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Algumas considerações acerca do Código Ambiental de Santa Catarina

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01/06/2009 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

O Estado de Santa Catarina editou o seu Código Ambiental, por meio da Lei Estadual n. 14.675, de 13 de abril de 2009, sendo que muitos de seus dispositivos conflitam com o Código Florestal, instituído pela Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Por isso, já se travou uma intensa discussão na imprensa quanto a sua inconstitucionalidade. O Ministério Público Estadual já anunciou que ingressará com representação ao Procurador-Geral da República, questionando diversos artigos do referido diploma legal. Já os Procuradores da República lotados em SC também expressaram publicamente opinião pela inconstitucionalidade da referida norma legal.

Já os defensores do diploma legal catarinense sustentam a sua conformidade material e formal com Constituição Federal. Pelo visto, o Supremo Tribunal Federal terá que julgar a constitucionalidade da referida lei estadual. Assim, em função da importância do tema, bem como da sua evidente atualidade, foi empreendido um estudo acerca dos artigos 28, §2º e 3º e 114 do Código Ambiental de Santa Catarina, que tratam, respectivamente, da área rural ou pesqueira consolidada e da área de preservação permanente, que ora é apresentado.


2. O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL [01]

Não é possível falar do Código Ambiental de Santa Catarina, instituído pela Lei Estadual n. 14.675, de 13 de abril de 2009, sem antes mencionar, ainda que rapidamente, já que não é objeto direto deste trabalho, o Estado de Direito Ambiental [02]. Este conceito teórico-abstrato [03] foi construído com a finalidade precípua de proporcionar a satisfação da dignidade humana e a harmonia dos ecossistemas, mediante uma ação preventiva de tutela do meio ambiente. Para J. J. Gomes Canotilho são quatro os postulados básicos do referido Estado: o globalista, o publicista, o individualista e o associativista [04]. Demonstra-se, pelos postulados [05], que a problemática ambiental exige respostas supranacionais, mediante a cooperação e a criação de instrumentos jurídicos de proteção ambiental que ultrapassem o plano do território dos Estados Nacionais. É preciso respostas conjugadas e coordenadas no plano planetário, para que a questão ambiental seja satisfatoriamente enfrentada, sob pena ser sacrificado o direito fundamental ambiental.

No plano interno, é imprescindível a criação de mecanismos e instrumentos de tutela ambiental, para que seja estimulada a cidadania ambiental e buscada a concretização de políticas públicas ambientais de caráter preventivo e inibitório. Assim, o Estado de Direito Ambiental possui funções fundamentais, na salvaguarda do meio ambiente, para as gerações presentes e futuras [06]. E o Estado de Santa Catarina, na condição de integrante da Federação Brasileira, deve total submissão aos comandos e diretrizes fixados pela referida ordem jurídica nacional. É a partir desta linha fundamental que será analisada a norma jurídica catarinense objeto deste estudo acadêmico.


3. O ESTADO FEDERAL E A COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO AMBIENTAL

No Federalismo, os diversos Estados Federados unem-se para formar a Federação, sendo que cada um deles conserva a sua autonomia administrativa e legislativa. Para Paulo Affonso Leme Machado "O Estado federal caracteriza-se tanto pela unidade como pela diversidade. É um sistema em que, conforme a Constituição que esteja em vigor, haverá matérias nas quais a uniformidade suplantará a diversidade, e outras matérias em que a diversidade ou a diferença existirão" [07]. Os valores fundamentais do Federalismo - a autonomia, a cooperação, a participação e o respeito às diferenças [08] - encontram-se todos positivados na Constituição Federal.

O Estado Federal produz a ordem jurídica total. Já os Estados Federados edificam as diversas ordens jurídicas parciais. E ambas as ordens jurídicas possuem um ponto nuclear de ligação, que lhes confere unidade e coerência, que é a Constituição Federal. Edificou-se, assim, um Federalismo cooperativo e de equilíbrio, que interliga os entes federados, buscando conferir eficiência nas relações institucionais firmadas na Federação.

Assim, o Estado Federal é regido pela Constituição [09], que consiste na Lei Fundamental da ordem federativa. Ela vincula indistintamente todas as pessoas políticas que integram a Federação (a União, os Estados Federados, o Distrito Federal e os Municípios). Nela encontram-se regulado o exercício do poder, as competências legislativas e administrativas, os direitos fundamentais. Enfim, a Constituição Federal é o sustentáculo da Federação. E qualquer conflito federativo deve ser sanado pelo órgão constitucional competente, que é o Supremo Tribunal Federal, o qual é incumbido constitucionalmente de exercer o papel de Tribunal da Federação. A sua função precípua é manter o equilíbrio federativo e a harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal.

