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A constituição definitiva do crédito tributário, marco entre os prazos decadencial e prescricional tributários

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12/06/2009 às 00:00
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I - Introdução

1. Muito se discute acerca de constituição de crédito tributário, na busca da inteligência do Código Tributário Nacional - CTN.

2. Nessa seara, é fundamental ver esclarecida a norma do artigo 174, caput, CTN, agora transcrito:

"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva".

3. Um dos desafios, portanto, é fixar o momento, a data da "constituição definitiva" do crédito tributário. Feito isso, enxerga-se a linha divisória entre os prazos decadencial e prescricional, extintivos de obrigação tributária – CTN, artigos 156, V, 173 e 174. É que, como é sabido, no prazo decadencial deve ser constituído o crédito tributário e, no prescricional, levada a efeito sua cobrança.


II – Das vicissitudes da dívida tributária segundo o Código Tributário Nacional

4. A depender do estado em que se encontre a prestação pecuniária objeto da relação jurídica nascida imediatamente após a ocorrência do chamado fato gerador – CTN, artigo 113, § 1º, o Código se utiliza das expressões:

a – obrigação tributária principal, para denominar a dívida tributária não declarada ao sujeito ativo e ilíquida, ou seja, desprovida da explicitação do seu valor monetário, a ser entregue à Fazenda Pública pelo sujeito passivo - CTN, artigo 113, § 1º, e da indicação do prazo do respectivo cumprimento (dívida tributária inexigível porque ilíquida);

b – crédito tributário, referindo a dívida tributária liquidada e declarada ao sujeito ativo pelo sujeito passivo ou pela autoridade administrativa prevista no artigo 142, CTN - Servidor Fiscal, de conformidade com a CF/88, artigo 37, XVIII, conhecido como Fiscal de Tributos, Auditor Fiscal, etc (dívida tributária exigível, mas inexeqüível); e

c – dívida ativa, aludindo à dívida tributária regularmente inscrita pela Advocacia Pública – CTN, artigo 201, e Constituição Federal, artigos 131 e 132 (dívida tributária exigível e exeqüível).

5. Ao mudar a forma de chamar a dívida tributária, na medida em que esta sofre mudanças, ora de caráter material (liquidação), ora de natureza formal (inscrição), o legislador do CTN terminou elaborando um texto normativo, senão técnico, ao menos didático. Isso porque, como é sabido, obrigação, débito, crédito e dívida resultam em lugar comum, porquanto retratam uma relação jurídica estabelecida entre credor (sujeito ativo da relação, a quem é franqueado o crédito ou dívida ativa) e devedor (sujeito passivo da mesma relação, a quem é atribuído o débito ou dívida passiva).

6. No caminho legislativo sobredito, o débito tributário - concomitante ao crédito tributário, ou, conforme o caso, a dívida passiva tributária – simultânea à dívida ativa tributária, é visualizado no patrimônio do sujeito passivo.


III – Do Ato Administrativo Tributário de Lançamento

7. Descabe ingressar no instante, na data, em que se constitui o crédito tributário pelo lançamento (CTN, artigo 142: "... constituir o crédito tributário pelo lançamento..."), sem discorrer sobre a natureza deste.

8. Apesar da redação do artigo 142, caput, CTN, referindo ser o lançamento um procedimento, cabe seguir a doutrina [01] e a jurisprudência [02] pelas quais o lançamento é, na verdade, um ato administrativo, vinculado e obrigatório.

9. Vinculado porque, na sua realização, não resta espaço para conveniência e oportunidade à autoridade administrativa, tendo esta que atuar nos estritos termos da lei.

10. Obrigatório em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público, primário, originário ou mediato – do povo, ou secundário, derivado ou imediato – do ente tributante. Diga-se de passagem que: ou o interesse público secundário se conforma com o primário ou não subsiste, porque o entre tributante encontra sua razão de existir no povo, de que emana todo o poder (CF/88, artigo 1º, p. único) e para o qual são oferecidos bens ou serviços.

