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Responsabilidade civil do médico nas cirurgias estéticas à luz do Código de Defesa do Consumidor

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12/03/2009 às 00:00
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3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

A responsabilidade civil do médico, desde a antiguidade, é motivo de preocupação no que diz respeito às suas dimensões. Tal preocupação é justa, haja vista que é de grande dificuldade a delimitação da imperícia, negligência ou imprudência do profissional que é formado para lidar com o bem mais precioso que existe: a vida.

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da responsabilidade civil dos profissionais liberais, de forma geral, dispõe expressamente acerca da necessidade da configuração da culpa, conforme já abordado neste estudo, porquanto a marca essencial desta espécie de prestação de serviços é a pessoalidade, de forma que a escolha de determinado profissional faz presumir uma relação de confiança.

No entanto, na relação que se dá entre médico e paciente, as diversas transformações históricas vêm substituindo a confiança pela mútua desconfiança: do paciente, que se submete a uma série de consultas a diversos especialistas, pois vê em seu médico um profissional que está prestes a lhe causar um dano; do médico, que submete o paciente a uma série de exames a fim de alcançar o diagnóstico, encarando-o como alguém que certamente o demandará frente o poder judiciário, caso algo dê errado. [147]

A crise de confiança se deve também ao novo perfil assumido pelos médicos na atualidade. A necessidade de lucro torna o número de pacientes cada vez maior e a espera nos consultórios ou nas filas interminável. As consultas são breves, não há tempo para se conhecerem, para que seja feita uma análise mais profunda da real necessidade e pretensão do paciente.

A relação entre médico e paciente, de forma geral, adquiriu um caráter comercial, e muitas vezes mais interessada no lucro do que na ética.

São todas conseqüências da transformação que sofreu a posição social ocupada pelos profissionais da medicina ao longo dos tempos, que de semi-deuses passaram a ser amigos da família e, atualmente, assumem o papel de meros prestadores de serviços. É o que destaca Aguiar Júnior [148], segundo o qual

Durante muitos séculos, a sua função [do médico] esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. [...]. Nesse contexto, desarrazoado responsabilizar o médico que apenas participava de um ritual, talvez útil, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do século passado e primórdios deste, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles.

Ademais, este ilustre jurista realiza também uma análise acerca dos efeitos do avanço tecnológico na relação médico-paciente e ressalta que na medida em que aumentaram os recursos e as oportunidades disponíveis ao médico, aumentaram também os riscos, já que o profissional procura sempre ultrapassar os limites da prevenção e do tratamento, na busca de maior eficácia. Como conseqüência disso, as técnicas são cada vez mais agressivas, complexas e perigosas e, aos olhos do consumidor leigo, as expectativas se confundem com certezas de que a cura será alcançada. [149]

De outro lado, a modernidade modificou também a forma de se alcançar o bem-estar. A cirurgia estética se tornou importante instrumento à obtenção de perfeita saúde espiritual. A preocupação com a forma física leva milhares de pessoas às mesas de cirurgia, na certeza de que o resultado obtido lhe proporcionará maior aceitação social, além de maior auto-estima, considerada elemento essencial à saúde mental do paciente.

As cirurgias estéticas não são idênticas em sua natureza. Diferenciam-se, notadamente em função do motivo que enseja sua realização. E cada espécie envolve uma obrigação específica assumida pelo médico, o que influencia e distingue a configuração da responsabilidade civil do profissional. É o que será analisado adiante.

3.1 CIRURGIAS PLÁSTICAS: ESPÉCIES

Antes de se adentrar no estudo das espécies de cirurgia plástica, faz-se mister destacar que a realização de cirurgias desta natureza já foi tida pela jurisprudência francesa como prática condenável que, por si só, ensejava a responsabilização do profissional da medicina, independentemente da configuração da violação dos deveres inerentes à atividade e ao contrato. É o que destaca Dias [150] ao narrar os liames de uma causa julgada na França.

Segundo o douto autor, tratava-se de cirurgia estética realizada por profissional de renome, que gozava da confiança dos demais médicos de seu meio, em uma senhora desprovida de qualquer defeito estético e que possuía saúde perfeita. A intenção era retirar parte da gordura localizada na perna da mesma. Em um primeiro momento, o médico garantiu à senhora que o procedimento que pretendia realizar era simples e não envolvia quaisquer riscos. No entanto, por negligência do mesmo na realização do ato cirúrgico, a paciente, após inúmeras complicações, teve sua perna amputada. O juiz da causa condenou o profissional, considerando que o fato de ter o mesmo submetido a paciente em perfeito estado de saúde a cirurgia de extrema complexidade e sem finalidade curativa, por si só, seria caracterizador da responsabilidade. [151]

É cediço que na realidade atual impossível se mostra a condenação da própria cirurgia plástica. Trata-se de prática comum, dominada pela técnica médica e que tem sido banalizada, muitas vezes, pela incessante busca pela beleza na sociedade contemporânea. A condenação, embora devida, deveria ter se pautado na violação por parte do médico dos deveres relativos ao contrato e na sua conduta culposa, ante o erro no procedimento.