Nesta linha, as regras constitucionais acerca da distribuição de competências para legislar sobre matéria ambiental [10] conferida aos entes federados encontram-se previstas naquele estatuto jurídico fundamental. A competência legislativa em matéria ambiental é objeto de diversas controvérsias entre os entes federados. Há muitas dúvidas quanto a qual é o ente competente para legislar que acabam sendo objeto de longas disputas judiciais. Até que ponto os Estados Federados podem legislar sobre a proteção ambiental? Essa é a questão nuclear que exige uma resposta adequada à luz da Constituição Federal [11].

Segundo Heline Sivini Ferreira, "a repartição de competências em matéria ambiental não tem uma regulamentação própria e específica. Segue, portanto, os mesmos princípios que o texto constitucional adotou para a repartição de competências em geral" [12]. Foi instituído em sede constitucional um "complexo modelo de repartição de competências legislativas concorrentes em matéria ambiental" [13] , conforme se depreende do disposto no art. 24 [14], incisos VI e VIII, da Constituição Federal. A competência concorrente pressupõe um condomínio legislativo em que os diversos entes federativos encontram-se autorizados a exercer a competência legislativa. Mas a Constituição não assegurou igualdade entre os sujeitos habilitados para o exercício do poder legiferante. Nesta seara, a União edita normas gerais [15]; já os Estados Federados e o Distrito Federal produzem normas específicas.

As normas gerais devem veicular princípios fundamentais, dotados de generalidade e abstração. Ela deve funcionar como uma lei-quadro [16], um guia, a qual servirá para espelhar a produção das normas jurídicas específicas. A norma geral corresponde à emissão de um comando passível de uma aplicabilidade federativamente uniforme. As normas gerais devem fixar parâmetros e diretrizes nacionais vinculantes para todos os demais entes federais.

Jamais a norma geral poderá ser exaustiva. Ela não deve descer a pormenores. Será inconstitucional tudo aquilo que extrapolar. Nesta linha, registra Heline Sivini Ferreira que as normas gerais "Não podem especificar situações que, por sua natureza, acabem por invadir a esfera legislativa dos demais entes federativos. Isso porque as normas gerais estão contidas pela finalidade de coordenação e uniformização. Transpostos esses limites, devem ser consideradas inconstitucionais" [17].

Já os Estados Federados e o Distrito Federal são responsáveis pela produção de normas ambientais específicas, que compreende a expedição de regramento sobre os detalhes e as minúcias relativas às particularidades do ente federado. Mas a norma específica deverá compatibilizar-se sempre com os princípios e as diretrizes fixados na norma geral [18]. A norma específica permite a sua aplicação de forma diversa. Ela deve ser voltada à realidade regional do ente que a editou.

Em matéria ambiental compete aos Estados Federados [19] a edição de normas suplementares, mas sempre respeitando as normas gerais expedidas pela União. Os Estados Federados exercem o papel legislativo de suplementar as normas gerais ambientais, editando as regras jurídicas específicas. A ausência de lei com normas gerais ambientais autoriza o Estado Federado a estabelecer legislação plena para atender suas peculiaridades, suprindo, assim, a inexistência do diploma federal. Entretanto, caso a União edite posteriormente a lei contendo a norma geral, ficará suspensa a eficácia da lei estadual, no que contrariar a normatividade federal [20].


4. A FIXAÇÃO DAS MEDIDAS DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE PELO CÓDIGO FLORESTAL É CONSTITUCIONAL

Os defensores da inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 14.675, de 13 de abril de 2009, sustentam, por exemplo, que a norma catarinense (art. 114) colide com a norma geral (art. 2º [21]) veiculada pela Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Já para os partidários da constitucionalidade da norma catarinense, inexiste afronta à ordem normativa federal em função do Código Florestal, neste ponto, invadir competência suplementar reservada aos Estados Federados.

Já foi dito acima que a União é responsável, em matéria ambiental, pela edição de lei contendo norma geral. Já os Estados Federados e o Distrito Federal são competentes para produzir norma ambiental específica. Em matéria ambiental, o Estado Federal deve fixar, por meio de leis que veiculem normas gerais, um mínimo existencial ambiental. Há um dever constitucional imposto à União que consiste no desenvolvimento, na concretização e na proteção eficiente daquele mínimo ambiental existencial. E a ninguém é assegurado atentar contra a referida garantia fundamental, cuja nota essencial é o compromisso firme e seguro da ética intergeracional.

