Editada no final de 2008, a Medida Provisória nº. 449, criada pelo Governo e, desde então, tramitando no Congresso Nacional, trouxe entre suas "benesses" a concessão de remissão para determinadas dívidas existentes junto à Fazenda Nacional.
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO [01] conceitua o instituto em comento, nos seguintes termos:
"Remissão é perdão fazendário a débito tributário, como forma de extinção do respectivo crédito (art. 156, IV do CTN), evidenciada a discricionaridade da Administração Pública, excepcionando-se o princípio da indisponibilidade do crédito tributário e, conquanto decorra de situações objetivas específicas, compreenderia certa dose de objetividade."
Noutras palavras, a remissão seria uma espécie de indulto (dispensa) do pagamento dos créditos fiscais já devidamente constituídos (não aplicável a débitos não lançados pela fiscalização), aplicando-se tanto à obrigação principal quanto à obrigação acessória (que pela sua inobservância, converte-se em obrigação principal – art. 113, §3º do CTN).
Nestes termos, o primeiro e principal efeito decorrente da concessão de remissão pela União é a extinção do crédito tributário nas hipóteses disciplinadas pela lei regente da matéria.
Extinção do crédito tributário corresponde ao desaparecimento do mesmo, ou seja, determina que aquele, em regra, pare de surtir efeitos no mundo jurídico. Tal disciplina encontra-se plasmada no art. 156, inciso IV do CTN [02].
Desde já, é importante ressaltar que, a validade de concessão de remissão, encontra-se umbilicalmente vinculada ao respeito ao princípio da legalidade. Tal assertiva decorre tanto de previsão constitucional (art. 150, § 6º da Constituição da República Federativa de 1988 [03]), quanto legal (art. 172 do Código Tributário Nacional [04]).
Pois bem, analisando o art. 14 [05] da Medida Provisória 449/2008 (dispositivo legal que concede a remissão), verifica-se em que hipóteses o mesmo é concedido, bem como, quais são os requisitos de preenchimento necessário para a sua fruição.
O primeiro elemento a ser analisado é a titularidade do tributo sujeito a remissão. A previsão legal identifica que os débitos objeto da dispensa legal de recolhimentos, são os devidos à Fazenda Nacional.
O segundo requisito a ser verificado é o temporal. Conforme disposto no "caput" do art. 14 da MP nº 449/2008, serão considerados, para efeito da concessão da remissão os débitos que "em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais".
Destarte, nestes termos, créditos da Fazenda Nacional, constituidos em período anterior à 31/12/2002, encontram-se sujeitos à essa remissão. Consequentemente estão excluídos da benesse legal, os débitos lavrados que sejam posteriores à competência 12/2002.
Outro requisito a ser preenchido é referente ao limite de valor do crédito tributário a ser perdoado. No presente caso, tal qual delineado pela Medida Provisória, encontram-se inseridos na hipótese legal de concessão de remissão, os débitos "cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)."
Em outras palavras, o valor a ser considerado como "teto" para a aplicação da remissão é de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (pois valores acima deste montante estão excluídos). Ocorre que, este contexto valorativo corresponde ao total consolidado, ou seja, a somatória da dívida originária (ressalvado a hipótese de descumprimento de obrigação acessória) com as respectivas penalidades (juros e multa). Nada obstante, para a correta caracterização, mister se faz conjugar este dado valorativo (R$ 10.000,00) com o critério temporal, pois, deve ser considerado, para a concessão da remissão, o total consolidado na data de 31/12/2007 (não o valor atual do débito, por exemplo, na competencia 02/2009).
Nesse contexto, o ponto nodal cinge-se ao fato de se apurar a legitimidade da limitação da concessão da remissão a específicos valores. O Código Tributário Nacional - CTN, disciplinando esta situção, traz de forma clara e inequívoca, em seu art. 172, inciso III [06], que a lei pode autorizar a concessão da remissão a créditos de diminuta importância.
Acreditamos que o valor constante na permissiva encontrada no art. 14 da Medida Provisória nº 449/2008, é facilmente enquadrado no que se pode considerar (sob o aspecto dívida fiscal) de pequena monta.
Seguindo na análise da normatividade vinculada a este tema, mais especificamente sob o ângulo do aspecto valorativo, a Medida Provisória determina num primeiro momento que, o valor previsto no "caput" do art. 14 (R$ 10.000,00), deve ser considerado individualmente por cada sujeito passivo (art. 14, §1º) e separadamente em relação a cada tributo que, desde que preenchidos os requisitos, poderá ser objeto da remissão (há exceção prevista no §2º, do art. 14, para a hipótese de débitos de IPI, onde serão utilizados os passivos cumulados de todos os estabelecimentos do contribuinte para a apuração do teto).
Noutros dizeres, a norma quer evitar que um contribuinte aglutine em seu favor, para fins de aplicação da remissão, débitos devidos por outro contribuinte, ou, que o mesmo, requeira a sua aplicação, para buscar o perdão de débitos em nome de terceiros.
Outrossim, existe também a vedação, para fruição da remissão, da cumulação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com os débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, e, por fim, com os demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (art.14, incisos I, II e III da Medida Provisória nº 449/2008).
Em outras palavras, esta disciplina determina que, para a aplicação da remissão, cada espécie de crédito (passível de indulto), deve ser objeto de específica e individualizada verificação de seu enquadramento.
Assim, se um contribuinte preenche todos os requisitos necessários para ter direito a remissão, por exemplo, das contribuições devidas aos denominados terceiros (art. 14, §1º, II da MP 449/2008), este fato não faz surgir um direito adquirido (para esse mesmo contribuinte), exigir a aplicação da remissão para outros débitos administrados pela RFB (art. 14, §1º, III da MP 449/2008), sem a devida análise do prenchimento dos requisitos exigidos em lei.
Ora, por tratar-se de um benefício fiscal, onde o interesse público tem primazia, impôs o texto legal (acreditamos, legitimamente), rígidos critérios para a sua concessão.
Por fim, a Medida Provisória traz uma afirmativa, consubstanciada na declaração de que a remissão concedida, não dá ensejo a nenhum direito à restituição de quantias pagas (art. 14, §3º da MP 449/2008). Nada mais natural, pois, o perdão do tributo devido (remissão) não se confunde com tributo equivocadamente recolhido, que poderia gerar direito à restituição.
Notas
- MELO, José Eduardo Soares de, Curso de Direito Tributário, 5. ed., São Paulo: Dialética, 2004, pag. 288
- Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
- Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
- Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: (grifos nossos)
- Art. 14. Ficam remitidos os débitos com a Fazenda Nacional, inclusive aqueles com exigibilidade suspensa que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais e cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
- Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
(...)
IV - remissão;
(...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (grifos nossos)
§ 1º O limite previsto no caput deve ser considerado por sujeito passivo, e, separadamente, em relação:
I - aos débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;
II - aos débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil; e
III - aos demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 2º Na hipótese do IPI, o valor de que trata este artigo será apurado considerando a totalidade dos estabelecimentos da pessoa jurídica.
§ 3º O disposto neste artigo não implica restituição de quantias pagas.
I - à situação econômica do sujeito passivo;
II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III - à diminuta importância do crédito tributário;
IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.