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Requisição da força pública pela fiscalização tributária.

Interesse público x razoabilidade

16/03/2009 às 00:00
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A prerrogativa de requisição da força pública por parte das autoridades fiscais como forma de garantir o desempenho de suas atribuições legais ou de medida prevista na legislação tributária encontra-se vazada no artigo 200, da Lei nº 5.172, de 25/10/1966 (CTN) [01]:

Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção.

Com o intuito de buscar o real alcance da prerrogativa em comento sob a égide da Constituição Federal de 1988, em especial à luz dos princípios constitucionais do interesse público e da razoabilidade, apoiar-se-á na doutrina e na jurisprudência pátria.

Analisando o alcance do artigo em tela Paulo de Barros CARVALHO ressalta que, não raro, a atividade fiscalizatória pode encontrar óbices para sua execução, logo, a prerrogativa teria o condão de dar efetividade às providencias necessárias para a condução da ação fiscal (CARVALHO, 2007, p. 555-556).

EDUARDO DE MORAES SABBAG externa posicionamento semelhante, porém, assevera que na utilização desta prerrogativa deve imperar a máxima parcimônia, evitando-se excessos e ilegalidades (SABBAG, 2008, p. 354-355).

No entender de HUGO DE BRITO MACHADO, as autoridades fiscais, baseadas no comando do CTN, de fato detêm tal prerrogativa, contudo, a sua utilização administrativa, deve ser restrita as situações nas quais seus pressupostos de validade estejam presentes [02], pois, de outra forma, dependerá de autorização judicial, haja vista que diversas garantias constitucionais asseguradas aos contribuintes [03] impõem limitações ao alcance do art. 200 do CTN, que há de ser interpretado de conformidade com a Carta Magna, cujo descumprimento pode acarretar na invalidade das provas coligidas e na caracterização de diversos crimes, como por exemplo, excesso de exação (MACHADO, 2003, p.223-224).

De remate, calha registrar o entendimento mais extremado de SACHA CALMON NAVARRO COELHO, no sentido de que tal prerrogativa é de utilização muito delicada e dá azo para que a autoridade fiscal, sem fazer a prova necessária, requisite a força policial e cometa arbitrariedades (COÊLHO, 2008, p. 885-886).

Com esteio no escólio dos doutrinadores supra, infere-se que o poder de requisição da força pública por parte das autoridades fiscais é válido e vigente, porém encontra relevantes restrições de alcance impostas pelas garantias e direitos individuais, demais normas e princípios insculpidos na Constituição Federal de 1988 [04].

Inobstante, a prerrogativa em tela veio no sentido de dar condições aos agentes fazendários de efetivamente fiscalizar o cumprimento da legislação tributária, atendendo, em última análise, ao próprio interesse público [05], ou seja, ao interesse maior de toda a sociedade de que todos os contribuintes-cidadãos cumpram com suas obrigações tributárias, recolhendo os tributos devidos, gerando receita para que o Estado tenha condições de cumprir com suas responsabilidades constitucionais, num cristalino viés de retorno para o próprio corpo social, com efeito, a imposição de óbices que impossibilitem ou dificultem a condução da fiscalização em alguns casos pode configurar afronta ao interesse público.

Porém, compactua-se com a ressalva de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, para quem o "interesse fazendário" (arrecadatório) não se confunde nem muito menos sobrepaira o "interesse público", antes se subordina a este, de modo que somente poderá prevalecer quando em perfeita sintonia com ele, logo, o mero interesse arrecadatório não pode fazer tábua rasa dos direitos constitucionais dos contribuintes (CARRAZZA, 2006, p.463).

Todavia, por uma questão de razoabilidade [06], ao mesmo tempo em que ao particular é recomendado que colabore com a fiscalização, aos agentes do Fisco, compete pautar suas ações pela prudência, racionalidade e sensatez, de modo que a utilização da força pública somente deve ser manejada em última hipótese, em situações nas quais realmente seja necessária e com estrita observância das normas constitucionais, evitando condutas desarrazoadas, incoerentes e desproporcionais que colidam com o princípio da razoabilidade.

Ante ao exposto, registra-se que sempre haverá um conflito entre o interesse público e a razoabilidade entrelaçado ao desenvolvimento das atividades fiscais, sendo que, de acordo com o caso concreto, tais aspectos deverão ser sopesados para nortear a utilização da prerrogativa em apreço, pois, ambos os princípios deitam raízes no princípio maior da segurança jurídica, uma das vigas-mestras do Estado de Direito.

Tais reflexões são corroboradas por vários julgados do STJ [07] e do STF, dentre eles insta reproduzir o acórdão exarado no HC nº 82.788/RJ, de 12/04/2005 (DJ 02/06/2006):

"Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. [...]"

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. SP, Malheiros, 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

COÊLHO, Sacha C. N. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. RJ, Forense, 2008.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 20ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22ª ed. São Paulo, Malheiros, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo, Malheiros, 2008.

SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito Tributário. 9ª ed. SP, Premier Máxima, 2008.


Notas

  1. Não obstante, por meio do §2º, do artigo 95 da Lei nº 4.502, de 30/11/1964, o legislador ordinário já havia dotado as autoridades fiscais de prerrogativa semelhante, verbis: "§ 2º Quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando seja necessário à efetivação de medidas acauteladoras do interêsse [sic] do fisco, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção, os agentes fiscalizadores, diretamente ou através das repartições a que pertencerem, poderão requisitar o auxílio da fôrça [sic] pública federal, estadual ou municipal."
  2. Quando a autoridade fiscal for vítima de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou também ser o auxílio necessário para a realização de medida prevista na legislação tributária.
  3. V.g., inviolabilidade de domicílio (CF de 1988, art. 5º, XI), o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados e das comunicações telefônicas (CF de 1988, art. 5º, XII).
  4. Tanto o §2º, do art. 96, da Lei nº 4.502, de 30/11/1964, que positivou originalmente a prerrogativa em comento como o art. 200, da Lei nº 5.172, de 25/10/1966, que o repisou, vieram a lume em uma conjuntura político-jurídica totalmente peculiar, logo, atualmente para terem validade devem respeitar os contornos impostos pela Constituição Cidadã de 1988, em especial, as garantias individuais.
  5. DIOGENES GASPARINI entende que interesse público refere-se a toda a sociedade, é o interesse da comunidade considerada por inteiro (GASPARINI, 2007, p.15). Nesse sentido é a lição de DE PLÁCIDO E SILVA: "Ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está adstrito a todos os fatos ou a todas as coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral. (SILVA, 2002, p. 498).
  6. A regra vertida no inciso VI, do parágrafo único, do art. 2º da Lei nº 9.784/99, que exige que nos processos administrativos seja respeitada a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, reflete um dos principais aspectos do princípio da razoabilidade.
  7. Vide REsp 1010920/RS de 20/05/08 (DJ 23/06/08), HC 18612/RJ de 17/12/02 (DJ 17/03/03) e RHC 11934/SC de 27/11/01 (DJ 25/02/02).
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Sobre o autor
Remy Deiab Junior

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Graduado em Economia. Graduando em Direito. Pós-Graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEIAB JUNIOR, Remy. Requisição da força pública pela fiscalização tributária.: Interesse público x razoabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2084, 16 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12467. Acesso em: 29 mar. 2024.

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