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Considerações jurídicas sobre a governança corporativa

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17/04/2009 às 00:00
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4 OS NÍVEIS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA DA BOVESPA

Apesar do esforço em se reformar a legislação societária para inserir nela as principais práticas de Governança Corporativa, a iniciativa de maior valia na promoção daquela partiu da BOVESPA, que implementou, no ano 2000, os chamados Níveis Diferenciados de Governança Corporativa. Esses níveis (ou segmentos) são espécies contratuais, e as empresas que a eles aderem se submetem a regras mais rígidas do que aquelas previstas na legislação.

Graças a essa segmentação, estabeleceram-se, então, quatro mercados no país: 1) o tradicional, com regras de listagem definidas pela lei e regulamentadas pela CVM; 2) o diferenciado para listagem de empresas Nível 1 de Governança Corporativa; 3) o diferenciado para listagem de empresas Nível 2 de Governança Corporativa e 4) o Novo Mercado.

Em 2001, a BOVESPA criou o IGC – Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada, para medir o desempenho das ações de empresas listadas nos segmentos diferenciados. Entre dezembro de 2001 a julho de 2007, o IGC valorizou 411%, percentual bastante superior à alta de 228% registrada pelo Ibovespa [15] no mesmo período.

A adesão aos referidos níveis se dá através de um contrato firmado entre a BOVESPA e as companhias. Além da companhia aderente, participam da contratação controladores e administradores, que ratificam as regras. Em seguida, tanto a assinatura do contrato como alguns compromissos assumidos em razão da contratação são levados à aprovação em Assembléia Geral, para que sejam incluídos, se necessário, no estatuto social da companhia.

O descumprimento do regulamento pela companhia pode levar ao cancelamento de seu registro nos respectivos segmentos. Antes de adotar essa medida, entretanto, a BOVESPA pode notificar a empresa faltosa, por escrito, fixando prazo máximo para a sua regularização, sob pena de multa ou suspensão de negociação de suas ações no mercado.

Fazendo um comparativo entre o mercado tradicional, regido pela LSA, e o Novo Mercado, têm-se que o tradicional: 1) permite que as companhias emitam três espécies de ações (ordinárias, preferenciais e de fruição - artigo 15 LSA); 2) não contém exigência de que as companhias mantenham um percentual mínimo de suas ações em circulação (prática conhecida como free-floating); 3) determina que o conselho de administração deve ser composto por, no mínimo, três membros (artigo 140 LSA); 4) faculta a adoção de padrões internacionais de contabilidade nas demonstrações financeiras; 5) determina que, em caso de alienação do controle da companhia, o adquirente deve se obrigar a fazer oferta pública de aquisição das ações dos minoritários pelo valor de, no mínimo, 80% daquele pago pelas ações do bloco de controle (tag-along de 80%, artigo 254-A LSA) e 6) faculta a adoção da arbitragem para a solução dos conflitos societários (artigo 109, § 3º, LSA).

Já o regulamento do Novo Mercado, segmento diferenciado de listagem da BOVESPA que possui a maior rigidez no que diz respeito às normas de Governança Corporativa, tem por características principais: 1) permitir que as companhias emitam tão somente ações ordinárias; 2) exigir que as mesmas mantenham em circulação, no mercado de valores mobiliários, no mínimo, 25% de suas ações (free-floating mínimo de 25%); 3) determinar que o conselho de administração seja composto por no mínimo 5 membros, dos quais pelo menos 20% devem ser independentes [16]; 4) exigir a adoção de padrões contábeis internacionais (US GAAP ou IASB [17]) na elaboração dos balanços anuais; 5) exigir a extensão para todos os acionistas das condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag-along de 100%); 6) exigir a adoção da câmara de arbitragem para solucionar os conflitos societários.

