A EC 45/2004 acrescentou o § 3º ao art. 102 da CF, que dispõe sobre o recurso extraordinário ao STF. Referido parágrafo insere a figura da repercussão geral como requisito para a admissão do recurso extraordinário e deixa a regulamentação para a legislação ordinária.
Coube à Lei 11.418 introduzir no CPC os arts. 543-A e 543-B com o propósito de diminuir o número de processos que sobem ao STF, em proporção incompatível com sua natureza de corte constitucional.
Vale ressaltar que o controle da admissibilidade, criado pelo § 3º do art. 102 da CF, refere-se exclusivamente ao recurso extraordinário, não abrangendo o recurso ordinário perante o STF e tampouco o recurso especial para o STJ.
A limitação do acesso aos tribunais superiores é uma tendência que se percebe no mundo todo, sendo a Suprema Corte dos Estados Unidos da América um dos melhores exemplos dessa restrição aos recursos excepcionais.
No Brasil, esse mecanismo de filtragem dos recursos ao Supremo já era previsto na Constituição anterior, com o nome de "argüição de relevância". O STF decidia em sessão secreta sobre a relevância ou não do recurso, sem necessidade de motivação ou fundamento. [01] Esse expediente não foi adotado pela CF/88, por se tratar de mecanismo concebido durante a ditadura militar. Porém a CF/88 não criou outro meio que desempenhasse a mesma função e que estivesse de acordo com a reconstitucionalização democrática do país. [02]
Isso até a EC 45/2004 curvar-se à necessidade da admissibilidade do recurso extraordinário subordinar-se à demonstração da repercussão geral da questão constitucional versada na decisão impugnada. Por voto de 2/3 de seus membros, o STF poderá não conhecer do recurso se entender que não ficou demonstrada que a questão versada nele versada trata-se de matéria de repercussão geral.
O Art. 543-A
O CPC definiu repercussão geral como sendo aquela que se origina de questões que "ultrapassem os interesses subjetivos da causa" (art. 543-A, § 1º), ou seja, as questões que repercutem fora do processo, que vão além do direito entre as partes. O interesse é maior fora da causa do que dentro dela.
Dúvidas não há sobre a larga margem de subjetivismo que permeia esse conceito. Incumbirá aos ministros do STF construí-lo cotidianamente.
O STF não poderá rejeitar o recurso arbitrariamente, deve haver a motivação adequada, deve demonstrar como chegou ao juízo determinante da falta de repercussão geral.
No campo do procedimento merece destaque que, ao contrário de todos os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, a repercussão geral será analisada exclusivamente pelo STF. Não cabe ao juízo a quo adentrar na apreciação desse requisito.
Outro ponto a ser verificado é que o requisito da repercussão geral é antecedente a qualquer outro. Cabe ao recorrente, antes de discutir qualquer matéria, demonstrar a repercussão. Trata-se de regra de regularidade formal e, se não observada, acarretará o não conhecimento do recurso extraordinário.
No art. 543-A, § 3º, verificam-se alguns casos em que a repercussão geral é categoricamente assentada. São dotadas de repercussão geral as matérias sumuladas pelo STF ou que tenham sido objeto de reiteradas decisões. Isso é conseqüência do papel atribuído ao STF, qual seja, o de uniformizar a interpretação da Constituição da República, por isso que decisões em sentido contrário ao entendimento da mais alta corte não podem ser mantidas. [03]
No que diz respeito ao quorum para a deliberação acerca da presença, ou não, da repercussão geral, ao Plenário compete declarar sua ausência por voto de 2/3 de seus membros. Porém, se na Turma, que é composta por 5 ministros, 4 deles decidirem que está presente a repercussão geral, a remessa do recurso ao plenário ficará dispensada.
Conclui-se que a lei dá à Turma julgadora o poder de reconhecer a repercussão geral e não o poder de negar conhecimento ao recurso extraordinário por negativa da repercussão.
Quando negada a existência da repercussão geral, essa decisão possui eficácia vinculante, impondo que passe a valer para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente.
Quando reconhecida a repercussão geral, essa decisão não terá a mesma eficácia em relação a outros recursos que versem sobre o mesmo tema. A lei não é clara quanto a este aspecto, [04] mas é o próprio STF quem deverá indeferir liminarmente esses recursos extraordinários e não o tribunal recorrido, já que, como mencionado supra, a análise do requisito da repercussão geral cabe exclusivamente ao STF.
O § 6º do art. 543-A determina que o relator pode permitir a intervenção de terceiros, por meio de procurador habilitado, de acordo com o Regimento Interno. Trata-se da figura do amicus curiae, admitida pelo STF, até então, nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. O amicus curiae atua como colaborador do tribunal e sua intervenção qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do STF, enquanto Corte Constitucional.
