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O agravo de instrumento e as peças essenciais

Resumo:


  • O regime jurídico das peças que devem instruir o agravo de instrumento tem se mantido intacto desde 1995 para o recurso do artigo 522 e desde 2001 para o recurso do artigo 544.

  • A interpretação dos dispositivos do agravo de instrumento tem sofrido modificações significativas, principalmente nos tribunais superiores, visando garantir a formação correta do instrumento para ampla compreensão da controvérsia.

  • A jurisprudência tem criado uma terceira espécie de documento, denominado "essencial", que mesmo não sendo obrigatório, é considerado indispensável para a compreensão da controvérsia, podendo levar ao não conhecimento do agravo se não for apresentado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Questão que atormenta a vida dos advogados, a correta formação do agravo de instrumento tem sofrido modificações substanciais, sem que tenha havido uma única alteração legislativa recente. Em outras palavras, o regime jurídico das peças que devem instruir o agravo de instrumento tem-se mantido intacto, desde 1995, em relação ao recurso do artigo 522, e desde 2001, em relação ao recurso do artigo 544.

O que mudou - e muito - foi a interpretação desses dispositivos, a forma como os tribunais superiores têm aplicado essa norma procedimental, notadamente o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. A razão dessas alterações interpretativas estaria na necessidade de resguardar a perfeita formação do instrumento, de modo a garantir a mais ampla compreensão da controvérsia, tanto mais com a possibilidade da conversão do instrumento no próprio recurso principal inadmitido, no caso do artigo 544, §1º 1.

É bem verdade que algumas dessas variações de interpretação vieram ao encontro da instrumentalidade das formas e da economia processual, facilitando a vida do agravante. Foi o caso da jurisprudência que se formou no STJ, admitindo que a certidão de intimação da decisão agravada pudesse ser suprida pela certidão de publicação na imprensa oficial, ou até mesmo que, por qualquer outro meio idôneo, se pudesse verificar a tempestividade do recurso. 2 Afinal, como bem observou o Ministro Humberto Gomes de Barros, "cada uma das peças listadas no artigo Art. 525, I, do CPC, tem uma razão de ser." 3

Outras, ao contrário, tornam mais rígida a formação do agravo, como a orientação firmada no sentido de que "a expressão ‘acórdão recorrido’ compreende tanto o acórdão prolatado no julgamento da apelação, quanto o proferido nos embargos declaratórios, que o integra." 4

Nenhuma dessas correntes, porém, é tão prejudicial ao agravante (e ao processo) quanto a jurisprudência que criou um terceiro tipo de documento necessário à formação do agravo de instrumento: o documento essencial. Na verdade, esse novo entendimento criou uma segunda classe de documentos obrigatórios, ao lado daqueles arrolados nos artigos 522, I, e 544, §1º.

Com efeito, os artigos 525 e 544, §1º, arrolam os documentos que devem instruir tal recurso. O primeiro o faz em dois incisos, referindo-se às peças obrigatórias e às facultativas. Já o segundo limita-se a indicar as peças que obrigatoriamente devem instruir o agravo. A doutrina tradicionalmente apontou apenas esses dois tipos de documentos: obrigatórios e facultativos. A jurisprudência dos tribunais superiores, no entanto, acrescentou uma terceira espécie de documento, denominado essencial. Uma espécie de documento que, a despeito de não ser obrigatório, apresenta-se como imprescindível à perfeita compreensão da controvérsia trazida nos autos, corolário do adequado julgamento do agravo. Diante disso, o STJ, após vacilar entre um e outro entendimento, viu-se obrigado a dirimir controvérsia instaurada entre as turmas, tendo-o feito no julgamento dos embargos de divergência no recurso especial n. 449486/PR, quando sua Corte Especial pontificou que a ausência de peça essencial (necessária ou imprescindível) implica o não-conhecimento do agravo:

Agravo de instrumento. Traslado de peça essencial ou relevante para a compreensão da controvérsia.