A cirurgia plástica difere-se das demais intervenções cirúrgicas que envolvem o exercício da medicina. É conceituada por Introna, citado por Kfouri Neto [152], "[...] como procedimento que não tem por escopo curar uma enfermidade, mas sim eliminar as imperfeições físicas que, sem alterar a saúde de uma pessoa, tornam-na feia, do ponto de vista estético".

Este tipo de procedimento cirúrgico é voltado às modificações estéticas do corpo da pessoa com o objetivo de se obter uma melhora na aparência física, seja a partir da correção de imperfeições, seja em busca de mero embelezamento.

Em que pese a afirmativa do ilustre autor supracitado, de que as cirurgias plásticas são desprovidas de finalidade curativa, tal tema não se mostra pacífico na doutrina pátria. Alguns autores a relacionam com a saúde mental do paciente, com seu bem-estar. Tal divergência é analisada por Kfouri Neto [153], segundo o qual,

[...] induvidosa é a feição curativa de que se pode revestir a cirurgia estética. Enfermidade não é apenas o processo patológico de degeneração orgânica ou física. Existe uma variada gama de moléstias mentais e de perturbações psíquicas. A cirurgia estética pode atenuar ou eliminar totalmente um mal-estar, não físico, mas psíquico ou moral.

No que tange à questão, importante esclarecer que a cirurgia estética pode ser estética propriamente dita ou estética reparadora [154]. Esta última possui, segundo a doutrina mais abalizada, inegável finalidade curativa, pois se destina a correção de defeitos que podem ser congênitos ou originados de acidentes.

A cirurgia estética propriamente dita, por sua vez, é subdivida em duas modalidades, conforme destaca Kfouri Neto [155]: a "cirurgia de caráter estritamente estético", ou puramente estética, e a "cirurgia estética latu sensu", na qual o paciente possui imperfeição física de pequeno grau, que lhe causa mal-estar psíquico.

Na cirurgia puramente estética, o paciente, sem qualquer imperfeição, se submete a uma situação de risco na busca pelo resultado. [156]

Segundo Cavalieri Filho [157],

Importa nesta especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas que nascem com deformidades da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva.

Na lição de Lopez [158], as cirurgias estéticas embelezadoras

[...] foram muito combatidas no passado e, atualmente, apesar de aceitas e até em moda, a responsabilidade pelos danos produzidos por elas é vista com muito maior rigor que pelas operações necessárias à saúde ou à vida do doente. Todavia, somente esta plástica estética propriamente dita recebe esse tratamento porque a plástica reparadora é considerada tão necessária quanto qualquer outra operação, tendo da mesma forma finalidades terapêuticas como nos casos de queimaduras deformantes.

Desta feita, na cirurgia estética embelezadora deve-se considerar que o paciente não se encontra acometido por nenhum mal, ou seja, encontra-se em perfeito estado de saúde e não necessita de intervenção médica alguma. Daí a ausência de finalidade curativa.

No entanto, em se tratando de cirurgia estética reparadora ou terapêutica, a finalidade curativa revela-se presente, já que o paciente possui imperfeição física e busca no procedimento cirúrgico a sua reparação. O mesmo raciocínio se aplica às cirurgias estéticas voltadas à correção de certos aspectos físicos que causam ao paciente problemas de saúde ou que agravam aqueles já existentes. É o caso, por exemplo, da mamoplastia redutora na paciente acometida por problemas de coluna.

Acerca deste tipo de cirurgia, especificamente, o Conselho Federal de Medicina se manifestou através de Parecer nº 46/2003, proferido em processo-consulta nº 641/2003, no sentido de que, em regra, trata-se de procedimento cirúrgico de natureza estética, de forma que a finalidade curativa, em virtude das conseqüências danosas à coluna vertebral, deve ser devidamente comprovada por meio de exames complementares e análise minuciosa do caso concreto. [159]

Em razão da diferença entre as circunstâncias que ensejam a realização de cada espécie de cirurgia plástica, a obrigação atribuída ao médico em cada uma delas também se distingue. Não há uniformidade na doutrina e na jurisprudência acerca do tipo de obrigação que assume o cirurgião plástico, se é de meio ou de resultado. A fim de determinar possível solução ao impasse, necessária se faz a análise da atividade médica e do conteúdo da relação obrigacional.

3.2 A ATIVIDADE MÉDICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO

A análise voltada ao animus do paciente possui seu grau de importância na definição das obrigações assumidas pelo médico na prestação dos serviços em cirurgias estéticas. Porém, deve-se ter em destaque também a relação jurídica existente entre o consumidor – paciente – e fornecedor – médico –, que é uma relação contratual, aperfeiçoada pelo dever de boa-fé e, mais ainda, pela ética.

