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O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro

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31/05/2009 às 00:00

Resumo:


  • "Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu" é uma reflexão de Luis Fernando Veríssimo que incentiva a ação e a vivência plena em detrimento da hesitação e da procrastinação.

  • O texto discute a importância dos princípios jurídicos como alicerces do sistema jurídico, orientando a interpretação e aplicação das normas, e destaca a necessidade de compreender a lógica do sistema jurídico a partir de seus princípios fundamentais.

  • Aborda-se a progressividade tributária como um princípio que se alinha aos de capacidade contributiva e igualdade, argumentando que a progressividade, ao invés da proporcionalidade, é a forma adequada de alcançar a justiça fiscal, desonerando os mais pobres e onerando os mais ricos de maneira justa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

"

Gaste  mais  horas realizando que sonhando,

fazendo que planejando, vivendo que  esperando  porque, embora  quem quase morre esteja vivo,

quem quase vive já morreu!! "

Luis Fernando Veríssimo

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Os princípios e as normas jurídicas. 3 O ordenamento jurídico e a aplicação dos princípios jurídicos. 4 Sistema constitucional tributário e os seus princípios próprios. 5 O princípio da igualdade em matéria tributária. 6 O princípio da capacidade contributiva. 7 O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro. 9 Conclusões.


1 Introdução

Etimologicamente, princípio vem do latim principium, principii e significa o início, o fundamento, o começo, a origem ou a base de algo. Platão definia princípio como "fundamento de raciocínio". Aristóteles sustentava ser o princípio a premissa maior de uma demonstração. Kant, por sua vez, dizia que "princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo". [01] Os princípios são uma orientação de caráter geral, inicial, que servem de fundamento para o desenvolvimento de um raciocínio sobre um objeto a ser estudado.

Os princípios jurídicos, por sua vez, são os enunciados fundamentais que regem os Ordenamentos Jurídicos. A idéia fundamental dos princípios jurídicos é servir de base e orientação para construção e aplicação das normas jurídicas estabelecidas em dado ordenamento. Celso Antonio Bandeira de Mello [02] tem definição invulgar sobre estes princípios, que merece ser sempre lembrada. Para ele, princípio é

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativa, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

A doutrina, em geral, tem pensamento uníssono sobre a definição dos princípios jurídicos. Hugo de Brito Machado [03] entende ser o princípio "uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico. São os princípios jurídicos os vetores do sistema".

Sobre a importância e função dos princípios jurídicos, o mestre Roque Antonio Carrazza [04] tem brilhante definição:

Usando, por comodidade didática, de uma analogia sempre feita por Geraldo Ataliba e Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importante que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício, retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes ‘alicerces’, ‘vigas mestras’ são os princípios jurídicos, ora objetos de nossa atenção.

Os princípios jurídicos, entretanto, não devem ser considerados isoladamente, mas sim em conjunto, dentro da noção de sistema jurídico. Carrazza [05] conceitua sistema como sendo "a reunião ordenada de várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam". No mesmo sentido, Geraldo Ataliba [06] sustenta que "os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua soma, como suas simples partes, mas desempenham cada um sua função coordenada com a função dos outros".

O sistema jurídico é um conjunto coeso de normas e princípios, que se compatibilizam mutuamente e se materializam no Ordenamento Jurídico. Na sua caracterização realmente visualiza-se um conjunto, entretanto seus elementos devem estar coordenados, formando um todo unitário. Tratando-se de um sistema, o Ordenamento Jurídico não é um amontoado de normas, mas sim um conjunto de normas e princípios, em coerência entre si, que tem por objetivo a disciplina e a organização da vida em sociedade, servindo de instrumento para a resolução dos conflitos de interpessoais de interesse e promoção da justiça.

Como os princípios jurídicos desempenham a função de elementos estruturais de um sistema normativo, é no estudo dos princípios que serão encontradas as idéias fundamentais deste sistema. Assim, para uma correta interpretação do sistema jurídico, mais importante que o conhecimento das normas jurídicas, é análise dos princípios que o norteia.


2 Os princípios e as normas jurídicas

Os princípios podem ser explícitos ou implícitos, ou sejam, podem estar traduzidos ou não em linguagem normativa. Mas os princípios teriam a mesma natureza das normas jurídicas? É certo que não há consenso doutrinário sobre a questão, inobstante, Hugo de Brito Machado [07] sintetiza a resposta a este questionamento, demonstrando que a resposta varia, de acordo com a postura jusfilosófica de cada um:

Para os jusnaturalistas, não obstante divididos estes em várias correntes, é possível afirmar-se que os princípios jurídicos constituem o fundamento do Direito Positivo. Neste sentido, portanto, o princípio é algo que integra o chamado Direito Natural. Para os positivistas, o princípio jurídico nada mais é do que um norma jurídica. Não uma norma jurídica qualquer, mas uma norma que se distingue das demais pela importância que tem no sistema jurídico. Essa importância decorre de ser o princípio uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade, e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico. São os princípios jurídicos os vetores do sistema.