11. A percepção do lançamento tributário como ato administrativo esclarece o tema da constituição de crédito tributário, e, em conseqüência, quanto a institutos jurídicos de influência, a exemplo da prescrição tributária.

12. A depender do referencial adotado, pode-se afirmar que os atos administrativos originam-se de pessoa jurídica de direito público (v.g.: União, Estado Federado, Distrito Federal ou Município), em sentido amplo, ou de agentes públicos (agentes políticos, servidores públicos, etc.), em sentido estrito.

13. A segunda assertiva é a que se acomoda ao presente estudo pela própria feição estrutural dos atos administrativos, que engloba a competência do agente público (aspecto subjetivo), a teor do artigo 2º, caput, a, e p. único, a, da Lei Federal nº 4.717/65, que regula a ação popular.

14. Veja-se a redação do dispositivo:

"Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência;

...

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;"

15. Outro que justifica considerar o ato administrativo de lançamento pela ótica do agente é o fato da responsabilidade, de acordo com o § 6º do artigo 37 da CF/88, abaixo repetido.

"§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

16. Em sentido estrito, a realização do ato administrativo de lançamento compete privativamente ao Servidor Fiscal, autoridade consignada nos artigos 37, XVIII, da Constituição Federal, e 142, do CTN, e, conforme o caso, em lei federal, do Distrito Federal, estadual ou municipal, não ao ente tributante (Fazenda Pública), sujeito ativo da relação obrigacional tributária. Este – sujeito ativo, na dicção do § 6º logo acima reproduzido, na hipótese de dano causado a terceiros, incluso o sujeito passivo tributário, responde objetivamente; enquanto aquele – Servidor Fiscal – responde nos casos de dolo ou culpa.

17. De mais a mais, impende salientar que o CTN, artigo 142, ao dispor sobre lançamento, enxerga sua prática, não pelo sujeito ativo tributário (União, Estados, etc.), e sim por autoridade administrativa (agente público) a este vinculada.

18. Para qualificar o lançamento tributário como ato administrativo, além da competência, já mostrada, carece que se demonstre seus demais elementos de estrutura - motivo, finalidade, objeto e forma. Para tanto, segue-se, aqui, a opção do legislador federal quando da elaboração da citada lei reguladora da ação popular.

19. O motivo, ou causa, do lançamento precisa ser visto em função tanto do acontecimento social valorizado para fins tributários - "fato gerador", quanto do seu efeito jurídico – obrigação tributária principal.

20. Diz-se, assim, do motivo mediato ou remoto, inerente ao fato jurídico tributário, residente na seara da conduta humana; e, do motivo imediato ou próximo, concernente à relação obrigacional tributária, efeito daquele (fato).

21. É lógico concluir que, no tangente à existência do "fato gerador" e da correlata "obrigação tributária", o lançamento é meramente declaratório.

22. O objeto do ato administrativo de lançamento é "o efeito jurídico imediato" [03] por ele produzido, o crédito tributário.

23. Aqui o viés constitutivo do lançamento: a liquidação, a determinação da obrigação tributária, conferindo-lhe exigibilidade.

24. É como se da pedra bruta (obrigação tributária ilíquida, inexigível) o artífice (Servidor Fiscal) talhasse a jóia do tesouro público (obrigação tributária exigível ou crédito tributário).

25. A finalidade do ato administrativo de lançamento, o resultado pretendido com sua prática, é prover o sujeito ativo de um direito exigível, do crédito tributário. Este também pode ser visto como um direito subjetivo público exigível.

26. Sem embargo de admitir que a forma "é o revestimento exterior do ato...", como argumenta o notável Celso Antônio Bandeira de Melo [04], não se confundindo com formalidades indispensáveis à sua existência, estas foram acolhidas pela lei federal em tela - Lei Federal nº 4.717/65, artigo 2º, p. único, b – quando dispôs sobre o tema.