No que concerne às obrigações que envolvem tal relação contratual, cumpre esclarecer que a doutrina costuma distingui-las em obrigações de meio e obrigações de resultado. Trata-se de distinção de grande valia para este estudo, notadamente tendo em vista as repercussões destes tipos de obrigação no que diz respeito à distribuição do ônus da prova. Conforme esclarece Lopez [160],

A distinção a esses dois tipos de obrigações é atribuída a Demogue, que "a formulou incidentalmente ao tratar do problema da repartição do ônus da prova em matéria de obrigações contratuais e delituais".

Esta classificação possui como critério o fim a que se destina a prestação do serviço. Neste sentido, caso o fornecimento de serviços ajustado seja o de simplesmente diligenciar de forma eficaz para a obtenção de determinado resultado, sem, contudo, abranger a necessária concretização deste, a obrigação será de meios, ao passo que, se o fornecedor se obrigar a atingir determinado fim, sua obrigação será de resultados. Assim leciona Gonçalves [161]

[...] a obrigação é de meio quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de determinado resultado, sem no entanto responsabilizar-se por ele. [...] Quando a obrigação é de resultado, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso.

Completam tais disposições as palavras de Diniz [162], segundo a qual nas obrigações de meio a

[...] prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final. [...] [Nas obrigações de resultado] o credor tem direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado.

Como bem destacam Farias & Rosenvald [163], o exemplo ordinariamente mencionado de obrigação de meio é o do

[...] médico que se obriga a envidar todos os esforços no sentido de aplicar os meios indispensáveis à cura ou sobrevida do paciente, sem que isto implique a obrigação de assegurar a própria cura ou o resultado benéfico.

Trata-se de conseqüência da própria natureza da prestação de serviços de medicina curativa, diante do risco que acomete a saúde do paciente e da impossibilidade natural de se garantir a cura de certos males.

Neste tipo de obrigação, o credor, ante o defeito na prestação do serviço, deve demonstrar que o devedor não agiu com a diligência necessária. Não basta a prova de que o resultado almejado não foi atingido. E isto porque o objeto do contrato firmado entre as partes compreendia a utilização dos meios necessários para se alcançar determinado fim. Não se prometeu a efetivação do resultado.

Assim, nas hipóteses de responsabilidade médica em que o profissional assume obrigação de meios, cabe ao paciente lesado a prova da negligência, imprudência ou imperícia, caracterizadoras do erro médico, relativamente aos meios por ele utilizados na prestação do serviço.

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Neste sentido, sustenta Kfouri Neto [164]:

Asseveramos, alhures, que o encargo assumido pelo médico configura obrigação de meios – e só por exceção constituirá obrigação de resultado. [...] Quanto à primeira, a vítima deverá fazer prova de que o médico não agiu com o grau de diligência razoável e houve descumprimento culposo.

Por outro lado, nas obrigações de resultado, basta ao credor provar que o resultado pretendido não foi atingido, restando ao devedor o ônus de demonstrar fato que afaste sua responsabilidade [165]. Neste caso, a manifestação de vontade das partes só será satisfeita quando alcançado o resultado, que é o próprio objeto do contrato.

Merecem destaque os ensinamentos de Theodoro Júnior [166], acerca da aplicação das regras alusivas ao ônus da prova dispostas no art. 333, do Código de Processo Civil:

Aplicando-se essas regras a uma ação comum de indenização por descumprimento de contrato de resultado, ficará a cargo do autor a prova:

a) do descumprimento do contrato;

b) do prejuízo sofrido; e

c) do nexo causal entre este e o descumprimento da obrigação.

Neste caso, o próprio inadimplemento, ou seja, a não obtenção do resultado avençado, por si só, presume a presença da culpa, cabendo, portanto, ao agente que se imputa responsável a prova da sua ausência.

É o que complementa Theodoro Júnior [167]:

Não se exige prova da culpa do inadimplente, porquanto esta se revela implícita na inobservância do dever de realizar a prestação contratual. [...] No caso da violação do dever contratual, não tem a vítima que provar a culpa do inadimplente porque decorre do próprio desrespeito ao dever de cumprir a obrigação negocial.

Faz-se mister salientar que a obrigação assumida pelo fornecedor, tal como o médico, delimita-se pelo objeto do contrato. Assim, responderá sempre por não ter cumprido o pactuado, seja meio ou fim. É o que salienta Philippe Remy, citado por Lopez [168], segundo o qual a diferença entre obrigação de meio e de resultado "[...] é apenas retórica e com valor sugestivo, pois em ambas tem o devedor que executar o que prometeu e em ambas há uma obrigação preexistente."

É certo que, como já dito, a natureza de determinado serviço influencia na delimitação do tipo de obrigação assumida pelo fornecedor, em razão de suas próprias peculiaridades – como a impossibilidade de se garantir a cura de certas doenças –, mas não é a única determinante. Deve-se considerar que a manifestação de vontade das partes, quando amparada pelos princípios basilares do direito contratual, é importante elemento para tanto.