Embora haja correntes diversas sobre a necessidade ou não de se traduzir em linguagem normativa os princípios, não se nega a sua existência, reconhecendo-se o seu caráter normativo e a necessidade de sua observância obrigatória. Assim, mais importante que sua explicitação em texto normativo, é verificar sua existência ou não. Se um princípio existe, ainda que seja implícito, deve ser aplicado indistintamente. Não se pode falar que há hierarquia entre princípios explícitos e implícitos, é na análise do jurista que se identificará o seu âmbito de aplicação, de forma a identificar como compatibilizá-los.

Norberto Bobbio [08], nesta linha de pensamento, reconhece expressamente o caráter normativo dos princípios:

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?

Em vista disso, o princípio tem caráter normativo, embora muitas vezes não esteja traduzido em linguagem normativa. Pelas suas características estruturais, está acima mesmo das próprias normas jurídicas, o que só reforça a sua grande importância no Ordenamento Jurídico. É o princípio jurídico que norteará a compreensão das normas jurídicas, que esclarecerá o seu conteúdo e os limites de sua eficácia, devendo as normas estar em perfeita consonância com os princípios. Daí porque desobedecer a um princípio é muito grave do que desobedecer a uma simples norma jurídica [09].


3 O Ordenamento jurídico e a aplicação dos princípios jurídicos

Como o sistema jurídico é formado por um conjunto de normas e princípios, o princípio jurídico não pode ser aplicado individualmente, mas sim em ponderação com outros princípios existentes e igualmente relevantes, de forma a manter o equilíbrio do sistema. Os princípios, assim como as normas, não existem isoladamente, mas estão sempre ao lado de outros, relacionando-se entre si.

O Ordenamento Jurídico não possui um único princípio. Ao contrário, o sistema normativo é formado pela conjugação de inúmeros elementos fundamentais, logo, em um mesmo sistema são diversos os princípios que se relacionam entre si.

Mas na aplicação dos princípios jurídicos, como identificar qual deve prevalecer? Para resposta a este questionamento importa relembrar que, de acordo com as lições de Kelsen [10], o Ordenamento Jurídico é formado por um conjunto de normas e princípios, dispostos hierarquicamente em níveis diversos, em uma espécie de pirâmide jurídica. O Ordenamento Jurídico é uno e representado por toda pirâmide, mas encontra-se escalonado, demonstrando que as normas e princípios não estão todas no mesmo plano, mas sim em níveis hierárquicos distintos, que se relacionam através de coordenação e subordinação.

No ápice da pirâmide, encontram-se os princípios e normas constitucionais, que no caso ocupam o ponto mais elevado da pirâmide. A partir da base constitucional, todas as demais normas inferiores têm seu fundamento de validade nas normas hierarquicamente superiores. As normas inferiores dependem das superiores, em estrita obediência à hierarquia. Em caso de conflito de princípios ou na aplicação de princípios diversos, deve-se identificar qual é o hierarquicamente superior, sendo este, por certo, o que deve prevalecer.


4 Sistema constitucional tributário e os seus princípios próprios

A partir das idéias até aqui expostas, pode-se afirmar que é na Constituição que se encontram os princípios fundamentais do Ordenamento Jurídico. A Constituição é um sistema que trata da organização do Estado, sistema este que possui normas e princípios que se compatibilizam entre si e se revela como fundamento maior do Ordenamento Jurídico. É a Constituição que dá fundamento de validade a todas as demais normas infraconstitucionais.

Os princípios constitucionais, nesta linha, são os mais importantes do Ordenamento Jurídico, porque norteiam a atuação de todas as demais normas jurídicas, estando acima dos demais princípios e normas. Tais princípios constituem a base da estrutura e do funcionamento do sistema jurídico. A violação de um princípio constitucional importa em violação à própria Constituição, representando inconstitucionalidade ainda mais grave do que uma simples norma.

Dentro da Constituição, há ainda outros subsistemas com normas e princípios próprios. É o caso do Sistema Tributário Nacional, em que são identificados diversos princípios próprios, denominados princípios constitucionais tributários.

