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A restrição quanto ao regime de bens para o casamento dos sexagenários

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21/12/2008 às 00:00
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7 DIREITOS PRÓPRIOS DO GOZO DA CAPACIDADE CIVIL PLENA

A partir desse ponto, exercitou-se a utilização do caminho que se optou por seguir para demonstrar a arbitrária intervenção do Estado nos limites privados dos indivíduos, quando lhes foi retirado o livre arbítrio de fazer escolhas de caráter estritamente pessoal.

Assim é que se buscou demonstrar a interrelação existente entre a capacidade civil plena do sexagenário, com alguns direitos próprios de quem goza dessa prerrogativa legal.

E, não obstante, sem necessitar de grande esforço ou maior aprofundamento na pesquisa, percebeu-se que muitos são esses direitos, os quais estão devidamente previstos em diversas cláusulas de vários estatutos. E mais: que qualquer indivíduo terá assegurado direitos plenos e incondicionais, podendo ser argüidos por qualquer um, desde que dotado de capacidade para fazê-lo ou venha a ser representado por quem esteja apto e autorizado para tanto.

Constatou-se, ainda, que quem goza da capacidade civil plena somente a verá questionada em situações específicas, as quais foram acertadamente cercadas de rigorosas precauções legais, a exemplo da interdição.

Então, por mais poderes que possam ser conferidos a uma norma, não se pode reconhecê-la aplicável, eficaz, se ela objetivar extinguir um direito, ainda mais este sendo um direito assegurado pela Lei da República [67].

Além do mais, haveria a iminente ameaça de se colocar em risco a base em que foi erguida a estrutura democrática do Estado Democrático de Direito, o qual tem como norma que cuidará de assegurar a manutenção dessa garantia, a maior de todas: a própria Constituição Federal – que, contudo, teve seus preceitos constitucionais fundamentais contrariados por um Código Civil que, como agravante, entrou em vigor justamente após conhecer dos princípios igualitários constitucionais.

7.1 O SEXAGENÁRIO E O DIREITO DE VOTAR, TRABALHAR, DOAR, TESTAR E ADOTAR

Com essa visão panorâmica do cenário proposto, buscou-se estreitar o ângulo, focando-se nas ilustrações que se seguirão, quando se tomou por exemplo apenas alguns direitos dentre os muitos que se mantêm legalmente preservados, também aos sexagenários: votar, trabalhar, deixar testamento, doar bens e adotar pessoas.

7.1.1 O voto

É notório que o voto é, ao mesmo tempo, um direito político usufruído e um dever civil ao qual se submetem todos os brasileiros civilmente capazes, estando na Constituição a previsão de sua obrigatoriedade [68], tal e qual consta assegurado seu direito [69].

Tanto o alistamento eleitoral como o voto são obrigatórios para os maiores de 18 (dezoito) anos, exceto se o indivíduo tiver a incapacidade civil absoluta reconhecida, o que determinará a perda dos direitos políticos, vez que o direito de exercê-lo é assegurado somente aos civilmente capazes.

No entanto, não se conseguiu identificar qualquer previsão legal acerca da idade máxima à qual estaria limitado o direito do indivíduo votar; enquanto que, por sua vez, o mesmo não se pode dizer quanto à obrigatoriedade do dever cívico do voto, que deverá ser cumprido até que o cidadão tenha atingido a idade a partir da qual é facultado ao idoso o exercício do direito ao voto, o que somente se dará depois de ter completado setenta anos [70].

Em síntese, poderá o idoso, se assim o quiser, exercer livremente o seu direito de votar até quando bem entender, ocasião em que a obrigação cede espaço à faculdade, ao livre arbítrio de decidir se irá ou não fazer uso desse direito; mas não o verá extinto, pois cuidou a Lei de deixar ao seu critério exclusivo a decisão sobre o assunto, bastando que demonstre preservada a sua capacidade civil plena.

