RESUMO
O presente trabalho tem o escopo de estudar o instituto jurídico da Tutela Antecipada, notadamente a possibilidade de sua concessão ex officio pelo Magistrado. Inicialmente através da análise da Tutela Antecipada e seus requisitos essenciais e suas hipóteses de cabimento. Posteriormente, as alterações introduzidas na espécie, pela Lei 10.444/2002. Em seguida, será dado enfoque a concessão ex officio da Tutela Antecipada, onde será esclarecido os casos e condições em que o Magistrado deve conceder ex officio, bem como exemplos de aplicação em outras áreas do direito e do Código de Processo Civil, além de jurisprudências que corroboram com a possibilidade de concessão de Tutela Antecipada ex officio.
Palavras-chave: PROCESSO CIVIL; TUTELA ANTECIPADA; CONCESSÃO EX OFFICIO
INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho reside em analisar de maneira concisa um assunto bastante controvertido em nosso ordenamento jurídico, qual seja, a possibilidade do Magistrado conceder a antecipação de tutela de ofício, ou seja, sem requerimento expresso da parte ou de seu advogado, passando antes pelo instituto, em si, da tutela antecipada.
Cumpre salientar que a maioria maciça dos doutrinadores e dos operadores do direito não vislumbram tal possibilidade de concessão ex officio.
Contudo, adiante restará demonstrado, através de princípios constitucionais e processuais, além da aplicação subsidiária de outras normas à tutela antecipada, que é possível simplificar o processo e torná-lo mais ágil e efetivo com a aplicação ex officio deste instituto ao caso concreto.
Assim, o escopo primordial deste trabalho é estudar a tutela antecipada propriamente dita e, bem assim, mostrar as condições em que o magistrado poderá conceder a antecipação da tutela de ofício, para que a tutela jurisdicional perquerida seja amplamente satisfeita, sem prejuízo pela morosidade do judiciário.
Primordialmente, o principal obstáculo suscitado para a não concessão da medida antecipada de ofício é a suposta ausência de requerimento por parte do demandante ou interessado, porém o processo civil moderno não pode mais estar "preso" à simples interpretação gramatical e ao rigor de fórmulas, uma vez que o processo civil sofreu alterações significativas ao longo dos anos, promovidas com o fito de tornar o judiciário eficaz aos anseios dos jurisdicionados.
Para alcançar esse objetivo foram utilizados livros doutrinários; a legislação atinente, qual seja, o Código de Processo Civil Brasileiro; artigos em revistas de direito; pesquisa jurisprudencial; busca em sites que abordam o tema, bem como conversas formais e informais com profissionais do Direito, na área direcionada para o Direito Processual Civil.
CAPÍTULO 1 - Tutela Antecipada
No Brasil a introdução da tutela antecipada no Código de Processo Civil não significou novidade absoluta, certo que ela já existia, mesmo sem essa denominação, em disposições esparsas da legislação processual.
O Código de 1973, não obstante a sistemática do processo civil clássico exigir que a execução deve ser precedida da cognição, o legislador processual, visando a atender situações particulares, contemplou novas hipóteses de antecipação dos efeitos executivos da tutela. Contudo, a regra geral ainda era a necessidade de percorrer as várias etapas do procedimento ordinário para, finalmente, lograr satisfação do direito.
Portanto, ainda que timidamente, o nosso ordenamento já previa a tutela jurisdicional anterior à apreciação do mérito para alguns procedimentos especiais, embora muitos autores entendam como marco da tutela antecipada a nova redação do art. 273, criada pela Lei 8.952/94, que estabeleceu uma forma diferenciada de prestação de tutela jurisdicional, a qual chamamos de tutela antecipada, caracterizada, principalmente, pela satisfatividade e pela celeridade.
Nesse contexto, a tutela antecipada é um ato de precaução promovido pelo Judiciário, no qual o juiz pode conceder um provimento liminar que, provisoriamente, assegura o bem jurídico a que se refere o direito material reclamado no litígio, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.