Os dois segmentos intermediários de listagem da BOVESPA, Nível 1 e Nível 2, e o segmento especial BOVESPA Mais, adotam algumas das regras enumeradas para o Novo Mercado e outras que são características do mercado tradicional. Assim é que, por exemplo, o Nível 1 faculta a adoção da câmara de arbitragem e estabelece que o conselho de administração será composto pelo mínimo legal de 3 conselheiros, mas obriga que as companhias ali listadas mantenham o percentual de 25% de suas ações em circulação. Por sua vez, o Nível 2 permite a existência de ambas as classes de ações (ordinárias e preferenciais), porém exige que seja conferido o tag-along de 100% aos acionistas, que sejam adotados padrões internacionais de contabilidade nas demonstrações financeiras e que seja adotada, obrigatoriamente, a câmara de arbitragem na solução de conflitos.

O que se sabe é que a adesão aos níveis de Governança Corporativa propicia benefícios para o mercado de capitais e para as companhias. Como explica Souza, os investidores obtêm, por um lado, maior exatidão na fixação do preço das ações, maior possibilidade de fiscalização das companhias e menor sujeição aos riscos, enquanto que as empresas que adotam tais soluções gozam de melhor imagem institucional e agregam mais valor às suas ações, que se tornam mais requisitadas e líquidas, o que reduz o seu custo do capital.Adiante, analisar-se-á algumas questões pertinentes relacionadas às exigências criadas pelos níveis diferenciados da BOVESPA.

4.1 A proibição da emissão de ações preferenciais

A norma do Novo Mercado que obriga as companhias ali listadas a somente emitirem ações ordinárias tem por conseqüência imediata a garantia de maior participação dos acionistas, especialmente os minoritários, nas deliberações da companhia. No Novo Mercado, a cada ação corresponde um voto, o controle fica mais disperso e todos os acionistas têm seu peso devidamente considerado nas deliberações. Dificulta-se, então, a hipótese de um acionista exercer o controle da companhia detendo apenas 25% + 1 das ações com direito de voto, o que é possível pelo artigo 15, § 2º da LSA, que permite que até 50% das ações de uma companhia sejam da espécie preferencial, sem o direito de voto. Tal restrição à emissão de ações preferenciais contribui, também, para evitar algumas das críticas que são constantemente feitas àquelas vantagens concedidas pela lei às ações preferenciais.

Isto porque, quanto às vantagens legais conferidas às ações preferenciais (artigo 17, incisos I a III), é importante recordar que a previsão contida no artigo 17, I, que confere ao acionista preferencial a prioridade na distribuição de dividendo, também estabelece que este dividendo poderá ser fixo [18] ou mínimo [19], o que deverá ser definido no Estatuto Social da companhia. No entanto, a previsão do § 4º daquele artigo é no sentido de que, salvo previsão estatutária em sentido oposto, o dividendo prioritário não será cumulativo [20] e a ação com dividendo fixo não participará dos lucros remanescentes [21]. Sendo assim, e considerando-se que, conforme aponta Osmar Brina Corrêa-Lima, o estatuto social é, em regra, elaborado pelos controladores, titulares de ações ordinárias, pode-se deduzir que, em boa parte das vezes, o dividendo prioritário é fixo e não cumulativo, o que acaba por anular a vantagem dos preferencialistas justamente quando os lucros da companhia são maiores.

A vantagem conferida pelo inciso II do artigo 17 da Lei das Sociedades por Ações, por sua vez, só será benéfica aos preferencialistas na hipótese de dissolução da companhia, pois que trata de prioridade de reembolso de capital depois de satisfeitos os demais credores. No entanto, recorrendo-se novamente à lição de Osmar Brina Corrêa-Lima, são raras as dissoluções e liquidações de sociedades prósperas e solventes, nas quais o investidor normalmente aplica o seu capital, razão pela qual essa vantagem dificilmente será verificada.