7.1.2 O trabalho

É sabido que, como regra geral, "é proibido qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos" [71], considerando-se menor o trabalhador com idade entre 14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos [72]. E deve-se ainda considerar o previsto na legislação específica, a qual prevê que a aposentadoria por idade será devida ao segurado que completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta, se mulher [73].

Mais adiante, o art. 51 da mesma norma regula a aposentadoria compulsória, a qual pode ser requerida pela empresa e ocorrerá – desde que observados alguns requisitos – nos casos em que o empregado tenha cumprido o período de carência e completado setenta anos de idade, se do sexo masculino, ou sessenta e cinco anos, se do sexo feminino [74].

Há também a previsão constitucional para a aposentadoria compulsória aos setenta anos para o servidor público [75]. Com isso, tanto ao empregado vinculado à iniciativa privada como ao funcionário público fica estabelecido o limite etário de setenta anos para a compulsoriedade na sua aposentadoria.

Entretanto, a despeito disso, é assegurado pelo seu Estatuto que, "na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir" [76].

Como se vê, o que de fato existe é a possibilidade de ser o idoso aposentado compulsoriamente – desde que seja essa compulsoriedade argüida; mas absolutamente não há qualquer veto ao exercício de atividade profissional, em função da idade máxima do indivíduo, consistindo como única proibição expressa, exclusivamente, a idade mínima de 14 (quatorze) anos que deverá ter o menor para poder passar a exercer legalmente as atividades profissionais, desde que como aprendiz e conforme definido pelo art. 403 da Consolidação das Leis do Trabalho [77].

Fica evidenciado, então, que tanto a faculdade do indivíduo escolher o momento em que não mais irá exercer o seu direito ao voto, como o que a Lei entende como conveniente para que seja compulsoriamente aposentado se dá aos setenta anos; e não apenas aos sessenta.

E quanto a questão da inexistência de limite etário máximo para desempenho de atividade profissional, colacionou-se recente jurisprudência emanada do TRF-Tribunal Regional Federal da 2ª Região, da lavra do Desembargador Federal Paulo Espírito Santo [78]:

CONSTITUCIONAL - PILOTO SEXAGENÁRIO - VÔOS DOMÉSTICOS - ATIVIDADE ASSEGURADA - LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL - VÔOS INTERNACIONAIS - IMPOSSIBILIDADE - CONVENÇÀO DA QUAL O BRASIL É SIGNATÁRIO - SENTENÇA MANTIDA. - A fixação de limite de idade para qualquer profissão, somente tem validade se fixada por lei e não por atos administrativos. No mais, tal ato constante do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica nº 121/88, é ilegal, posto que, a capacidade do piloto deve ser aferida por exames técnicos e médicos realizados periodicamente pelo Departamento de Aviação; - A restrição para pilotar aviões aos profissionais com mais de sessenta anos de idade, abrange somente as aeronaves que praticam vôos internacionais, não podendo a mesma ser estendida através de mero regulamento, aos vôos domésticos e à co-pilotos internacionais. Assim, o exercício da referida profissão do piloto, deve apenas ficar condicionado aos exames periódicos de habilitação técnica e de saúde, e não pelo fato de se completar a idade de 60 anos.

(Os grifos não constam do original)

Restou patente que quando a 5ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região proferiu sua decisão, à unanimidade, deixou claro seu entendimento acerca do assunto, determinando que não é a idade registrada no documento civil de um indivíduo que servirá como causa determinante da sua incapacidade civil e, portanto, que qualquer norma que ferisse direitos e princípios resguardados pela Constituição Federal se mostraria em desacordo com os preceitos normativos fundamentais.

7.1.3 A doação e o testamento

Enquanto a doação representa uma forma de "contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra" [79], que os aceita, compreendendo uma das várias espécies de contratos prevista no diploma civil, portanto inserida no Direito das Obrigações; o testamento, por sua vez, está previsto no Direito das Sucessões, a partir do art. 1.857 do Código Civil [80], consistindo em ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo norma jurídica, dispõe no todo ou em parte de seu patrimônio para depois de sua morte – devendo o testador observar a legítima dos herdeiros necessários – ou também determinando providências de caráter pessoal ou familiar.

