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O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro

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31/05/2009 às 00:00

Resumo:


  • "Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu" é uma reflexão de Luis Fernando Veríssimo que incentiva a ação e a vivência plena em detrimento da hesitação e da procrastinação.

  • O texto discute a importância dos princípios jurídicos como alicerces do sistema jurídico, orientando a interpretação e aplicação das normas, e destaca a necessidade de compreender a lógica do sistema jurídico a partir de seus princípios fundamentais.

  • Aborda-se a progressividade tributária como um princípio que se alinha aos de capacidade contributiva e igualdade, argumentando que a progressividade, ao invés da proporcionalidade, é a forma adequada de alcançar a justiça fiscal, desonerando os mais pobres e onerando os mais ricos de maneira justa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7 O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro

O princípio da progressividade é um princípio jurídico constitucional tributário, uma orientação geral de caráter diretivo sobre as normas tributárias, que tem como característica a elevação dos tributos de maneira gradual, segundo critérios estabelecidos em lei. Decorre do princípio da capacidade contributiva e da igualdade, fundamentando-se nos mesmos.

O referido princípio pode ser usado para atendimento de finalidades fiscais, elevando-se a exigência tributária à medida que aumenta a capacidade contributiva do contribuinte. Também pode ser usado com conotação extrafiscal, de forma que, com a elevação de alíquotas, se possa estimular ou desestimular determinados comportamentos.

O conceito de "progressividade" tem total correlação com a clássica distinção entre impostos fixos, proporcionais e progressivos. Pela sua relevância, importa melhor explicar tal classificação.

Fixos são aqueles cujo valor (quantum debeatur) vem definido na lei instituidora, independente da riqueza-alvo da tributação. Exemplo existente de imposto fixo é o ISSQN, devido por profissionais liberais. [34] É estabelecido nas leis municipais de forma invariável, pagável por ano ou mês, em decorrência do exercício da profissão no território municipal, independentemente do preço cobrado pelo serviço. Não há, nesses casos, base de cálculo e alíquota.

Proporcionais, por outro lado, são os impostos cujo valor a pagar (quantum debeatur) é definido, em cada caso, pela conjugação de dois elementos estabelecidos abstratamente na lei tributária: base de cálculo e alíquota. A base de cálculo nos impostos proporcionais é a grandeza ou medida de valor estabelecida abstratamente na lei (preço da mercadoria, lucro, renda, valor venal do imóvel, etc.). A alíquota, por outro lado, é o percentual, a parte dessa grandeza que representa, após singela operação aritmética, o exato valor do imposto devido. É a alíquota, pois, o elemento definidor do valor devido ao Fisco. [35]

Nos impostos proporcionais, o montante a pagar a título de imposto é sempre proporcionalmente igual, independentemente das características de cada contribuinte, uma vez que nesses impostos a alíquota é única, invariável. A igualdade proporcional decorre do fato de que o montante a pagar, de acordo com o valor in concreto da base de cálculo, é maior ou menor proporcionalmente à riqueza tributada.

"Progressividade" não se confunde com "proporcionalidade". A progressividade implica a elevação proporcional de alíquotas de acordo com o aumento do valor de riqueza tributado. Na proporcionalidade, ao contrário, a alíquota é invariável, alterando-se apenas o montante a ser pago na razão direta do aumento da riqueza tributada. [36] Segundo Ricardo Lobo Torres, [37] "progressividade significa que o imposto deve ser cobrado por alíquotas maiores na medida em que se alargar a base de cálculo".

Assim, a progressividade clássica significa um aumento de alíquotas na medida da elevação da base de cálculo do imposto. Essa elevação proporcional de alíquota importa no aumento do imposto a recolher e decorre do aumento da medida de riqueza tributada (base de cálculo). Nesse caso, os mais ricos pagam proporcionalmente mais do que os mais pobres. Exemplo de imposto progressivo é o imposto de renda de pessoa física, em que as alíquotas vão gradativamente aumentando à medida que se aumenta a base de cálculo do imposto.

Embora nem sempre lembrado pela doutrina, a progressividade também pode ser utilizada com outras finalidades que não a de arrecadação, de forma que a elevação de alíquotas far-se-á de acordo com outros critérios fixados em lei. Por exemplo, para estimular a utilização de imóvel urbano, pode-se instituir um imposto progressivo em função do decurso do tempo; até que se utilize corretamente este imóvel, a alíquota será gradativamente maior.

Como visto, não é inteiramente correto caracterizar a progressividade como um aumento de alíquotas na medida da elevação da base de cálculo do imposto. Esta é a definição clássica da progressividade, sempre lembrada pela doutrina. Entretanto, em face da possibilidade de utilização da progressividade com outra finalidade que não a fiscal, melhor caracterizar a progressividade como a elevação da alíquota de um tributo de maneira gradual, segundo critérios estabelecidos em lei.

