6. DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA:
No sistema atual, sanção penal é gênero do qual derivam duas espécies: as penas e as medidas de segurança que são diferentes e comuns em diversos aspectos. As primeiras são destinadas aos imputáveis e aos semi-imputáveis. O reconhecimento da culpabilidade do agente é condição sine qua non para a aplicação das penas, que têm caráter retributivo e intimidatório. Sua finalidade maior é a reinserção social do condenado, com um efeito de prevenção geral e especial. As penas são aplicadas por tempo determinado e proporcional à gravidade do delito e ao bem jurídico violado.
As medidas de segurança, por seu turno, destinam-se aos agentes inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis. Visam somente à prevenção especial, por meio do tratamento curativo do agente, com vistas à recuperação da sua saúde mental. Possuem prazo de duração determinado no mínimo, qual seja de três anos, e absolutamente indeterminado no máximo, cessando somente com o desaparecimento da periculosidade do agente, que deverá ser periodicamente verificada por exame médico.
Enquanto as penas pressupõem a culpabilidade do agente para sua imposição, a periculosidade é a condição para a aplicação das medidas de segurança. São pressupostos da medida de segurança a prática de fato típico e ilícito, a periculosidade do agente e a ausência de imputabilidade plena.
Por periculosidade, entende-se como a forte inclinação do agente inimputável por doença mental de reincidir no crime. É a probabilidade de que volte a delinqüir, em razão da sua perturbação mental, que compromete o entendimento acerca do crime ou ainda a capacidade de controlar o impulso delitivo. A periculosidade é o juízo futuro que se faz acerca do agente inimputável, enquanto a culpabilidade recai somente sobre o fato típico punível praticado, no passado, pelo imputável.
Pela redação do art. 97 do CP, existem, hoje, duas espécies de medida de segurança: a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, na falta deste, em estabelecimento adequado, para os crimes apenados com reclusão; e o tratamento ambulatorial, para os ilícitos com pena de detenção.
A primeira espécie é denominada medida de segurança detentiva, e a segunda, restritiva. A espécie a ser imposta ao réu dependerá, exclusivamente, da pena cominada ao crime por ele cometido, e não, do grau de sua periculosidade.
A execução da medida de segurança começa logo após o trânsito em julgado da sentença que a decretou. É extraída a Guia de Internamento (GI) ou de Tratamento Ambulatorial (GTA), expedidas pelo juízo competente e remetidas à autoridade administrativa responsável pela execução da sanção. A internação somente estará autorizada mediante a expedição da referida guia.
Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico estão previstos no art. 99 da LEP. O tratamento ambulatorial deve ser prestado no próprio hospital ou em outro estabelecimento adequado.
Quanto ao prazo de cumprimento das medidas de segurança, é indeterminado, enquanto não verificada a cessação da periculosidade do agente. Mas a sentença que decide pela absolvição imprópria do doente mental, obrigatoriamente, deverá estabelecer um prazo mínimo de duração, que poderá ser de um a três anos.
No decorrer da execução da MS, poderá o juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou do interessado, solicitar, fundamentadamente, o exame para verificar a cessação da periculosidade, ainda que não tenha findado o prazo mínimo do cumprimento da medida. Encerrado este prazo, realiza-se o exame de cessação da periculosidade, iniciado de ofício pela autoridade administrativa. A desinternação está condicionada à cessação da periculosidade.
Se verificada a cessação, o juiz determinará, por sentença, a desinternação do custodiado ou a sua liberação condicional, no caso de tratamento ambulatorial. A liberação somente se dará após o trânsito em julgado desta sentença (art. 179 da LEP).
Se o agente desinternado ou liberado, antes do decurso de um ano, praticar fato que indique a persistência da periculosidade, será revogada a desinternação ou a liberação condicional e restabelecida a situação anterior. A lei referiu-se a fato, ao invés de crime, o que significa que um quase-crime ou um crime impossível poderá justificar a reinternação do agente. Expirado o prazo de um ano sem que o agente volte a apresentar periculosidade, a medida de segurança é considerada extinta.
7. MEDIDA DE SEGURANÇA E PRISÃO PERPÉTUA:
Um dos aspectos mais polêmicos das medidas de segurança diz respeito ao caráter indeterminado de sua duração. A questão divide os penalistas: deve o doente mental periculoso permanecer perpetuamente sob a custódia do Estado?
Juristas questionam a constitucionalidade deste instituto, uma vez que a Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XLVII, alínea "b", veda o cumprimento de penas de caráter perpétuo.