No que concerne às cirurgias estéticas embelezadoras, cirurgias puramente estéticas, a obrigação assumida pelo profissional médico será, em regra, de resultado. E isto porque o objeto contratado pelo consumidor, neste caso, é a determinada mudança em seu aspecto físico, exatamente da maneira como por ele pretendido.

Conforme pontuado no tópico anterior, tais procedimentos são essencialmente estéticos, ou seja, desprovidos de finalidade terapêutica ou curativa.

Não basta a utilização de todos os meios hábeis à obtenção do fim desejado. A satisfação dos anseios daquele paciente que busca a melhora de uma qualidade física específica é fundamental. Por esta razão, caso não seja alcançado o resultado almejado pelo consumidor, caracterizado estará o inadimplemento.

Outrossim, este é o entendimento encampado com clareza por Lopez [169], segundo a qual,

Quando alguém, que está muito bem de saúde, procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento científico, caso contrário, não adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristezas.

Nas cirurgias estéticas reparadoras e nas estéticas lato sensu – que envolvem pequenas imperfeições –, por outro lado, em razão da finalidade curativa que possuem, conforme já observado, a obrigação do médico será de meios. Nesta espécie de procedimento cirúrgico encontra-se presente o elemento necessidade da realização, que não deve ser confundido com a urgência ou emergência.

Sobre as cirurgias puramente estéticas, da mesma forma também conclui Kfouri Neto [170]:

Neste caso, onde se expõe o paciente a riscos de certa gravidade, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete à presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção [...].

Segundo Dias [171],

No tocante à cirurgia estética, continuam-se a confundir cirurgia reparatória e cirurgia embelezadora. Se aquela pode e deve ser considerada obrigação de meios, a segunda há de ser enquadrada como obrigação de resultado, até pelos termos em que os profissionais, alguns dos quais criminosamente distanciados da ética, se comprometem, sendo generalizada no segundo grupo, ao contrário do que ocorre no primeiro, a promessa de resultado procurado pelo cliente.

Muitos autores, a contrario sensu, sustentam que tanto na cirurgia puramente estética, quanto na estética reparadora, a obrigação assumida pelo médico é de meios. Todos se apóiam na doutrina e jurisprudência francesas, que consideram idênticas as obrigações assumidas pelo cirurgião estético e pelos demais profissionais da medicina, porquanto estão sujeitos aos mesmos riscos. [172]

É o que argumenta Giostri [173], segundo a qual, pela natureza da obrigação de resultados, é impossível atribuir-lhe ao médico na realização de cirurgias estéticas. Expõe que

É interessante relembrar que não só DEMOGUE, como todos os outros autores, especialmente os franceses - que se propuseram a comentar, estudar ou até criticar sua divisão -, foram unânimes em afirmar que a obrigação de resultado era adequada para todos os casos com uma prestação determinada, mas onde o fator álea não estivesse presente. Daí entender-se inadequado considerar como de resultado uma obrigação cujo cumprimento se desenrola numa zona tão aleatória quanto a do organismo humano. Ele é previsível sim, mas até um certo ponto, a partir daí é entrar-se no universo nebuloso da imprevisibilidade e da imponderabilidade.

Os que entendem ser a obrigação do cirurgião plástico, em todas as espécies de cirurgia, uma obrigação de meios fundamentam suas conclusões principalmente na presença do risco, como já mencionado. Explicam que o risco existente nos procedimentos desta natureza é tão grande quanto o que envolve todos os demais atos cirúrgicos. Assim, dizem ser impossível ao médico garantir o resultado, vez que diversos fatores que independem de sua vontade e de sua técnica podem impedir que o mesmo seja alcançado.

É o que destaca o Ministro Aguiar Júnior [174]:

Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resultado embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou em agravar os defeitos, piorando as condições do paciente. As duas situações devem ser resolvidas à luz dos princípios que regem a obrigação de meios, mas no segundo fica mais visível a imprudência ou a imperícia do médico que provoca a deformidade. O insucesso da operação, nesse último caso, caracteriza indício sério da culpa do profissional, a quem incumbe a contraprova de atuação correta.

No entanto, esta não é a melhor interpretação a ser feita acerca das obrigações assumidas pelo médico nas cirurgias puramente estéticas, especificamente, já que naquelas que são estético-reparadoras, as obrigações são, via de regra, de meios.

Não obstante a existência do risco, aliás, em virtude, notadamente de sua presença, deve-se levar em consideração sempre que o paciente que se submete a ato cirúrgico puramente estético não o faz por qualquer motivo relevante sob o ponto de vista da busca pela cura, que é o que, de fato, impulsiona o exercício medicina, em primeiro lugar.

O rigor na apuração da responsabilidade civil do cirurgião plástico, decorrente do fato se submeter pessoa sadia aos riscos cirúrgicos, é destacado por Introna, citado por Kfouri Neto [175]:

O simples fato de haver empreendido sobre região corporal sadia uma operação que comporta riscos de real gravidade, com o único objetivo de corrigir o aspecto exterior, é suficiente a concretizar uma culpa fora daqueles que são os habituais requisitos da responsabilidade profissional.

