que sejam observadas as restrições que a lei estabelece indistintamente a quaisquer indivíduos, como a idade mínima de 18 (dezoito) anos para o adotante [06] e diferença mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado [07]. Mas, em todo o ordenamento jurídico pátrio ora em vigor, não se conseguiu localizar a existência da manifestação de qualquer tipo de restrição legal diferenciada, em função da limitação na idade máxima limítrofe para adoção, independentemente desta se referir ao adotante ou ao adotado.
E será com esse propósito – o de evidenciar que o veto legal imposto pelo Código Civil ao sexagenário é pautado em argumento discriminatório, representado pela idade do indivíduo, e não a sua capacidade civil – que demonstrou-se que se está diante de uma situação de ausência de sintonia: de um lado, teria-se a submissão à imposição discriminatória constante do diploma civil; de outro, a história de luta do povo brasileiro para conquistar, manter e ampliar direitos como indivíduos, como cidadãos, o que é traduzido pela história das Constituições brasileiras que é intensa, extensa e caracterizada por uma notada diferenciação no processo histórico e político ao qual foram submetidas.
E, por fim, concluiu-se por demonstrar que, apesar de justificada como sendo para proteção do idoso, entendeu-se que essa restrição é questionável; primeiramente por ferir princípio e direito constitucional, afrontando a igualdade de direitos e a dignidade da pessoa humana, fazendo-se necessária a demonstração de que se trata de restrição discriminatória; e, segundo, porque entendeu-se que não coaduna com a liberalidade e acessibilidade a outros tantos direitos que ao mesmo sexagenário são assegurados.
2 Garantia constitucional básica: igualdade de direitos
É comum vê-se e, ato-contínuo, disfarçar-se a externalização de nota de censura quando, muitas vezes, o brasileiro flagra a si mesmo em situação ou comportamento que o caracterizam como um povo que não tem memória. Na verdade, a auto-censura que ele faz – ou, ao menos, deveria fazer – diz respeito a memória seletiva que, convenientemente, escolhe o que será guardado, num processo de definição pela preferência por fatos, atos e dados que julga valer a pena guardar. Ou, o que é mais comum, censura isso apenas nos outros, porque quem vê esse defeito no outro, em geral, não se reconhece assim; afinal, indivíduos assim costumam ter a presunção de acreditar saber valorizar e guardar tudo, sentindo-se perfeito – exceto por essa "imperceptível" falha na sua auto-crítica.
Mas, dentre tantos temas sobre os quais o brasileiro se orgulha de ficar registrado na memória popular, existe um, em especial, que apresenta uma particularidade: sua história de luta para conquistar, manter e ampliar direitos como indivíduos; como cidadãos. E isso, como dito na introdução desse trabalho, vem a ser traduzido pela intensa e extensa história das Constituições brasileiras, caracterizada por uma marcada diferenciação no processo histórico e político ao qual foram submetidas.
É de notar que não consta do objeto do presente estudo um aprofundamento acerca dos processos constitucionais dos quais resultaram as várias Constituições. Ainda assim, é interessante que se apresente um sucinto histórico, quando pode-se iniciar lembrando que a história constitucional brasileira tem início com a Carta Imperial de 1824, originada de ato do então Imperador, D. Pedro I. Além da Constituição de 1824, também as de 1937, 1967 e a Emenda Constitucional nº 01/1969 foram outorgadas, impostas ao povo pelo arbítrio da época, sendo elaboradas e estabelecidas sem qualquer participação popular [08].
A segunda Constituição Brasileira foi a primeira das Republicanas, promulgada em 1891 e, por orientação do baiano Ruy Barbosa [09], adotou o modelo da Constituição norte-americana, fazendo surgir a República dos Estados Unidos do Brazil, estabelecendo-se a forma federativa de governo.
Foram também promulgadas as de 1934, 1946 e de 1988, todas Constituições democráticas, fruto do trabalho de Assembléias Nacionais Constituintes – estas, instituídas pelo Poder Constituinte Originário –, compostas por representantes eleitos pelo povo com a finalidade específica de suas elaborações [10].
E desde mesmo a primeira Constituição que em todas elas, independentemente de terem sido outorgadas ou promulgadas, ficou consignada a determinação de ser assegurada a igualdade entre os indivíduos, o que se mantém no art. 5º, caput da atual Constituição, onde há a previsão de que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" [11] e que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" [12]. Enfim, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil está a dignidade da pessoa humana [13].
É certo, também, que há muito o homem vem buscando meios de igualar os direitos dos indivíduos. Sobre a questão da igualdade, vale a lembrança do inigualável Ruy Barbosa, que conseguiu sintetizar a essência da lição de Aristóteles: tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam [14]:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Justamente por isso, pela dificuldade que se encontra nas talvez incontáveis tentativas de se igualar direitos, é que todas as medidas já adotadas ainda se mostram insuficientes, vez que a discriminação e o tratamento desigual persistem.
Na verdade, a discriminação e o tratamento desigual ainda espreitam pelas frestas das várias formas que vêm sendo encontradas de coibir as desigualdades individuais e sociais, como a igualdade de direitos entre homens e mulheres, que é reconhecida internacionalmente através da Carta das Nações Unidas [15] da ONU-Organização das Nações Unidas, de 1945; e na Declaração Universal dos Direitos Humanos [16], firmada em 1948 e também resultado do empenho da ONU; ou ainda a própria proteção Constitucional que, a despeito de ser norma geral de caráter interno – não tendo, portanto, o alcance internacional dos dispositivos retro elencados – é de longe o mais importante dispositivo vigente no ordenamento jurídico pátrio.
Apesar disso, pelo princípio da especialidade – segundo o qual a lei especial se sobrepõe à norma geral, naquilo que com ela conflitar – não haveria ilegalidade em uma norma específica trazer disposições próprias, as quais seriam reconhecidas como válidas. Trata-se de princípio de hermenêutica, pelo qual a norma especial afasta a norma geral no que diz respeito à questão específica, dentro do conceito do velho brocardo: lex speciali derogat generali [17].
Assim, convém seja lembrado que, além dos direitos assegurados pela norma geral consubstanciada na Constituição Federal, dispõe-se ainda do Código Civil e de norma especial, representada pelo Estatuto do Idoso [18], sobre os quais, oportunamente, far-se-á referência específica.