Sumário:1.A definição de prescrição e sua distinção da decadência; 2. O surgimento da obrigação tributária e o prazo prescricional para a sua cobrança; 2.1. O termo inicial da prescrição; 2.2.Fatores de interrupção da prescrição; 3. A prescrição intercorrente; 4. A Súmula vinculante n.º 8 do STF e o art. 46 da Lei 8.212/91. 5. A prescrição trintenária.
1 - A definição de prescrição e a sua distinção da decadência.
O conceito de prescrição pertence à teoria geral do direito e compreende duas espécies: a extintiva e a aquisitiva [01], que não será objeto deste estudo. A doutrina mais tradicional costuma definir o instituto jurídico da prescrição como a extinção do direito de ação, ou seja, se após um certo período definido em lei uma determinada pessoa não ajuizar a ação cabível para fazer valer sua pretensão resistida, ela não poderá fazê-lo em momento posterior.
A prescrição serve à segurança e à paz públicas, assegura que determinadas situações ou relações jurídicas não tenham efeito eterno, devendo o tempo dar um fim a elas. A prescrição estabiliza as situações de fato e as relações jurídicas.
O termo a quo do prazo prescricional surge com a violação do direito, quando nasce, concomitantemente, o direito à ação. O momento de início do curso da prescrição é determinado pelo nascimento da ação, que, por sua vez, se origina a partir do instante em que o direito é violado [02].
Modernamente, a prescrição não se confunde com o direito de ação – que é o direito abstrato, previsto em lei e na Constituição Federal (art. 5º, XXXV), à prestação jurisdicional do Estado, que exerce o monopólio da justiça – conceito, hoje, de âmbito processual. No conceito clássico, a pretensão confundia-se com o direito de ação e aquela se extinguia com o não exercício deste. O direito e a ação para protegê-lo se misturavam. O art. 75 do revogado Código Civil dispunha que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, confundindo os conceitos de direito material e processual.
Adotando o conceito diferenciador entre ação e pretensão, o art. 189 do atual Código Civil dispõe que, violado um direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206 do referido diploma legal ou nos outros prazos legais dispostos em leis especiais.
Com o conceito estabelecido no art. 189 do atual CC, a inércia da pessoa em recorrer ao judiciário para fazer valer o seu direito extingue a pretensão, não a ação – que é, diga-se novamente, o direito ao indivíduo em ter o seu caso solucionado pelo judiciário, com ou sem sentença de mérito. Desta feita, o atual Código evitou a linguagem do direito antigo, segundo a qual a prescrição provocaria a perda da ação. Conforme bem definiu Amaro [03],
Se um direito é violado, o titular pode agir de imediato para protegê-lo. Se essa pretensão tarda a ser exercida, ela pode ser atingida pela prescrição, cujos prazos são legais e não podem ser alterados pela vontade das partes, embora, unilateralmente, possam ser, na prática, desconsiderados (pela renúncia, expressa ou tácita, à prescrição), além de não serem fatais.
Apesar de não ser objeto específico deste artigo, cumpre aqui diferenciar a prescrição da decadência [04] (Código Civil, arts. 207 a 211). Embora esta não seja definida no Código Civil, apresenta diferenças substanciais em relação à prescrição. Enquanto a prescrição é passível de suspensão e de interrupção, a decadência, em regra, é fatal, porém nenhuma delas corre contra os incapazes (art. 208 do CC). Tanto os prazos de decadência quanto os de prescrição, quando fixados em lei, são inalteráveis pelas partes. Os prazos decadenciais, todavia, se fixados em contrato, podem ser modificados por acordo de vontades. A decadência, se prevista em lei, é irrenunciável (art. 209), devendo o juiz reconhecê-la de ofício (art. 210). Antes, somente a decadência podia ser reconhecida de ofício pelo juiz. Com o advento da Lei n.º 11.051, de 29 de dezembro de 2004, que acrescentou o §4º, ao art. 40, da Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980, o juiz, após a oitiva da Fazenda Pública, poderá de ofício reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, tema que será abordado adiante. Posteriormente, a Lei n.º 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, dando nova redação ao §5º, do art. 219 do CPC, possibilitou o reconhecimento, de ofício, pelo juiz, independentemente de manifestação da parte.