A indeterminação do tempo de execução da medida de segurança está diretamente ligada à possibilidade de não cessação da periculosidade do réu. Como reinserir no convívio social um indivíduo periculoso que não tem previsão de ser curado?
A questão fere direitos fundamentais do doente mental infrator. A CF/88 adotou o princípio da anterioridade ou da reserva legal, o qual veda a existência de pena sem prévia cominação legal. Verifica-se que a medida de segurança, no Brasil, obedece ao princípio da anterioridade legal, uma vez que está prevista em lei. Antônio Carlos da Ponte e Francisco de Assis Toledo, afirmam, no entanto, que as MS ofendem o princípio da legalidade, em face da não determinação de tempo máximo de duração.
Virgílio de Mattos (2006) vai mais além, referindo que as medidas de segurança ferem os seguintes princípios: igualdade, pois a indeterminação de prazo de duração confere tratamento diferenciado aos imputáveis que recebem pena; e o da presunção da inocência, pois, o doente mental, ao permanecer sob a custódia do Estado por tempo indeterminado, é punido não pelas condutas que praticou, mas pela mera probabilidade de voltar a delinqüir.
Há também que se falar no princípio da humanidade. De acordo com Ferrarri (2000) nenhum cidadão pode receber sanção por tempo indeterminado, em respeito à dignidade da pessoa humana. As medidas de segurança também devem obedecer ao princípio da proporcionalidade, ou seja, proporcionais à periculosidade do agente e à gravidade do fato praticado, tal como ocorre com as penas.
Na opinião de Ponte (2007) num futuro próximo, as medidas de segurança terão as mesmas garantias das penas. Defende a adoção de tempo determinado às medidas de segurança, que deverá ser equivalente ao tempo máximo da sanção cominada, em abstrato, ao crime cometido.
O Supremo Tribunal Federal proferiu decisão no seguinte sentido:
MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 84.219-4. Rel. Min. Marco Aurélio. São Paulo, j. 15.02.05, v.u. DJU 23.09.05, p. 16).
Desde 1995, tramita no Senado Federal projeto de reforma do Código Penal, que propõe a estipulação de prazo máximo para as medidas de segurança. A alteração parece sensata, uma vez que, ante o exposto, é latente a inconstitucionalidade das MS, no que se refere ao prazo indeterminado de cumprimento.
8. HOSPITAIS DE CUSTÓDIA NO BRASIL:
O primeiro manicômio judiciário do país foi fundado no Rio de Janeiro, em 1921. A instituição foi a segunda do tipo na América Latina, depois da Argentina. Idealizado e dirigido pelo psiquiatra brasileiro Heitor Carrilho, o estabelecimento foi reorganizado pelo Decreto nº. 5.148/27.
Em 1927, São Paulo, através da Lei nº. 2.245, instituiu manicômio judiciário, seguido pelos Estados da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraíba.
De acordo com Cristiano Carrilho (2004), atualmente, há dois tipos de instituição de assistência jurídico-psiquiátra no Brasil: o anexo psiquiátrico e o manicômio judiciário, cujas funções não se confundem. Os anexos, em tese, se propõem a tratar o criminoso antes do julgamento, durante a execução da pena e também depois, como vistas a prevenir a reincidência dos egressos.
O manicômio judiciário, por sua vez, segundo Carrilho, possui três finalidades básicas: atuar como um centro pericial de observação e tratamento dos internados, prestar tratamento de saúde aos criminosos inimputáveis e atuar como órgão de defesa social.
O Código Penal e a Lei de Execução Penal determinam a internação do inimputável em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. O especial tratamento curativo é um direito do internado e uma garantia à sociedade, tendo em vista o caráter preventivo da medida de segurança.
No entanto, hoje, poucos são os estados brasileiros que dispõem deste tipo de estabelecimento ou, caso os tenha, oferecem precárias condições de funcionamento, em desacordo com a lei, constituindo verdadeiros espaços de exclusão, violência e desrespeito aos direitos humanos. São freqüentes as denúncias de maus tratos nestes estabelecimentos.
De acordo com informações divulgadas nos sítios dos Ministérios da Justiça e da Saúde [04] publicadas em sítios da internet, em 2002, apenas 19 estados brasileiros possuíam hospital de custódia. Em julho de 2007, reportagem publicada em sítio da internet [05], revelou que esse número aumentou para 29. No entanto, de acordo com a referida reportagem, dos hospitais existentes, apenas quatro dispunham de equipes de saúde para atender os internos, que chegam a quatro mil por estabelecimento.