Historicamente, a possibilidade de instituição de uma tributação progressiva foi fonte de intermináveis discussões. No passado, mais especificamente no princípio do século XIX, sustentava-se a impossibilidade de instituição de impostos progressivos, defendendo-se a utilização apenas da proporcionalidade na tributação, com base na idéia de que cada um deveria contribuir na proporção de suas posses uma vez que a utilização dos serviços públicos é proporcional à renda de cada cidadão. Revolucionários como Lambon, Fabre d’Englantine e Robespierre foram ardorosos defensores destas idéias. A partir da segunda metade do século XIX, este pensamento evoluiu passando-se a reconhecer que a capacidade contributiva cresce mais do que proporcionalmente ao crescimento da renda. Com este novo pensamento, reconheceu-se legítima a tributação progressiva. No final do século XIX e no início do século XX, praticamente em todos os países existiam impostos com alíquotas progressivas. [38]

Atualmente, as discussões anteriormente existentes restaram praticamente superadas. A Suprema Corte americana em duas sentenças - Magoun c. Illinois Trust and Savings Bank (1898), 170 U.S. 283, e Knowlton c. Moore (1900), 178 U.S. 41 – examinou e entendeu ser constitucional a tributação progressiva. Em ambas as controvérsias fora sustentada a ilegitimidade de tal forma de imposição na medida em que contrária à regra constitucional da "uniformity". [39] Sáinz de Bujanda [40] defende sua aplicação como forma de alcançar a igualdade tributária: "O princípio de progressividade, como forma de conseguir a efetiva igualdade, supõe que a carga tributária se reparta em forma mais que proporcional, atendendo ao nível de capacidade contributiva dos contribuintes".

O autor Victor Uckmar [41] é um dos grandes defensores deste princípio e traz argumentos fundados na ciência econômica para defender a possibilidade de uma tributação progressiva, baseada na igualdade tributária:

As discussões que, de início, proliferaram sobre a legitimidade constitucional dos impostos com alíquota progressiva, particularmente nos Estados cuja Constituição proclama a igualdade e a uniformidade da tributação, não tem razão de ser: na verdade cabe à ciência econômica estabelecer o sistema que melhor possa assegurar uma justa repartição dos encargos públicos, e se a ciência econômica entende que tal resultado pode ser melhor obtido com um imposto progressivo do que com um imposto proporcional, o sistema fiscal – para ser mais adequado ao princípio supremo da igualdade – deverá compreender também impostos com alíquota progressiva.

A idéia central da instituição de uma tributação progressiva pode ser resumida com as lições de Berliri [42]: "Quem tem mais deve pagar mais porque tendo mais participa em maior medida nas vantagens da organização coletiva; ou bem: quem tem mais deve pagar mais porque ao ter mais pode pagar mais com menor sacrifício".

A tributação progressiva tem sido fundamentada no efeito multiplicador da capacidade contributiva. Um indivíduo com mais renda e, por conseqüência, com maior capacidade contributiva tem maior possibilidade de fazer com que a sua renda cresça muito mais, e em mais velocidade do que um indivíduo que tenha menos para investir.

O princípio da progressividade não é um instituto exclusivo do Ordenamento Jurídico Brasileiro. A Constituição Italiana, em seu artigo 53, consagra expressamente o referido princípio como critério para alcance da capacidade contributiva: "Art. 53. Tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro capacita contributiva. Il sistema tributário e informato a criteri di progressività." [43]

Da mesma forma, a Constituição da Espanha faz alusão expressa ao princípio da progressividade, no seu artigo 31, dando a ele sentido semelhante ao dado na Constituição Italiana, qual seja, o de um instrumento para alcance da capacidade contributiva: "Todos contribuirão para as despesas públicas de harmonia com a sua capacidade econômica, mediante um sistema tributário justo, inspirado nos princípios da igualdade e progressividade, que, em caso algum, terá alcance confiscatório". [44]

A doutrina nacional, de um modo geral, sempre defendeu a utilização do princípio da progressividade na tributação. Misabel de Abreu Machado Derzi [45] é exemplo de quem assumiu essa posição, ao sustentar que "a graduação dos impostos, de forma que os economicamente mais fortes paguem progressivamente mais por esses gastos do que os mais fracos, levará a uma maior justiça social".

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O princípio da progressividade, entretanto, não está imune a críticas. São relevantes os argumentos apresentados para negar a sua aplicabilidade. João de Adhemar Barros [46] é um dos críticos da tributação progressiva. Para ele, a progressividade tributária penaliza os mais eficientes e desestimula o esforço e a criatividade, na medida em que a recompensa por um trabalho árduo é uma tributação mais elevada.

Ives Gandra da Silva Martins, [47] na mesma linha, criticou duramente a utilização de uma tributação progressiva, pois, para ele, a progressividade afasta os investimentos e desestimula a vinda de capitais por tributar excessivamente o lucro, a renda e o patrimônio. Roberto Campos [48] foi da mesma opinião, apresentando fortes argumentos contra a tributação progressiva:

A progressividade é uma coisa charmosa, principalmente quando ela é aplicada à custa do bolso alheio. No fundo, entretanto, a progressividade é uma iniqüidade. Significa não só obrigar os que ganham mais a pagar mais, mas também punir mais que proporcionalmente os ousados e criadores. O charme da progressividade advém de duas falsas premissas. Uma é que quanto mais bem sucedido o contribuinte mais deve ser punido. Outra é que o governo gasta melhor que o particular. Presume-se que o governo gastaria para prestar serviços; na realidade, gasta para pagar funcionários. Essa é a verdade, não só dos impostos, mas também das tarifas.


