Inicialmente, veja-se que a indicação do quantum do tributo suprimido ou reduzido é indispensável para a aptidão da denúncia que narre a prática do crime de descaminho, sob pena de violação ao art. 41 do Código de Processo Penal.
É através da denúncia que o Ministério Público inicia a acusação (dedução de uma pretensão punitiva em juízo [01]), sendo indispensável que a lei subordine a validade formal da denúncia ao cumprimento de certos requisitos.
De acordo com o art. 41 [02] do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, o que, segundo MUCCIO [03], "é de fundamental importância, e por isso mesmo considerado essencial".
Resta claro que esta exigência legal inclui a narração típica do fato, ou seja, o ato processual de formalização da acusação, deve conter a descrição que a lei deu ao fato penalmente relevante e punível.
A imputação certa e determinada, além de facilitar a tarefa do magistrado de aplicar a lei penal, permite que o acusado efetive seu direito de defesa garantido pela Constituição Federal, que é uma condição de regularidade do procedimento, sob a ótica do interesse público à atuação do contraditório [04].
Logo, sendo indispensável ao exercício da ampla defesa o conhecimento claro da imputação em todos os seus limites, deve-se esclarecer de forma suficiente a conduta delituosa do acusado, sob pena de impedir o pleno exercício do direito de defesa.
A respeito da efetivação da ampla defesa pela delimitação temática da peça acusatória, é a seguinte lição de Eugenio Pacelli de Oliveira [05]:
As exigências relativas ''... exposição do fato, com todas as suas circunstâncias. ..'' atendem à necessidade de se permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa. Conhecendo com precisão todos os limites da imputação, poderá o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possível (...)""
Feitas as ressalvas necessárias, veja-se que a conduta descrita na norma penal incriminadora prevista no artigo 334 [06] do Código Penal consiste em iludir (que é o verbo núcleo do tipo), que significa enganar, burlar, fraudar [07].
Assim sendo, o crime de descaminho se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida.
É necessário, ainda, observar que os tributos federais iludidos com a prática do descaminho são os impostos sobre o comércio exterior, ou seja: os impostos de importação e exportação – IE (Imposto de Exportação) e II (Imposto de Importação) – e, dependendo das circunstâncias, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), conforme lição de LUIS REGIS PRADO [08].
De se notar, portanto, que o art. 334, segunda parte, busca salvaguardar apenas os tributos que incindem sobre o comércio exterior, além de exigir a internação de mercadorias estrangeiras ou internacionalizadas ou a exportação de tais bens, sem o cumprimento das disposições constantes na legislação tributária. Ou seja, trata-se de crime específico em relação ao crime genérico de sonegação fiscal (art. 1°, I a IV, da Lei n. 8.137/90).
Logo, é de suma importância que a inicial acusatória indique o quantum iludido, sob pena de sua total inépcia, pois além de permitir ao acusado o conhecimento claro da imputação em todos os seus limites, deve possibilitar a análise da incidência do princípio da insignificância e o confrontamento com o enquadramento típico apresentado [09].
Ademais, lembre-se que há a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário - e, conseqüentemente, reconhecimento de sua exigibilidade (an debeatur) e valor devido (quantum debeatur) - antes do oferecimento da denúncia, não se podendo aceitar a prática de postergar para momento posterior a configuração de um elemento do tipo.
Tais exigências se justificam, basicamente, porque o crime de descaminho pressupõe a existência de um tributo iludido (em valor superior àquele considerado insignificante), no todo ou em parte.
Para aclarar a questão, cumpre colacionar o seguinte julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal, in verbis:
PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. OMISSÃO DO VALOR DE TRIBUTOS ILUDIDOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA - CPP, ART. 41. É inepta a denúncia que não esclarece de forma suficiente a conduta delituosa do acusado, omitindo elemento informativo necessário tanto para orientação da sua própria defesa técnica como para o posicionamento do juízo sentenciante." (TRF4, ACR 2001.70.01.010179-8, Sétima Turma, Relator Amaury Chaves de Athayde, D.E. 14/11/2007)"EMENTA:
Frise-se, portanto, que a imprecisão na denúncia, além de tornar impossível a defesa do acusado, impede que o Magistrado examine a incidência do princípio da insignificância.
Por óbvio que a ausência de análise quanto à aplicabilidade ao caso do princípio da insignificância, já no recebimento da denúncia pelo magistrado, frustra o direito subjetivo do acusado de ver reconhecida a atipicidade de sua conduta, além de submetê-lo, sem necessidade, a uma situação - sempre constrangedora [10] - de responder um processo criminal [11].
Por todo o exposto, é possível concluir que a denúncia que omitir o valor do tributo iludido, nos crimes de descaminho, viola o art. 41 do Código de Processo Penal.