Em resumo, para que ocorra a prescrição é necessário: a existência de um direito material da parte a uma prestação (ação ou omissão) a ser cumprida por outrem; o descumprimento da prestação por parte do obrigado, surgindo, então, o poder de o credor exigir o cumprimento da obrigação pela via judicial; e, finalmente, a inércia do titular da pretensão em fazê-la valer em juízo, no prazo determinado em lei.
2 - O surgimento da obrigação tributária e o prazo prescricional para a sua cobrança.
Concretizada a hipótese de incidência tributária – o fato abstrato, descrito em lei, como a situação que, uma vez ocorrida, torna o tributo devido – surge a obrigação tributária, vale dizer, o vínculo jurídico por força do qual o particular se sujeita a ter contra ele um lançamento tributário.
Ocorrido o fato gerador descrito abstratamente na hipótese de incidência tributária, o Estado ainda não está apto a cobrar o tributo devido. Mister a realização de procedimentos administrativos, a fim de dar certeza e liquidez ao crédito a ser cobrado, quer pela via administrativa, quer pela judicial. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível (art. 142 do CTN). A atividade administrativa de lançamento é vinculada – deve ser feita nos termos da lei – e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (parágrafo único do art. 142, do CTN).
Consoante Cleide Previtalli Cais [05], "o prazo para a constituição do crédito é de decadência e o de proceder à sua execução, uma vez ultrapassadas eventuais situações de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, é de prescrição."
Somente após esses procedimentos administrativos, surge o crédito tributário, este sim, certo, líquido, certo e exigível. Na definição de Hugo de Brito Machado [06]
O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).
Pendente o processo administrativo tributário, em virtude de impugnação ou recurso interposto pelo contribuinte, o prazo para a propositura da ação de execução fiscal não corre (inciso III, do art. 151 do CTN). O prazo prescricional também não flui nas seguintes hipóteses: a) durante o período em que estiver vigente a liminar concedida em mandado de segurança impetrado pelo contribuinte ou em que a exigibilidade do crédito estiver suspensa em virtude de concessão de medida liminar ou de decisão que antecipe os efeitos da tutela, em outras ações judiciais propostas pelo contribuinte (incisos IV e V, do art. 151 do CTN); b) durante o período em que estiver vigente o parcelamento concedido pela Fazenda Pública (inciso VI, do art. 151). Nas situações retrocitadas, suspende-se o prazo de prescrição da pretensão executiva, mas não o prazo para a constituição do crédito tributário, que é decadência. "O crédito tributário deve ser constituído, porém não pode ser objeto de exigibilidade." [07]
Após o surgimento do crédito tributário, somente a lei pode estabelecer as formas de sua extinção, que estão enumeradas no art. 156 do CTN: o pagamento; a compensação; a transação; a remissão; a prescrição e a decadência; a conversão de depósito em renda; o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º ; a consignação em pagamento, nos termos do disposto no §2º do art. 164; a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; a decisão judicial passada em julgado; a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
Sendo este um trabalho restrito, a única modalidade de extinção do crédito tributário a ser aqui estudada será a prescrição.
2.1 - O termo inicial da prescrição
Conforme o art. 174 do CTN, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. A obrigação tributária nasce com o fato gerador, mas o crédito tributário respectivo só se aperfeiçoa com o lançamento, fazendo nascer, a partir daí, um crédito que pode ser cobrado no curso dos próximos cinco anos.
O termo "constituição definitiva" encerra alguma polêmica sobre o marco inicial da contagem do prazo prescricional. O antigo Tribunal Federal de Recursos e parte da doutrina entendiam que a lavratura do auto de infração ou a notificação de lançamento de débito fiscal seria o momento da constituição definitiva. A constituição definitiva do crédito tributário se dá com o lançamento pela autoridade administrativa competente, momento este no qual "o sujeito passivo deve ser regularmente notificado, iniciando-se, a partir desse marco, o início do prazo prescricional." [08] Caso o contribuinte impugne o lançamento ou interponha recurso contra a decisão de primeira instância, enquanto estiver pendente a decisão administrativa em virtude de ação do sujeito passivo, não corre a prescrição, pois o crédito tributário poderá ser alterado – ou até mesmo extinto – em virtude da decisão que vier a ser prolatada na esfera administrativa.
