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O valor judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)

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13/04/2009 às 00:00
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Resumo: Este trabalho trata sobre a composição do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), enfocando a sua forma de atuação, traçando-se um paralelo com a atuação da polícia judiciária, bem como expondo a possibilidade de utilização judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência em processos judiciais. Para a realização do trabalho foi feita uma análise a partir do estudo sistemático da Constituição Federal, das legislações que tratam sobre os órgãos que compõe o SISBIN, bem como com base em entendimentos doutrinários existentes. Foram identificados os requisitos que permitem o entendimento no sentido da possibilidade de utilização dos documentos de inteligência nos processos criminais e inquéritos policiais, desde que observados os limiteis legais e constitucionais existentes. Neste contexto, conclui-se que a atividade de inteligência, obedecidos os requisitos legais e constitucionais e desde que não importe em publicidade de documentos de inteligência essenciais para a segurança do estado e da sociedade, podem ser utilizados em inquéritos policiais e processos criminais.

Palavras chave: inquérito policial; atividade de inteligência; ABIN; eficiência; federativo.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 Do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). 2.1 Da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). 2.2 Do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP). 2.3 Do Decreto nº 4.376 de 2002. 2.4 Da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP). 3 Da investigação criminal. 4 Inquérito Policial versus Atividade de Inteligência. 5 Da sistemática constitucional acerca da segurança pública. 5.1 Do devido processo legal.5.2 Do princípio da eficiência e do princípio federativo. 6 CONCLUSÃO. 7 Referências Bibliográficas


1. INTRODUÇÃO

A questão relacionada às provas que merecem ser creditadas pelo judiciário sempre foi um assunto polêmico, especialmente em se tratando de matéria criminal, sendo que constantemente os tribunais vêm atribuindo entendimentos diversos sobre o assunto, sempre no anseio de propor a melhor interpretação jurídica aos preceitos constitucionais e legais acerca da matéria.

Nessa esteira, ganha relevo a questão da possibilidade da utilização judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

Como é de conhecimento de todos, a norma processual penal, em consonância com a constituição Federal de 1988, trás o rol das provas admitidas em juízo, bem como o meio pelas quais é possível a sua produção, sob pena de tê-las como ilícitas ou ilegítimas.

O problema na utilização judicial dos documentos produzidas pela ABIN surge pelo fato de esta instituição não deter as mesmas prerrogativas da Polícia Judiciária, vulgarmente chamada de Polícia Civil, bem como pelo fato de que a ABIN não ter sido criada para auxílio nas investigações criminais, mas tão somente para auxiliar o executivo na tomada de decisões de cunho eminentemente políticas.

Com efeito, a presente pesquisa tem por finalidade demonstrar, de forma sistemática, se haveria incompatibilidade ou impedimento de se utilizar em âmbito judicial os documentos produzidos pela ABIN, esclarecendo todas as características do sistema Brasileiro de Inteligência, traçando um paralelo de suas atividades se relacionadas com a Polícia Judiciária, bem como indicando a interpretação sistemática adequada ao caso, propiciando, assim, uma conclusão juridicamente aceitável acerca da matéria.


2. DO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA (SISBIN)

O Sistema Brasileiro de Inteligência foi instituído pela Lei 9.883 de 1.999, com a finalidade precípua de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.

Sua função está bem delineada no artigo primeiro da referida lei, conforme segue:

"Art. 1º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência, que integra as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional."

Não obstante sua função eminentemente política, o SISBIN, por expressa determinação da lei que o instituiu, também tem como fundamentos, além de outros, a dignidade da pessoa humana, devendo cumprir e preservar os direitos e garantias individuais. In verbis:

"§ 1o do art. 1º da Lei 9.883 de 1.999: O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária."

O Sistema de Inteligência instituído é composto pelas entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse na atividade de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores:

"Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República.

§ 1º O Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados."

A instituição é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados.

Apesar de, a princípio, a Lei trazer o Sistema Brasileiro de Inteligência como órgão composto pelas entidades da Administração Pública Federal, não há qualquer impedimento para que, havendo interesse e mediante ajustes específicos, as Unidades da Federação possam compor a instituição.

"§ 2o do art. 2º da Lei 9.883 de 1999: Mediante ajustes específicos e convênios, ouvido o competente órgão de controle externo da atividade de inteligência, as Unidades da Federação poderão compor o Sistema Brasileiro de Inteligência."

2.1 DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN)

A Agência Brasileira de Inteligência foi criada por meio da Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001, que alterou o artigo 3º da Lei 9.883 de 1.999, passando a ter a seguinte redação:

"Art. 3º Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, órgão da Presidência da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei."

