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Tempo de serviço declarado em decisão trabalhista: uma porta ainda aberta para a fraude contra a seguridade social

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Cuida-se, neste artigo, de um problema que, embora se passe quase de modo imperceptível, por certo tem contribuído sensivelmente para o malfadado estado de insolvência dos sistemas de previdência públicos, especialmente os Regimes de Servidores Públicos: trata-se da fraude consistente nas averbações irregulares de tempo de serviço mediante sentenças obtidas em reclamações trabalhistas forjadas mediante conluio entre as partes.


"MODUS OPERANDI" DA FRAUDE

A fraude através de reclamação trabalhista é de fácil concretização. Consiste em o interessado na "obtenção" de tempo de serviço ajuizar reclamação trabalhista ou simples ação declaratória perante a Justiça do Trabalho, em face de uma determinada pessoa física ou jurídica. O pedido do autor nessa espécie de ação, quando dirigido contra um particular, visa a que este anote o suposto contrato na sua carteira de trabalho; e quando dirigido contra um ente público, é para que este, além de anotar a CTPS, forneça "certidão de tempo de serviço". Uma vez notificado para a audiência e fazer sua defesa, o reclamado ou réu, que para esse efeito é macomunado com o autor, deixa de contestar a ação ou comparece à audiência não para se defender, mas, ao revés, para fazer confissão expressa de que foi empregador do autor da ação, na forma e tempo alegados na petição inicial. A Justiça do Trabalho, ante tal circunstância (confissão), em regra tende a julgar a ação procedente e deferir o pedido do autor.

Assim, uma vez que esteja de posse da decisão reconhecendo a existência do "antigo emprego", o primeiro fraudador (o autor da ação) facilmente poderá usá-la para efetuar os recolhimentos das contribuições "atrasadas", em nome do suposto empregador (art. 12, I, "a" e "b", da L. nº 8.212, de 24/7/91), para o Regime Geral da Previdência Social. Feitos os recolhimentos ao INSS, torna-se viável a averbação do tempo de serviço objeto dos recolhimentos junto ao mencionado Regime de Previdência (ou seja, no INSS), o que por sua vez ocasiona a ampliação do tempo total de serviço e de contribuição do segurado, de modo a antecipar a implementação do tempo para que possa obter benefícios previdenciários próprios desse Sistema. Muitas vezes o fraudador age até de forma mais requintada, alegando a existência de um contrato de trabalho de uma antiguidade tal que seja impossível ao INSS apurar e constituir seus créditos, por já haver transcorrido o prazo decadencial, que é de 10 anos, conforme o art. 70, da L. nº 8.212/91.

Os efeitos dessa modalidade de fraude, infelizmente, não se esgotam na Previdência Geral (INSS), fazendo-se refletir com maior gravidade nos regimes próprios dos servidores públicos civis (Regimes de Previdência de Servidores Públicos Civis da União, de Estados ou de Municípios). Não é impossível que a averbação de tempo de serviço indicada em certidão obtida do INSS, mediante a fraude sob exame, esteja ocorrendo também em quaisquer outros sistemas de Previdência, de que são exemplos o Regime de Previdência dos Servidores Militares da União e o extinto Sistema dos Membros do Congresso Nacional.

Quando a fraude da falsa reclamação trabalhista é cometida por funcionário público, o objetivo último é a ampliação do seu tempo de serviço junto ao ente público ao qual está vinculado e conseqüente obtenção de benefício(s) próprio(s) do Regime dos Servidores Públicos. Nesse caso, já de posse da decisão da Justiça do Trabalho, o fraudador efetua os recolhimentos pertinentes ao INSS (para tanto, basta efetuá-los sobre o valor do menor salário de contribuição do Regime Geral, cfe. arts. 28, I e 29, da L. 8.212/91 e, ainda assim, se já não estiver operada a decadência) e em seguida obtém a respectiva certidão de tempo de serviço e contribuição da citada autarquia. Finalmente, basta levar a certidão para que o tempo nela registrado seja averbado no serviço público federal, estadual ou municipal ao qual esteja vinculado. Como a aposentadoria ou a pensão no Regime dos Servidores Públicos sempre teve valor legal máximo possível igual (ou até mesmo superior) ao valor da remuneração do servidor na ativa, a fraude pela via da reclamação trabalhista tornou-se muito praticada por funcionários públicos, dado que representa uma maneira fácil e barata de "antecipar" longa etapa de tempo de trabalho que ainda teriam pela frente, antes de implementarem o tempo para a aposentadoria.

Com certeza, para a tristeza da classe – já tão execrada injustamente pelo Poder Executivo e pelos seus aliados da parte podre da Imprensa - muitos funcionários públicos praticaram a fraude descrita, notadamente nos últimos anos, em que se prenunciava a Reforma da Previdência, efetivamente ocorrida com a Emenda Constitucional nº 20, vigente a partir de 16/12/98.