Na Federação Brasileira não há espaço algum para que os entes federados atentem, seja na esfera administrativa, seja na legislativa, contra o mínimo existencial ambiental. Não há como ser autorizada a redução do núcleo essencial da tutela constitucional do meio ambiente. Não há como autorizar a redução das faixas de proteção das áreas de proteção permanente, por exemplo, sob pena de afronta ao princípio constitucional da proibição do retrocesso. Portanto, "a liberdade de conformação do legislador e a inerente auto-reversibilidade encontram limitação no núcleo essencial já realizado" [22], restando vedado, assim, qualquer medida supressiva.

O princípio da proibição do retrocesso, portanto, deve atuar como fator assecuratório da continuidade do ordenamento jurídico ambiental. A tarefa reclama um conjunto de mecanismos, institutos e atitudes da sociedade civil e do poder público para assegurar o cumprimento dos fundamentos constitucionais. Assim, "o princípio da proibição de retrocesso assume a condição de um dos múltiplos – individualmente insuficientes – mecanismos para a afirmação efetiva de um Direito Constitucional inclusivo, solidário e altruísta" [23].

Por isso, a União editou norma geral ao fixar as medidas das áreas de proteção permanente (art. 2º, da Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965). Constitui, sim, norma de observância obrigatória para todos os entes federados. Esse é o núcleo essencial da tutela ambiental. É o mínimo existencial ambiental fixado pelo Estado Federal, para que seja assegurada a preservação ambiental. É essa norma geral que assegura a coordenação e a uniformização ambiental na Federação.

É papel central de o Estado Federal fixar, pelo meio da norma geral, qual é o mínimo existencial ambiental. É ele que se relaciona com os demais Estados Nacionais em matéria ambiental, assumindo direitos e obrigações, razão pela qual é da sua competência constitucional material assegurar um mínimo de tutela ambiental no território nacional, para que o Estado Brasileiro não sofra represálias na ordem jurídica internacional.

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É o Estado Federal quem deve velar em todo o território nacional pela concretização do princípio da solidariedade intergeracional, pelo uso racional dos recursos naturais e pela cooperação entre os Estados Federados, a fim de ser realizada a proteção do meio ambiente. É preciso que seja empreendida uma proteção adequada e eficaz do meio ambiente. Ele é quem deve ditar o mínimo legal para a tutela dos recursos hídricos, da estabilidade geológica, da biodiversidade, enfim, para assegurar o bem-estar da população. Abaixo desse mínimo, há sérios riscos de comprometimento do equilíbrio dos ecossistemas.

O Estado Federal, portanto, agiu dentro da sua absoluta competência constitucional ao definir, por meio de norma geral, qual é o mínimo existencial ambiental. Essa garantia positivada no art. 2º, da Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, não pode ficar à livre disposição dos Estados Federados. Ninguém deles pode transigir para reduzir esse núcleo essencial do direito ambiental. Pensar diferente seria viabilizar a inquestionável quebra de um mínimo de proteção ambiental. O Estado Federal poderia sofrer sérias represálias de outros Estados ou organismos internacionais em função da ausência de políticas públicas ambientais em seu território.

A norma geral ambiental, portanto, pode ser mais específica, desde que seja para estabelecer um núcleo de proteção ambiental mínimo. Neste caso, se qualquer ente federado tentar atacar o referido núcleo ambiental, para reduzir a proteção mínima, cumpre ao Supremo Tribunal Federal declarar inconstitucional a lei estadual. Jamais poderia ser delegada à discrição legislativa estadual a fixação de regras atentatórias ao mínimo existencial ambiental. Há sim autorização constitucional para os entes federados ampliarem a tutela do meio ambiente, mas nunca para reduzi-la.

Por isso, quanto à metragem fixada, o art. 2º da Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, é manifestamente constitucional, pois a União produziu norma geral dentro da competência legislativa que lhe foi reservada pela Constituição Federal.


5. A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 28, §2º e 3º E 114 DO CÓDIGO AMBIENTAL DE SANTA CATARINA

O Código Ambiental de Santa Catarina, instituído pela Lei Estadual n. 14.675, de 13 de abril de 2009, incidiu em duas graves inconstitucionalidades. A primeira delas é o disposto no art. 28, §2º e 3º [24], o qual trata da área rural ou pesqueira consolidada. Já a segunda é o art. 114 [25], onde se encontram definidas as metragens das áreas de preservação permanente.