O Art. 543-B
Adentrando no art. 543-B do CPC, temos que cabe ao tribunal de origem, no caso de processos repetitivos, selecionar um ou mais recursos que representem a controvérsia e encaminhá-los ao STF para que este decida se a questão em debate tem ou não a repercussão geral. Nesse interregno, os demais recursos aguardarão o pronunciamento da Corte. Vale observar que esse dispositivo aplica-se aos recursos que já tiveram seu juízo de admissibilidade examinado pelo tribunal a quo.
Negando o STF a existência da repercussão geral, [05] os recursos sobrestados serão considerados como não admitidos. Apesar de a lei usar a expressão "automaticamente" (art. 543-B, § 2º), para a não admissão dos processos sobrestados, o Presidente ou vice do tribunal de origem deve proferir decisão interlocutória onde negará seguimento aos mesmos por força da decisão do STF. [06]
Tendo o STF decidido pela presença da repercussão geral, ele poderá confirmar ou reformar a decisão recorrida. Na primeira hipótese, o tribunal de origem apreciará os processos sobrestados considerando-os prejudicados, pois estarão contrários à decisão da Suprema Corte. Na segunda hipótese, o tribunal a quo pode reformar seu próprio entendimento, visto que a decisão paradigmática do STF teve entendimento diverso do esposado na instância ordinária. De outro lado, pode o tribunal a quo optar por manter a decisão recorrida, mesmo expressando entendimento contrário ao do STF, caso em que deverá remeter o recurso extraordinário para análise do Supremo, que poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
Pretende a Lei 11.418 valorizar a autoridade do Supremo Tribunal Federal na interpretação da Constituição Federal e também o grande número de processos que dão entrada na corte todo dia, chegando a comprometer a prestação jurisdicional a seu cargo.
O Art. 543-C
Quando for protocolado recurso, cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, ou seja, quando o relator verificar que se trata de demanda de massa, poderá ele separar um ou mais processos representativos da controvérsia para apreciação pelo STJ. Nesse juízo de admissibilidade o relator deverá determinar, em despacho fundamentado, a suspensão de todos os recursos em tramitação, até que se tenha a uniformização do entendimento pelo STJ.
Como recurso representativo da controvérsia entende-se os processos em que os subsídios jurídicos e fáticos permitam ao STJ uma percepção precisa da questão de direito, bem como do conflito em que ela se insere. Isso não depende só da peça recursal, outros atos do processo também serão importantes, tais como as contrarrazões ao recurso e a decisão recorrida. O órgão a quo deverá considerar a qualidade dos atos e não apenas a do recurso.
A lei expressamente autoriza encaminhar mais de um recurso representativo da controvérsia. Nesse caso, é recomendável que o relator explique, em ofício, a razão porque está encaminhando cada um dos recursos.
De acordo com o § 1º do art. 543-C do CPC, os demais recursos em andamento serão suspensos até que o STJ emita seu pronunciamento definitivo.
Se a parte entender que a matéria discutida em seu recurso não é idêntica aos demais recursos encaminhados por força do art. 543-C, poderá impugnar tal decisão do tribunal a quo. A lei, todavia, não tratou dessa hipótese, dificultando a definição de qual recurso cabível a essa situação. Por analogia, entende-se cabível, pelo fato do STJ já ter admitido em situações semelhantes, medida cautelar, reclamação e também agravo de instrumento. [07]
O tribunal superior, ao receber o recurso, poderá pedir informações ao tribunal a quo, que devem ser prestadas em 15 dias. Recebidas as informações e, se for o caso, cumprido o disposto no § 4º do art. 543-C do CPC, terá vista o Ministério Público pelo prazo de 15 dias. Transcorrido esse prazo o processo será incluído na pauta da seção ou da Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, exceto quanto às ressalvas do § 6º, que são os processos que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
Quando da publicação do acórdão, os recursos sobrestados na origem terão seguimento denegado se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ ou serão novamente examinados pelo tribunal de origem se o acórdão recorrido divergiu da orientação do STJ.
Trata-se do "efeito vinculante" em relação à decisão do STJ na medida em que haverá denegação dos Recursos Especiais que tratem da matéria, bem como o reexame da matéria no tribunal a quo, ou seja, os recursos julgados pelos tribunais inferiores que foram suspensos, serão novamente submetidos à corte, para adequar o julgamento ao entendimento que venha a ser dado pelo STJ.
Notas
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (lei nº 11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (lei nº 11.417). Juris Plenum Ouro, n. 3, Caxias do Sul: Plenum, set./out. 2008. 1 DVD. ISSN 1983-0297.
- THEODORO JÚNIOR, op. cit.
- GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Revista de Processo, v. 119, p. 102.
- PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. A Lei nº 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1315, 6 fev. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9470>. Acesso em: 04 out. 2008.
- Essa decisão é irrecorrível (Regimento Interno do STF, art. 326).
- PAIVA, op. cit.
- ALMEIDA, Angela; CARNIEL JR, Gilberto; MIORELLI, Zilá T. Direito Processual Civil Teoria e Prática. In: AUGUSTIN, Sérgio (Coord.). Caxias do Sul: Plenum, 2008. p. 135-140.