8 Conclusões

A partir dos elementos acima expostos, pode-se entender que a progressividade, ao invés da proporcionalidade, é a forma adequada de alcance dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade. É através da progressividade que verdadeiramente se alcança a capacidade contributiva do contribuinte, desonerando os mais pobres e onerando os mais ricos, em perfeita consonância com o princípio da igualdade. Amaro [49], nessa linha de pensamento, diferencia, com base nos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, os impostos proporcionais e progressivos, optando claramente pela última forma de tributação:

a adequação do imposto à capacidade econômica do contribuinte encontra, ainda, expressão no princípio da proporcionalidade, em face do qual o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação impositiva. A mera idéia de proporcionalidade, porém, expressa apenas uma relação matemática entre o crescimento da base de cálculo e o do imposto (se a base de cálculo dobra, o imposto também dobra). A capacidade contributiva reclama mais do que isso, pois exige que se afira a justiça da incidência em cada relação isoladamente considerada e não apenas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações. O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o princípio da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta.

Com o apoio no princípio da capacidade contributiva e no da igualdade, tem sido discutida a constitucionalidade dos tributos fixos, assim chamados porque seu montante não se gradua em função da maior ou menor expressão econômica revelada pelo seu fato gerador.

Outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva é o da progressividade, previsto para certos impostos, como o de renda. A progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento deste postulado. A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas seja maior.

Pelo que se vê, a tributação progressiva é um instrumento muito mais eficaz do que a tributação proporcional e deve ser aplicada indistintamente aos impostos. Elizabeth Carrazza [50] é árdua defensora desse entendimento:

Em verdade, a progressividade é uma característica de todos os impostos, da mesma forma que a todos eles se aplicam os princípios da legalidade, da generalidade e da igualdade tributária, que não são expressamente referidos na Constituição Federal, quando traça suas hipóteses de incidência genéricas. Inexistindo progressividade descumpre-se o princípio da isonomia, uma vez que, como visto, a mera proporcionalidade não atende aos reclamos da igualdade tributária.

Geraldo Ataliba [51] é outro autor que sempre sustentou a aplicação do princípio da progressividade a todas as espécies de impostos, como forma de redução das desigualdades sociais e meio de construção de uma sociedade justa e solidária:

Conforme sua natureza e características – no contexto de cada sistema tributário – alguns impostos são mais adequadamente passíveis de tratamento progressivo e outros menos. De toda maneira, como todos os impostos, sem nenhuma exceção, necessariamente são baseados no princípio da capacidade contributiva, todos são passíveis de tratamento progressivo. No Brasil, mais intensamente do que alhures, dado que a Constituição põe especial ênfase na necessidade de tratamento desigual às situações desiguais, na medida dessa desigualdade (art. 150, II), além de propor normativamente serem objetivos fundamentais da República, o ‘construir uma sociedade... justa e solidária’ (art. 3.º).

Por todo exposto e apesar das controvérsias, é certo afirmar que o princípio da progressividade seja um importante instrumento de aplicação do princípio da capacidade contributiva e, por corolário lógico, do princípio da igualdade.


Notas

Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 1 ago. 2003. Disponível em: <http://legislação.planalto. gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2003d.
  • TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 83.
  • TORRES, Ricardo Lobo. Proporcionalidade, progressividade e seletividade no IPTU. Revista de Direito Tributário, v. 85, p. 342-347.
  • TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 83.
  • UCKMAR. Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 73-75.
  • UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 76.
  • SAÍNZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de derecho financiero. 9. ed. Madrid: Facultad de Derecho/Universidad Complutense, 1991. p. 111.
  • UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 76.
  • BERLIRI apud OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 61.
  • CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997. p. 33.
  • CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 44.
  • DERZI, Misabel A. M. Princípio da Igualdade no Direito Tributário e suas manifestações. In "V Congresso Brasileiro de Direito Tributário". São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 178.
  • BARROS, Adhemar João de. A progressividade tributária. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 mar. 1988.
  • MARTINS, Ives Gandra da Silva. Princípios constitucionais tributários. Caderno de Pesquisas Tributárias, São Paulo: Resenha Tributária/ Centro de Estudos de Extensão Universitária, n. 18. 1993. p. 5 -11.
  • CAMPOS, Roberto. As tentações de São João Batista. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 2, 4 mar. 1990.
  • AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 136.
  • CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. Curitiba: Juruá, 1998. p. 102.
  • ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 23, n. 93, p. 233, jan./mar. 1990.
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    Sobre o autor
    Henrique Rocha Fraga

    Procurador do Estado do Espírito Santo. Ex-Procurador do Município de Vitória/ES Advogado. Mestre em Direito Empresarial e Tributário.Professor Universitário. Autor do Livro "IPTU e o Princípio da Progressividade"

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    FRAGA, Henrique Rocha. O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2160, 31 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12901. Acesso em: 25 dez. 2024.

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