A fixação da área rural ou pesqueira consolidada legitima as atividades econômicas desenvolvidas até aqui em flagrante desrespeito à ordem jurídica ambiental. O sujeito econômico que, por exemplo, invadiu as áreas de preservação permanente terá, em função da lei estadual catarinense, considerada legítima a sua atividade desenvolvida até então ao arrepio da legislação ambiental.

Verifica-se, de plano, que o dispositivo legal analisado não possui nenhuma preocupação ambiental. Ele simplesmente radicaliza em benefício da atividade econômica, a qual foi levada a termo por conta e risco do empreendedor em área considerada de proteção ambiental. O direito fundamental ao "meio ambiente ecologicamente equilibrado" (art. 225, da CF/88) é simplesmente ignorado pelo legislador catarinense, o qual se preocupou unicamente com a legitimação das atividades econômicas desenvolvidas em áreas cuja invasão e o desenvolvimento da atividade no local é completamente ilegal. Assim, o empreendimento econômico que produz a um metro da margem do rio será considerado área rural consolidada. Da mesma forma, o suinocultor que possui o seu estabelecimento a um metro da margem do rio poderá nele continuar produzindo, o que constitui seguramente uma afronta à ordem jurídica ambiental.

Em outras palavras, todas essas gritantes afrontas ao direito fundamental à tutela do ambiente restarão legalizadas pelo referido diploma legal, caso a inconstitucionalidade desta norma estadual não seja atacada no Supremo Tribunal Federal. O infrator da lei ambiental ganhou simplesmente um salvo conduto para continuar violando o direito fundamental ao meio ambiente. Aqueles que transgrediram o meio ambiente foram, portanto, privilegiados pela referida norma legal.

O referido dispositivo da lei catarinense deveria assegurar a continuidade das atividades econômicas na área rural ou pesqueira dita consolidada apenas na hipótese de inexistência de possibilidade de serem realocadas em função da falta de alternativa financeira, técnica e locacional, devidamente caracterizados e motivados em processo administrativo instaurado pelo órgão ambiental competente, mas sempre fundamentado em parecer técnico.

Além disso, a atividade econômica teria que ser considerada de baixo impacto ambiental, bem como essencial à reprodução socioeconômica de seus beneficiários. Porém, o que fez o referido dispositivo legal foi legitimar todas as atividades econômicas desenvolvidas ilicitamente em áreas de proteção permanente. O que exige apenas são medidas mitigadoras (art. 28, §2º), deixando de fixar qualquer obrigação de ordem compensatória do empreendedor localizado em área irregular.

Registre-se que nenhuma espécie de compensação ambiental foi exigida, restando sacrificada a defesa e a preservação do meio ambiente às presentes e futuras gerações. Portanto, resta apenas sacramentada a legalização de empreendimentos que ignoraram completamente a ordem jurídica ambiental. Privilegiaram-se, deste modo, os infratores de forma aberta e franca.

Já o art. 114 da Lei Estadual de Santa Catarina acabou reduzindo drasticamente [26] as medidas das áreas de preservação permanente. Tal medida legislativa acaba esvaziando o conteúdo essencial do direito fundamental ao meio ambiente. Houve, sim, um grave retrocesso na proteção ao direito fundamental ao meio ambiente, sem qualquer sustentação constitucional.

Ambas as alterações legislativas foram defendidas exclusivamente com base em argumentos de cunho nitidamente econômico, o que não é compatível com o Estado de Direito Ambiental inaugurado pelo art. 225 da Constituição Federal. Os dispositivos legais catarinenses examinados (arts. 28, §2º e 3º e 114) são revestidos de manifesta inconstitucionalidade material e formal. Colidem diretamente com o sentido e o alcance dos artigos 24 e 225 da Constituição Federal, os quais são o parâmetro de controle da referida norma legal catarinense.

Naqueles dispositivos constitucionais são fixados princípios e diretrizes constitucionais impositivas [27], que impõem ao legislador a realização de fins e a execução de tarefas constitucionais ambientais. A atividade legislativa terá que buscar constantemente a realização daquelas imposições constitucionais. As regras jurídico-constitucionais também vinculam material e formalmente o legislador, pois nelas encontram-se os limites para a concretização constitucional.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso é direito de terceira geração, que assiste a todo o gênero humano (art. 225, da CF/88), conforme registra Paulo Bonavides: "Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro como destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta" [28].

Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental da pessoa humana, cuja titularidade é coletiva e difusa, conforme assinala Celso de Mello: "o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social" [29].

No caso dos dispositivos legais examinados (arts. 28, §2º e 3º e 114, do Código Ambiental de SC), a tutela do meio ambiente ficou devidamente comprometida em função de interesses meramente econômicos. As exigências da economia catarinense acabaram por legitimar a redução das áreas de preservação permanente, bem como legalizar as atividades econômicas nela desenvolvidas ilicitamente. O valor constitucional da tutela ambiental restou sacrificado para que fossem atendidos os reclamos do setor produtivo estadual. O legislador catarinense não utilizou da ponderação de bens e interesses que deveria existir entre o valor ambiental e o econômico, para estabelecer um regramento legal capaz de conciliá-los e harmonizá-los. A lógica econômica impôs o grave esvaziamento do conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente.

A ordem jurídica constitucional ambiental é fundada na lógica preventiva e precaucional, visando à preservação do meio ambiente. É necessário que sejam empreendidos, pelo poder público, todos os esforços possíveis para evitar a degradação ambiental [30], já que a sua restauração é custosa, difícil e incerta.

Aqui é o caso da observância ao princípio da proibição do retrocesso, o qual decorre de forma implícita dos seguintes princípios retirados do ordenamento jurídico-constitucional: a) do princípio do Estado Democrático e Social de Direito, o qual exige um patamar mínimo de segurança jurídica e de proteção da confiança, visando uma total segurança contra medidas retroativas; b) o princípio da dignidade da pessoa humana, na sua perspectiva negativa, reprime medidas tendentes a afetar as políticas públicas que asseguram a existência condigna para todos; c) o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais (art. 5º, §1º, da CF/88) exige uma proteção também contra medidas de caráter retrocessivo; d) as medidas específicas previstas na Constituição que asseguram a proteção contra medidas de caráter retroativo (proteção dos direitos adquiridos, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito); e) o princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito, impõe ao Poder Público o respeito pela confiança depositada pelos indivíduos em relação à certa estabilidade e continuidade da ordem jurídica como um todo e das relações jurídicas especificamente consideradas; e f) os órgãos estatais encontram-se vinculados, em certa medida, em relação a atos anteriores.

O Estado Federado de Santa Catarina possui o dever permanente de desenvolvimento, concretização e proteção eficiente do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225, da CF/88). Nenhuma medida administrativa ou legislativa pode causar retrocesso em direito ambiental. Portanto, falece ao referido ente federativo simplesmente autorização constitucional para restringir o núcleo essencial da tutela ambiental. Assim, o núcleo essencial dos direitos ambientais já concretizados pelo ente estatal não pode ser aniquilado, sob pena de afronta ao princípio constitucional da proibição do retrocesso.

O princípio da proibição do retrocesso, portanto, deve atuar como fator assecuratório da continuidade do ordenamento jurídico ambiental. Ele é mais um dos elementos centrais para a tutela dos direitos fundamentais. A tarefa reclama um conjunto de mecanismos, institutos e atitudes da sociedade civil e do poder público para assegurar o cumprimento dos fundamentos constitucionais. Neste sentido, anotam José Rubens Morato Leite e Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira "o direito fundamental do meio ambiente não admite retrocesso ecológico, pois está inserido como norma e garantia fundamental de todos, tendo aplicabilidade imediata, consoante o art. 5º, §§1º e 2º, da Constituição. Além do que o art. 60, § 4º, IV, também da Carta Magna, proíbe proposta de abolir o direito fundamental ambiental, nesse sentido considerado cláusula pétrea devido à sua relevância para o sistema constitucional brasileiro, como direito social fundamental da coletividade" [31]. Assim, a tutela do meio ambiente não pode retroceder em função de interesses meramente econômicos. A ordem é avançar na tutela do meio ambiente, a fim de preservá-lo para as gerações presentes e futuras.

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Sobre o autor
Noel Antonio Tavares de Jesus

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Especialista em Direito Administrativo pelo CESUSC Florianópolis. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Membro fundador e Diretor Executivo do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Sócio do Escritório de Advocacia Cristóvam & Tavares Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Noel Antonio Tavares. Algumas considerações acerca do Código Ambiental de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2161, 1 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12899. Acesso em: 15 nov. 2024.

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