1. A ausência de peça essencial ou relevante para a compreensão da controvérsia afeta a compreensão do agravo, impondo o seu não-conhecimento.

2. Embargos conhecidos e rejeitados.

(EREsp 449486/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02.06.2004, DJ 06.09.2004 p. 155)

O entendimento tem sido mantido, como se vê do seguinte julgamento:

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PEÇA FACULTATIVA. IMPRESCINDIBILIDADE À SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. SÚMULA 168 STJ.

1. Está pacificado, desde o julgamento do ERESP 449.486/PR, em 06 de setembro de 2004, o entendimento de que a ausência de peça no instrumento, ainda que facultativa, acarreta o não conhecimento do agravo, caso afigure-se ela imprescindível à solução da controvérsia, não sendo adequada a conversão do processo em diligência, seja nas instâncias ordinárias, seja nesta Corte.

2. No caso, versando o mérito da demanda sobre locação, não foi exibido pela parte agravante o respectivo contrato.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EREsp 774.914/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 16.05.2007, DJ 04.06.2007 p. 282)

Esse também é o pensamento reinante no STF:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO. INTEMPESTIVIDADE. DEVER PROCESSUAL DA PARTE ZELAR PELA FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE JUNTADA POSTERIOR DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO ESSENCIAL. AGRAVO IMPROVIDO. I - A jurisprudência da Corte é no sentido de que incumbe ao recorrente a prova da suspensão do prazo recursal no momento da interposição do recurso, não se admitindo a juntada posterior do documento comprobatório da tempestividade. II - É dever processual da parte zelar pela correta formação do instrumento. III - Ausência de documento essencial à exata compreensão da controvérsia. Incidência da Súmula 288 do STF. IV - Agravo regimental improvido.

(AI-AgR 620322 / RJ, Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJ 09.11.2007).

A única exceção fica por conta da ausência de procuração na instância ordinária, devendo o relator oportunizar ao agravante a juntada do respectivo documento no prazo de dez dias, em obediência ao que dispõem os artigos 13 e 37 do CPC. 5

Data máxima vênia, não nos parece seja esse o melhor juízo acerca do tema, em que pesem as judiciosas razões dessa corrente, abraçada pela maior parte dos renomados Ministros do STJ e do STF. Há um excesso de formalismo e apego ao rigorismo processual. Se é certo que todos desejamos um processo célere e efetivo, isso não significa devamos ser inflexíveis e intransigentes na aplicação da norma processual. A matéria parece mesmo ter sido melhor examinada pela corrente vencida, que enaltece os princípios da instrumentalidade das formas e do contraditório. Ora, se o documento faltante não está arrolado entre os obrigatórios, e o relator o entende imprescindível, deve oportunizar ao agravante prazo razoável para juntá-lo. Não poderia jamais o relator negar seguimento liminarmente ao agravo por falta do chamado documento essencial, sob pena de estar legislando, criando documento obrigatório não previsto em lei. Essa, aliás, sempre foi a lição de Barbosa Moreira 6.

Fredie Didier e Leonardo Cunha nos ensinam que a origem desse entendimento está no enunciado 288 7 da Súmula do STF, que teria criado um terceiro gênero de documento que deve instruir o agravo de instrumento: o essencial. Ressaltam os autores, contudo, que o relator nesses casos deve intimar o agravante para regularizar o procedimento recursal, em homenagem aos princípios do contraditório e da cooperação 8.

Com a devida vênia dos que pensam o contrário, não há um terceiro gênero de documento que deva instruir o agravo de instrumento, o chamado documento essencial ou imprescindível. Se o documento fosse tido por essencial ou imprescindível, teria sido arrolado pelo legislador entre as peças obrigatórias. Se não o fez, não é dado ao intérprete fazê-lo: ou o documento é obrigatório, ou é facultativo. Se não está no taxativo rol de documentos obrigatórios, é peça facultativa, e, portanto, não pode obstaculizar o conhecimento do agravo por defeito de formação do instrumento, sem antes ser oportunizada a juntada ao agravante. Do contrário, repita-se, estará o aplicador do direito tornando obrigatório documento não previsto em lei como tal.

