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O valor judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)

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13/04/2009 às 00:00
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4. INQUÉRITO POLICIAL VERSUS ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

De imediato, é evidente que ambos os institutos, cada um a seu modo, buscam a verdade sobre algo, utilizando-se para tanto de pesquisas científicas, sendo o Inquérito Policial através de investigação criminal/processo penal, e a Atividade de Inteligência por meio de atividades/operações de inteligência.

Entretanto, a evolução de seus métodos, técnicas e instrumentos de busca da verdade, portanto, podem ser reconduzidos a um modelo único de comparação. Por exemplo, a técnica de pesquisa denominada observação (participante ou não), utilizada na pesquisa científica, é uma idéia básica que se denomina respectivamente vigilância, na inteligência, e campana, na investigação criminal.

Na lição de Denilson Feitoza:

"as diferenças fundamentais são os critérios de aceitabilidade da verdade, objetivos, marcos teóricos e regras formais específicas de produção. Por exemplo, no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessária à tomada de decisão judicial, enquanto, numa atividade de inteligência destinada a um ‘processo político’, o grau de aceitabilidade do caráter de verdade de um fato é o necessário para uma decisão política." [08]

E conclui afirmando que:

"Os métodos, técnicas e instrumentos das atividades e operações de inteligência e da investigação criminal podem ser reconduzidos ao modelo geral do método científico".

Não há como negar que, na busca da verdade, todos estabelecem um problema, hipótese, objetivo, justificativa/relevância, situação do tema/problema, marco teórico, métodos/técnicas/instrumentos de pesquisa, população/amostra, cronograma, conclusão, produção do relatório de pesquisa etc. As terminologias podem ser diferentes, mas a idéia básica é a mesma.

Vejamos as principais diferenças entre os institutos (Inquérito Policial e Atividade de Inteligência):

Quanto aos pressupostos:

  • Inquérito policial: infração penal

  • Atividade de inteligência: demanda informacional

Quanto aos meios:

  • Inquérito policial: diligências policiais (art. 6º do CPP [09])

  • Atividade de inteligência: ciclo de inteligência

Quanto à finalidade:

  • Inquérito policial: processo penal (matéria probatória)

  • Atividade de inteligência: processos decisórios de segurança pública (sem restrição às suas fontes informacionais)

Podemos citar como técnicas de inteligência aplicáveis ao inquérito policial:

  • Técnicas analíticas aplicadas pelo órgão de inteligência (OI) no inquérito policial (IP): Exemplo: em determinado inquérito policial de alta complexidade, analistas do órgão de inteligência empregam técnica de análise associativa para estabelecer vínculos/ligações entre "entidades" (contas-correntes, correntistas, datas, transferências etc.)

  • Conhecimento de inteligência do OI no IP. Exemplo: conhecimento de inteligência sobre modus operandi de certa organização criminosa pode orientar apuração em determinado inquérito policial.

  • Conhecimento de contra-inteligência do OI no IP. Exemplo: conhecimento de contra-inteligência sobre ameaça concreta de certa organização criminosa pode orientar medidas de salvaguarda em determinado inquérito policial.

  • Ações de busca/técnicas operacionais do OI no IP. Exemplo: em inquérito policial sobre determinada organização criminosa, equipe do órgão de inteligência é acionada para ação de busca de dado protegido.

Com efeito, torna-se evidente que métodos, técnicas e instrumentos de inteligência e contra-inteligência aplicados pelo órgão de investigação policial ao IP não são exclusividade de órgãos de inteligência e podem ser adaptados a órgãos de investigação criminal.


5. DA SISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL ACERCA DA SEGURANÇA PÚBLICA

A noção de segurança pública pode ser extraída do art. 144, caput, da Constituição, que estabelece ser a segurança pública de responsabilidade de todos e dever do estado, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos indicados no mesmo dispositivo, conforme segue:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:"

Impende, neste momento, mais uma vez colacionar a preciosa lição de Denilson Feitosa acerca do real significado e importância de Segurança Pública:

"A segurança pública, portanto, tem relação tanto com a ordem pública quanto com a incolumidade das pessoas e do patrimônio. A referência genérica à incolumidade e a previsão dos corpos de bombeiros militares nos demonstram que a segurança pública não tem relação somente com a prevenção, controle e repressão à prática de crimes, mas também com a orientação e socorro à população quanto à incolumidade das pessoas e do patrimônio independentemente da prática de crimes, como na ocorrência de calamidades (incêndios, inundações, tempestades etc.) ou na prevenção de riscos individuais ou coletivos de incêndios.