Por esta razão, a viabilidade de realização de cirurgia puramente estética deve ser analisada pelo médico, já que só interessa ao consumidor a conquista do resultado almejado. [176]

As cirurgias estéticas não podem ser tratadas em igualdade de condições com os demais procedimentos cirúrgicos. Trata-se de espécie de prestação de serviço médico repleta de peculiaridades que tornam necessário maior cuidado na celebração da avença e na fixação das obrigações das partes.

Desta feita, a obrigação assumida pelo cirurgião naquele procedimento desprovido de qualquer finalidade curativa é, em regra, de resultado. O risco que o envolve é apenas mais um fator que comprova a necessidade de se analisar a viabilidade de realização do mesmo.

Com efeito, este é o entendimento majoritário sustentado pela jurisprudência brasileira [177]. É o que se observa do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça [178]:

AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE MÉDICA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA.

1. Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado. Precedente.

2. Afastada pelo acórdão recorrido a responsabilidade civil do médico diante da ausência de culpa e comprovada a pré-disposição do paciente ao descolamento da retina - fato ocasionador da cegueira - por ser portador de alta-miopia, a pretensão de modificação do julgado esbarra, inevitavelmente, no óbice da súmula 07/STJ.

3. Agravo regimental improvido. [grifos nossos].

No mesmo sentido o seguinte aresto:

CIVIL E PROCESSUAL - CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) - INDENIZAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.

II - Cabível a inversão do ônus da prova.

III - Recurso conhecido e provido. [179]

Na mesma linha tem se manifestado o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo [180]:

APELAÇÃO CÍVEL. 1) cirurgia plástica estética. OBRIGAÇÃO de resultado. INVER- SÃO do ônus da prova. 2) dano moral. paciente. grave lesão estética. perda de sensibilidade. 3) danos materiais. Cirurgia plástica reparadora. custeio de despesas. inexeqüibilidade.

1. A obrigação do médico, na cirurgia plástica estética, é de resultado, e não de meio. Por tal razão, inverte-se o ônus da prova, ficando a cargo do médico a prova liberatória de que não laborou com imprudência, negligência ou imperícia, para somente assim não ser responsabilizado pelo dano ou prejuízo causado no distanciamento do resultado prometido.

2. Da grave lesão estética causada nos seios de paciente, descortina-se a ocorrência de dano moral, danos estes que, pela agressividade e seqüelas (perda de sensibilidade), potencializam-se como motivos de dor, tristeza íntima, arrependimento, insegurança, inferiorização afetiva, comprometendo a auto-estima e o êxito social e familiar (esfera afetiva) da paciente.

3. É inexeqüível a condenação por danos materiais que imponha, ao réu, o custeio de despesas de eventual cirurgia plástica reparadora que queira a autora ser submetida com outro cirurgião de sua escolha.

No que tange a esta questão dos riscos e da viabilidade da cirurgia estética, singular importância assume os deveres anexos à relação contratual que devem ser atendidos pelos contratantes, principalmente o dever de informação que se dirige a ambas as partes e que é tratado pelo sistema de proteção e defesa do consumidor como direito básico deste último.

Ademais, importante pontuar que a mesma doutrina francesa que admite ser de meios a obrigação do médico nas cirurgias puramente estéticas, destaca a peculiaridade deste tipo de procedimento e exige maior rigidez quanto ao dever de informação, bem como quanto à obtenção do consentimento esclarecido. [181]

Insta ressaltar, mais uma vez, que a obrigação sempre se dá nos limites daquilo que foi pactuado entre os contratantes. Neste sentido, embora, nas cirurgias estéticas embelezadoras, seja de resultado, em regra, o grau de informação e transparência assumido pelo médico no momento do acordo de vontades é de singular importância para a delimitação da obrigação.

3.3 DIREITO/DEVER DE INFORMAÇÃO NA CIRURGIA PLÁSTICA

O Direito do Consumidor preocupa-se, notadamente, com a segurança e a saúde dos consumidores. Para que a excelência da qualidade e da segurança seja alcançada, necessária se faz a eliminação de quaisquer ameaças ao consumidor, já que os únicos riscos aceitos são os normais e previsíveis.

Neste sentido, dois importantes deveres surgem para o fornecedor, que não devem ser afastados em hipótese alguma, sob pena de serem responsabilizados, na forma da lei, são eles: o dever de cuidado e o dever de informação - esclarecimento do consumidor acerca de todas as peculiaridades do serviço, principalmente os riscos e obrigações que são assumidas. [182]

O dever de cuidado é inerente à prestação do serviço médico e diz respeito à obrigação do médico de estar à disposição do paciente, de prestar-lhe assistência quando necessário, acompanhando atentamente seu quadro, as reações de seu organismo, mormente na fase pós-cirúrgica. [183]

Ao se tratar dos deveres anexos à relação de consumo, destacou-se o dever de informação atribuído ao fornecedor, cuja observância caracteriza direito do consumidor. Faz-se mister esclarecer que este dever existe também ao consumidor paciente.