Quanto às vantagens estatutárias previstas nos incisos do § 1º do artigo 17 da LSA, Sousa [22] tece crítica no sentido de que a única daquelas que pode ser considerada real é a prevista no inciso II daquele parágrafo, pois que a prioridade de participação no dividendo líquido prevista no inciso I só será vantajosa se o patrimônio líquido da sociedade for bastante elevado, e o tag-along previsto no inciso III só será usufruído pelo preferencialista se ocorrer a alienação do controle da companhia aberta, o que representa uma eventualidade. O autor lembra ainda que, por se tratar de vantagem estatutária facultativa, mesmo a previsão do artigo 17, § 1º, II pode não ocorrer na prática, por estar condicionada à previsão estatutária. Assim, aponta, na prática, o acionista preferencial, além de se ver privado de seu direito de votar, pode não gozar de vantagem real, o que configura um retrocesso ao espírito protecionista incorporado pela reforma trazida pela Lei nº 10.303/01.

Dessa forma, a adesão ao segmento do Novo Mercado pela companhia contribui para igualar o tratamento dado aos seus acionistas, ao conferir a todos o direito de participar nas deliberações sociais, e evita que eles se vejam seduzidos por vantagens que, na prática, inexistem ou dificilmente se efetivam.

4.2 A concessão do tag-along

Uma outra inovação do Novo Mercado em relação à LSA diz respeito ao tag-along. Por garantir a extensão desse direito, em sua plenitude, a todos os acionistas (ou seja, confere tag-along de 100% a todas as ações), em caso de alienação do controle da companhia, o Novo Mercado representa nítida progressão em relação à previsão legal do 254-A da LSA, que estabelece que o tag-along será de 80%, e somente para as ações da espécie ordinária.

Saliente-se, no entanto, que no Novo Mercado, conforme elucidado, não é permitida a emissão de ações preferenciais. Nos níveis diferenciados 1 e 2 da BOVESPA, onde existem aquela espécie de ação, o tag-along varia de forma gradual: enquanto o Nível 1 segue a regra tradicional (80% somente para os papéis ordinários), o Nível 2 confere aquele direito na proporção de 100% para as ações ordinárias e 80% para as preferenciais.

Não obstante os marcos regulatórios, algumas empresas têm, voluntariamente, estendido esse direito a todos os seus acionistas. É o caso, por exemplo, da Gol Linhas Aéreas, e da ALL - América Latina Logística, que se encontram listadas no Nível 2.

Argumentos favoráveis e críticas são adotados com relação ao tag-along e sua extensão a todos os acionistas. Os primeiros se desenvolvem basicamente no sentido de que esse direito confere maior proteção aos acionistas minoritários, assegurando-lhes tratamento eqüitativo para com aqueles que compõem o bloco de controle e respeitando, assim, o princípio da eqüidade (fairness). Verificando um exemplo prático, conclui-se como aquele direito pode evitar desigualdades ocasionadas por circunstâncias do mercado. Tome-se, a propósito, a transação que levou à transferência do controle acionário da brasileira AmBev para a belga Interbrew, em março de 2004. Na ocasião, o direito de tag-along, na proporção de 80%, somente foi garantido aos acionistas titulares de papéis ordinários, uma vez que a AmBev se encontrava submetida tão somente aos ditames da legislação societária. Assim, o anúncio da alienação do controle fez com que, nos dois pregões subseqüentes à comunicação oficial, as ações ordinárias da AmBev acumulassem ganho de 10,35%, mesmo após a valorização acumulada de 36,6% nos cinco pregões anteriores, fruto das especulações quanto àquela transação; ao passo que as ações preferenciais, às quais não era estendido o prêmio pela alienação do controle, desvalorizaram 17,98% nos dois pregões subseqüentes, após terem acumulado ganho de apenas 7,4% nos cinco pregões anteriores [23]. Enquanto os detentores de ações ordinárias lucraram com a transação, os preferencialistas não só deixaram de ganhar como efetivamente perderam com a depreciação de suas ações.

