INTRODUÇÃO
A Administração Pública, tal qual o setor privado, deve observar o veto constitucional à adoção de critério etário desarrazoado para admissão em cargos ou empregos.
Tal regra, entretanto, não raro segue sendo violada em concursos públicos, geralmente por via oblíqua [01], qual seja, a adoção de critério etário para desempate.
A sutileza da violação indireta não a faz menos inconstitucional, motivando-nos a explicitá-la, fomentando a discussão e corroborando para que haja fiel cumprimento da Constituição, no particular, reiteradamente violada inclusive em concursos do Judiciário [02].
Alicerçando tal desiderato consideraremos inicialmente o princípio da igualdade, intimamente correlacionado ao tema.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE E VETO À DISCRIMINAÇÃO
O art. 5°, caput, da CF positiva o princípio da igualdade, proclamando igualdade de todos perante a lei, dele emergindo a compreensão sedimentada na consciência popular de que é inadmissível a discriminação, inclusive por idade, para fins de contratação.
Há outras disposições na Constituição que corroboram de forma mais específica para com tal regra impeditiva da discriminação etária (art. 7°, XXX e art. 39, §3°).
Tais preceitos, evidentemente, não têm contornos absolutos, reivindicando, ao contrário, interpretação à luz da finalidade que almejam (LICC, art. 5°): evitar a discriminação desarrazoada e ilógica, até porque também é de sabença geral que a isonomia pressupõe consideração das diferenças na esteira da conhecida afirmação de Aristóteles consoante a qual a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Bem por isso, poucos ousam sustentar ser inconstitucional a proposta de contratação restrita a pessoas mais jovens para fins de atuação em atividade que reivindique maior vigor físico (p. ex.: Polícia Militar, marcada pela atuação ostensiva).
Acontece que, conforme leciona Celso Antonio Bandeira de Mello só há como ser entendida inconstitucional uma discriminação legalmente fixada quando ela não guarde correlação lógico-racional para como o fim almejado.
Com efeito, leciona o citado doutrinador:
"... o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido como critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles." [03]
Na mesma esteira, considerando a finalidade almejada, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de acordo com o qual é possível, por lei [04], restringir o acesso a cargos públicos por requisito de idade, desde que a natureza da função o autorize [05].
Tal entendimento foi adotado pelo STF antes da EC 19/1.998 que, positivando-o expressamente, acresceu a parte final do art. 39, §3° segundo o qual é possível, quando a natureza do cargo o exigir, restringir o acesso em razão da idade.
Em síntese, o veto repousa na eleição de discrímen não justificado/desarrazoado e não na discriminação pura e simplesmente, muitas vezes efetivamente necessária.
Fixadas tais premissas, cuidemos da problemática envolta à adoção de critério etário para desempate em concursos públicos.
CONCURSO PÚBLICO – CRITÉRIO ETÁRIO DE DESEMPATE - INCONSTITUCIONALIDADE
O concurso público é instituto amplamente republicano que, além de propiciar a escolha dos mais capacitados para o desempenho da função pública (atendendo ao princípio da eficiência), materializa os princípios da igualdade e da impessoalidade possibilitando a todos a participação direta na coisa pública [06].
O interesse público por vezes justifica, dentro de certa razoabilidade, a fixação de idade mínima/máxima para acesso/desempenho de dada função, sempre por meio de lei (exegese do art. 37, I, da CF e Súmula 14 do STF) e, ainda assim, desde que tal limitação encontre razão na natureza do cargo evidenciando não se tratar de discrímen injustificado.
Já o usual estabelecimento, geralmente via edital, de critério etário para desempate entre candidatos de idêntico desempenho no concurso não tem respaldo no interesse público e não guarda razoabilidade alguma, sendo, incompatível com a CF.
Interpretação dos incisos I e II do art. 37, da CF revela que, nem por lei, é admissível ofensa ao princípio do amplo acesso aos cargos públicos, cabendo ao legislador, respeitando-o, fixar requisitos que guardem estrita correspondência para com a natureza do cargo ou emprego.
Confira-se:
"Art. 37...
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. ..".
Destarte, embora a natureza do cargo/emprego possa, quando for o caso, render ensejo à fixação razoável de limitação etária (art. 39, §3º, parte final da CF), como, por exemplo, exigência de idade mínima de 18 anos e máxima de 45 anos para ingresso nos quadros da PM [07] (contida em diversas leis estaduais), tal razoabilidade não agasalha a eleição de critério de idade para desempate entre os candidatos.