É de se notar que, em comum, a doação e o testamento têm o fato de que são direitos que se apresentam indissociáveis do patrimônio do doador ou testador e que ambos são atos que refletem sua vontade.

Mas há ainda outro ponto importante que merece ser ressaltado sobre a doação e o testamento. Diz respeito ao fato de inexistir no ordenamento jurídico pátrio norma ou princípio jurídico capaz de impedir alguém, unicamente em razão de idade avançada, de doar seus bens ou deixá-los em testamento a quem quer que seja, independentemente de haver ou não relação biológica ou civil; ou envolvimento afetivo ou ainda que apenas carnal.

No caso do testamento, basta que o testador não deixe de observar a legítima dos herdeiros necessários. Já no que se refere à doação, poderá o proprietário dos bens inclusive fazer a doação de ascendente para descendente ou para o outro cônjuge, quando importará em adiantamento do que lhes cabe por herança [81]; e vez que no Código Civil [82] é flagrante a omissão quanto ao dever de colacionar os bens doados pelo companheiro, autor da herança, em favor do outro, admite-se possível fazer a doação ao parceiro, antes ou durante o concubinato; e poderá a doação ser feita, ainda, até mesmo no decurso de um relacionamento passageiro que reúna todos os usuais ingredientes de uma aventura amorosa; como também poderá a doação ser feita a quem quer que seja, obedecendo unicamente à inteira e exclusiva vontade do doador, sem absolutamente qualquer restrição legal quanto a existência ou não de grau de parentesco do beneficiário.

Considerando toda essa amplitude que a lei faculta ao doador, quando decide doar seus bens este somente deverá observar que será tida como nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a sua subsistência [83], como é também nula a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento [84].

De resto, qualquer outra decisão que tomar, no que se refere a quanto, como, quando e a quem doar seus bens, será plenamente reconhecida como lícita e, em regra, impossível será sua anulação, conforme entendimento ratificado por meio da jurisprudência originada do Egrégio STJ-Superior Tribunal de Justiça, do qual pede-se venia para transcrição de trechos de relevante interesse para o que se quer demonstrar [85]:

"DECISÃO. Vistos. Luís Felipe Silva Bahima e outro ingressam com agravo regimental inconformados porque não conheci do agravo de instrumento ante à ausência do traslado da certidão de publicação da decisão agravada.

Alegam os agravantes que a referida peça fez parte do traslado.

Compulsando novamente os autos, verifico que à fl. 84 consta a certidão de intimação pessoal do advogado subscritor da petição de agravo quanto ao teor da decisão que não admitiu o recurso especial (fls. 82/83). Sendo assim, reconsidero a decisão ora agravada e passo ao exame do agravo de instrumento.

Trata-se de agravo interposto para dar seguimento a recurso especial assentado em contrariedade aos artigos 230, 258, II, e 312 do Código Civil [de 1916].

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Insurge-se contra o acórdão assim ementado:

"ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312 do Código Civil de 1916 veda tão-somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta no inciso II do art. 1.641 do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do Código Civil de 1916, é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. Apelo, à unanimidade, desprovido no mérito, e, por maioria, afastada a preliminar de incompetência, vencido o Em. Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves" (fl. 295).

A tese recursal é no sentido de que nula a doação do imóvel feita de um cônjuge ao outro no período em que casados sob o regime de obrigatória separação de bens.

O acórdão entendeu válida a doação, também considerando que "há provas nos autos apontando a união estável entretida entre eles antes do casamento, não sendo possível, todavia, precisar o termo inicial da relação. As fotos acostadas, as cartas enviadas às filhas da recorrida, os cartões de amor, demonstram a existência da relação havida (fls. 30/43), o que o posterior matrimônio só fez corroborar" (fls. 299/300). Esse entendimento não sofreu impugnação no recurso especial, restando incólume.

