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O teletrabalho

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27/03/2009 às 00:00
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4.0. O ACORDO MARCO EUROPEU SOBRE TELETRABALHO

O Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, subscrito em 16 de julho de 2002, pela comissão européia convidada pelo Conselho Europeu para tratar do assunto conjuntamente com interlocutores sociais, estabelece um marco geral sobre teletrabalho à escala européia. Apesar de ser de adesão voluntária para os estados membros da Comunidade, tem sido utilizado por vários países europeus, assim como por entidades de representação trabalhista e patronal, como vértice para o estabelecimento de relações de teletrabalho.

Pelo Acordo, teletrabalho é definido como

"una forma de organización y/o de realización del trabajo, utilizando las tecnologías de la información en el marco de un contrato o de una relación de trabajo, en la cual un trabajo que podría ser realizado igualmente en los locales de la empresa se efectúa fuera de estos locales de forma regular. [38]"

Assim, para efeitos de orientação, teletrabalhador é a pessoa que exerce o teletrabalho nos moldes do parágrafo destacado, ou seja, que está vinculado a uma empresa em relação marcada pela subordinação jurídica, exercendo um trabalho de forma regular, que bem poderia ser exercido nas dependências empresariais. Por isso mesmo, o Acordo trata de destacar que, naquilo que se refere às condições de emprego, "los teletrabajadores se benefician de los mismos derechos, garantizados por la legislación y los convenios colectivos aplicables, que los trabajadores comparables en los locales de la empresa" [39], podendo haver acordos específicos complementares em razão das particularidades de cada relação laboral.

Pelo Acordo, a configuração da relação de teletrabalho deverá respeitar a vontade individual tanto do empregado como do empregador, e, uma vez ajustada, deverá ser sucedida pela entrega ao teletrabalhador de "toda la información escrita relevante…, que incluye la información sobre los convenios colectivos aplicables, una descripción del trabajo que hay que realizar, etc" [40]. Igualmente:

"el paso a teletrabajo como tal, puesto que sólo modifica la forma en que se realiza el trabajo, no afecta a la situación de empleo del trabajador. La negativa de un empleado a teletrabajar no es, en sí, un motivo de rescisión de la relación laboral ni de modificación de las condiciones de trabajo de este trabajador" [41].

Nesta mesma senda, o Acordo Marco prevê a condição de reversibilidade da relação de teletrabalho:

"Si el teletrabajo no forma parte de la descripción inicial del puesto, la decisión de pasar a teletrabajo es reversible por acuerdo individual o colectivo. La reversibilidad puede implicar una vuelta al trabajo en los locales de la empresa a demanda del trabajador o del empresario" [42].

Pelo Acordo, o empregador "es responsable de adoptar las medidas adecuadas, especialmente respeto al software, para garantizar la protección de los datos usados y procesados por el teletrabajador con fines profesionales" [43]. O empregador também é obrigado a respeitar a vida privada do empregado, e, se decidir adotar algum tipo de sistema vigilância para o ambiente de trabalho, deverá cuidar para que seja proporcional ao objetivo demandado. [44] Também será de responsabilidade do empregador o reembolso dos custos referentes a todo equipamento utilizado pelo empregado, sendo dever deste responsabilizar-se pelo seu bom manuseio e guarda. Neste diapasão, o empregado também se obriga a não difundir material ilícito via internet [45].

O empregador é responsável pelo amparo da saúde e segurança profissional do teletrabalhador, devendo informá-lo sobre a política empresarial em matéria de saúde e segurança no trabalho. Por sua vez, o teletrabalhador se obriga a aplicar tais políticas corretamente [46].

O Acordo Marco não descuida de esclarecer que a organização do tempo de trabalho do teletrabalhador deverá ser administrada por ele próprio, e que sua carga de trabalho e os critérios de resultados deverão ser equivalentes aos dos trabalhadores comparáveis nos locais do empregador. Ao empregador caberá tomar medidas para evitar o isolamento do teletrabalhador, devendo gerar-lhe oportunidades para encontrar-se regularmente com os colegas da sede empresarial [47].

Os teletrabalhadores deverão receber formação adequada e ter as mesmas possibilidades de acesso à formação e de carreira que outros trabalhadores comparáveis no local do empregador, estando igualmente sujeitos às mesmas regras de avaliação profissional [48].

Por fim, é garantida aos teletrabalhadores igualdade de direitos coletivos aplicada a outros trabalhadores nos locais da empresa, não se podendo colocar dificuldades à comunicação dos mesmos com seus representantes. Os teletrabalhadores se sujeitarão às mesmas condições de participação e elegibilidade que outros trabalhadores, para todos os fins. A representação dos trabalhadores deverá ser informada e consultada sobre a introdução do regime de teletrabalho [49].

