Os limites das cláusulas gerais.
Diante tudo o que fora exposto, insta concluir que as cláusulas gerais possuem um limite, qual seja, sempre devem ser adequadas às normas de princípios constitucionais estabelecidas na Magna Carta.
As cláusulas gerais reclamam uma maior atuação do magistrado, mas os princípios constitucionais atuam no sentido de limitar a interpretação e restringir a discricionariedade judicial. Por esta razão, é incorreto o raciocínio de que as cláusulas gerais sacrificam a segurança jurídica.
Não se pode afirmar que o ordenamento jurídico estará inseguro, haja vista que sempre haverá a limitação na Lei Maior. O operador do direito sempre deverá se basear nos valores e princípios norteadores do ordenamento jurídico.
Nas palavras de Alberto Gosson Jorge Júnior, (2004, p. 110), "em razão da hierarquia normativa estabelecer-se-á o controle das cláusulas gerais por via de princípios constitucionais, o que parece natural (...)".
A cláusula geral da boa-fé.
Com relação ao histórico da cláusula geral da boa-fé, pretende-se apenas ressaltar que as cláusulas gerais tiveram origem no Código Alemão, e que, justamente, era mencionada a cláusula geral da boa-fé. Também foi afirmado que esta era denominada de "cláusula geral por excelência".
Dispunha o § 242 do referido código que "o devedor está obrigado a executar a prestação como a boa-fé, em atenção aos usos e costumes, o exige".
A boa-fé que se encontrava no centro desta norma, era a boa-fé objetiva, caracterizada, pela lealdade, honestidade e dever de correção, em contraposição da boa-fé subjetiva, que carrega insitamente a idéia de ignorância, de crença errônea. Estava cristalizada a cláusula geral da boa-fé, que permitia, por óbvio, a aplicação do princípio da boa-fé às situações materiais concretas.
Por derradeiro, a aplicação desta cláusula deveria ser feita de acordo com as particularidades do caso concreto.
Essa idéia pode ser reforçada pelos dizeres de Alberto Gosson Jorge Júnior, (2004, p. 63):
"A aplicação do enunciado da boa-fé deverá ser feita de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em conta considerações de equidade para a adequação ao caso concreto dos ideais jurídicos contidos no princípio da boa-fé. [...] Para uma determinação mais precisa destes ideais jurídicos a ciência do Direito desenvolveu as doutrinas do abuso do direito, da caducidade, do desaparecimento da base do negócio, etc."
A cláusula geral da boa-fé não havia sido prevista no Código Civil anterior. Todavia, esta falta de previsão legislativa, conforme Judith Martins-Costa (2000), não impediu a utilização do princípio da boa-fé objetiva. A jurisprudência brasileira, em especial, a gaúcha, passou a se utilizar do princípio como se o fosse cláusula geral. Pode se afirmar que, mediante uma tarefa complexa, passou a se agregar o caráter e a função de cláusula geral a um princípio. Isto porque, embora as cláusulas gerais não sejam princípios, na maior parte dos casos, os contém em seu enunciado. Tratava-se de uma forma de burlar o atraso legislativo.
O novo Código Civil dispôs expressamente a cláusula geral da boa-fé, notadamente nos artigos 113, 187 e 422.
Assim preceitua em seu artigo 422: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
Neste dispositivo, encontram-se relacionados o princípio da boa-fé e a cláusula geral da boa-fé (haja vista que esta cláusula contém o princípio citado em seu enunciado). Releva-se o princípio da boa-fé, mais uma vez ressaltando, que se trata da boa-fé objetiva.
Referindo-se ao contrato, o legislador brasileiro, dispôs acerca da necessidade de observação do princípio da boa-fé. Caberá ao juiz, no caso concreto, avaliar se os contratos observaram ou não o referido princípio, convocado para a criação do direito.
O artigo 422 deve ser analisado em sintonia com o artigo 113, que, por sua vez, propõe que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".
