As propostas de mudança na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 causam intensos debates no Congresso Nacional. As principais controvérsias: manutenção de Reservas Legais (RLs) de 80% no Bioma Amazônico e de 35% no Cerrado presente na Amazônia Legal e a extinção, em todos os Biomas do País, das restrições legais ao uso econômico de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nos topos de morros e às margens dos cursos d’água.
Trata-se de uma disputa histórica. De um lado, ruralistas defendem a diminuição do percentual de RLs. Querem, ainda, modificar-lhes a destinação, o que permitiria o plantio de monoculturas, a exemplo do Dendê. No outro lado, setores do Governo Federal e do movimento ambientalista defendem a aplicação irrestrita do Código Florestal e da Lei de Crimes Ambientais, já regulamentada.
Percebe-se que o enfoque dos atores envolvidos é a efetividade de RLs e APPs. Limitam-se ao aspecto territorial da questão: presença ou não de áreas especialmente protegidas em propriedades privadas ou públicas. Com esse enfoque, pouco se reflete sobre a eficácia desses importantes mecanismos de realização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da Constituição do Brasil).
A distinção entre efetividade e eficácia é relevante. Efetividade é a real observância dos percentuais de RLs, além do respeito às metragens fixadas para APPs. Eficácia, no entanto, é aqui entendida como a possibilidade desses percentuais e metragens realizarem as funções socioambientais previstas no Código Florestal em vigor. Vejamos algumas dessas funções. RLs são necessárias ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas. As APPs têm as funções socioambientais de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, de proteger o solo e de assegurar o bem-estar das populações humanas.
Não é difícil percebermos o conteúdo semântico dessas funções socioambientais, a motivação do legislador ao estabelecer parâmetros coerentemente recepcionados pelo artigo 225 da Constituição Brasileira. No polêmico debate sobre as reformas do Código Florestal a dificuldade consiste em se estabelecer limitações eficazes ao direito de propriedade.
A despeito do embate político-econômico, somente especialistas podem dimensionar essa eficácia. O resultado de pesquisas científicas deve, necessariamente, informar decisões políticas. Isso porque a eficácia está atrelada à realização do mencionado direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mais complexo que as dicotomias público x privado, cidade x campo, produção x conservação, pequeno x grande produtor rural. Eficácia é um conceito refratário às disposições arbitrárias e exige superarmos o plano da existência, da forma. É necessário ultrapassar a percepção meramente documental de RLs e APPs, para que se alcance o conteúdo e real utilidade desses mecanismos.
Não é tarefa fácil, entretanto. As pesquisas sobre o tema são escassas e não apresentam resultados animadores. Os cientistas, além de condenarem a averbação de RLs em ilhas, circundadas por monoculturas, ou a exploração econômica de matas ciliares e topos de morros (espécies do gênero APP), sugerem que nem mesmo os percentuais e metragens atuais seriam suficientes. Jean Paul Metzger afirma que, em regiões de Mata Atlântica, simulações baseadas na teoria da percolação apontaram que somente a conservação de 59,28% da vegetação original permitiria a determinadas espécies transitarem protegidas. Insuficiente, assim, os atuais 20% de RLs no Bioma. Essa é a resposta a apenas uma pergunta científica, associada a uma das funções das Reservas Legais (abrigo e proteção de fauna nativa).
Outros estudos demonstraram que a proteção de 30 metros ao longo das margens de cursos d’água, APP mais comum no Brasil, não é suficiente para evitar a contaminação da água por agrotóxicos. Nesse contexto, como defender, por exemplo, a constitucionalidade do novo Código Florestal Catarinense? Em março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina desconsiderou evidências científicas e aprovou a redução dessa espécie de APP para apenas 5 metros nas margens de cursos d’água que tenham até 10 metros de largura. A decisão tem óbvios contornos políticos, sem qualquer parâmetro ou justificativa técnica.
Conclui-se que a discussão limitada à existência, à efetividade de RLs e APPs nos Biomas Brasileiros, pretere a compreensão de seus conteúdos e de suas funções. Não basta debatermos politicamente percentuais e metragens. Necessitamos admitir a complexidade dos processos produtivos e a diversidade das áreas rurais brasileiras para adequá-las às funções socioambientais da propriedade. A pesquisa científica, proveniente das ciências exatas e humanas, pode delimitar os aspectos positivos do Código Florestal vigente e definir critérios regionais para a manutenção de RLs e APPs. Dessa maneira teremos, num futuro desejado, a eficácia do Código Florestal Brasileiro, grau diferenciado de realização do equilíbrio ambiental e direito de todos.