A segurança pública é a atividade de preservação (dinamicamente) ou a situação (estaticamente) de ordem pública e de incolumidade das pessoas e do patrimônio. A ordem pública pode ser definida como situação de paz e de ausência de crimes. A paz pode ser definida estaticamente como a ausência de violência, processualmente como a identificação e a resolução favorável de fenômenos caracterizados por algum tipo de violência, e estruturalmente como capacidade de uma sociedade de tornar visível e resolver favoravelmente os tipos de violência nela existentes. A paz se caracteriza bem melhor como um processo (de identificação e resolução de violência) do que como um estado ideal a ser atingido. E a paz, por fim, nos remete à noção de violência acima exposta. A violência estrutural (e, por extensão, as demais) ocorre, usando a formulação de FISAS (2002), "quando por motivos alheios a nossa vontade não somos o que poderíamos ser ou não temos o que poderíamos ter.

Assim definida, a segurança pública pode ser abordada como um processo de realização/preservação de paz e, por conseguinte, de identificação e resolução favorável de fenômenos caracterizados por algum tipo de violência. Tendo em vista a noção ampla de violência, a segurança pública se refere à integralidade dos direitos fundamentais.

Por fim, como categoria jurídico-dogmática, a segurança pública pode ser enfocada por vários ângulos, como direito fundamental social, direito fundamental individual, dever fundamental, princípio, bem jurídico constitucional difuso ou coletivo lato sensu, bem como pelas várias funções dos direitos fundamentais, como função de defesa, função de proteção, função de prestação social e função de não-discriminação. [10]"

Para o doutrinador, e entendimento que merece ser recebido com louvor, a finalidade da Segurança Pública é realizar a segurança pública, o que é feito por meio do Inquérito Policial, Atividade de Inteligência, administração Estratégica e Gestão do Conhecimento.

Com efeito, a partir deste entendimento, podemos então concluir que o rol dos órgãos legitimados a exercer a segurança pública, constante no art. 144 da CF, é numerus apertus, ou seja, não é taxativo, haja vista que a segurança pública, como direito fundamental, não pode ter seu âmbito de atuação restringindo apenas àqueles órgãos, até mesmo por uma questão de interpretação principiológica da CF, conforme se verá adiante.

Vale ressaltar que a Segunda Turma do STF, em julgamento em 10/03/2009, reconheceu por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o Ministério Público (MP) tem poder investigatório. A Turma analisava o Habeas Corpus (HC) 91661, referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime mesmo sabendo que a acusação era falsa.

Segundo a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do MP promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito. "Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente", ponderou Ellen Gracie.

Ela destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. "Não há óbice (empecilho) a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal", explicou a ministra.

A relatora reconheceu a possibilidade de haver legitimidade na promoção de atos de investigação por parte do MP. "No presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP", acrescentou.

Na mesma linha, Ellen Gracie afastou a alegação dos advogados que impetraram o HC de que o membro do MP que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que por meio de oitiva de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos. "Não há óbice legal", concluiu.

O HC foi denegado por essas razões e porque outra alegação – a de que os réus apenas cumpriam ordem do superior hierárquico – ultrapassaria os estreitos limites do habeas corpus. Isso porque envolve necessariamente o reexame do conjunto fático probatório e o tribunal tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do HC quando houver necessidade de apurar reexame de fatos e provas.

5.1 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal, expressamente previsto na CF como direito e garantia fundamental (art. 5º, LIV), é assegurado à todos, seja em âmbito administrativo, judicial ou legislativo:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;"

Seguindo a lição de Fernando Capez, o Devido Processo Penal:

"Consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei (due process of Law – CF, art. 5º, LIV). No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter acesso à defesa técnica, de ter a oportunidade de se manifestar sempre depois da acusação e em todas as oportunidades, à publicidade e motivação das decisões, ressalvadas as exceções legais, de ser julgado perante o juízo competente, ao duplo grau de jurisdição, à revisão criminal e à imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado. Deve ser obedecido não apenas em processos judiciais, civis e criminais, mas também em procedimentos administrativos, inclusive militares." [11]

Nesse contexto, tratando-se o SISBIN de uma instituição de cunho eminentemente administrativo, parece ser claro que a ela também se aplica o devido processo legal quando da produção de documentos de inteligência.

A partir deste entendimento, não podemos esquecer que, mesmo atuando sob o manto do devido processo legal administrativo, a atuação da ABIN ainda encontra restrição nas circunstâncias em que a lei prescreve como sendo de reserva de jurisdição, como é o caso, por exemplo, da interceptação telefônica, que só pode ser realizada mediante autorização judicial, nos termos do art. 1º da Lei nº 9296 de 1996, conforme abaixo:

"Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática."