Assim a tutela antecipada, propriamente dita, surgiu para trazer uma solução adequada à questão da morosidade e a frustração do jurisdicionado com uma justiça tardia e, em alguns casos, inócua.
Conceito
O art. 273 do CPC estabelece o conceito legal da tutela antecipada, vejamos:
Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Para Alexandre Freitas Câmara, "trata-se de uma forma de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base em juízo de probabilidade." [01]
Cuida-se, portanto de adiantamento dos efeitos da decisão final a ser proferida em processo de conhecimento, com a finalidade de evitar dano ao direito subjetivo da parte que necessita do provimento antecipado.
Assim, tem-se que a tutela antecipada é o deferimento provisório, total ou parcial, do pedido descrito na peça vestibular, concedida através de decisão interlocutória, de sorte que poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo.
Dessa forma, não se trata de simples faculdade ou poder discricionário do magistrado, mas de um direito subjetivo processual que, dentro dos pressupostos rigidamente fixados pela lei, a parte tem o poder de exigir do judiciário esta medida.
1.3.Objeto
Sabendo que a antecipação da tutela não significa antecipação do julgamento da lide, cabe indagar quais efeitos da sentença final podem ser objeto de adiantamento.
Conforme interpretação do art. 273 constitui objeto da tutela antecipada os efeitos práticos da sentença que podem assumir caráter executivo ou mandamental, a depender do caso. De maneira que a eficácia propriamente declaratória, constitutiva ou condenatória não pode ser objeto de antecipação.
Destarte, não se afigura razoável interpretação que estenda, indiscriminadamente, o âmbito da tutela antecipada a todos os efeitos da sentença.
A provisoriedade e a revogabilidade que marcam a tutela antecipada estão a impedir que o juiz, ao concedê-la, antecipe, em sua integralidade a eficácia da sentença de mérito.
1.4.Natureza jurídica
A natureza jurídica da tutela antecipada é matéria que apresenta, na doutrina, panoramas de contrastes e divergências, porém é indubitável que se trata de uma tutela de urgência com caráter provisório, revogável e satisfativo.
É norma processual de ordem pública (art. 273 do CPC), desprovida de instrumentalidade, por não se referir a outro processo, dito principal.
É revestido de caráter executivo ou mandamental, na medida em que há o fundamental propósito de salvaguardar a eficácia da futura decisão definitiva.
Esse é também o ensinamento de Marcelo Abelha Rodrigues, no sentido de que:
A natureza jurídica da tutela antecipatória é de provimento judicial com eficácia mandamental ou executiva lato sensu. Isto porque permite, a um só tempo, não só a entrega antecipada e provisória do próprio mérito ou seus efeitos, como também a efetivação imediata desta tutela. Justamente porque é dada com base na urgência e na busca da efetividade, é um mister que exista, sempre que possível, a imediata satisfação do efeito fático de mérito antecipado. Exatamente por isso, por via da tutela antecipada dos efeitos de mérito, o juiz emite um provimento que deverá ser imediatamente cumprido pelo réu, ou, em contrapartida, que, se não for cumprido por ele, admite que seja feito às suas expensas." O modo de efetivação da tutela antecipada é tema que merece algumas palavras. Sem sombra de dúvida, a finalidade da obtenção da tutela antecipada é a realização no mundo dos fatos de efeitos que seriam advindos com a própria tutela concedida ao final. Portanto, sua finalidade é justamente de antecipar, provisoriamente, a execução dos efeitos do provimento que seria concedido ao final. Execução aqui deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo não só a idéia de execução forçada, mas também, inclusive, os casos de execução imprópria dos provimentos declaratórios e constitutivos. Portanto, melhor que tomássemos a palavra execução no sentido de eficácia. [02]
1.5.Requisitos
Para que a tutela antecipada seja concedida é necessária a presença dos requisitos elencados no art. 273 do CPC, são eles: requerimento da parte, prova inequívoca, verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e, por fim, perigo de irreversibilidade.