É oportuno lembrar, todavia, que nos termos do § 13, do art. 39 do regulamento da Lei nº 8.112/91 (Decreto nº 2.173, de 5/3/97 - Regulamento da Organização e do Custeio da Seguridade Social), o INSS não está obrigado a reconhecer a filiação de segurado simplesmente porque efetuados os recolhimentos de contrituições do perído considerado, devendo fazê-lo somente quanto ao período em que for "comprovado o exercício da atividade remunerada".


ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

O Ministério Público do Trabalho, que dentre as suas inúmeras atribuições tem a incumbência de defender a ordem jurídica e os interesses sociais (art. 127 da CF e art. 83 da Lei-Complementar nº 75, de 20/05/93), na 22ª Região tem agido energicamente no combate à fraude da averbação do tempo de serviço pela via da reclamação trabalhista fraudulenta.

A atuação ministerial se concretiza tanto na sua função de custos legis, mediante a emissão de pareceres contrários às pretensões dos fraudadores, quando a fraude é constatada na reclamação trabalhista cuja decisão ainda não transitou em julgado, quanto no exercício de sua atribuição de órgão agente, através do ajuizamento de ações rescisórias, fundadas na alegação de que houve colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei (art. 485, III, do CPC). Além das medidas judiciais, o MPT tem dado conhecimento das fraudes aos ramos do parquet incumbidos das responsabilizações criminal e/ou administrativa (por improbidade) dos infratores, bem assim informado as Advocacias e os Tribunais de Contas da União ou dos Estados (conforme o caso), para que adotem providências nas suas esferas de atuação.

Não obstante isso, a própria Justiça do Trabalho deve, independente de pedido do Ministério Público, coibir a fraude (e o tem feito em vários casos). Basta observar o artigo 129 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente ao Processo Trabalhista), que assim dispõe: "Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes." (Destaques do autor).

É óbvio que nem toda reclamação trabalhista em que o autor postula anotação de carteira é presumidamente fraudulenta, pois, são igualmente numerosos os casos em que o postulante busca verdadeiramente o reconhecimento de antigo vínculo de emprego cuja formalização obrigatória não foi realizada pelo então empregador. Porém, há que se distinguir, sempre, reconhecimento do tempo de serviço de reconhecimento do vínculo de emprego.

Diferenciando reconhecimento do tempo de serviço de reconhecimento do vínculo de emprego, o Ministério Público do Trabalho, em parecer lançado nos autos do processo TRT 22ª Região, RO-301/98, enfatizou que: "O primeiro se destina a fins previdenciários apenas, deve ser requerido em face do instituto de Previdência, independe da natureza da prestação dos serviços, se provado judicialmente isso deve ocorrer na Justiça Federal, exige início de prova material, não resulta do reconhecimento do laço de emprego nem de assinatura do contrato na CTPS, nenhum litígio se trava com o empregador e mesmo que este quisesse jamais poderia reconhecer o tempo de serviço a favor do obreiro. O segundo se destina a fins trabalhistas (reconhecimento de vínculo laboral e subseqüente registro na CTPS, pagamento de verbas e indenizações, depósitos do FGTS, fruição de férias, etc.), com reflexos previdenciários ante a necessidade de serem recolhidas as contribuições por conta do laço declarado, há litígio entre trabalhador e empregado, deve ser dirimido na Justiça do Trabalho, admite confissão do empregador, pode ser provado por qualquer meio de prova admitido em direito. No fundo, a finalidade do pedido é que distingue um do outro e, daí, permite que se delineie o sujeito passivo do pedido, o processo adequado, o foro competente, a legislação aplicável, etc.".

Nos casos em que não for possível ao juízo trabalhista firmar convicção acerca da ocorrência de fraude na reclamação trabalhista proposta para o fim de ser reconhecido vínculo de emprego, é recomendável que insira no dispositivo decisão a advertência de que ela não se presta, por si só, à averbação do tempo de emprego nela reconhecido.


POSSIBILIDADE DE RECUSA PELO INSS, OU PELO SISTEMA PRÓPRIO DE ENTE PÚBLICO, DA AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO CONSTANTE DE DECISÃO TRABALHISTA

É preciso salientar que a ação rescisória objetivando rescindir a decisão trabalhista que reconhece tempo de serviço na ação trabalhista fraudulenta, tem sido utilizada pelo Ministério Público do Trabalho mais como medida moralizadora do que por se tratar do único modo possível para o desfazimento das citadas averbações ilegais. É que o tempo de serviço averbado no INSS com base em sentença ou acórdão trabalhista, ou mesmo já utilizado na Previdência dos Servidores Públicos, por funcionário, PODE E DEVE SER CANCELADO de ofício pelo INSS ou pelo Ente Público, conforme o caso, produzindo efeitos "ex-tunc", independentemente de ajuizamento de ação. Com efeito, o tempo de serviço constante de sentença ou acórdão da Justiça do Trabalho, não poderia (e não pode) ser acatado nem pelo INSS (Regime Geral) nem pelo Ente Público (Regime dos Servidores Públicos da União, Estado, Distrito Federal ou Município), salvo nos casos em que tenha havido também justificação administrativa acatada pelo INSS, ou decisão da Justiça Federal acolhendo Justificação Judicial para a qual haja sido intimado o INSS. Por isso, até mesmo os benefícios já concedidos integral ou parcialmente com base em tempo de serviço oriundo de sentença ou acórdão trabalhista, sem a prévia justificação administrativa no INSS, ou judicial com a participação do INSS, na Justiça Federal, devem ser cancelados "ex-officio" pela Administração, à qual se impõe, inclusive, o mister de provocar a responsabilização criminal, civil e administrativa dos responsáveis.

