A redação falha de determinados dispositivos legais tem levado juristas e principalmente as Fazendas Públicas a sustentar que o crédito tributário tem preferência sobre o crédito trabalhista nas ações falimentares.
Com efeito, o artigo 449, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelece que os salários são créditos privilegiados na falência, o que é repetido pelo artigo 102 da Lei de Falências e Concordatas (LFC).
Por outro lado, o artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais (LEF) e o artigo 188 do Código Tributário Nacional (CTN) parecem trazer em seu bojo uma preferência absoluta dos créditos tributários, que sequer precisam ser habilitados em tais procedimentos.
Ao contrário do que possa parecer, a solução do conflito entre as normas expostas não se satisfaz com a aplicação dos princípios da anterioridade e especialidade, fazendo prevalecer as leis mais recentes e específicas. Comporta, a nosso ver, uma interpretação sistemática, como doravante articulado.
Assim, ao asseverar que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, o artigo 29 da LEF apenas consignou que a Fazenda não se submete a todo procedimento pelo qual os demais credores passam para classificar seu crédito, sem que isso signifique que prescinda de disputa de preferência.
Conforme a lição de WALDO FAZZIO JR., os créditos fiscais não estão sujeitos à habilitação no juízo universal da falência, mas inserem-se na classificação para efeito de disputa de preferência com os créditos trabalhistas. (Lei de falências e concordatas comentada. São Paulo: Atlas, 1999, p. 221)
Destarte, a Fazenda Pública prescinde de prévia habilitação e, uma vez declarado seu crédito, já se sabe de antemão qual lugar ocupa na ordem de preferência de pagamentos, ou seja, o terceiro lugar (logo após as indenizações por acidente de trabalho e demais créditos de empregados).
Não é por outro motivo que a doutrina e a jurisprudência mais notáveis, notadamente o STJ, têm perfilhado o mesmo posicionamento.
Deveras, na falência, antecedem as Fazendas, na ordem de preferências, os credores trabalhistas e aqueles com título executivo judicial decorrente de indenizações fundadas no direito comum, por acidentes no trabalho pelos quais seja responsabilizada a falida. (CHIMENTI, Ricardo Cunha. et al, Lei de execução fiscal comentada e anotada. 4ª ed., São Paulo: RT, 2002, p. 395-396)
Em sintonia, o insigne ALIOMAR BALEEIRO deixou a seguinte lição: o privilégio do crédito tributário pode ser considerado absoluto, pois deverá ser pago de preferência a qualquer outro, exceto os decorrentes de legislação do trabalho, isto é, salários e indenizações, incluindo-se nestas, a nosso ver, para esse fim, também as indenizações da Lei de Acidentes do Trabalho. (Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 606)
Seria inoportuno olvidar, ademais, do respeitável escólio de RUBENS REQUIÃO, para quem esse privilégio dos créditos tributários, todavia, só cede em preferência aos créditos trabalhistas por acidentes do trabalho, por salários e por indenizações legais, cujos valores devem ser apurados no juízo e justiça especial, aos quais estão sujeitos. (Curso de Direito Falimentar. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 331)
Em decorrência, as decisões dos tribunais pátrios parecem uníssonas ao enfrentar a questão, sobretudo no STJ, valendo como exemplo o seguinte trecho extraído da ementa do acórdão proferido no Recurso Especial 450.770-RS (2002/94662-4, j. 17/12/02), cujo relator foi o Ministro Luiz Fux: o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho. (arts. 186 e 187, do CTN c.c. art. 7º, da Lei de Falências a art. 29, da Lei de Execução Fiscal).
Argumente-se, outrossim, que o próprio CTN, no seu artigo 186, faz ressalva aos créditos trabalhistas, declarando-os privilegiados, valendo lembrar que este dispositivo inaugura a seção referente às garantias e privilégios do crédito tributário (capítulo VI).
Neste diapasão, é certo que o artigo 29 da LEF não poderia sequer cogitar em sobrepor-se ao artigo 186 do CTN, já que o primeiro é lei ordinária, que não pode revogar lei complementar, como é o CTN, em consonância com a doutrina de HUMBERTO THEODORO JR. (Lei de execução fiscal. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1986, p. 76).
Ao final, interessante expor mais um argumento, desta vez de ordem constitucional, lembrando que o artigo 7º, da Constituição da República traz um rol exemplificativo de direitos do trabalhador, sendo certo que o espírito desta norma estará sendo contrariado toda vez que um crédito tributário tiver preferência sobre um crédito trabalhista.
Portanto, temos que o crédito trabalhista sempre terá preferência aos créditos tributários nas ações falimentares, sendo despiciendo sustentar tese contrária.