Consoante dito no início do capítulo, o Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho vem sendo utilizado por vários países da Europa, bem como por entidades de representação patronais e de trabalhadores, como vértice para o estabelecimento de relações de teletrabalho. Na Espanha, por exemplo, onde algumas convenções coletivas já regulavam o teletrabalho antes mesmo da subscrição do Acordo Marco Europeu [50], o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2003 [51] reconheceu o Acordo Marco como um meio de modernização para as empresas, e um meio de conciliação da vida profissional e pessoal para os trabalhadores, que usufruirão de maior autonomia para a realização de suas tarefas. Ressaltou, também, a importância de difundir os termos do Acordo em debates e seminários, enfatizando suas características de voluntarismo para os contratantes, reversibilidade e de igualdade do teletrabalho relativamente às condições dos demais empregados do local do empregador, bem como destacou a necessidade de promover a adaptação de seu conteúdo à realidade espanhola, a fim de promover uma utilização favorável tanto para a empresa como para os trabalhadores, verbis:

Capítulo VIII: "Las Organizaciones Empresariales y Sindicales firmantes nos comprometemos durante la vigencia de este Acuerdo a promover la adaptación y el desarrollo de su contenido a la realidad española, teniendo especialmente en cuenta aquellos ámbitos en los que puede existir más interés, de manera que se impulse una mayor y adecuada utilización del teletrabajo, favorable tanto a las empresas

como a los trabajadores.".

Já o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2005 voltou a destacar as características voluntarista e de reversibilidade do teletrabalho, tanto para o trabalhador como para a empresa, de igualdade de direitos dos teletrabalhadores em relação aos trabalhadores do local do empregador e a conveniência de se regular sobre aspectos relacionados à privacidade, confidencialidade, prevenção de riscos, instalações, equipes, formação, etc.

Não custa ressaltar que, na Espanha, apesar das recomendações do Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, o Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales (atual Ministerio de Trabajo e Inmigración) já emitiu Nota Técnica de Prevenção sobre o Teletrabalho, de número 412 [52], que aborda a questão oferecendo marco y recomendações para a implantação do mesmo, além de indicar outros aspectos.


5.0. TELETRABALHO E TRABALHO A DOMICILIO

O trabalho a domicílio tem sido identificado pela doutrina como precursor histórico do teletrabalho, sendo verdade que ambas as modalidades são espécies próprias do gênero trabalho à distância. Entretanto, apesar do teletrabalhador poder laborar em sua residência, ambas as categorias de trabalho não se confundem.

Segundo a literatura laboral, o trabalho a domicílio é uma das formas mais antigas existentes de trabalho subordinado, que remonta ao período pré-industrial, isto é, às origens do trabalho assalariado. Ocorre quando o operário trabalha em seu lar, ou em outro lugar que escolha, distinto da sede da empresa, mas executa suas atividades em função e sob a subordinação do empregador. EVARISTO DE MORAES FILHO conceitua o trabalho a domicílio como sendo:

"o que realiza o operário, habitual ou profissionalmente, em sua própria habitação ou em local por ele escolhido, longe da vigilância direta do empregador, ou em oficina de família, com auxílio dos parentes aí residentes ou algum trabalhador externo, sempre que o faça por conta e sob a direção de um patrão" [53].

Apesar de que a característica de subordinação jurídica se observa claramente na definição de trabalho a domicílio, as dificuldades que a prática oferece à configuração daquele tipo de trabalho fizeram com que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promulgasse, em 04.06.1996, a Convenção 177 sobre o mesmo. A normativa estabeleceu, em seu artigo 1º [54], a3, que a condição de trabalhador a domicílio pode existir

"independientemente de quién proporcione el equipo, los materiales u otros elementos utilizados para ello, a menos que esa persona tenga el grado de autonomía y de independencia económica necesario para ser considerada como trabajador independiente."

Por sua vez, o artigo 4º [55], seguinte, estipulou que a política nacional (dos países signatários) deverá promover a igualdade entre trabalhadores a domicílio e demais trabalhadores assalariados, levando-se em conta as características do trabalho a domicílio e, quando possível, as condições aplicáveis a um tipo de trabalho idêntico ou similar, tendo em mente que tal igualdade de trato deverá será fomentada respeitando-se:

a) "el derecho de los trabajadores a domicilio a constituir o a afiliarse a las organizaciones que escojan y a participar en sus actividades;

b)a protección de la discriminación en el empleo y en la ocupación;

c)la protección en materia de seguridad y salud en el trabajo;

d)la remuneración;

e)la protección por regímenes legales de seguridad social;

f)el acceso a la formación;

g)la edad mínima de admisión al empleo o al trabajo;

h)la protección de la maternidad".