Nos termos do art. 4º da Lei, à ABIN compete:

"I - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República;

II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade;

III - avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional;

IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de inteligência."

Impende ressaltar que a lei é categórica no sentido de que, mesmo sendo a ABIN uma instituição de assessoramente do presidente da república, órgão máximo do poder executivo, ainda assim, para desenvolver qualquer atividade de inteligência deverá agir com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado. [01]

Com efeito, a ABIN, atuando na composição de documentos segundo a sua finalidade legalmente prevista, assim como a Polícia Judiciária, tem o dever de atuar sob o manto da legalidade e constitucionalidade, não podendo, sob o pretexto de realizar o seu mister, ferir direitos e garantias individuais, sob pena de responsabilização da Administração Pública.

2.2 DO SUBSISTEMA DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA (SISP)

Objetivando difundir a atividade de inteligência aos estados federados, dotando assim de maior utilidade ao número de documentos de inteligência produzidos e até mesmo para que a atividade de inteligência fosse dinamizada, o legislador ordinário criou, por meio do Decreto nº 3695 de 2000, o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, composto pelos Ministérios da Justiça, da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

A finalidade deste órgão, que foi criado no âmbito do SISBIN, é a de coordenar e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em todo o País, bem como suprir os governos federal e estaduais de informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo (art. 1º do Decreto nº 3695 de 2000).

Nos termos do §2º do art. 1º do Decreto mencionado, poderão ainda integrar o SISP os órgãos de Inteligência de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal, sendo que cabe aos integrantes do Subsistema, no âmbito de suas competências, identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza [02].

Nessa esteira, vê-se que a atividade de inteligência começou a tomar dimensões que lhe possibilitam uma atuação efetiva, seja em âmbito federal como estadual, sempre sob o principal enfoque de assessorar o chefe do executivo na tomada de decisões, especialmente no que toca a repressão, prevenção e neutralização de atos criminosos, almejando, com isto, a pacificação social.

2.3 DO DECRETO Nº 4.376 DE 2002

O Decreto nº 4.376 de 2002, publicado no D.O.U de 16/09/2002, dispôs sobre a organização e funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência instituído pela Lei no 9.883, de 7 de dezembro de 1999, e deu outras providências.

Complementou os conceitos de inteligência e contra-inteligência, definiu os integrantes do SISBIN, bem como reavivou que cabe a cada órgão, no âmbito de suas competências, o planejamento e execução de ações relativas à obtenção e integração de dados e informações, conforme segue:

"Art. 6º. Cabe aos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência, no âmbito de suas competências:

I - produzir conhecimentos, em atendimento às prescrições dos planos e programas de inteligência, decorrentes da Política Nacional de Inteligência;

II - planejar e executar ações relativas à obtenção e integração de dados e informações;

III - intercambiar informações necessárias à produção de conhecimentos relacionados com as atividades de inteligência e contra-inteligência;

IV - fornecer ao órgão central do Sistema, para fins de integração, informações e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais; e

V - estabelecer os respectivos mecanismos e procedimentos particulares necessários às comunicações e ao intercâmbio de informações e conhecimentos no âmbito do Sistema, observando medidas e procedimentos de segurança e sigilo, sob coordenação da ABIN, com base na legislação pertinente em vigor."

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No que tange especificamente à ABIN, o Decreto também elencou suas funções, estando dentre elas a de coordenar a obtenção de dados e informações e a produção de conhecimentos sobre temas de competência de mais de um membro do Sistema Brasileiro de Inteligência, promovendo a necessária interação entre os envolvidos, bem como acompanhar a produção de conhecimentos, por meio de solicitação aos membros do Sistema Brasileiro de Inteligência, para assegurar o atendimento da finalidade legal do Sistema.

"Art. 10. Na condição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a ABIN tem a seu cargo:

I - estabelecer as necessidades de conhecimentos específicos, a serem produzidos pelos órgãos que constituem o Sistema Brasileiro de Inteligência, e consolidá-las no Plano Nacional de Inteligência;

II - coordenar a obtenção de dados e informações e a produção de conhecimentos sobre temas de competência de mais de um membro do Sistema Brasileiro de Inteligência, promovendo a necessária interação entre os envolvidos;

III - acompanhar a produção de conhecimentos, por meio de solicitação aos membros do Sistema Brasileiro de Inteligência, para assegurar o atendimento da finalidade legal do Sistema;

IV - analisar os dados, informações e conhecimentos recebidos, com vistas a verificar o atendimento das necessidades de conhecimentos estabelecidas no Plano Nacional de Inteligência;

V - integrar as informações e os conhecimentos fornecidos pelos membros do Sistema Brasileiro de Inteligência;

VI - solicitar dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal os dados, conhecimentos, informações ou documentos necessários ao atendimento da finalidade legal do Sistema;

VII - promover o desenvolvimento de recursos humanos e tecnológicos e da doutrina de inteligência, realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de inteligência, em coordenação com os demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência;

VIII - prover suporte técnico e administrativo às reuniões do Conselho e ao funcionamento dos grupos de trabalho, solicitando, se preciso, aos órgãos que constituem o Sistema colaboração de servidores por tempo determinado, observadas as normas pertinentes; e

IX - representar o Sistema Brasileiro de Inteligência perante o órgão de controle externo da atividade de inteligência.

