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A questão da inimputabilidade por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico atual

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05/04/2009 às 00:00

Resumo:


  • A crescente criminalidade no Brasil tem sido marcada por um aumento alarmante de conflitos inter-pessoais, resultando em violência.

  • O Estado tende a punir os infratores da lei sem demonstrar preocupação em conhecer as pessoas para aplicar medidas além da punição.

  • O instituto da inimputabilidade por doença mental, previsto no Código Penal, isenta de pena indivíduos incapazes de entender a ilicitude do ato, sendo submetidos a medida de segurança curativa e preventiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

9. INIMPUTABILIDADE E IMPUNIDADE:

Atualmente, milhares de indivíduos portadores de psicopatologias crônicas e incuráveis, com alto grau de periculosidade, ao arrepio da lei, se encontram amontoados nas penitenciárias brasileiras, condenados ao cumprimento de pena, ao invés de medida de segurança. Convivem com sentenciados imputáveis e lá permanecem sem qualquer tratamento psiquiátrico.

Percebe-se que setores variados da sociedade, principalmente autoridades públicas e judiciárias, possuem entendimento deturpado e até discriminatório acerca da inimputabilidade do doente mental, acreditando tratar-se de mais uma forma de impunidade.

Todavia, a não aplicação da lei ao caso concreto e o descaso das autoridades competentes com relação à inimputabilidade penal do doente mental, pode gerar reflexos desastrosos na sociedade.

Na prática, o Estado por razões discriminatórias e em decorrência da ausência e/ou precariedade dos hospitais de custódia no Brasil, prefere condenar o doente mental e aplicar-lhe pena. E, visando fugir de suas obrigações legais e sociais, incute na sociedade a idéia de que a inimputabilidade penal do doente mental é uma forma de impunidade, através da qual o criminoso procura esquivar-se de pagar pelo crime que cometeu.

O assunto é polêmico, uma vez que, conforme visto, os crimes cometidos por doentes mentais, em sua grande maioria, são dotados de alto grau de violência e crueldade, e geram revolta e indignação na sociedade que, por sua vez, cobra das autoridades judiciárias a punição devida aos agentes desses ilícitos. O Estado, em contrapartida, tem se posicionado no sentido de ignorar a doença mental do agente, preferindo apenas puni-lo.

Acerca do assunto, Genival Veloso de França (1998), em Medicina Legal, referiu:

O julgador não pode ser apenas um frio executor de decisões contra atividades anti-sociais, prendendo infratores da lei. Julgar um homem sem conhecê-lo, é uma forma indisfarçável de charlatanismo jurídico, simplesmente porque cada delinqüente é tão diferente dos outros, como desiguais e complicadas são as suas próprias infrações. Mais importante do que os homens conhecerem a Justiça, é a Justiça conhecer o homem.

(p. 397).

A questão é que, ao condenar inimputáveis, ao invés de aplicar-lhes medida de segurança, o Estado provoca situação temerária no seio social.

Após o cumprimento de suas penas, ou, ao serem beneficiados com a progressão de regime ou livramento condicional, a tendência é que tais indivíduos retornem à sociedade, ainda mais doentes e periculosos do que antes, ao passo que, se fossem internados nos hospitais de custódia, conforme determina a lei, estariam recebendo o tratamento psiquiátrico necessário para sua futura reintegração, ou, em último caso, permaneceriam sob tratamento por tempo indeterminado, caso não fosse constatada a possibilidade de cura.

A situação demonstra clara ocorrência de insegurança jurídica, na medida que, em curto espaço de tempo, esses indivíduos estarão gozando de liberdade, sendo grande a probabilidade de reincidência.


CONCLUSÃO

Este trabalho procurou discorrer acerca da inimputabilidade por doença mental, buscando evidenciar a situação de ilegalidade, omissão e descaso do Poder Público com relação ao doente mental infrator, tanto no que diz respeito à efetiva aplicação da regra do art. 26 do Código Penal ao caso concreto, como da estrutura que deveria ser criada para a execução das medidas de segurança.

Verificou-se que o Código Penal, ao tratar da inimputabilidade por insanidade mental, não estabeleceu um conceito jurídico do que seja doença mental, nem definiu estado de perturbação mental, constante no parágrafo único do citado artigo. Esses dispositivos deveriam trazer enumeração taxativa, pois, ao serem interpretados pelos operadores do Direito, deixam dúvidas na hora de definir se o réu é inimputável ou semi-imputável.

Outra questão levantada no trabalho refere-se à constitucionalidade das medidas de segurança em nosso ordenamento jurídico. Verificou-se que a indeterminação legal de prazo máximo de cumprimento, ofende a diversos princípios e garantias constitucionais, como a legalidade, igualdade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. A medida de segurança, no Brasil, assumiu caráter de prisão perpétua, o que é inconstitucional.

Com relação aos estabelecimentos destinados ao especial tratamento curativo do inimputável, cuja existência é exigida em lei, verificou-se que poucos são os estados brasileiros que dispõem de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. E os poucos que existem, não estão adequadamente estruturados para atender os inimputáveis por doença mental, de forma digna e curativa.

Quanto ao tratamento dispensado pelas autoridades judiciárias aos inimputáveis por doença mental, no Brasil, firmou-se o entendimento equivocado de que medida de segurança é sinônimo de impunidade, enquanto que, na verdade, esta, ao lado da pena, constitui uma espécie de sanção penal, de finalidade diversa. Ao estudar as diversas anomalias mentais, concluiu-se que não seria justo aplicar ao doente mental infrator o mesmo tratamento dispensado ao indivíduo imputável.

Inúmeros são os casos envolvendo indivíduos portadores de psicopatologias crônicas e incuráveis, com alto grau de periculosidade, que são condenados à pena privativa de liberdade. E, após o cumprimento de suas penas, retornam à sociedade ainda mais doentes e periculosos do que antes, sendo grande a possibilidade de reincidirem no crime.

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É preciso que o Estado repense o atual tratamento dispensado ao doente mental infrator, para garantir a correta aplicação da lei, com vistas à segurança e à paz social.


BIBLIOGRAFIA

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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 1984.

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TOLEDO, Francisco Assis de. Direito Penal: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.


NOTAS

  1. CP, Art. 26: "É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".
  2. CPP - Art. 415. "O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando": (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008):
  3. IV – "demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime";
  4. CPP – Art. 415 - Parágrafo único. "Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva". (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008).
  5. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Rel_Sem_Reo_Hosp_Custodia.pdf>. Acesso em: 22.09.2008.
  6. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/07/07/materia.2007-07-07.9004844454/view>. Acesso em 22.09.2008.
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Sobre a autora
Farah de Sousa Malcher

Advogada e Jornalista. Especialista em Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALCHER, Farah Sousa. A questão da inimputabilidade por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2104, 5 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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