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Ademais, como dito alhures, a atuação da ABIN também encontra restrição nos direitos e garantias fundamentais, sob pena de responsabilização.

Com efeito, tendo em vista as restrições evidenciadas, o que faz cumprir a carta magna, convicto é o entendimento, portanto, que a atividade de inteligência, contra-inteligência e operações de inteligência são juridicamente possíveis.

Impende esclarecer que no Inquérito Policial a polícia judiciária também deve observar o devido processo legal, mas nesse caso o devido processo legal é administrativo e judicial, com as mesmas restrições impostas à atividade de inteligência (AI), acrescentando as limitações constitucionais específicas da condição de suspeito/investigado/indiciado.

Com isto, para que haja observância aos preceitos constitucionais, quando houver a confusão entre o IP e a AI, deverão sempre observar todas as limitações relativas ao IP, sob pena serem considerados ilícitos os documentos eventualmente produzidos.

Com efeito, as "provas" obtidas pelas atividades de inteligência em geral e pelas operações de inteligência podem, em princípio, ser utilizadas na investigação criminal, desde que sujeitas às limitações de conteúdo e de forma estabelecidas pela lei processual penal.

Claro que no processo penal propriamente dito, a aplicabilidade dos documentos produzidos pela ABIN é menor, tendo em vista as normas probatórias mais limitativas, como princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, entre outros.

Como bem lembra Denilson Feitoza:

"Em razão do segredo de certas matérias ou dos sigilos funcionais a que estão submetidos agentes de inteligência, geralmente não é possível a utilização dos elementos probatórios colhidos durante as atividades de inteligência no âmbito do direito processual penal, não porque não sejam reconhecidos pelo direito processual como elementos probatórios ou investigativos, mas por força dos sigilos legalmente impostos aos agentes de inteligência ou às matérias sigilosas"

Em razão do sigilo constitucional imposto aos documentos de inteligência de imprescindibilidade para a sociedade e estado, os mesmos não devem ser pura e simplesmente inseridos em inquéritos policiais e processos penais, eis que afetaria a eficiência e a confiabilidade da AI.

5.2 DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO

Alguns doutrinadores, como o próprio Denilson Feitoza, apontam o princípio da eficiência e o princípio federativo como os fundamentos estruturadores da possibilidade de os documentos produzidos pela ABIN serem também utilizados em inquéritos policiais e ações penais.

O princípio da eficiência, inserido na CF por meio da EC nº 19 de 1.998, traduz a necessidade do serviço público ser prestado com qualidade e resultado, não se contentando apenas com a observância do princípio da legalidade, devendo, além de tudo, importar em um retorno positivo e satisfatório para a sociedade.

Acerca do princípio da eficiência, vejamos a brilhante lição de Hely Lopes Meireles:

"Eficiência – o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros." [12]

O princípio da eficiência está expressamente previsto no caput do art. 37 da CF. In vérbis:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

Com efeito, com sabe no princípio da eficiência, a AI não só pode como deve ser utilizada como documentos probatórios em Inquéritos Policiais e processos criminais, haja vista que, esta colaboração entre as instituições está justamente dando aplicabilidade ao desígnio constitucional da eficiência, até mesmo porque todos sabem que muitas vezes o aparato da polícia judiciária estadual não é o suficiente para realizar as atividades investigativas que a sociedade dela espera.

No tocante ao princípio da federação, por ele procura-se dar-se aplicabilidade ao disposto no art. 144 da CF, haja vista que seu texto é claro no sentido de que a segurança pública é dever do Estado, e direito e responsabilidade de todos.

Ora, nos termos do art. 1º da CF, a República Federativa do Brasil (RFB) é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º da CF), bem como que tem como poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o judiciário e o executivo.

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político;

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Nesse contexto, considerando que a RFB é formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, considerando que o judiciário, o executivo e o legislativo são todos poderes da União e devem funcionar de forma harmônica entre si, e, considerando ainda, que a segurança pública é dever do estado, direito e responsabilidade de todos, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade na utilização de documentos produzidos pela ABIN pela polícia judiciária, haja vista que tal colaboração traduz o princípio do federalismo, adotado pela própria CF.

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Sobre o autor
Fabrício Piassi Costa

Advogado, pós-graduando em ciências criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fabrício Piassi. O valor judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2112, 13 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12626. Acesso em: 18 nov. 2024.

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