Parágrafo único. Excetua-se das atribuições previstas neste artigo a atividade de inteligência operacional necessária ao planejamento e à condução de campanhas e operações militares das Forças Armadas, no interesse da defesa nacional."

2.4 DA DOUTRINA NACIONAL DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA (DNISP)

Em função dos jogos Pan Americanos realizados no estado do Rio de Janeiro em 2007, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) divulgou a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), com o objetivo de possibilitar a padronização da Inteligência da Segurança Pública (ISP) em nível nacional para poder realizar o enfrentamento do crime que atualmente é dinâmico e "translocalizado" (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007, p. 10).

De acordo com a SENASP, o processo de globalização, os avanços tecnológicos, desequilíbrios sociais e econômicos, dentre outros fatores, possibilitam que a camada criminosa da sociedade se aperfeiçoe, minando o estado com corrupção, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas, e na expectativa de se combater esse desafio, os órgãos de segurança pública passaram a produzir conhecimento através da inteligência de segurança pública.

Com efeito, a SENASP pretendeu disciplinar, orientar e padronizar as ações de Inteligência de Segurança Pública dentro do Sistema de Inteligência de segurança Pública, orientando a produção e a salvaguarda do conhecimento dentro dos parâmetros legais, preservando os direitos e garantias individuais.

Nessa linha de raciocínio, a SENASP assim definiu a atividade de inteligência de segurança pública:

"O exercício sistemático de ações especializadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever, prevenir e reprimir atos difusos de qualquer natureza ou relativos a outros temas de interesse da Segurança Pública e da Defesa Social. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007, p.12)"

Além disso, a DNISP trouxe, especialmente, a definição de inteligência e de contra-inteligência, de segurança orgânica e segurança ativa, criou um ciclo de conhecimento, definiu os documentos de inteligência, esclareceu as operações de inteligência e outros.

Para melhor compreensão do tema, vale esclarecer o que prevê a DNISP acerca de cada um dos itens citados no parágrafo anterior:

  • Inteligência: "é o ramo da ISP que se destina à produção de conhecimentos de interesse da Segurança Pública e Defesa Social", isto é, produz conhecimentos para a atividade-fim (inteligência "positiva").

  • Contra-inteligência: "é o ramo da ISP que se destina à proteção da atividade e da instituição, por intermédio de medidas ativas e passivas de proteção", ou seja, produz conhecimento para proteger a inteligência e a respectiva instituição (inteligência "negativa").

  • Segurança orgânica (segurança de pessoal, segurança da documentação, segurança das instalações, segurança do material, segurança das operações de ISP, segurança das comunicações e telemática, segurança da informática);

  • Segurança ativa (contrapropaganda, contra-espionagem, contra-sabotagem, contraterrorismo).

  • Ciclo de produção do conhecimento: Processo formal, contínuo e seqüencial, composto por quatro fases, que tem como resultado um conhecimento de inteligência: Planejamento; Reunião de dados e/ou conhecimentos (ações de coleta e ações de busca); Processamento (avaliação, análise, integração e interpretação) e; Difusão.

  • Tipos de conhecimento: Informe, informação, apreciação e estimativa

  • Documentos de inteligência: Relatório de Inteligência (RELINT), Pedido de Busca (PB), Mensagem (Msg) e Sumário.

  • Reunião de dados – Operações de inteligência: "É conjunto de Ações de Busca (podendo, eventualmente, envolver Ações de Coleta) executado para obtenção de dados protegidos e/ou negados de difícil acesso e que exige, pelas dificuldades e/ou riscos, um planejamento minucioso, um esforço concentrado e o emprego de pessoal, técnicas e material especializados"

  • Ações de busca: reconhecimento; vigilância; recrutamento operacional; infiltração; desinformação; provocação; entrevista; entrada; interceptação de sinais (eletromagnéticos, óticos e acústicos) e de dados; observação [DISPERJ: interrogatório; interceptação postal; interceptação das comunicações; não entrada]


3. DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Em apertada síntese, a investigação criminal é um procedimento preliminar, de caráter administrativo e normalmente feito pela polícia investigativa ("polícia judiciária"), por meio do qual se procura reunir um mínimo de provas que permita ao acusador pedir o início do processo penal.