Não custa lembrar que o legislador, quando criou a segunda categoria de documentos, os facultativos, deixou ao arbítrio do agravante julgar se tal peça é útil ou não:

"Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída:

I - obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;

II - facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis."

Parece inequívoco que o juízo acerca da utilidade ou não de eventual peça não-obrigatória é exclusivo e subjetivo do agravante, e não do relator. A jurisprudência que se consolidou, portanto, subverteu essa regra. E o que é pior: obriga o agravante a instruir o agravo de instrumento com cópia integral dos autos, de modo a não correr qualquer risco de ter seu recurso inadmitido por falta de documento facultativo, mas essencial. Medida cara, trabalhosa e burocrática, que só abarrota ainda mais as prateleiras do Judiciário, na contramão do princípio do processo de resultado, como bem advertiu a Ministra Eliana Calmon no julgamento do REsp 476.440.

Questão interessante, máxime em dias de implementação do processo virtual. Imagine-se como deverá proceder o agravante depois de implementado integralmente o processo eletrônico ou virtual. Terá o agravante que escanear todas as peças do processo original para formar o instrumento do agravo? Ou será que o relator requisitará tais documentos eletronicamente ao juízo de origem? A rigor, seria necessária alteração legislativa nesse sentido, pois atualmente não há previsão legal para tanto: a correta formação do instrumento é ônus do agravante. E não nos parece que o regimento interno de cada tribunal possa dispor nesse sentido, em que pese possa disciplinar a implementação e operacionalização do processo eletrônico.

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O fato é que os tribunais superiores têm sido cada vez mais rígidos com relação ao juízo de admissibilidade do agravo - recurso notoriamente antipático -, especialmente no que toca à perfeita formação do instrumento, ônus do agravante que não admite dilações na instância superior. Todavia, a louvável preocupação com o descongestionamento da pauta dos tribunais especiais não pode suplantar princípios processuais elementares, nem tampouco a garantia fundamental ao devido processo justo. Parece-nos mais razoável e conformada a esses princípios a minoritária corrente do STJ, capitaneada pelos Ministros Humberto Gomes de Barros, Eliana Calmon, Aldir Passarinho Júnior e Ruy Rosado de Aguiar, para quem "a falta de documento obrigatório, exigido na lei, implica o não-conhecimento do agravo. Porém, se o juiz considera uma outra peça indispensável ao julgamento do agravo, deve oportunizar ao agravante a apresentação do documento." 9

Com efeito, para essa minoritária mas respeitável corrente, "se a peça não se acha prevista no Art.525, I, do CPC como essencial, porém se revela indispensável ao exame da controvérsia segundo entendimento do órgão julgador, deve ele ou diligenciar para que ela seja juntada, ou determinar que o agravante complemente a instrução." 10

E aqui encerramos nossa crítica, pedindo vênia para reproduzir importante trecho do voto da Ministra Eliana Calmon, nos autos do Recurso Especial 476.446, cuja transcrição se impõe pela propriedade com que abordou o assunto, talvez a análise judicial mais didática e razoável já produzida sobre o tema:

"Sobre o tema, a partir da leitura do Art. 525. do CPC, verifica-se que as peças formadoras do agravo de instrumento podem ser classificadas da seguinte maneira:

a) peças obrigatórias - previstas no inciso I do citado dispositivo, cuja ausência acarreta e não conhecimento do recurso; e b) peças facultativas - reguladas no inciso II, que são aquelas assim consideradas pelo agravante como indispensáveis ao entendimento da questão.

Contudo, a jurisprudência criou uma terceira espécie, que seria a das peças necessárias, sem as quais não é possível, na ótica do Tribunal, o deslinde da querela.