Prima facie, no que tange ao dever de informar em abstrato, ressalta-se que este deve ser cumprido tanto na fase pré-contratual, quando da delimitação das obrigações de cada um dos contratantes, do conteúdo e do objeto do negócio jurídico, como na fase de execução do avençado.

No momento de formação do contrato, o dever de informar dirigido ao profissional da medicina é determinante à obtenção do consentimento do paciente. Pode ser verificado sob duas vertentes, segundo a doutrina estrangeira: o dever de conselho e o deve de esclarecimento. [184]

O dever de aconselhamento diz respeito à obrigação do médico de "[...] fornecer aquelas informações necessárias para que o consumidor possa escolher entre os vários caminhos a seguir [...]" [185]. Deve o médico, em razão de seu conhecimento técnico, expor ao paciente quais os tipos de serviços (tratamentos, cirurgias, medicamentos, técnicas, etc.) que podem ser utilizados em seu caso concreto, e aconselhar o mais indicado, o mais benéfico.

O dever de esclarecimento, por sua vez, impõe ao médico a obrigação de elucidar ao paciente o seu real quadro clínico, a necessidade ou não de se submeter a determinado procedimento, os riscos que envolvem a prestação de determinado serviço, as possibilidades de êxito, as desvantagem, as possíveis seqüelas, as obrigações que deverão ser por ele cumpridas para o êxito do serviço, enfim, todas as peculiaridades do objeto do contrato.

Neste sentido, segundo Marques [186],

O dever de esclarecimento (Aufklarungspflicht, em alemão e obligation de renseignements, em francês) obriga o fornecedor do serviço [...] a informar sobre os riscos do serviço, [...], sobre a forma de utilização [...] e a qualidade dos serviços [...].

Cumpre frisar que as informações prestadas pelo profissional são determinantes à formação do consentimento do paciente e, por tal razão, devem ser claras, mais do que prestadas, devem ser compreendidas pelo consumidor. É o que destaca Kfouri Neto [187]:

A informação prestada pelo médico deve ser inteligível e leal. Tanto a informação quanto o consentimento devem ser escritos, individualizados e testemunhados. A adoção de formulários é difícil dadas as peculiaridades de cada caso. De qualquer modo, não podem suscitar a menor dúvida.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de considerar a ausência do consentimento informado do paciente como causa a ensejar a responsabilidade civil do médico, por se tratar de conduta negligente do mesmo. É o que, de fato, se extrai do voto do Ministro Relator Aguiar Júnior [188]:

Do ponto de vista doutrinário e legal, o r. acórdão apenas acentuou o dever ético do médico de informar o paciente sobre as conseqüências da cirurgia, o que não se confunde com a singela comunicação de que o ato operatório seria difícil e demorado, nada esclarecendo sobre a conveniência da intervenção cirúrgica, resultados, expectativas e possibilidades de êxito ou de agravamento do quadro. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano, ou diminui a possibilidade de êxito.

Ainda, também se atribui o dever de informar ao paciente, mormente com relação às doenças que possui, às suas características e hábitos pessoais, bem como possíveis reações de seu organismo, acerca das quais tenha conhecimento e que sejam relevantes à prestação do serviço ou que tenham sido questionadas pelo médico.

No entanto, como destaca Marques [189], no que concerne à observância deste dever, presume-se a boa-fé do consumidor, de forma que o mesmo não poderá ser prejudicado por ter faltado com determinada informação especializada. Salienta a brilhante doutrinadora que tais informações, na maioria das vezes, são desconhecidas ou consideradas irrelevantes pelo consumidor. Portanto, neste caso, em sendo necessárias, devem ser investigadas pelo profissional.

De forma geral, o dever de informação atribui à avença a noção de transparência [190], imprescindível à adequada execução dos contratos, bem como à satisfação dos anseios das partes.

Ao destacar a importância do dever de informar, leciona Lopez [191] que

Hoje, o dever de informar é princípio do sistema do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, IV, e também direito básico do consumidor (cliente), art. 6º, III, quando o Código determina que a informação (direito básico) deve ser adequada e clara sobre os diferentes produtos ou serviços, bem como sobre os riscos que representem. Além disso, fazem parte do sistema do consumidor os princípios da transparência em todas as atitudes, assim como a vulnerabilidade do consumidor. Com certeza, o doente é o indivíduo mais vulnerável que existe.

A obrigação de informar atribuída ao médico encontra-se expressa também no Código de Ética Médica, em seu art. 59, in verbis:

Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Quanto à relação de consumo que envolve a realização de cirurgia estética, a informação assume papel ainda mais relevante. E isto porque, a depender da maneira como for prestada, é capaz de determinar as obrigações dos contratantes de forma diversa a que normalmente lhes são atribuídas em razão da natureza do serviço.