O Subistema Tributário Nacional, assim, pode ser considerado um sistema, inserido em outro, mais amplo, denominado Constituição. Possui princípios e normas em correlação entre si. E são fundamentais, pois orientam a atuação de outras normas em matéria tributária.

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A partir das considerações iniciais sobre os princípios jurídicos constitucionais tributários, pode-se avançar para o estudo específico do princípio da progressividade. Tal princípio encontra-se positivado na Constituição de 1988 nos artigos 153, § 2º, I; 156, § 1º, I e 182, § 4º, II. Trata-se de um princípio típico do sistema constitucional tributário, pois é uma orientação de caráter geral e abstrato, que orienta a produção das demais normas tributárias.

Desde já, porém, importa destacar que tal princípio deriva dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, por isso, convém também apresentar ponderações sobre estes dois princípios fundamentais, que serão úteis ao objeto de estudo.


5 O princípio da igualdade em matéria tributária

O princípio da igualdade, embora esteja normatizado na Constituição, é mais que um princípio constitucional. Trata-se de um princípio geral aplicável a todo o Direito, que desde Platão e Aristóteles está vinculado à idéia de Justiça.

O princípio da igualdade é base do Estado de Direito e se exprime na proibição do arbítrio, ou como ensina Baleeiro [11] na proibição de um tratamento desigual que não se baseie em relevantes razões objetivas, ou na proibição de discriminações que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis com o sistema da Constituição.

Em matéria fiscal, o entendimento de que "todos são iguais perante a lei" revela que não se pode dispensar tratamento fiscal desigual a indivíduos que se achem nas mesmas condições. Com isto há uma nítida intenção de se evitar o arbítrio do poder e os privilégios odiosos dentro da sociedade.

A grande dificuldade, entretanto, é sua aplicação prática, na medida em que resta inequívoco que os homens não são iguais na sociedade. Essa desigualdade material é evidente, uma vez que não existem no mundo dois seres absolutamente idênticos. Diante dessa situação fática, para se atingir realmente o princípio da igualdade, deve-se levar em consideração as desigualdades entre os indivíduos, de forma a dispensar a cada um tratamento diferenciado e adequado à sua condição.

Considerando que as pessoas são diferentes entre si, como identificar as desigualdades para, em função delas, atribuir-se tratamento desigual, de forma a favorecer umas em detrimento de outras? Problemático, assim, é estabelecer o critério de discrímen, de forma a se distinguirem pessoas e situações e aplicar o princípio da igualdade.

Celso Antonio Bandeira de Mello [12] sustenta que a regra de igualdade não significa tratar todos da mesma maneira; pelo contrário, se assim for feito, restará violado o princípio da igualdade, pois estar-se-á tratando desigualmente pessoas que são intrinsecamente diferentes.

Mas não é só isso. Em sentido contrário, o princípio visa impedir a edição de lei em desconformidade com a isonomia, de forma a favorecer uns e oprimir outros. Assim, a igualdade jurídica ou o princípio da igualdade deve ser entendido em dois sentidos: a) igualdade na lei, que é uma exigência dirigida ao legislador, que, no processo de formação da norma, não pode incluir fatores de discriminação que rompam com a ordem isonômica; e b) igualdade perante a lei, que pressupõe a lei já elaborada e se dirige ao aplicador da norma, impondo um tratamento desigual a pessoas em situações desiguais, mas vedando a subordinação a critérios que ensejam tratamento seletivo ou discriminatório.

Visa tal princípio abolir privilégios de certas pessoas ou classes dominantes, de forma a se buscar o tratamento equânime a todos os homens. Nesse sentido, Rui Barbosa [13] ensinava:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos como se todos se equivalessem.

Ataliba [14], da mesma forma, já teve oportunidade de afirmar que: "Firmou-se a isonomia, no direito constitucional moderno, como direito público subjetivo a tratamento igual, de todos os cidadãos, pelo estado".

A partir da idéia da desigualdade material entre os indivíduos e da necessidade de diferenciação de tratamento jurídico entre os mesmos, um dos critérios para esta diferenciação de tratamento em matéria tributária é o princípio da capacidade contributiva, que vincula o exercício da tributação à capacidade do indivíduo de contribuir para as necessidades públicas. O valor de um tributo pode ser maior para quem tem maior capacidade para contribuir e menor de quem tem menor capacidade. Mas o princípio da igualdade impõe tratamento idêntico aos contribuintes que estiverem na mesma categoria ou na mesma condição.

O princípio da capacidade contributiva é uma das maneiras de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, segundo a capacidade de cada indivíduo de arcar com os ônus tributários. Assim, o princípio da capacidade contributiva é o critério de diferenciação entre as pessoas em matéria tributária, de forma a ser expressão do princípio da igualdade.

