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Anencefalia: estudo sobre a legalização do aborto e a doação de órgãos

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20/04/2009 às 00:00
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CONCLUSÃO

O feto encontra-se vivo no útero da mãe, desenvolvendo-se até seu nascimento, podendo nascer com vida, o que de fato acontece em significativo percentual. Nascendo viva, a criança se investe de todas as garantias inerentes à personalidade jurídica.

O período de vida extra-uterina do anencéfalo pode variar de horas a meses, assim como o desenvolvimento que irá apresentar. A breve duração da vida não justifica a antecipação da morte.

A anencefalia, por si, não causa a morte da gestante e nem diminui sua dignidade ou liberdade. A autonomia reprodutiva da mulher só diz respeito à liberdade que ela possui de decidir-se por uma gravidez, sendo que, depois de consumada esta, prevalece o direito à vida, igual para mãe e filho.

A antecipação do parto causa a morte do feto, concretizando-se o aborto, que não é terapêutico mas eugênico. A morte da criança é provocada pelo ato da interrupção da gestação e não pela deficiência encefálica, configurando-se, então, um crime contra a vida.

A antecipação do parto de anencéfalo é inconstitucional e não está prevista pelo Código Penal, que não pode ser interpretado "in malam partem".

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental não é o meio processual correto à pretensão da autora, que deseja a inclusão de nova hipótese normativa, e não possui condições de ser conhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Diante dos fatos, o aborto por anencefalia não deve ser legalizado e nem pode, visto carecer seriamente de fundamentação, principalmente ao confrontar-se com o direito primordial à vida que possuem todos os seres humanos, bem ou mal formados. Como bem ensina Dernival da Silva Brandão:

Criança doente necessita de cuidados médicos e não de ser eliminada. O diagnóstico pré-natal deve ser realizado enquanto possa servir ao bem da pessoa, e ser adequado à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de enfermidades; e não para discriminar os portadores de genes patogênicos e defeitos congênitos. Senão aplicar-se-iam conhecimentos médicos não para tratar o doente, mas para eliminá-lo [...] Sempre há meios de tratar a gestante e, para isso, devem ser empregados todos os recursos atualmente disponíveis na proteção da vida de ambos: mãe e filho. Uma conduta médica atualizada, aliada à experiência clínica e ao progresso técnico científico levará, por certo, ao bom êxito a gravidez; e o insucesso, se houver, ficará restrito ao seu casualismo e à sua imprevisibilidade. Quando necessário, a gestante doente deve ser encaminhada para centro especializado em gestação de alto risco. O abortamento não é isento de riscos, e a experiência tem demonstrado que muitas vezes ele próprio é causa da morte para a gestante doente. (Apud MENEZES, 2004, p. 09).

O anencéfalo tem direito à vida, tanto no útero como fora dele. É absolutamente inadmissível que se autorize a retirada de seus órgãos, pois isso significaria retirar órgãos de uma pessoa viva, o que afronta totalmente a ética e a moral pública. Um país cuja legislação proíbe o aborto de anencéfalo, em respeito à sua vida, não deve, pelos mesmos motivos, permitir que seus órgãos sejam doados para transplante, ao contrário do que decidiu a Resolução nº 1.752 do Conselho Federal de Medicina, de 08/09/2004.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal. Org. Luiz Flávio Gomes; obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. (RT-mini-códigos).

DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2004.

MENEZES, Glauco Cidrack do Vale. Aborto eugênico: alguns aspectos jurídicos. Paralelo com os direitos fundamentais da vida, da liberdade e da autonomia da vontade privada e com os direitos da personalidade civil no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 413, 24 ago. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/5622>. Acesso em: 22 fev. 2005.

NÉRI da Silveira é contra o aborto de anencéfalos. Jus Navigandi, Teresina, a 8, n. 413, ago. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/16602. Acesso em: 22 fev. 2005.

QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Abortamento de feto anencefálico e a inexigibilidade de conduta diversa. A influência das circunstâncias concomitantes no comportamento humano. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 943, 1 fev. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7770. Acesso em: 23 fev. 2006.


Notas

  1. Eugenia é a ciência que se ocupa do aperfeiçoamento físico e mental da raça humana.
  2. Excesso de líquido amniótico.
  3. Eutanásia é uma prática ilegal pela qual se abrevia a morte a um doente incurável, sob o pretexto de poupar-lhe mais sofrimentos.
  4. Glândula de secreção interna, de funções múltiplas, situada na base do cérebro.
  5. Anexo 06, p. 09.
  6. Anexo 08, p. 02.
  7. Anexo 06, p. 12.
  8. "Perguntas mais freqüentes sobre anencefalia". Disponível em: www.anencephalie-info.org.
  9. Anexo 06, p. 06.
  10. Id., p. 17.
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Sobre a autora
Poliana Guimarães Rezende

Bancária e Bacharela em Direito pela Universidade de Itaúna

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Poliana Guimarães. Anencefalia: estudo sobre a legalização do aborto e a doação de órgãos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2119, 20 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12651. Acesso em: 10 mai. 2024.

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