Ademais, dispôs o Tribunal que:

"(...) O parágrafo terceiro do art. 226 da Constituição Federal, ao consagrar como entidade familiar a união estável, destaca o interesse do Estado na sua conversão em casamento ao dispor que ''...é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento''.

Sendo este o espírito da Lei Maior, a formalização da união estável pelo casamento deve trazer benefícios do ponto de vista jurídico, e não prejudicar os cônjuges, obstaculizando eventuais doações. Nestes termos, caso os conviventes não tivessem convolado núpcias e permanecido vivendo em união estável, não haveria qualquer vedação legal para esta liberalidade, sem falar, que também o falecido poderia ter testado à apelada o referido bem, tanto que deixou o remanescente de sua parte disponível para ela (fl. 135).

(...) A imposição de um regime obrigatório de bens com fulcro no malfadado argumento de que ''... já passaram da idade, em que o casamento se realiza por impulso afetivo'' (Clóvis Bevilaqua in Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, vol. II, 10ª edição, editora Paulo de Azevedo Ltda, ano 1954, RJ, p. 132), viola, inclusive, o princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal. Neste sentido, o art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948), ao dispor que ''todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade''.

(...) a Constituição é a norma hipotética fundamental validante do ordenamento jurídico, da qual a dignidade da pessoa humana é princípio basilar vinculado umbilicalmente com os direitos fundamentais. Portanto, tal princípio é norma fundante, orientadora e condicional, tanto para a própria existência, como para a aplicação do direito, envolvendo o universo jurídico como um todo.

Nestes termos, não há como cogitar da recepção do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916, pela Constituição Federal, assim como da constitucionalidade do art. 1.641, inciso II, do atual Código Civil" (fls. 300/314).

Como se vê, o acórdão possuiu fundamento constitucional suficiente a sua manutenção. Não consta dos autos, contudo, ter sido interposto o competente recurso extraordinário, o que atrai a incidência da Súmula nº 126/STJ, verbis:

"É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário."

Do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. Intime-se.

(Os grifos não constam do original)

Graças à indiscutível clareza emprestada à sua fundamentação, a decisão acima aponta a inaceitável infração à regra que fere aos princípios constitucionais de liberdade e igualdade entre os indivíduos e, ainda, o desrespeito para com a dignidade da pessoa humana, entendendo evidenciado a inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do Código Civil [86].

Tal descuido normativo verificado no art. 1.641, II, do Código Civil [87], além de desobediência à previsão expressa na própria Constituição Federal – como se bastante não fosse tal violação – ainda afronta ao art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos [88], onde a ONU conseguiu materializar em um texto o compromisso das Nações em observar os direitos iguais para todos e cada um dos indivíduos; dentre eles, incluindo-se os idosos.

Assim é que a imposição de um regime obrigatório de bens – com base no infeliz argumento de que os sexagenários, por já terem chegado à velhice, "já passaram da idade, em que o casamento se realiza por impulso afetivo" [89] – consiste em discriminação grosseira e preconceituosa, desprovida de sustentação prática, a qual não conseguiria ser colhida no ambiente da realidade do dia-a-dia dos indivíduos que atinge. Sobre isso, pesa ainda a agravante de que não há como deixar de se levar em consideração que é justamente nessa fase da vida em que os idosos mostram-se mais carentes por uma companhia, pois que ninguém quer estar desacompanhado quando o tempo parece não querer mais passar.

Origina-se daí a necessidade que têm de se fixarem, sem muita demora, a uma determinada companhia. Não podem desperdiçar tempo – coisa que não mais dispõem – se detendo em estabelecer critérios especiais para escolher pessoas; apenas procuram fixar-se à que melhor lhes disponibilize o que mais procuram: amparo, carinho e atenção nos momentos finais de suas vidas.