Nessa linha, são as lições de Misabel de Abreu Machado Derzi [15], que sustenta ser a capacidade contributiva (considerada proporcional e regressivamente) um desdobramento de um mesmo e único princípio, o da igualdade.

Hugo de Brito Machado [16] também sustenta que a capacidade contributiva é o critério para diferenciação entre os desiguais. Para ele, não se podem tratar igualmente pessoas desiguais. Há dificuldade em escolher o critério de discriminação. No direito tributário, esse critério seria a capacidade econômica.

No mesmo sentido, Carrazza [17] leciona que "o princípio da capacidade contributiva – que informa a tributação por meio de imposto – hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos".

Observa-se que o princípio da capacidade contributiva sempre teve estreita relação com o princípio da igualdade, na medida em que, em matéria tributária, o tratamento aos contribuintes deve ser medido, de forma especial, de acordo com suas aptidões econômicas, igualando-se ou não indivíduos na mesma situação econômica, de forma que o princípio da capacidade contributiva é instrumento para alcance da igualdade tributária.


6 O princípio da capacidade contributiva

A arrecadação de tributos é hoje vital para a existência do Estado. Diante desse papel peculiar, o princípio da capacidade contributiva, tido por alguns como o princípio dos princípios em matéria tributária, desempenha a função de nortear o exercício da atividade tributária perante os indivíduos. Mensura a parte da riqueza de cada indivíduo para definir o grau de participação do patrimônio individual em prol do interesse público, por meio do pagamento de tributos.

Tratado inicialmente como tema das Ciências das Finanças, por longo tempo o princípio da capacidade contributiva esteve limitado a esse campo de atuação. A origem desse princípio é atribuída pela doutrina a Adam Smith [18], estando implícito em sua primeira máxima de tributação:

"I. Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado"

O interesse dos juristas por esse princípio surgiu com a sua normatização nas constituições ou nas leis gerais em matéria tributária de vários países. Na Itália e na Espanha o princípio está expressamente previsto nas respectivas constituições. No Chile, na Venezuela, no Equador, na Argentina, no México, aparece explícita ou implicitamente, conforme ressalta Victor Uckmar [19], de forma que a normatização do princípio da capacidade contributiva sempre esteve presente nos ordenamentos jurídicos estrangeiros.

No Brasil, passou a figurar de modo expresso no artigo 202 da Constituição de 1946, no Título IX (Disposições Gerais). Rezava o dispositivo constitucional: "os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte". [20] Não obstante, já na Carta de 1824, por meio do artigo 179, § 13, fazia-se referência ao ideal desse princípio nos seguintes termos: "ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres". [21]

Embora desde a Emenda Constitucional nº 18, de 1 de dezembro de 1965 [22], o princípio da capacidade contributiva não constasse expressamente em texto constitucional, a sua reinclusão, expressa no artigo 145, § 1º da Constituição de 1988, acabou não representando qualquer inovação em relação ao sistema tributário nacional, pois sempre se ressaltou a necessidade de sua observância. Isso porque a observância do princípio da capacidade contributiva decorre de uma exigência dos princípios republicanos, da isonomia tributária e da proibição do confisco, razão pela qual nem sequer precisaria estar expressa no texto constitucional. Assim, sempre se sustentou a sua permanência à luz da aplicação de outros princípios jurídicos.

A Comissão Afonso Arinos, responsável pela elaboração do projeto da Constituição de 1988, trouxe o princípio expresso no texto do anteprojeto, nos seguintes termos: "os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados pela capacidade econômica do contribuinte, segundo critérios fixados em lei complementar". Pela redação do anteprojeto, buscava-se aplicar o princípio da capacidade contributiva a todos os tributos e não somente aos impostos. O atual texto constitucional, entretanto, após inúmeras discussões na Assembléia Nacional Constituinte, procurou restringir o alcance desse princípio, acabando por se referir a ele apenas nos impostos.

Diversos autores conceituaram o princípio da capacidade contributiva. Para Aliomar Baleeiro [23], "a capacidade contributiva é o atributo que deve qualificar alguém aos olhos do legislador para sujeito passivo da relação tributária".

Geraldo Ataliba [24] sustenta ser o princípio "a real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente o contribuinte, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando riqueza como lastro à tributação".

Esse princípio pode ser visto sob dois aspectos: protege o indivíduo da ganância do Estado, mas protege a sociedade do egoísmo do indivíduo; serve para limitar o alcance da atividade tributária a indivíduos que têm condições de contribuir com o pagamento de tributos, excluindo aqueles que não detêm poder econômico para tanto.

