Em recente decisão interlocutória, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia concedeu medida liminar em sede de Mandado de Segurança impetrado por ex-servidora da Assembleia Legislativa daquele Estado, tendo em vista sua exoneração de cargo em comissão, mesmo após ter sido confirmado seu estado gravídico.
A Corte Estadual determinou a imediata reintegração da servidora e o restabelecimento de todos os seus direitos funcionais, desde a demissão, ocorrida em dezembro de 2008.
O Estado de Rondônia interpôs o recurso de suspensão de segurança perante o Superior Tribunal de Justiça. O Presidente do mencionado Superior Tribunal, Ministro Cesar Asfor Rocha, determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, por entender tratar-se de tema inserto no âmbito constitucional.
O Tribunal ad quem, ao conceder a medida liminar, fundamentou sua decisão, sobretudo, na regra inserta no artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõe:
"Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto".
Em sede de suspensão de segurança, o Estado de Rondônia alegou prevalecer a regra inserta no artigo 37 da Carta da República, que assim versa:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração";
Constituiu-se, neste caso, um conflito normativo entre os dois dispositivos citados. Destarte, há que se estabelecer a prevalência de uma das normas se aplicadas ao caso concreto.
Sendo a servidora cujo caso ora se analisa exercedora de cargo em comissão da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, Poder Legislativo Estadual, seu regime jurídico funcional deve ser o estatuário, portanto, regido por um Estatuto, no caso, a Lei Complementar nº 68/1992, que "Dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do Estado de Rondônia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais e dá outras providências".
O mencionado Estatuto versa, em seu artigo 130, acerca da licença-gestante:
"Art. 138 - Além das ausências ao serviço prestadas no artigo 135, são considerados como efetivo exercício os afastamentos em virtude de:
IX - licença gestante ou adotante";
Não sendo seu regime jurídico funcional o regime celetista, não há que se falar em qualquer proteção jurídica conferida à gestante que esteja inserta na Consolidação das Leis do Trabalho.
O dispositivo contido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias mencionado refere-se ao artigo 7º, inciso I, da Lei Maior. Tal regra prevê a edição de Lei Complementar cujo objeto é relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
Contudo, não houve, ainda, a edição de Lei Complementar com esse objeto. O que se verifica é a tramitação de Projetos de Lei Complementar, como o de nº 179/2004, visando regulamentar o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal.
O artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT, define que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Aplicando esse dispositivo, poder-se-ia entender que a servidora comissionada não pode ser exonerada desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Tal regra contida no ADCT subentende-se aplicável, sobretudo, ao empregado cujo regime jurídico funcional é o regime celetista, a partir de uma simples análise de seu texto, pelos termos utilizados: "dispensa arbitrária", "justa causa" e "empregada gestante", não fazendo menção ao termo "servidor", por exemplo.
Sabe-se que a relação entre Administração Pública e servidor em exercício de cargo em comissão é frágil, tendo em vista haver possibilidade de dispensa ad nutum, ou, como preceitua a Lei Maior, livre nomeação e exoneração.
Por esse entendimento, o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, deveria prevalecer face ao artigo 10, inciso I, alínea b, do ADCT.
Contudo não é correta a aplicação do texto frio da legislação. Quando da concepção da Carta da República de 1988, não se olvidou dos chamados princípios constitucionais. Tais princípios são extrínsecos ao texto constitucional, no sentido de que podem ser aplicados contrariando certo entendimentos, mas defendendo um bem maior: a sociedade e o interesse público.
É fundamental avocar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso em Mandado de Segurança nº 25.652-PB, que reconduziu ao cargo diversos servidores da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba. Tais servidores foram nomeados em cargos em comissão após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, e exonerados por recomendação do Tribunal de Contas daquele Estado. Em que pese a Corte Superior ter fundamentado sua decisão no prazo decadencial da Lei federal nº 9.784/99, este não foi o único argumento. Teve grande peso neste julgamento o princípio da segurança jurídica.
De fato, o princípio da segurança jurídica merece devida relevância no caso ora analisado. Deve-se aplicar, em consonância a ele, o princípio da razoabilidade. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: "enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida"¹.
Destarte, uma servidora em estado gravídico não pode ser exonerada,
devendo-se aplicar a regra inserta no artigo 10, inciso I, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por uma interpretação extensiva da norma. Tal interpretação extensiva decorre da aplicação
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros
conjunta dos princípios da segurança jurídica e da razoabilidade.
Mesmo que em exercício de cargo em comissão onde, constitucionalmente previsto, não há qualquer estabilidade, seria pior para a coletividade suportar as despesas naturais que uma maternidade gera, de uma cidadã recém exonerada. Mister lembrar que há responsabilidade do Estado inclusive com essa mãe, e atos automáticos podem acarretar em graves consequências.
Decorrido o prazo legal previsto no ADCT, de cinco meses após o parto, a Administração Pública torna-se livre para exonerar a servidora em questão.
Deve o Pretório Excelso acolher o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, a fim de tutelar com responsabilidade o interesse público que, neste caso, pode ser lido simplesmente como: sociedade.