No âmbito federal, esses hospitais, atualmente, vinculam-se aos Ministérios da Justiça e Saúde, que atuam em conjunto na gestão desses estabelecimentos. Em abril de 2002, foi publicada a Portaria 628, formulada pelos citados Ministérios que, pela primeira vez, aprovando o Plano Nacional de Saúde para o Sistema Penitenciário, reconheceram a população confinada em presídios e manicômios judiciários como uma clientela sob responsabilidade também da área da saúde.
Tornou-se consensual a compreensão de que o Sistema Único de Saúde e a rede de atenção à saúde mental devem responsabilizar-se pelo tratamento da pessoa submetida à medida de segurança.
Na atualidade, o que se vislumbra é o descumprimento explícito da lei, não somente quanto à ausência de investimento na construção de hospitais de custódia, como também, na precariedade das condições de funcionamento e carência de profissionais de saúde para atender os internos.
No Brasil, é notória a falência do sistema prisional público, com superlotação das cadeias e outros problemas. Ora, se o poder público ignora os direitos do criminoso imputável, dispensando-o tratamento sub-humano e indigno, o que dizer do infrator doente mental, cujo descaso alcança proporções cruéis e assustadoras.
A Promotora de Justiça Inês do Amaral Buschel (2004) referiu que durante anos, no Brasil, dirigentes de manicômios judiciários enriqueceram às custas dos cofres públicos, trancafiando e mantendo pessoas acometidas por transtorno mental, muitas delas apenas alcoólatras ou dependentes químicas.
Antonio Carlos da Ponte, por sua vez, em Inimputabilidade e Processo Penal, referiu:
Não se alegue que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico não se confundem com os presídios. A realidade tem mostrado que as diferenças se situam apenas no campo teórico. A chance de uma pessoa que acuse perturbação da saúde mental recuperar-se em um desses estabelecimentos é nula. (PONTE, 2007, p. 78).
Em virtude das atrocidades e irregularidades cometidas nos chamados manicômios judiciários, setores da sociedade vêm se mobilizando num movimento anti-manicomial. Em 2001, a Lei Federal nº. 10. 216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, representou um passo nesse sentido.
Mas a referida lei, de apenas treze artigos, limitou-se em versar sobre a política pública para a saúde mental, silenciando quanto aos internados nos manicômios judiciários. Quanto aos hospitais de custódia, o art. 12 da lei, apenas prevê a criação de comissão de saúde para acompanhar a implementação dos mesmos e mais nada. Inês do Amaral (2004-p. 96) alerta para a necessidade de aprimoramento desta lei, referindo que "a saúde mental pede passagem".
Alguns defendem que o especial tratamento curativo dispensado ao louco infrator deve ser incumbido à saúde pública, e não, à Justiça Penal. É o caso de Maximiliano Führer (2000-p. 126-127), quando refere que "a esperança reside no desenvolvimento adequado de uma verdadeira doutrina de Saúde Pública, que poderá retirar do Direito Penal este fardo estranho a seus fundamentos. A doença aos médicos, o crime ao promotor".
Já existem, embora raras, experiências interinstitucionais bem sucedidas no sentido de tratar o doente mental criminoso fora do manicômio judiciário, e sim, na rede SUS extra-hospitalar de atenção à saúde mental, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial.
O que é inadmissível, dada à situação de ilegalidade, é permitir que em virtude da ausência de hospitais de custódia ou de vaga nestes estabelecimentos, o doente mental aguarde preso e cumpra medida de segurança nas cadeias públicas.
Existem julgados que afirmam tratar-se de situação anômala, mas que deve ser tolerada em benefício da coletividade, desde que sejam tomadas as providências para que cesse o quanto antes.
Perdurando a situação além do tempo razoável e tolerável, constitui-se constrangimento ilegal, pois não se pode manter preso quem foi absolvido impropriamente pelo Estado.
Führer (2000-p. 180) afirmou que o "tempo desta prisão ilegal enseja reparação de danos, pois a falha no funcionamento do aparelho estatal não é causa excludente da responsabilidade civil do Estado".
Infelizmente, é comum hoje as cadeias públicas brasileiras criarem alas destinadas aos inimputáveis, onde os loucos não recebem o tratamento adequado e previsto em lei.
A Lei de Execução Penal, em seu capítulo VI, nos artigos 99 a 101, trata dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, dispondo que devem obedecer determinados requisitos estruturais, dispostos no parágrafo único do art. 88, tais como: unidade celular com salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; e área mínima de seis metros quadrados.