José Marcos Domingos Oliveira [25] entende que o princípio da capacidade contributiva pode ser visto pelos sob os aspectos objetivo e subjetivo. Segundo o autor,

capacidade contributiva é conceito que se compreende em dois sentidos, um objetivo ou absoluto e outro subjetivo ou relativo. No primeiro caso, capacidade contributiva significa a existência de uma riqueza apta a ser tributada (capacidade contributiva como pressuposto da tributação), enquanto no segundo, a parcela dessa riqueza que será objeto da tributação em face de condições individuais (capacidade contributiva como critério de graduação e limite do tributo).

Pelo princípio da capacidade contributiva, mensura-se a parte da riqueza de cada indivíduo que deve ingressar no patrimônio público para alcançar a justiça tributária e o bem comum. A justiça tributária é alcançada pela observância do princípio da capacidade contributiva. Segundo Baleeiro [26], "na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva".

Ives Gandra da Silva Martins [27] ressalta a importância do princípio da capacidade contributiva. Para o autor, "o direito formal e o direito estrutural, em sua projeção financeira, não prescindem da percepção preliminar de alguns princípios que alicerçam a espinha dorsal das normas que o regulamentam. São eles os princípios da capacidade contributiva e da redistribuição de riquezas".

Alberto Xavier [28] sustenta que a capacidade contributiva é o conteúdo positivo do princípio da igualdade. Realmente o princípio da capacidade contributiva tem total correlação com o da igualdade. Em matéria tributária, o critério de igualdade há de ser auferido de acordo com a riqueza de cada um, na medida em que a atividade tributária consiste exatamente em captar parte da riqueza individual em prol do interesse público. Por isso, contribuirão com o pagamento de tributos todos os que detenham riqueza, tratados igualitariamente na medida da igualdade de riqueza. É por meio da capacidade contributiva que se alcança o respeito ao princípio da igualdade.

José Maurício Conti [29] visualiza a capacidade contributiva sob dois ângulos: o estrutural e o funcional. Estruturalmente, a capacidade contributiva é uma aptidão para suportar o ônus tributário, a capacidade de arcar com a despesa decorrente do pagamento de determinado tributo. Funcionalmente, a capacidade contributiva é um critério destinado a diferenciar as pessoas, de modo a fazer com que se possa identificar quem são os iguais, sob o aspecto do Direito Tributário, e quem são os desiguais, e em que medida e montante se desigualam, a fim de que se possa aplicar o princípio da igualdade com o justo tratamento a cada um deles.

No mesmo sentido são as palavras de José Marcos Domingos Oliveira [30]: "no Direito Tributário, a Igualdade se realiza através do princípio da capacidade contributiva, porque somente garantida a satisfação das necessidades mínimas, comuns a todos, é que, ao depois, se poderá tratar desigualmente os desiguais, discriminando-os licitamente com base nas respectivas riquezas diversas".

Se o objeto da tributação é algum fato que revele capacidade contributiva, por outro lado, também é correto afirmar que uma pessoa não pode ser tributada em nível tal que imponha um sacrifício insuportável, capaz de retirar sua capacidade de contribuir. A capacidade contributiva, nesse sentido, também é limite máximo da tributação, verificado quando a atividade tributária impeça a continuidade da atividade produtiva ou retire parcela da riqueza do indivíduo além de sua capacidade de contribuir. Aqui há o limite entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio do não confisco.

Assim, o princípio da capacidade contributiva é instrumento para se alcançar a justiça tributária e a aplicação do princípio da igualdade em matéria tributária. A doutrina sempre defendeu esse pensamento. Valdés Costa [31] argumenta que o princípio da igualdade na lei mediante o critério ou subprincípio da capacidade contributiva deve ser uma das mais notáveis especificações a constar nas constituições modernas. Para Guilhermo Ahumada [32], a isonomia tributária consiste na igualdade jurídica informada pela teoria da capacidade contributiva. Em suma, ser justo em matéria tributária consiste em tratar todos com igualdade, o que se alcança com o princípio da capacidade contributiva. [33]

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Sobre o autor
Henrique Rocha Fraga

Procurador do Estado do Espírito Santo. Ex-Procurador do Município de Vitória/ES Advogado. Mestre em Direito Empresarial e Tributário.Professor Universitário. Autor do Livro "IPTU e o Princípio da Progressividade"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAGA, Henrique Rocha. O princípio da progressividade no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2160, 31 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12901. Acesso em: 25 dez. 2024.

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