Justamente por se mostrar tão pertinente tal questão é que escolheu-se para tratar a seguir uma possível, real, legal, mas pouco comum e polêmica forma recorrida pelo idoso para conseguir companhia: a adoção.

7.1.4 A adoção

É senso comum e até mesmo que, quando se referindo à adoção, logo se faça a associação com a figura da criança como sendo a habitual candidata a adotando e, conseqüentemente, deve-se estar atento aos arts. 42 e seguintes do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente [90], onde constam as regras, condições e vetos legais sobre esse ato bilateral pelo qual alguém estabelece com outra pessoa laços recíprocos de parentesco civil em linha reta.

Dentre essas condições, por exemplo, consta no art. 42, § 3º do ECA [91] – em perfeita harmonia com o disposto no art. 1.619 do Código Civil – que "o adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho do que o adotando", percebendo-se facilmente que houve o cuidado do legislador em definir a menor diferença de idade admitida entre ambos e que, obedecendo a regra do art. 1.618 do Código Civil, sabe-se que "só a pessoa maior de 18 (dezoito) anos pode adotar", o que vem se referir à idade mínima para que possa ser válida a adoção [92].

Todavia, não se identifica, neste ou em nenhum outro dispositivo legal, qualquer restrição quanto às idades máximas que deverão ter adotante e adotado no momento de manifestação pelo interesse em adotar e pela concordância em ser adotado.

O parágrafo único do art. 1.623, do Código Civil, necessariamente combinado com a parte final do art. 1.621 [93], de forma clara chama a atenção para o fato de que "a adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva" e que "a adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar com mais de doze anos".

Justamente a respeito da inexistência de limitação etária superior para quaisquer das partes envolvidas no processo de adoção, bastando que se observe a manutenção de uma distância de pelo menos 16 (dezesseis) anos entre as idades de ambos e por referir-se a exemplo que se encaixa perfeitamente como ilustração do que se buscou com o presente estudo, transcreveu-se abaixo resumo veiculado na página oficial do STF, por se tratar de questão que é comumente encoberta pelo manto da proteção que o judiciário confere às identidades das partes, sendo incomum a veiculação oficial de informação de andamento processual como a que se segue, ipsis litteris [94]:

O Supremo Tribunal Federal arquivou hoje (11/12) o Recurso Extraordinário (RE 196434) ajuizado para discutir direito de herança. A decisão foi aprovada por maioria, vencido o presidente do STF, Ministro Marco Aurélio. O Plenário acompanhou o voto do antigo relator da ação, o ministro aposentado Néri da Silveira, e alguns ministros acolheram os fundamentos do voto do ministro Moreira Alves. Esse foi o primeiro caso envolvendo direito de família posterior à Constituição Federal a ser julgado pelo STF.

O RE foi formulado por Marina do Amaral Carvalho de Souza contra o espólio de Avelino Guedes Osório. Ele foi adotado aos 30 anos de idade por Aurora do Amaral Carvalho e herdou os bens da mãe adotiva, falecida em 1970.

A morte de Avelino, ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988, deu origem a uma controvérsia sobre quem teria direito à herança de Aurora, os parentes consangüíneos de Avelino ou os parentes consangüíneos da mãe.

Os parentes colaterais de Aurora sustentavam que a Constituição em vigor equiparou os filhos adotivos aos demais e que em conseqüência a adoção de Avelino teria sido transformada de simples em plena. Eles queriam ver declarado pela Justiça seu direito à herança deixada por Avelino e que fora recebido por ele da mãe adotiva.

De acordo com o voto do ministro Moreira Alves, a morte de Aurora do Amaral Carvalho extinguiu os efeitos patrimoniais – alimento e sucessão – decorrentes da adoção simples. Efetivado antes da Constituição de 1988, este tipo de adoção estabelece relações pessoais e patrimoniais apenas entre o adotante e o adotado, que não ingressa na nova família, permanecendo vinculado à sua família consangüínea.