A decisão trabalhista não pode jamais produzir o efeito previdenciário da averbação do tempo de serviço contra o INSS, pela razão óbvia de que o INSS – que é parte diretamente interessada - tem foro privilegiado na Justiça Federal, nos termos do art. 109, da Constituição Federal, dada sua condição de autarquia federal. Além disso, falta à Justiça do Trabalho competência para decidir matéria previdenciária.

O ajuizamento da ação na Justiça do Trabalho, mesmo que sob o "invólucro" de ação trabalhista, desde que vise à averbação de tempo de serviço no INSS, obriga a citação desta autarquia, sob pena de a respectiva decisão final não valer contra ela, ante a regra processual de que a coisa julgada tem limites subjetivos, valendo apenas contra os sujeitos que participaram da relação processual. É necessária pois, a citação do INSS, sob pena de nulidade do processo (art. 47 do CPC), e como o INSS tem foro privilegiado na Justiça Federal Comum, obviamente haverá a declinação da competência do Juízo Trabalhista para aquele Juízo (art. 795, § 1º, CLT). O resultado será o mesmo, se analisado o outro argumento, ou seja, se a ação trabalhista é mera "fachada" de verdadeira ação previdenciária para averbação de tempo de serviço, o juízo da Justiça do Trabalho é incompetente "ratione materiae", devendo, também por isso, declinar do conhecimento da causa para o juízo competente.

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É preciso lembrar que, apesar das observações feitas, tudo o quanto for decidido pela Justiça do Trabalho relativamente ao contrato de trabalho terá plena eficácia para os efeitos trabalhistas; apenas não a terá para fins de averbação de tempo de serviço. Para este fim, o empregado deverá justificar o tempo de serviço constante da decisão trabalhista, junto ao INSS, que poderá aceitá-lo ou recusá-lo, para tanto considerando sobretudo a apresentação de início de prova material. Com efeito, enquanto para fins meramente trabalhistas admitem-se quaisquer meios de prova, para fins de averbação de tempo de serviço a prova material é regra, conforme o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91.


CONCLUSÕES

Após as considerações feitas, podem ser extraídas as seguintes conclusões:

a) a fraude baseada na utilização fraudulenta de sentença ou acórdão trabalhista que reconhece vínculo de emprego, para efeito de averbação de tempo de serviço no INSS, representa uma significante causa de prejuízos para os Sistemas de Previdência Públicos Geral e Especiais;

b) salvo quanto ao aumento irregular do número de segurados, a curto prazo o INSS possivelmente não se ressente tanto dos efeitos da citada fraude, pois só efetua averbações mediante o recebimento prévio de contribuições e, além disso, até hoje não funciona a compensação financeira entres os Sistemas de Previdência, preconizado em lei; todavia, quando os fraudadores são servidores públicos e utilizam o tempo averbado no INSS para efeito de obtenção de prestações nos seus Regimes Próprios, estes sistemas sofrem enormes prejuízos, pois passam a pagar aposentadorias ou pensões vultosas para beneficiários que não contribuiram equitativamente para o Sistema e não implementaram o tempo mínimo necessário;

c) porém, é bastante simples a contenção desse tipo de fraude, uma vez que as sentenças ou acórdãos da Justiça do Trabalho não produzem efeitos previdenciários contra o INSS e, conseqüentemente, não cabe a esta autarquia averbar os tempos de serviço reconhecidos em tais decisões (nem fornecer as respectivas certidões), ressalvando-se ao interessado a via própria, da justificação administrativa no INSS, ou a Judicial, se for o caso, perante a Justiça Comum Federal e com a intimação do INSS, na condição de interessado;

d) o INSS tem o poder-dever de cancelar os tempos de serviços averbados (e eventuais benefícios concedidos) com base em sentenças ou acórdãos trabalhistas, ressalvados os casos em que foi acatada justificação nos termos da letra "c", supra; e

e) igualmente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem cancelar os tempos de serviços que averbaram à vista de certidões fornecidas pelo INSS nas circunstâncias já narradas, inclusive cassando os eventuais benefícios que concederam com base neles, ressalvadas, do mesmo modo, as hipóteses em que houve prévia justificação.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. Tempo de serviço declarado em decisão trabalhista: uma porta ainda aberta para a fraude contra a seguridade social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 31, 1 mai. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1273. Acesso em: 21 nov. 2024.

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