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A fogueira da inquisição ainda arde

04/04/2009 às 00:00
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A Inquisição não acabou na Idade Média. No Brasil ainda se queimam livros. A liberdade de pensamento é cerceada e sacrificada no altar do politicamente correto. Opiniões críticas a minorias, feitas no mais puro exercício da liberdade de pensamento, podem acarretar a quem as externou sanções penais.

Um exemplo: em 2003, a Santa Inquisição, ou melhor, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou ordem de hábeas-córpus ao escritor S. E. Castan, acusado de veicular idéias anti-semitas nos livros de sua Editora.

Nas obras da Editora do autor, especialmente em ‘Holocausto, Judeu ou Alemão – nos bastidores da mentira do século’ e ‘Os Conquistadores do Mundo’, não existe uma linha sequer que pregue a superioridade de uma raça sobre outra, ou que incite quem quer que seja à prática de racismo contra os judeus.

Surpreendentemente, o autor foi condenado pela prática de racismo. O real motivo: divulgou versão histórica que nega o holocausto de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Sugere o autor que os judeus, donos do poder político e dos meios de comunicação, criaram uma versão fantasiosa de holocausto para obterem proveito econômico e político. A tese, por óbvio, não agradou aos judeus.

No entanto, nesse mar de trevas que foi o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, merece encômios o voto (vencido) do Ministro Marco Aurélio, que concedeu a ordem de hábeas-córpus, reafirmando o direito da liberdade de expressão. Em certo trecho do voto, o Ministro refere: ‘O paciente, por meio do livro, instigou ou incitou a prática de racismo? Existem dados concretos que demonstrem, com segurança, esse alcance? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa’. Ensina o Ministro que somente estaria configurado o crime de racismo se o autor, em vez de publicação um livro "no qual expõe suas idéias acerca da relação entre judeus e os alemães na Segunda Guerra Mundial, como na espécie, distribuísse panfletos nas ruas de Porto Alegre com dizeres do tipo ‘morte aos judeus’, ‘vamos expulsar estes judeus do país’, ‘peguem as armas e vamos exterminá-los. Mas nada disso aconteceu no caso em julgamento." Agregou o Ministro que S. E. Castan limitou-se a escrever e a propagar uma versão da história vista com os próprios olhos.

Recentemente, a Assembléia Geral da ONU adotou Resolução que ‘condena sem nenhuma reserva qualquer negação do Holocausto’, pedindo que todos os Estados-membros rejeitem qualquer negação do Holocausto como fato histórico. A Resolução foi uma espécie de ‘resposta’ ao Irã, que patrocinou uma conferência que questionava o extermínio de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Ora, deveria causar espécie a qualquer pessoa civilizada que a ONU tente silenciar debate sobre o assunto, especialmente quando existem muitos historiadores idôneos em vários países do mundo que também questionam a ocorrência do Holocausto.

Esclareça-se aqui que não se está negando a ocorrência do Holocausto. E nem a afirmando. Unicamente, condena-se a tentativa de sepultar qualquer debate sobre o assunto. Infelizmente, os ressurectos Torquemadas continuam agindo em detrimento da liberdade de opinião e pensamento.

Em 2004, viu-se o esforço (frustrado) de advogado paulista para proibir a exibição no Brasil do filme ‘A paixão de Cristo’’ . Protocolou pedido nesse sentido na Secretaria Especial de Direitos Humanos, alegando apologia ao racismo. O filme aborda as últimas 12 horas de Cristo na Terra e, no entender de Jayme Blay, Presidente da Federação Israelita de São Paulo, continha ‘inverdades históricas’ e alimentava o preconceito e a animosidade contra os judeus, apresentando-os como os responsáveis pela crucificação de Cristo.

Assiste-se, assim, atônitos, a formação de uma ditadura de minorias. Essas minorias empreendem os máximos esforços para alcançar o poder político e assumir postos na produção cultural. Nestas posições, exigem privilégios que as alçam acima das condições do cidadão comum: a legislação deve lhes conferir direitos especiais; os discursos de opositores devem ser silenciados, inclusive com a ameaça de sanções penais; devem ter imunidade para criticar quaisquer posições contrárias às suas idéias, etc.

Quem falar sobre judeus hoje em dia, só o poderá fazer para repudiar a discriminação. Se ousar levantar outro questionamento importante, mencionar algum paradoxo, tecer alguma crítica, por mais justa que seja, será ‘esmagado’ pelos adeptos do politicamente correto.

Na ditadura das minorias, seus membros acreditam que são os censores da moralidade pública, podendo prescrever o que cada um deve pensar, falar, ver e difundir. Permitir ao povo que visse o filme ‘A paixão de Cristo’ e tirasse conclusões próprias? Nem pensar!

Infelizmente, as ‘minorias barulhentas’, mas bem organizadas, querem sepultar o debate e a livre circulação de idéias. Talvez sem se darem conta, fragilizam os discursos de defesa da democracia, da pluralidade de idéias, da liberdade de consciência e o próprio Estado Democrático de Direito em que vivem.

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Sobre o autor
Cláudio da Silva Leiria

Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEIRIA, Cláudio Silva. A fogueira da inquisição ainda arde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2103, 4 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12562. Acesso em: 22 dez. 2024.

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