No Brasil, mão muito distintamente das orientações da OIT, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 6º, estabelece que "não se distingue entre o trabalho realizado no domicílio do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego". Por sua vez, o artigo 83 dispõe que "é devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere".

Na Espanha, as previsões legais também não guardam conteúdos muito diferentes. O artigo 13.1 do Estatuto de los Trabajadores estabelece que terá a consideração de contrato de trabalho a domicilio "aquel en que la prestación de la actividad laboral se realice en el domicilio del trabajador o en lugar libremente elegido por éste y sin vigilancia del empresario". Já os incisos 3 e 5 do mesmo artigo prevêem, respectivamente, que "el salario, cualquiera que sea la forma de su fijación, será, como mínimo, igual al de un trabajador de categoría profesional equivalente en el sector económico de que se trate" e que "los trabajadores a domicilio podrán ejercer los derechos de representación colectiva..., salvo que se trate de un grupo familiar".

Se por um lado a subordinação jurídica é uma característica da relação de trabalho a domicílio, a mesma também pode qualificar a relação de teletrabalho, segundo a definição, por exemplo, do Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho. Entretanto, apesar das semelhanças, há substanciais diferenças entre uma modalidade e outra de trabalho.

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Para começar, o teletrabalho pode ser realizado em qualquer local desde que fora do centro empresarial, embora ali pudesse ser exercido regularmente, se assim quisesse o empregador. Tal possibilidade não se encontra nas hipóteses gerais de trabalho a domicílio, onde o trabalho dificilmente seria realizado, salvo se na moradia do empregado ou em lugar por ele livremente escolhido.

Em segundo lugar, consonante já dito, a utilização de tecnologias de informação, com enlace de comunicação, será sempre imprescindível para a configuração do teletrabalho, embora isso não seja exigência à configuração do trabalho a domicílio da legislação trabalhista, cujas atividades derivadas não costumam envolver extrema complexidade.

Em verdade, a doutrina também diverge quanto às diferenças entre teletrabalho e trabalho a domicílio, sendo unânime, porém, quanto ao uso dos meios tecnológicos requeridos pela nova modalidade trabalhista. Para WILFREDO SANGUINETI RAYMOND:

"Frente al trabajo a domicilio, las novedades que introduce el teletrabajo son dos: a) la extensión del fenómeno a sectores y a tareas más complejas que las manuales de antaño (tratamiento, transmisión y acumulación de información; investigación y desarrollo; asistencia técnica, consultoría y auditoría; gestión de recursos; ventas y operaciones mercantiles en general; diseño, periodismo y traducción, etc.) y b) empleo de las nuevas tecnologías como medio de interconexión" [56].

Porém, apesar da doutrina falar de "renacimiento del trabajo a domicilio [57]" ou de retorno de "formas arcaicas de empleo de mano de obra [58]", entende-se que o máximo que se de pode dizer de identidade entre as duas modalidades de trabalho subordinado é que, assim como anunciado acima, teletrabalho e trabalho a domicilio são espécies distintas do mesmo gênero trabalho à distância, e que a nova modalidade teve naquela primeira, de origem pré-industrial, um antecedente de ordem histórica.

Uma hipótese remota, mas provável, é a configuração do teletrabalho a domicilio. Esclarece RAMÓN SELLAS I BENVIGUT que:

"...el contrato de trabajo a domicilio, como el de teletrabajo a domicilio, al igual que cualquier otro tipo de prestación laboral, podrá serlos por tiempo indefinido o de duración determinada... según que las labores sean de naturaleza permanente o temporal, incluso en sistema de trabajo temporales – teletrabajo temporal (...) [59]."

Sobre o assunto, CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM [60] narra em sua obra, experiência brasileira em que uma empresa de elaboração e assistência técnica de softwares descentralizou seu centro de serviços e contratou seis empregados para laborarem em suas próprias residências, com jornadas pré-estipuladas e remunerações fixas, concedendo-lhes, por sua conta, todos os equipamentos necessários à execução das tarefas. Assim mesmo a autora observa que a situação jurídica dos contratados é frágil e se baseia em critério de confiança, já que nada impede que recorram ao Poder Judiciário para reivindicar horas extras, reembolso de custos como aluguel, telefone, energia elétrica e pagamento de royalities.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UCHÔA, Marcelo Ribeiro. O teletrabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2095, 27 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12530. Acesso em: 5 nov. 2024.

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