Ora, não apenas no campo contratual, como erroneamente dispõem muitos doutrinadores, encontra-se a incidência da boa-fé objetiva. Todos os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé. Todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado consoante o princípio da boa-fé. Trata-se de um princípio constitucional que hoje não encontra qualquer óbice à sua utilização, ante a existência da cláusula geral da boa-fé.
Na opinião de Alberto Gosson Jorge Júnior (2004, p. 85), este artigo:
"Deverá constituir-se em poderosa ferramenta para que o intérprete e os profissionais do direito possam determinar intervenções – seja propondo ou declarando a nulidade dos negócios jurídicos, seja simplesmente alterando cláusulas abusivas com a preservação do negócio – quando constatado vício ou desequilíbrio decorrente de desvio ético no comportamento de qualquer das partes".
A noção de boa-fé traz ínsita a idéia de atuação honesta, com lealdade e dever de informação, sendo que, todas as vezes em que um negócio jurídico não for realizado neste sentido, será possível declarar a sua nulidade ou alterar as suas cláusulas, propugnando pela atuação principiológica no caso concreto.
Ademais, ressalte-se que o artigo 187 reza que "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes". É introduzida, de forma inequívoca, a concepção do abuso do direito.
A boa-fé é relacionada ao campo da responsabilidade civil e à teoria do abuso do direito. Todo ato ilícito impõe o dever de indenizar. Se o titular do direito excede os limites impostos pela boa-fé, ou seja, não tem a atuação leal que se espera, assim como no caso da realização de um contrato ou de um negócio jurídico, haverá a atuação do princípio da boa-fé no caso concreto, uma vez que existe a cláusula da boa-fé para instrumentalizá-lo e, por conseqüência, determinar-se-á o dever de indenizar. O abuso de direito é equiparado ao ato ilícito e gera o dever de indenização.
Segundo Alberto Gosson Jorge Júnior (2004, p. 86):
"[...]Basta que o sujeito do direito exceda qualquer um dos elementos contidos na norma, seja o fim econômico, o social, a boa-fé ou os bons costumes, para que esteja configurado o abuso de direito e a conseqüente ilicitude do ato-fato perpetrado."
Pode se concluir que o atual diploma civil se filia à corrente objetiva ao indicar que o exercício do direito que exceda os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes configurará ato ilícito. A teoria objetiva do abuso do direito é relacionada à aplicação do princípio da boa-fé objetiva.
Parece que tais disposições terão os seus raios de incidência ampliados para todo o ordenamento jurídico. Em outras palavras, os ditames da boa-fé objetiva não ficarão restritos e sim serão expandidos para todo o direito civil. As cláusulas gerais, conforme dispõe Ruy Rosado de Aguiar Júnior (2000), tendem a funcionar como recursos para os juízes brasileiros encontrarem as decisões justas.
O limite da cláusula geral da boa-fé será sempre o princípio da boa-fé objetiva (uma vez que todas as cláusulas gerais possuem os seus contornos delineados por princípios constitucionais e a boa-fé não poderia ser uma exceção).
Conclusão.
Mais importante do que a boa-fé objetiva se encontrar positivada em nosso ordenamento, é possuir a exata noção de suas diversas facetas, a saber, a sua caracterização como princípio constitucional, cláusula geral e, por vezes, como um conceito jurídico indeterminado.
Deve ser entendido pelos juristas o tratamento da boa-fé vislumbrada como um valor, norteador de todo o ordenamento jurídico, exprimindo-se como o princípio da confiança, aliando-se a sua utilização como cláusula geral e conceito jurídico indeterminado no contexto do Código Civil de 2002 (fixando-se a premissa de que o princípio da boa-fé objetiva é efetivado através da cláusula geral da boa-fé).
As idéias de princípio e cláusula geral devem ser avaliadas conjuntamente, admitindo-se que, no contexto do novo Código Civil, a boa-fé conseguirá atuar em todas as relações jurídicas, valorizando-se a figura do julgador, sem prejuízo da segurança. O ordenamento jurídico pátrio, torna-se, assim, flexível, justo e adaptável às realidades concretas.
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