O ministro Moreira disse que, ao julgar a matéria, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que mesmo em face da equiparação dos filhos adotivos com os demais, continuaria a existir no Direito brasileiro a adoção simples para adultos. A adoção plena seria apenas para as crianças e os adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

"Ainda que assim não fosse, havia no caso um ato jurídico perfeito – a adoção anterior à CF/88 – que não poderia ser alcançado pela regra da equiparação para efeito de transformá-la de simples em plena", prosseguiu o ministro Moreira Alves em relação a decisão do TJ paulista.

Para o ministro Moreira Alves, a adoção simples de Avelino não foi transformada em plena. "Se não há mais efeitos patrimoniais, se nós admitirmos que os parentes dela, adotante, venham a herdar dele, depois da Constituição de 88, estamos atingindo fatos consumados, porque esses fatos se consumaram no passado. Não há mais efeito futuro a ser alcançado pela aplicação imediata da Constituição," votou Moreira Alves.

"O falecimento de Aurora produziu todos os efeitos patrimoniais ao seu devido tempo a favor de Avelino. A partir de então, a sua sucessão – a dele – se rege pelas normas que privilegiam a consangüinidade, ou seja, as que vigoravam quando se extinguiu a relação de adoção pela morte de Aurora", apontou a ministra Ellen Gracie.

Voto vencido, o ministro Marco Aurélio julgou que a escritura de adoção não deixou de existir com a morte da mãe adotiva. De acordo com o presidente do STF, após a promulgação da Carta de 1988, Avelino teve sua adoção transformada de simples para plena, passando a integrar plenamente uma nova família. Com a morte dele, seus herdeiros são os integrantes da família adotante.

(Os grifos não constam do original)

Conforme informado pelo texto acima, o adotado não era criança ou mesmo adolescente, quando da confirmação da adoção; mas sim um homem já maduro, contando com 30 (trinta) anos de idade à época em que fora beneficiado com o novo parentesco civil, com o qual lhe acenou sua nova mãe.

E muito embora venha se referir a processo protegido pelo segredo de justiça – em razão do que não se consegue obter maiores detalhes, inclusive quanto à idade da adotante – diz expressamente a norma [95] que "o adotante há de ser pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado", o que significa que a mulher que se habilitou como a mãe civil desse homem de 30 (trinta) anos, sem qualquer possibilidade de erro, era uma pessoa com, no mínimo, 46 (quarenta e seis) anos de idade.

Todavia, independentemente de não ser possível acesso a outras informações acerca desse processo, pode-se também reafirmar que nos casos de adoção inexiste norma capaz de estabelecer limitação para a idade máxima, da mesma forma que – por absolutamente se desconhecer outros detalhes do processo, além dos revelados nessa publicação que o Supremo Tribunal Federal permitiu conhecer – ignora-se os motivos que teriam levado uma mulher madura a adotar homem em idade já bastante afastada da infância ou adolescência.

Com os cuidados necessários para que seja evitado o incômodo de se fazer referências ou comparações que possam vir a ser eventualmente questionadas como difamatórias, imagina-se que – não necessariamente nesse, mas sim em qualquer outro processo – a adoção mostra-se, efetivamente, como uma forma legalmente reconhecida de fazer com que exista uma inquestionável e definitiva confirmação de direitos sucessórios do adotante para com o adotado.

E diante do mais absoluto silêncio normativo quanto ao que se refere à relação de adoção que envolva mutuamente pessoas adultas e civilmente capazes, tanto no papel de adotante [96] como no de adotado, independentemente das suas idades, desde que observadas as condições estabelecidas pelos demais artigos do Capítulo IV do Código Civil [97], pode-se conduzir o pensamento para esta – ao lado da doação e do testamento – que se insinua como uma possibilidade real de um sexagenário encontrar uma possível solução que se apresente válida para todos os efeitos legais, fazendo valer a sua vontade quanto ao seu patrimônio.