(...)

Entendo que apenas a ausência das peças obrigatórias pode ocasionar o não-conhecimento do agravo de instrumento, pois se o agravante não juntou qualquer outra peça, como lhe faculta o inciso II do Art. 525. do CPC, é porque julgou que aquelas elencadas no inciso I do referido dispositivo legal são suficientes para o sucesso do seu recurso, não se podendo, portanto, exigir da parte previsibilidade quanto ao ponto de vista do Tribunal, no sentido de antecipar que tal ou qual peça é necessária para a compreensão da controvérsia.

Admitindo-se o contrário, chegaríamos a uma situação extremada, quando a parte, por medo de não ver prosperar seu recurso, juntaria praticamente todas as peças da ação principal, o que causaria inúmeros reflexos negativos na prestação jurisdicional, como, por exemplo, o encarecimento das despesas processuais com a reprografia e o excessivo dos autos, refletindo nos custos de transporte e dificultando até mesmo o manuseio do processo na Secretaria dos Tribunais. Enfim, a prática burocratizaria ainda mais o lento trâmite processual, na contramão do princípio do processo de resultado.

Surge, então, o seguinte questionamento: no caso concreto, como deverá agir o Tribunal se entender que as peças obrigatórias, ainda que acompanhadas das peças facultativas, não são suficientes para a instrução da demanda? Deverá diligenciar para que venham elas aos autos ou marcar prazo para que a parte apresente os documentos que, a juízo do relator, são imprescindíveis à solução da lide. Assim, ao tempo em que se prestigiaria o princípio da economia processual, também atender-se-ia ao princípio do contraditório, pois a parte não seria surpreendida com o improvimento do seu recurso por não ter apresentado peça sequer elencada na legislação de regência e da qual desconhecia a exigência."

(REsp 476.446/RJ, DJ 09.06.2003).


Notas

  1. E há quem sustente a razoável aplicação dessa mesma regra ao agravo de instrumento do artigo 522, quando inadmitida a apelação: o tribunal, ao prover o agravo de instrumento, o converteria em apelação, se o instrumento contivesse os elementos necessários para tanto. Conferir, nesse sentido: COSTA JÚNIOR, Eli da. Possibilidade da conversão do recurso de agravo de instrumento (previsto no art. 522. do CPC) em recurso de apelação cível . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1217, 31 out. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9108/possibilidade-da-conversao-do-recurso-de-agravo-de-instrumento-previsto-no-art-522-do-cpc-em-recurso-de-apelacao-civel>. Acesso em: 27 mar. 2009. .

  2. AgRg no Ag 879.069/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.08.2007, DJ 17.09.2007 p. 241

  3. REsp 1007077/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/03/2008, DJe 13/05/2008.

  4. AgRg no Ag 623.805/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07.12.2004, DJ 14.02.2005 p. 230.

  5. EREsp 197307/SP, julgado em 29/06/2001, Corte Especial.

  6. O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: exposição sistemática do procedimento. 25ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2007. Pág. 145.

  7. Enunciado 288: NEGA-SE PROVIMENTO A AGRAVO PARA SUBIDA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUANDO FALTAR NO TRASLADO O DESPACHO AGRAVADO, A DECISÃO RECORRIDA, A PETIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO OU QUALQUER PEÇA ESSENCIAL À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA.

  8. Ob. Cit., págs. 155/156.

  9. REsp 327.459/MG- Rel.Ruy Rosado de Aguiar - Quarta Turma - DJ 17/03/2003 - Pág. 234.

  10. REsp 280.875/RJ - Rel. Aldir Passarinho Júnior - Quarta Turma – DJ 04/03/2002, pág. 261.

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Sobre o autor
Luís Marcelo Cavalcanti de Sousa

Procurador do Estado do RN. Advogado. Especialista em direito processual pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti. O agravo de instrumento e as peças essenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2119, 20 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12657. Acesso em: 22 dez. 2024.

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