Em virtude do agravamento das obrigações do médico nesta espécie de procedimento, o mesmo deve se imbuir de maior cuidado no momento da contratação, a fim de analisar com exatidão as informações trazidas pelo caso. [192]

Pelas lições de Kfouri Neto [193], deve o cirurgião seguir alguns passos na fase pré-contratual, quais sejam: confirmar as informações apresentadas pelo consumidor, ponderar os riscos e as vantagens trazidos pela cirurgia, verificar e se convencer da viabilidade da mesma, informar ao paciente os benefícios e malefícios do procedimento.

Como já verificado, o paciente procura com a cirurgia plástica o resultado. A ele não interessa o "meio termo". Caso o resultado pretendido não seja alcançado, juridicamente, a inexecução será completa. Daí a necessidade do dever de informação. O cirurgião plástico delimitará sua responsabilidade através das informações que passa para o consumidor.

Caso não seja a cirurgia estética viável ao alcance do resultado pretendido pelo paciente, caso os riscos sejam muitos, de forma a dificultar ou impedir a conclusão do procedimento da forma como esperada pelo consumidor, deve o médico expor ao consumidor tais circunstâncias e informar a impossibilidade de se obter o resultado, ou até mesmo, no mais graves dos casos, se recusar à realização da cirurgia. Neste sentido, destaca Dias [194]:

A cirurgia estética, portanto, deve ser apreciada do ponto de vista subjetivo. É, decerto, impossível compreender a irresponsabilidade do médico que pratica operação desta natureza sem a existência de um como que estado de necessidade, apreciável segundo as circunstâncias e na proporção dos riscos que imponha ao paciente. Isto é, embora reconhecida a necessidade da operação, deve o médico recusar-se a ela, se o perigo da intervenção é maior que vantagem que poderia trazer ao paciente.

Oportuno ressaltar que o defeito de informação, ou seja, a inobservância deste dever anexo à relação contratual, é passível de ensejar a responsabilidade médica, mormente em se considerando a especialidade estética. É o que pontua Lopez [195], segundo a qual, nas cirurgias puramente estéticas, a informação defeituosa é extremamente grave, vez que se trata de procedimentos dispensáveis.

Como bem destaca o jurista francês Jean Penneau, citado por Lopez [196], para os procedimentos dispensáveis, o defeito de informação configura-se também no caso "[...] em que se o cliente tivesse sido melhor informado teria optado por outra solução, que não o exporia aos riscos da internação."

Conforme já analisado, as cirurgias puramente estéticas são desprovidas de finalidade curativa, porquanto o paciente que a ela se submete, o faz motivado apenas pelo embelezamento de sua feição estética, já que, em regra, goza de perfeita saúde. É por esta razão que, como destacou a aludida jurista, pode ser considerado procedimento dispensável.

Cumpre ponderar que inegável é o fato de que esta espécie de serviço médico envolve grande álea, característica a todos os procedimentos cirúrgicos. No entanto, é exatamente a aliança entre a presença de tantos riscos e a ausência de finalidade curativa que exige maior rigor na observância do dever de informar.

Assim sendo, pode-se afirmar que a informação defeituosa pode ensejar a responsabilidade do profissional da medicina, na forma como regula o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, desde que configurados os demais elementos caracterizadores da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, já elucidados em capítulo anterior.

No que concerne à obrigação de resultado assumida pelo médico nas cirurgias puramente estéticas, bem como à importância da informação da definição desta obrigação, com louvor ressalta Cavalieri Filho [197]

O objetivo do paciente [na cirurgia estética] é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado [...], será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.

É, portanto, no caso concreto que se poderá distinguir, para fins de responsabilidade civil, se a obrigação será de meios ou de resultado. Mesmo nos casos em que a obrigação é considerada de meios, caso o profissional prometa a obtenção do resultado, quando da formação do contrato, deverá ser responsabilizado pelo mesmo. [198]

Ainda, importante pontuar que mesmo nas obrigações de resultado, a presença da culpa do médico não pode ser dispensada. A responsabilidade do profissional liberal da medicina continua a ser subjetiva, a teor das disposições do art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, contudo, a prova da ausência de culpa cabe ao médico.

A fim de analisar a configuração da culpa médica e do nexo causal para a responsabilidade civil, necessária se faz a distinção entre o erro médico e as causas de exclusão da responsabilidade.

3.4 CULPA MÉDICA E CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE

A identificação da culpa médica, tanto nas relações em que o profissional se sujeita a obrigação de meio, quanto naquelas em que em que está submetido a obrigação de resultado, é considerada de extrema dificuldade. [199]

Consoante já mencionado, nas cirurgias puramente estéticas, objeto deste estudo, para a configuração da responsabilidade do médico, cabe ao paciente lesado a prova do defeito na prestação dos serviços, ou seja, do dano caracterizado pela não obtenção do resultado avençado, bem como do nexo causal entre o defeito e a conduta do profissional.

E isto porque a responsabilidade civil do cirurgião plástico nesta espécie de procedimento é subjetiva, por força do disposto no art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, porém com culpa presumida [200], já que a obrigação assumida pelo mesmo é, em regra, de resultado.

