De longa data, persiste a contenda doutrinária quanto à possibilidade de tribunais administrativos apreciarem a constitucionalidade ou legalidade de um dispositivo legal ou infralegal. Em outras palavras, há muito se discute se os tribunais administrativos podem ou não afastar a aplicação de um dispositivo normativo por ser ilegal ou inconstitucional.
Enquanto de um lado, filiaram-se aqueles que advogam ser vedado ao julgador administrativo deixar de aplicar norma com fundamento na inconstitucionalidade ou ilegalidade, outros sempre entenderam que os juízes da Administração Pública estão livres para decidir as disputas meritórias segundo os princípios gerais do direito.
A primeira corrente tem por fundamento de defesa que a competência para a prática do controle de constitucionalidade das leis foi conferida somente aos órgãos do Poder Judiciário. Os órgãos subordinados aos chefes do Poder Executivo de cada esfera não poderiam jamais transbordar tal competência, não estando autorizados a deixar de cumprir lei por julgá-la inconstitucional ou ilegal. Para estes, em respeito à estrutura de freios e contrapesos, ao Executivo caberia a função apenas administrativa, enquanto ao Poder Judiciário a função jurisdicional.
Em confronto, a segunda corrente afirma que a função de um funcionário público não se confunde com aquele de um funcionário encarregado de julgar os atos administrativos. Vedar a possibilidade do julgador administrativo de declarar a inconstitucionalidade corresponderia a um cerceando da ampla defesa do contribuinte, com patente lesão ao art. 5º, LV, da Constituição Federal.
A controvérsia é vetusta. Ao tempo da elaboração do Código Tributário Nacional, Rubens Gomes de Souza, em seu Anteprojeto, chegou a inserir o art. 304, que dizia competir às autoridades administrativas todas as questões de interesse da Fazenda Pública, não se incluindo, contudo, a declaração de inconstitucionalidade de lei, decreto ou ato administrativo. Então, Gilberto de Ulhôa Canto se opôs fortemente, tendo afirmado que não só podem os tribunais administrativos apreciar matéria constitucional, como devem. O dispositivo não compôs o texto final do CTN, e a querela se manteve.
No processo administrativo fiscal federal, até hoje, não há qualquer dispositivo específico que vede a aplicação de normas ou princípios constitucionais Nos Conselhos de Contribuintes é recorrente a discussão sobre a questão, ora pendendo a um posicionamente, ora a outro.
No âmbito do contencioso administrativo fiscal paulista, essa discussão, também frequente, teve rica contribuição dos julgadores do TIT. Chegou-se, certa feita, a se discutir em sessão plenária se as Câmaras tinham legitimidade para apreciarem questões constitucionais ou legais. E 30 foram os votos favoráveis à tese de que não é vedado ao TIT julgar a ilegitimidade de norma inferior em relação ao texto constitucional.
No entanto, ao longo dos últimos anos, o órgão "evoluiu" no sentido de considerar-se incompetente para avaliar normas postas no ordenamento jurídico estadual sob a égide da Constituição.
Nesse contexto, recentemente, foi aprovado o Projeto de Lei 692/2008, que revogará, uma vez publicado, integralmente a Lei Estadual 10.941/2001, atualmente reguladora do contecioso administrativo estadual em São Paulo.
E eis que em seu artigo 28, inova, introduzindo a seguinte disposição:
No julgamento é vedado afastar a aplicação de legislação tributária sob alegação de ilegalidade ou inconstitucionalidade, ressalvadas, neste último caso, as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada:Artigo 28 -
I - em ação direta de inconstitucionalidade;
II - por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.
Vê-se que a previsão, no plano estadual, pretende "jogar pá de cal", sepultando a controvérsia até aqui exposta. Um intérprete "naïve" concluiria que o artigo tem intenções conciliatórias, visando satisfazer ambas as correntes expostas. Ledo engano.
Com efeito, há de se convir que as previsões dos alíneas que compõe o mencionado dispositivo são absolutamente inócuas. Isto porque a própria Constituição Federal, atribui efeito vinculante a todos os órgãos da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade (art. 102, § 2º, da CF).
A bem da verdade, a inovação faz prevalecer os "interesses" fazendários, em detrimento do contribuinte. Nota-se que os idealizadores da nova legislação processual administrativa se olvidaram dos ensinamentos do ilustre Professor Ruy Barbosa Nogueira, quando este, em passagem brilhante, elucida que "o que os tribunais administrativos não podem é exercer o controle jurisdicional de constitucionalidade, porque o princípio assente é de que cabe privativamente ao Poder Judiciário ‘declarar’ a inconstitucionalidade da lei ou de ato do Poder Público, como função ‘jurisdicional’, que é muito diferente do dever que têm todas as autoridades judicantes de não aplicar lei ou decreto contrário à Constituição e, portanto, a obrigação preliminar de examinar a lei em cotejo com a Constituição".