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De outro lado, Simões [24] enumera os "efeitos perversos" do tag-along. São eles: 1) a dificultação da rotatividade do controle da companhia, que representa solução muitas vezes eficaz para revitalizar empresas que não produzem resultados, ocasionada pelo aumento forçoso do custo de aquisição do controle e redução do valor obtido pelo controlador na transferência; 2) a redução da liquidez das ações da companhia a níveis inaceitáveis, em decorrência da quase eliminação do free-floating, o que, na prática, não deixa aos minoritários outra alternativa que não a de vender suas ações na oferta pública, o que pode acarretar o fechamento da companhia; 3) a provocação de distorções de mercado, gerada pela especulação que se desenvolve em conseqüência do anúncio da alienação do controle, e que ocasiona valorizações extraordinárias em curto prazo, em razão de um fator artificial e 4) o desrespeito ao princípio da eqüidade, provocado pela extensão deste direito aos preferencialistas, que compram suas ações por cotações de mercado inferiores, por não terem perspectiva do direito de voto, porém as vendem por valor próximo quando da alienação do controle, o que gera um enriquecimento ilícito por parte destes.

Andrade e Rossetti apontam dois efeitos do tag-along: o efeito-proteção, que protege as minorias e estimula o desenvolvimento do mercado de ações; e o efeito-custo, que desestimula o take-over [25] e desincentiva as aberturas de capital, por onerar as companhias.

4.3 A utilização da arbitragem

A adoção da arbitragem, através de cláusula compromissória, como meio para a solução dos conflitos societários, é exigência feita às empresas listadas nos segmentos diferenciados Novo Mercado e Nível 2 e no segmento especial BOVESPA MAIS. Para o Nível 1 e para as empresas do mercado tradicional, a utilização da arbitragem é facultativa.

Não obstante tenha Vilela [26], citado por Portugal, dito cuidar-se aqui de convenção arbitral extra-estatutária, firmada entre as companhias e a BOVESPA para a solução dos conflitos oriundos do regulamento de listagem, o atual regulamento do Novo Mercado é expresso ao estabelecer que a companhia deverá resolver pela via da arbitragem, inclusive, as controvérsias relacionadas ou oriundas de cláusula compromissória, o que engloba os conflitos internos. Assim, a companhia, seus acionistas, administradores, membros do conselho fiscal e a BOVESPA devem adotar a arbitragem sempre que surgir uma controvérsia envolvendo a aplicação e interpretação das normas de funcionamento do mercado de capitais.

Na prática, as empresas, independentemente de seu segmento de listagem, têm preferido as vantagens conferidas pela arbitragem e aderido à Câmara de Arbitragem do Mercado - CAM, instituída pela BOVESPA em 2001 [27], visto que o método arbitral possui vantagens quando comparado ao método judiciário de resolução de conflitos, e se adequa melhor à dinâmica exigida pelo meio empresarial. Tais vantagens são basicamente três: 1) a eficiência, pelo fato de contar com árbitros especializados na matéria em litígio, escolhidos pelas partes; 2) a conveniência, pela possibilidade do processo ser sigiloso, preservando as partes e o objeto da lide, que pode se tratar, inclusive, de segredo industrial; e 3) a celeridade, devido à exigência legal [28] de que a sentença arbitral seja proferida no máximo em seis meses.

Há, ainda, a possibilidade das companhias adotarem a chamada arbitragem ad hoc, cuja principal característica consiste na possibilidade das partes estabelecerem as regras a serem adotadas, que então serão submetidas à prévia aprovação do presidente da CAM.O corpo de árbitros da CAM é constituído por advogados, economistas, contadores e administradores de empresas, escolhidos pelo conselho de administração da BOVESPA. As decisões que proferem, por expressa determinação do artigo 18 da Lei nº 9.307/96, não ficam sujeitas a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário, não obstante seja defendida a possibilidade das partes estipularem a instituição de um órgão recursal arbitral.

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Sobre o autor
Rodrigo Eustáquio Ferreira

Advogado graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduando em Direito de Empresas pela PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Eustáquio. Considerações jurídicas sobre a governança corporativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2116, 17 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12644. Acesso em: 19 abr. 2024.

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