Ao médico atribui-se o ônus de afastar a presunção de culpa, "mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar" [201], o que importa na prova de que agiu de forma diligente, prudente e perita e que, por conseqüência, a não obtenção do resultado se deve a circunstâncias alheias à sua vontade, que caracterizam as excludentes do nexo causal.

A responsabilidade do médico pode estar fundada também na violação dos deveres anexos à relação de consumo, conforme elucidado linhas acima. Neste caso, a violação dos deveres caracteriza a conduta negligente, na maioria das vezes.

No que tange a prova da culpa médica, importante ressaltar a relevância da regra consumerista de inversão do ônus da prova nas obrigações de meios, bem como da imputação da contraprova ao profissional, nas obrigações de resultado.

Isso porque, em regra, os obstáculos que se apresentam ao consumidor para a prova da conduta culposa do prestador de serviços são inúmeros. Trata-se de questões de caráter estritamente técnico, muitas vezes, que são desconhecidas pelo leigo. Ademais, a seqüência de atos praticados pelo médico é incompreensível aos olhos do paciente, além de estar envolta no sigilo necessário à atividade da medicina, segundo determinação legal. É o que destaca Aguiar Júnior [202]:

São consideráveis as dificuldades para a produção da prova da culpa. Em primeiro lugar, porque os fatos se desenrolam normalmente em ambientes reservados, seja no consultório ou na sala cirúrgica; o paciente, além das dificuldades em que se encontra pelas condições próprias da doença, é um leigo, que pouco ou nada entende dos procedimentos a que é submetido, sem conhecimentos para avaliar causa e efeito, nem sequer compreendendo o significado dos termos técnicos; a perícia é imprescindível, na maioria das vezes, e sempre efetuada por quem é colega do imputado causador do dano, o que dificulta e, na maioria das vezes, impede a isenção e a imparcialidade. É preciso superá-las, porém, com determinação, especialmente quando atuar o corporativismo.

Por tais razões, extrema relevância possui o dever de cooperação do prestador de serviços na busca pela verdade real, no âmbito processual, bem como o seu dever de provar a ausência de culpa e do dever de indenizar.

A legislação pátria trata das chamadas excludentes de responsabilidade. São circunstâncias que interferem no acontecimento que deu origem ao dano, rompem o nexo causal e, por conseqüência, excluem a responsabilidade. [203]

Pela disposição do art. 14, §3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor, o prestador de serviço estará isento de responsabilidade quando provar a inexistência do defeito e a culpa exclusiva do consumidor.

O Código Civil de 2002 [204], por sua vez, prevê como causas excludentes de responsabilidade o caso fortuito ou força maior, conforme disposições do art. 393, e a culpa exclusiva da vítima.

As regras trazidas por ambos diplomas legais se aplicam ao médico cirurgião plástico, de modo que, uma vez restando demonstrada a presença de uma dessas circunstâncias, não poderá ser responsabilizado.

Importa pontuar, entretanto, que não se deve confundir causas imprevisíveis com questões que deveriam ter sido levadas em conta pelo médico quando da análise acerca da viabilidade da cirurgia. Sobre o tema, leciona Lopez [205]:

A reação inesperada, devido à constituição física e psíquica do paciente, pode ilidir a culpa médica, se o profissional procedeu com esmero, perfeição técnica e também informou o cliente de que, mesmo em casos raríssimos, o dano poderia acontecer. [grifo nosso]

Neste caso, cabe ao profissional a prova de que cumpriu com todos os deveres e obrigações que lhes foram atribuídos pelo contrato de prestação de serviço, demonstrando a imprevisibilidade da causa.

Oportuno ressaltar, como já mencionado, que a responsabilidade civil do médico é subjetiva. Embora a obrigação nas cirurgias embelezadoras seja de resultado, não há que se falar em responsabilidade objetiva, vez que está ultima encontra-se fundada na teoria do risco, consoante observado em tópico anterior.

Por esta razão, não poderá o médico ser responsabilizado por complicações inerentes ao ato cirúrgico que não possuam relação direta com a sua atividade, desde que sejam imprevisíveis (fortuito interno). [206]

Por fim, insta frisar que a delimitação das obrigações assumidas pelo médico, os limites de sua culpa e a identificação das causas de exclusão de sua responsabilidade dependem, notadamente, da conduta por ele assumida no momento da contratação e no decorrer da prestação do serviço, quanto aos deveres de boa-fé, cuidado e informação.

Aquele profissional que tem seus atos pautados pela ética e pela observância da estrita legalidade dificilmente será responsabilizado por eventuais danos advindos do exercício de sua profissão.

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Sobre a autora
Juliana Carrareto Favarato

Bacharel em Direito pelas Faculdades de Vitória - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVARATO, Juliana Carrareto. Responsabilidade civil do médico nas cirurgias estéticas à luz do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2080, 12 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12449. Acesso em: 19 abr. 2024.

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