Ressalte-se, contudo, que mesmo em geral se apresentando como um indivíduo que naturalmente busca por amparo, carinho e atenção, não significa que o sexagenário se contentaria com uma relação desprovida de afeição.

Convém reconhecer que o idoso, mais até do que pessoas de outras idades, tem maturidade e experiência suficientes para saber discernir e priorizar o que sente, o que quer e o que precisa. Evidente que tanto é capaz de instintivamente buscar companhia quando se sente sozinho, como o é de sentir afeição, carinho ou uma das muitas formas de amor; ou seja, sentimentos plenamente possíveis de se manifestarem por meio de impulso emocionais, afetivos.

E tudo isso ora poderia querer significaria a evolução hitórico-cultural do homem, que passou a não mais querer disfarçar seus anseios, ousando assumi-los perante a sociedade que antes lhe inibia que manifestasse suas emoções, ações e até mesmo argüisse seus direitos; como também seria possível que fosse traduzido como o reflexo da evolução da qualidade de vida que beneficia a esperança de vida ao nascer [98] do brasileiro que, em 2004, atingiu 71,7 anos (71 anos, 8 meses e 12 dias), conforme verificou-se da análise de pesquisa acerca da expectativa de vida do brasileiro, realizada e divulgada pelo IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [99]:

Indicador ficou acima do calculado em 2003 (71,3 anos).

Desde 1980, o País viu sua taxa de mortalidade infantil cair mais de 60%, até chegar a 26,6 óbitos por mil crianças com menos de um ano de idade. Essas são algumas das informações demográficas contidas na Tábua de Vida de 2004, do IBGE. Nesse ano, as mulheres continuavam a ter, em média, uma expectativa de vida superior à dos homens e os jovens tinham seis vezes mais chances de morrer do que as mulheres jovens, principalmente devido às mortes por causas externas. Em 2004, a esperança de vida ao nascer no Brasil alcançou os 71,7 anos (71 anos, 8 meses e 12 dias). Em relação a 2003 houve um acréscimo de 0,4 ano (4 meses e 24 dias). Entre 1980 e 2004 a expectativa de vida do brasileiro experimentou um acréscimo de 9,1 anos, ao passar de 62,6 anos, para os atuais 71,7 anos. Assim, ao longo de 24 anos, a esperança de vida ao nascer no Brasil, incrementou-se anualmente, em média, em 5 meses.

(Os grifos não constam do original)

Em razão disso, afinal de contas, quem, em sã consciência, sabendo que teria uma expectativa de vida de 71,7 anos (71 anos, 8 meses e 12 dias) – a qual se alonga a cada dia, em função da crescente melhoria da qualidade de vida que vem sendo possível proporcionar ao idoso – abriria mão de direitos assegurados na Constituição, aceitando pacificamente o veto legal que lhe é arbitrariamente imposto pelo Código Civil, impedindo-o de casar-se no regime de bens de sua livre escolha, somente porque completou 60 (sessenta) anos?

Podendo optar por envelhecer acompanhado – a mais comum e normal das opções – quem abriria mão de gozar seus últimos anos ao lado da companhia pessoalmente escolhida?

Ou será que deveria o idoso simplesmente se submeter a essa proibição e aceitar envelhecer sozinho, se acaso seu pretendente se sentisse ofendido com a suspeita de que estaria apenas interessado no patrimônio do ex-futuro cônjuge? E mais: será que faz muita diferença para alguns sexagenários quais seriam as bases que lhe assegurariam companhia, ou será que para ele bastaria saber que terá companhia?

Enfim, seria possível se estabelecer o preço para uma companhia, quando ela tem o poder de evitar que se envelheça só?

Entendeu-se que não, ainda mais quando demonstrado que essa solidão não existiria por escolha de quem dela seria forçado a suportar.

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Sobre a autora
Sandra Reis da Silva

Advogada em Salvador/BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sandra Reis. A restrição quanto ao regime de bens para o casamento dos sexagenários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1999, 21 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12097. Acesso em: 26 abr. 2024.

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