A antecipação não pode ser utilizada à base de simples alegações ou suspeitas. Haverá de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, não precisa ser necessariamente documental. Terá, no entanto, de ser clara e evidente, para que comporte grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.
1.5.1.Requerimento da parte
De início, cumpre salientar que a sistemática adotada pelo Código de Processo Civil é a de que a tutela antecipada só pode ser pleiteada pelo autor, ressalvando, porém, que na hipótese de reconvenção, o réu exerce o papel de verdadeiro autor, logo poderá valer-se do instituto.
A questão crucial, em verdade, é que o caput do art. 273 do Diploma Processual é expresso ao estabelecer como um dos pressupostos da concessão, o requerimento da parte.
Nesse diapasão, por aplicação do princípio da demanda, que condiciona à iniciativa das partes a prestação da atividade jurisdicional, o art. 273 coloca, como primeiro requisito à concessão do instituto, que haja pedido da parte. Proíbe, portanto, que a antecipação seja concedida de ofício pelo julgador.
Compactua deste entendimento, o renomado doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, nos seguintes termos:
O art. 273 condiciona a concessão de tutela antecipada à iniciativa de parte, o que é inerente ao sistema de tutela jurisdicional (arts. 2º., 262) e corresponde à idéia de que o titular da pretensão insatisfeita é o melhor juiz da conveniência e oportunidade de postular meios para a satisfação (princípio da demanda). [03]
No mesmo sentido é o entendimento de Araken de Assis, senão vejamos:
O art. 273, caput, condiciona à iniciativa da parte a antecipação dos efeitos do pedido. De modo absoluto, exclui a iniciativa do próprio órgão judiciário, situando o pleito na área reservada, pelo princípio dispositivo (art. 262) à parte. [04]
Seguindo este posicionamento, é a lição de Teori Albino Zavascki:
Segundo dispõe expressamente o art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela depende de "requerimento da parte", vale dizer, está sujeita ao princípio dispositivo, não podendo ser concedida de ofício pelo juiz. Considera-se parte, para esse efeito, quem está postulando a tutela definitiva cujos efeitos se busca antecipar, ou seja, o autor, o reconvinte, o oponente, o substituto processual. Nos casos de ação dúplice, em que a tutela definitiva poderá vir a ser conferida ao réu, mesmo sem reconvenção, nada impede que, presentes os requisitos exigidos, venha ele, réu, pedir medida antecipatória em seu favor. [05]
Como visto, a maior parte dos doutrinadores e operadores do direito são categóricos ao condicionar o requerimento da parte à concessão da tutela antecipada. Contudo, apesar desse entendimento majoritário, entendo ser cabível a concessão de tutela antecipada ex officio em alguns casos. É o que será analisado no Capítulo 3 deste trabalho.
1.5.2.Prova inequívoca
Por se tratar de medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, a lei a condiciona a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência de direito (fumus boni iuris) reclamada para as medidas cautelares, exige a lei que a antecipação de tutela esteja sempre fundada em "prova inequívoca".
É inequívoca, em outros termos, a prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado.
Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido de antecipação, todos os elementos probatórios convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações.
Vale salientar que a expressão "prova inequívoca", trazida no caput do art. 273 do CPC, é imprópria, porque remete a idéia de "prova absoluta" ou insuscetível de impugnação, o que no ordenamento jurídico inexiste.
Acerca do tema, preconiza Carreira Alvim:
A expressão prova inequívoca deve ser entendida em termos, porquanto se "inequívoco" traduz aquilo que "não é equívoco", ou o que é claro, ou o que é evidente, semelhante qualidade nenhuma prova, absolutamente nenhuma, a reveste, pois toda ela, qualquer que seja a sua natureza (iuris tantum ou iuris et de iure) deve passar pelo crivo do julgador (...). [06]
Na realidade, o que a lei exige não é a prova de verdade absoluta, mas sim uma prova robusta, revestida de elementos cognitivos que municiem o magistrado a conceder a antecipação de tutela pautado no juízo de probabilidade próximo do juízo de verdade.