A lavratura do auto de infração, todavia, não é o momento em que se dá o início da contagem do prazo prescricional, pois tal ato tem o efeito de interromper o curso da decadência. O prazo prescricional tem início, efetivamente, depois do prazo legal dado ao contribuinte para impugnar o lançamento e, em havendo impugnação ou recurso, após a decisão definitiva no âmbito do processo tributário administrativo [09].
Inexistindo qualquer hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, uma vez transitada em julgado a decisão que manteve ou alterou os valores do lançamento, o crédito tributário pode ser inscrito em dívida ativa. A inscrição em dívida ativa constitui-se em mero ato interno da Administração e é irrelevante para a contagem do prazo de prescrição [10]. Também não tem nenhum efeito sobre a prescrição a denominada cobrança amigável feito por Aviso de Cobrança [11]. O ato de inscrição, conforme o §3º, do art. 2º, da Lei n.º 6.830/80, suspende a contagem do prazo prescricional por 180 dias. A mesma lei determina que a prescrição será interrompida pelo despacho do juiz que ordenar a citação (§2º, do art.8º, da Lei 6.830/80).
Tais dispositivos, todavia, são de notória inconstitucionalidade e não foram recepcionados pela Constituição de 1988, uma vez que conforme o art. 146, III, b, somente a lei complementar – que trata das normas gerais em matéria tributária - pode estabelecer os prazos de decadência e prescrição, e, conseqüentemente, as suas hipóteses de suspensão ou interrupção.
Entretanto, há casos em que o processo administrativo, para se apurar a liquidez do crédito é dispensável. Conforme precedentes do STJ [12],
Em se tratando de tributo lançado por homologação, tendo o contribuinte declarado o débito através de Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF) e não pago o vencimento, considera-se desde logo constituído o crédito tributário, tornando-se dispensável a instauração de procedimento administrativo e respectiva notificação. Nessa hipótese, se o débito declarado somente pode ser exigido a partir do vencimento da obrigação, nesse momento é que começa a fluir o prazo prescricional." (Grifos nossos)
2.2 - Fatores de interrupção da prescrição
As hipóteses de interrupção da prescrição estão previstas nos incisos I ao IV, do parágrafo único, do art. 174 do CTN. A interrupção significa o reinício da contagem de todo o prazo, desprezando-se o tempo já transcorrido. A interrupção difere da suspensão, pois nesta, o prazo volta a correr pelo restante do tempo faltante na época do fato que a ensejou.
A primeira situação em que a prescrição é interrompida se dá com o despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal [13]. Esta alteração se deu para encerrar a polêmica sobre a constitucionalidade do §2º, do art.8º, da Lei 6.830/80, que também dava ao despacho do juiz que ordenava a citação o efeito de interromper a prescrição. Até a entrada em vigor da LC n.º 118, somente a citação pessoal tinha o efeito de interromper a prescrição. Agora
[14].O prazo prescricional ainda não decorrido por completo referente a execuções já ajuizadas, com despacho determinando a citação, mas sem citação efetivada, interrompeu-se por ocasião do início da vigência da LC 118/05, tendo em conta que, a partir de então, o despacho passou a ser suficiente para a interrupção do prazo
A segunda hipótese é a de interrupção pelo protesto judicial, procedimento de jurisdição voluntária que não admite contestação. O procedimento é previsto nos arts. 867 e seguintes do CPC. Na prática, trata-se de procedimento ineficaz, pois o protesto não dá ao crédito tributário o caráter de executoriedade, ou seja, não pode a Fazenda Pública atingir o patrimônio do devedor e obrigá-lo a pagar a dívida, o que só pode ser feito através do processo de execução fiscal. Em verdade, é pura perda de tempo, até porque o inciso seguinte prevê que qualquer ato judicial é meio hábil de se interromper a prescrição.