Ora, consagrados na CF tanto o amplo acesso aos cargos públicos como o veto à adoção de critério desarrazoado de idade para fins de admissão (CF, art. 7º, XXX cc art. 39, §3º), e, ainda que a lei autorize, quando caso, a fixação de faixa etária a ser observada, TODOS os candidatos compreendidos em tal faixa estão aptos à função sem que se possa estabelecer entre eles distinção em razão da idade.
Traço marcante do concurso público é a igualdade de condições entre os candidatos (CF, art. 5º, caput), princípio que macula de inconstitucional qualquer previsão de desempate por critério de idade, até porque este discrímen não tem razoabilidade entre aqueles que têm idade compatível com a faixa etária eventualmente exigida em razão da natureza especial de uma dada função.
Dito de outro modo, quando a lei autoriza a fixação de limites de idade, já o faz em exceção aos princípios do amplo acesso e da igualdade (sempre considerando a natureza da função), comportando a excepcionalidade interpretação necessariamente restritiva para que todos os compreendidos no parâmetro etário exigido tenham condições isonômicas, afinal o fato de ser mais idoso ou mais jovem não faz um candidato ser a melhor opção para a Administração.
A eleição do discrímen etário para desempate fere ainda o primado da eficiência, revelando que a Administração não priorizou critérios outros (v.g., maior pontuação nas matérias de afinidade mais estreita à função) efetivamente correlacionados com as exigências do cargo/emprego e, pois, aptos à escolha do mais capacitado.
Em síntese, cabe à Administração veicular critérios de desempate que além de não contrariarem a CF, prestigiem o concorrente de melhor aptidão sempre considerando a natureza do cargo (decorrência do princípio da eficiência – CF, art. 37, caput), abolindo as previsões de desempate por idade, assegurando o tratamento isonômico a todos os candidatos (exegese dos artigos 5º, caput, 37, caput, e inciso XXI e 39, §3º, da CF).
INOCUIDADE DE PREVISÕES EDITALÍCIAS QUANTO À CIÊNCIA E PRETENDIDA ANUÊNCIA PARA COM EXIGÊNCIAS INCONSTITUCIONAIS.
Os editais de concursos sempre prevêem que o candidato inscrito está ciente e anui às exigências neles divulgadas, inclusive a regra de desempate etário quando utilizada.
Tais previsões não têm o condão de escudar cláusulas inconstitucionais, eivadas de evidente ilicitude nos termos do CC/02, art. 166, II e VI e que são passíveis de declaração de nulidade em qualquer ação judicial, inclusive de ofício, pois é incumbência natural do magistrado aplicar/defender a CF e, nos termos do Código Civil em vigor:
Art. 168.. ..
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Da esterilidade da previsão de ciência/anuência, resulta a ampla possibilidade de questionamento, judicial e administrativo, destinado a extirpar o uso inconstitucional de critério etário para desempate em concursos públicos.
CONCLUSÕES
- A violação direta, há muito, é fortemente combatida pelo Poder Judiciário, tornando-se cada vez menos usual.
- Corriqueiramente veiculadores de critério etário de desempate como se infere dos vários editais divulgados na internet.
- Mello, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade – São Paulo: Malheiros, 3ª edição, 9ª tiragem, p. 21-22.
- Quanto ao estabelecimento de requisitos para ingresso em cargos públicos vige o princípio da reserva legal (exegese da CF, art. 37, I).
- Súmula 683 - O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
- 7 Princípio constitucional do amplo acesso aos cargos públicos - CF, art. 37, I e II. ADMINISTRATIVO – MILITAR – CONCURSO PÚBLICO – LIMITE DE IDADE – A atividade militar requer aptidões absolutamente distintas daquelas exigíveis para a grande maioria dos empregos, razão pela qual é de todo pertinente prever-se limitação de idade para o seu exercício. - Legalidade do edital, que fixa limite de idade para a inscrição no Concurso de Admissão ao Estágio de Adaptação à Graduação de Sargentos da Aeronáutica - 2005, visto que a atividade militar é de natureza especial. - Apelação e Remessa Oficial providas. (TRF 5ª R. – AC 2004.83.00.025426-0 – 1ª T. – PE – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas – DJU 10.03.2006 – p. 864).