1.5.3.Verossimilhança
Acerca da definição da verossimilhança, o ilustre doutrinador Humberto Theodoro Júnior assim se posiciona:
Quanto a verossimilhança da alegação, refere-se ao juízo de convencimento a ser feito em torno de todo o quadro fático invocado pela parte que pretende a antecipação de tutela, não apenas quanto à existência do seu direito subjetivo material, mas também e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu. [07]
A verossimilhança guarda relação com a plausibilidade do direito invocado, com a fumaça do bom direito.
Na verossimilhança das alegações há a credibilidade dos argumentos independentemente de prova. Assim se pode dissociar, ao menos conceitualmente, os dois institutos (o da prova inequívoca e o da verossimilhança). O que ocorre, é que eles se completam, ou seja, o convencimento do julgador acerca da verossimilhança da alegação deve estar baseado em prova inequívoca.
Por oportuno, a verossimilhança diz respeito às afirmações da parte em si mesmo, ao seu juízo de convencimento exposto ao julgador.
Logo, o juiz para se convencer da verossimilhança da alegação em um determinado caso, não depende, necessariamente, da prova, poderá haver o convencimento pautado a um juízo de probabilidade.
1.5.4.Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
Além dos requisitos esposados até o momento, ainda incumbirá ao autor comprovar o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, para a concessão da tutela antecipada.
Mais uma vez cumpre destacar que as expressões utilizadas pelo legislador, aqui, "dano irreparável" e "difícil reparação", são vagas e imprecisas.
Por isso, não existem critérios rígidos para determinar o conteúdo dessas expressões, devendo o juiz se orientar pelas máximas do bom senso, costumes e eqüidade.
É de se aplicar aos requisitos, ora em epígrafe, o mesmo entendimento para o mandado de segurança preventivo, onde o receio há de ser objetivamente considerado. Portanto, valiosa é a lição de Celso Agrícola Barbi:
Sem descumprir a lei, pode-se introduzir um critério objetivo na apreciação da ameaça; teremos então que o "receio" deve ser considerado "justo" quando a "ameaça" de lesão revestir-se de "determinadas características" (...), isto é, a "ameaça" será "objetiva" quando "real" traduzida por atos e fatos, e não por meras suposições: será "atual" se existir no momento, não bastando que tenha existido em outros tempos e que haja desaparecido. [08]
A fim de ilustrar e tornar claro o que seria "dano irreparável ou de difícil reparação" passo, então, a exemplificar o caso a seguir.
É dano irreparável, ou ao menos, de difícil reparação, o protesto indevido de um título de crédito, porque o abalo de crédito traz conseqüências e desdobramentos que não podem ser solucionados plenamente com a simples indenização.
Para Teori Albino Zavascki:
O risco de dano irreparável ou de difícil reparação, e que enseja antecipação assecuratória, é o risco concreto (e não o hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo), e grave (vale dizer, o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). [09]
Por fim, é importante ressaltar o posicionamento do STJ, em acórdão da lavra do Ministro José Delgado, que desconsiderou a morosidade do judiciário na prestação jurisdicional como dano irreparável ou de difícil reparação nos moldes do julgado abaixo transcrito:
A simples demora na solução da demanda não pode, de modo genérico, ser considerada como caracterização da existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, salvo em situações excepcionalíssimas. [10]
1.5.5.Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
A antecipação da tutela, com fundamentos no abuso do direito de defesa ou no manifesto propósito protelatório (art. 273, II do CPC), tem sido considerada, por parte significativa da doutrina, como uma reação do Estado ao uso indevido do direito de defesa assegurado ao réu.
Entretanto, não é fácil identificar a figura do abuso do direito de defesa, já que a Constituição Federal assegura, no art. 5º, LV, o direito à ampla defesa.
Contudo, ampla defesa não significa defesa ilimitada, mas defesa adequada, própria à natureza do processo em que é exercida.