Por último, a prescrição se interrompe por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor, como, por exemplo, o parcelamento realizado na via administrativa. O antigo Tribunal Federal de Recursos, pouco antes de ser extinto, editou a Súmula 248, que dizia o seguinte: "O prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado."
3 – A prescrição intercorrente
Ocorre a prescrição intercorrente quando não são encontrados bens do devedor para penhora e o credor deixar de movimentar, de modo injustificável, o processo por um determinado prazo, que a doutrina aponta ser de cinco anos.
Em relação à execução contra particular é pacífico o entendimento da sua possibilidade. Já contra a Fazenda Pública, a prescrição intercorrente levantava polêmica. Existiam inúmeros acórdãos contra [15] a possibilidade da existência da prescrição intercorrente contra a Fazenda, em virtude da indisponibilidade dos bens públicos e supremacia do interesse público sobre o privado. Havia outros apontando a sua possibilidade [16], fundamentados na necessidade de estabilização e segurança das relações jurídicas, bem como da impossibilidade da execução durar eternamente. O antigo TFR chegou a publicar a Súmula n.º 40, na qual reconhecia a impossibilidade de se decretar essa modalidade de prescrição contra a Fazenda Pública, nos seguintes termos: "É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do devedor ou inexistência de bens penhoráveis."
A polêmica se devia à redação do art. 40, da lei 6830/80, que ainda possibilita ao juiz suspender a execução, enquanto não são localizados bens do devedor sobre os quais possa recair a penhora,e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. Decorrido o prazo máximo de um ano de suspensão, se não forem encontrados bens do executado, o juiz ordenará o arquivamento dos autos, sem baixa, podendo o processo ser reativado, a qualquer tempo, assim que forem localizados bens do devedor (§§ 2º e 3º, do art. 40, da lei 6830/80).
Ocorre que a polêmica sobre a possibilidade de alegação da prescrição intercorrente contra a Fazenda se encerrou com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 11.051, de 29 de dezembro de 2004, que acrescentou o §4º, ao art. 40, da Lei 6.830/80, dando-lhe a seguinte redação:
§4º Se da decisão que ordenar o arquivamento (do processo) tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de ofício.
Para unificar o entendimento sobre a existência da prescrição intercorrente, o STJ editou a Súmula 314: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente."
Pacificada a questão sobre a possibilidade de existência da prescrição intercorrente contra a Fazenda, iniciou-se, então, outro debate sobre a sua aplicação imediata aos processos em curso. Parte da doutrina e da jurisprudência se posicionam no sentido de que a aplicabilidade desses dispositivos é imediata, ou seja, todos os processos que estejam arquivados há mais de cinco anos, sem que a Fazenda realize diligências no sentido de satisfazer o seu crédito, devem ser extintos, após a manifestação do fisco e desde que o exeqüente tenha sido intimado previamente da decisão que ordenou o arquivamento do feito.
Todavia esta não é a melhor solução. A norma que criou a prescrição intercorrente não pode ser aplicada com efeito retroativo. Tratando-se de lei nova, ela só tem aplicabilidade ex nunc, ou seja, para a frente, não podendo os prazos serem contados para trás, mas somente, para adiante [17]. O sistema jurídico brasileiro não reconhece a aplicação de norma de maneira retroativa, exceto em caso já previamente estabelecido ou se a lei expressamente o determinar, o que não é o caso.Trata-se da aplicação do princípio do tempus regit actum, ou seja, a lei em vigor à época é a aplicável ao caso.
"No que tange à execução, as regras de direito intertemporal são as gerais: aplicam-se as disposições da lei nova aos processos de execução pendentes, respeitando-se, todavia, os atos processuais jurídicos perfeitos já praticados, que não poderão ser atingidos nem modificados pela lei nova (CF art. 5.º XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6.º)" [18]. O Código de Processo Civil Brasileiro também expressa a regra-princípio do tempus regit actum, no seu art. 1.211: "Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão aos processos pendentes".
A lei processual nova rege sempre para o futuro [19].
Os atos processuais atingidos pela lei nova são os futuros e pendentes ou de natureza continuada, ou seja, aqueles que estão em execução, ainda que gerados na vigência da lei antiga [20].