Praticado um fato definido como infração penal, surge para o Estado o jus piniendi, que só pode ser concretizado através do processo. É na ação penal que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado. A fim de se propor a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e sua autoria, sendo o mais comum que isso seja obtido com o inquérito policial.

Seguindo a lição de Fernando Capez, o Inquérito Policial:

"É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares. [03]"

Cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais, a atividade destinada a apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal.

O destinatário imediato do inquérito é o Ministério Público (no caso em que o crime se apura mediante ação penal pública) ou o ofendido (nos casos de ação penal privada), que, com ele, forma a opinio delicti para a propositura da ação penal.

Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete:

"Não é o inquérito ‘processo’, mas procedimento administrativo-informativo destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários á propositura da ação penal." [04]

A polícia, instrumento da administração, é uma instituição de direito público, destinada a manter a paz pública e a segurança individual. Nos termos do ordenamento jurídico do país, cabe à Polícia as funções administrativas (ou de segurança), de caráter preventivo, em que deve garantir a ordem pública e impedir o cometimento de fatos que lesem ou ponham em perigo bens individuais ou coletivos e a função judiciária, de caráter repressivo, quando deve, após a prática de uma infração penal, recolher elementos para que se possa instaurar a competente ação penal contra os autores do fato.

O processo penal (em sentido estrito) é o procedimento principal, constituindo-se num procedimento judicial de caráter jurisdicional, feito para decidir se alguém (o réu) será penalmente condenado ou absolvido pela suposta prática de uma infração penal.

A persecução criminal, "persecutio criminis", persecução penal, perseguição penal ou perseguição criminal é um procedimento persecutório, consistente no conjunto de atos e meios utilizados pelo investigador, no procedimento preliminar administrativo (investigação criminal), e pelo acusador, no procedimento principal judicial (processo penal), para demonstrar a existência da infração penal e sua autoria e, no procedimento principal, também para obter a sentença penal condenatória transitada em julgado (ou a sentença penal absolutória imprópria com imposição de medida de segurança, transitada em julgado).

A persecutio criminis, portanto, divide-se em duas:

I - persecutio criminis extra iudicio, que é a investigação criminal, normalmente conduzida pela polícia investigativa ("polícia judiciária"), mas que pode ser feita, dependendo do caso, por outras autoridades, como ocorre, por exemplo, com as comissões parlamentares de inquérito (CPIs), e;

II - persecutio criminis in iudicio, que é feita pelo acusador no processo penal, que é normalmente o Ministério Público e, como exceção, um particular.

Seguindo a lição de Denilson Feitoza, numa releitura constitucional, a persecução criminal tem as seguintes finalidades imediatas principais:

"a) demonstrar a existência ou inexistência da infração penal e sua autoria, ou, por outra perspectiva, formar a convicção da entidade decisora (Ministério Público ou acusador privado, na investigação criminal, e órgão jurisdicional, no processo penal) sobre a existência ou inexistência de um fato delitivo (infração penal) e sua autoria;

b) iniciar o processo penal em sentido estrito, na fase pré-processual (com ou sem investigação criminal);

c) obter uma sentença definitiva transitada em julgado sobre o fato delitivo e sua autoria, condenando ou absolvendo o réu, no processo penal em sentido estrito;

d) garantir os direitos fundamentais das pessoas sujeitas à persecução criminal."

Os fins mediatos da persecução penal podem ser divididos em geral e específico, sendo geral a segurança pública, e específico os bens jurídicos constitucionalmente protegidos [05].

De acordo com a CF, às policiais civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as "funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares", senão vejamos;

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares."

Impende ressaltar que o art. 4º do Código Penal pátrio não faz tal distinção, denominando de "polícia judiciária" os órgãos de apuração de infrações penais. [06]

Vejamos de que forma Fernando Capez define a Polícia judiciária:

"- Judiciária: função auxiliar à justiça (daí a designação); atua quando os atos que a polícia administrativa pretendia impedir não foram evitados. Possui a finalidade de apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, a fim de fornecer ao titular da ação penal elementos para propô-la. Cabe a ela a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado. Atribuída no âmbito estadual às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, sem prejuízo de outras autoridades (CF, art. 144, §4º). [07]"

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Sobre o autor
Fabrício Piassi Costa

Advogado, pós-graduando em ciências criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fabrício Piassi. O valor judicial dos documentos produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2112, 13 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12626. Acesso em: 18 nov. 2024.

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