Nesse contexto, cumpre registrar que o "abuso do direito de defesa" caracteriza-se quando há alegações de todo inverossímeis ou desgarradas de qualquer prova, ou quando se verificam as hipóteses contidas nos incisos I e II do art. 17 do CPC, conforme se vê a seguir:
Art. 17 - Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
Já o "manifesto propósito protelatório" ocorre nos incisos IV, V, VI e VII do mesmo art. 17, a saber:
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidentes manifestamente infundados;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Além das hipóteses narradas acima, ainda existem outras capazes de serem enquadradas no inciso II do art. 273, e, por conseguinte, figurarem como abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, são elas: alegações contrárias a documentos exibidos pela própria parte, interposição de recurso manifestamente incabível, alegação tardia de fato irrelevante ao deslinde da demanda, etc.
Dessa forma, são numerosas as situações que podem ensejar a incidência do inciso II do art. 273, devendo, pois, o julgador examinar cada caso a ver se o excesso não foi cometido por erro escusável ou por desconhecimento ou má compreensão da técnica processual.
Nesse sentido, leciona, mais uma vez Cândido Rangel Dinamarco:
Há demoras razoáveis, ditadas pelo caráter formal inerente ao processo (não formalista) e há demoras acrescidas pelo comportamento desleal do demandado. As condutas aqui conducentes à antecipação consideram-se litigância de má-fé (v. art. 17 e esp. Inc. IV). [11]
Contudo, na prática, a antecipação da tutela pelo abuso do direito de defesa ou pelo manifesto propósito protelatório não tem grande utilização, eis que a nossa cultura é tolerante demais com tais atos.
1.5.6.Perigo de irreversibilidade
A cognição deve se dirigir, também, para a verificação da reversibilidade ou da irreversibilidade do provimento antecipatório.
Logo, não será admissível a tutela antecipada se houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (art. 273, § 2º do CPC), salvo em casos excepcionais.
Ora, o provimento antecipado deferido por decisão interlocutória poderá ser reversível, seja porque cabível contra ele recurso (agravo) seja porque, por sua natureza, a tutela antecipada é provisória e revogável.
Diante disso, se deve interpretar o texto de lei no sentido de evitar que o provimento antecipatório crie fato consumado e definitivo, sem possibilidade de regresso ao status quo ante.
A tutela antecipada é concedida com base num juízo provisório, formado a partir dos fatos unilateralmente narrados. Pode ser que na decisão final, em razão do contraditório e das provas apresentadas pela parte adversa, o juiz mude seu convencimento e decida contrariamente aos interesses daquele que foi beneficiado com a antecipação. Por isso é necessária a presença da reversibilidade.
É importante, ainda, observar que o periculum in mora deve ser evitado para o autor, mas não pode ser transportado para o réu (periculum in mora inversum). Em outro dizer: o autor deve afastar o perigo que ameaça seu direito, todavia, não pode impor ao réu que suporte o dito perigo.
Assim é que a antecipação de tutela não se presta a deslocar ou transferir risco de uma parte para outra, mas sim para que o deferimento da medida, baseado na verossimilhança do direito alegado, sirva de amparo legal ao direito lesado.
O autor Sérgio Bermudes, ao atualizar a obra de Pontes de Miranda, sustenta que a antecipação somente pode ser concedida desde que "seja possível reconstituir a situação de fato por ela alterada", esclarecendo que a possibilidade de indenização não é suficiente para suprir a irreversibilidade, uma vez que "a lei não cogitou de indenização, mas de reversão, que é recomposição, devolução ao estado anterior". [12]
1.6.Provimento judicial que concede ou nega tutela antecipada
Não é sentença porque não põe termo ao processo. Não é despacho porque tem nítido cunho decisório, na medida em que o juiz, depois de avaliar as provas (que devem ser inequívocas), a probabilidade do direito, vai decidir fundamentadamente pela concessão ou não da tutela.
Dentro da tradicional classificação dos atos do juiz, devemos enquadrar o ato como decisão interlocutória e não sentença, sujeitando-se, obviamente, ao recurso de agravo de instrumento.