27. Assim, vale manusear o elemento formal do ato administrativo de lançamento tributário nos dois aspectos em realce, principalmente para fins de perceber o momento no qual se dá seu aperfeiçoamento. Ademais, do descumprimento de formalidade legal necessária à consecução do ato, não pode resultar um "revestimento exterior", uma aparência válida.

28. Isso importa também para efeito de incidência da norma do artigo 173, II, CTN, que devolve à Fazenda Pública prazo decadencial voltado à constituição do crédito tributário cujo lançamento foi anulado, por vício formal, mediante decisão definitiva.

29. Os princípios da vinculação e obrigatoriedade – CTN, artigo 142, p. único, entre outros, assim como os efeitos que deles irradiam, impõem que o lançamento tenha forma escrita. Da leitura do documento público que lhe serve de plano físico de expressão, a exemplo do conhecido Auto de Infração, e do Auto de Lançamento do IPVA [05], deve ser depreendida a dívida, ou obrigação, tributária liquidada.

30. Ou seja, o Auto de Infração - ou outro instrumento público destinado à constituição de crédito tributário - emitido deve anunciar, na exata previsão legal e em linguagem competente, o acontecimento do "fato gerador" e da relação jurídica obrigacional tributária que lhe segue, identificados os sujeitos ativo e passivo, expondo, líquida, determinada, a prestação pecuniária a esta (obrigação) correspondente.

31. A citada liquidação significa apuração e exibição do valor devido a título de tributo, a partir da base de cálculo e alíquota, com indicação do local e prazo de pagamento.

32. Sendo a prestação pecuniária o objeto da obrigação tributária principal, a liquidação daquela implica a desta.

33. Com relação ao local de pagamento, diante das facilidades atuais oferecidas pelo sistema financeiro, sua menção se dispensa.

34. Apesar de não se conformar na liquidação em apreço, porque não compõe o lançamento e sim a intimação deste, é lícita a menção ao local e prazo de impugnação do ato administrativo constitutivo de crédito tributário.

35. Dos aludidos elementos estruturantes, o formal foi deixado por último porque do seu entendimento se extrai o momento, a data, em que se tem perfeito e acabado o ato administrativo de lançamento.

36. Explicou-se que, de acordo com o Código de Imposição Tributária, crédito tributário é a dívida tributária liquidada e declarada ao sujeito ativo pelo sujeito passivo ou pela autoridade administrativa prevista no artigo 142, CTN.

37. Assim sendo, após concluir a correta lavratura do instrumento público destinado à constituição de crédito tributário (repita-se, pela sua natureza e efeitos, o Auto de Infração como exemplo), resta ao Servidor Fiscal entregar formalmente tal documento à Fazenda Pública, ao sujeito ativo tributário correlato.

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38. E essa entrega, seja em meio físico ou virtual:

- importa a supracitada declaração ao sujeito ativo da dívida tributária liquidada;

- consiste em formalidade indispensável à existência do lançamento tributário;

- traz como conseqüência a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude a parte final do artigo 174, CTN;

- marca o início do curso do prazo prescricional.

39. Essa afirmação é influenciada, também, pela lição do ilustre professor Paulo de Barros Carvalho [06], pela qual "o direito se realiza no contexto de um grandioso processo comunicacional".

40. É certo que o lançamento de crédito tributário supõe um fato lícito (CTN, artigo 3º), dispensando assim, para seu aperfeiçoamento, o processo administrativo.

41. A emissão do ato de lançamento por autoridade fiscal se fundamenta no exercício do direito de exação pelo sujeito ativo, que lança mão de sua legítima capacidade tributária ativa.

42. Entretanto, se o "fato gerador" de obrigação tributária principal é acompanhado de um ilícito, obrigando à autoridade fiscal a constituir o crédito tributário respectivo e aplicar a sanção legalmente cominada, acusando administrativamente o sujeito passivo de tais fatos (tributário – lícito e infringente de lei tributária – ilícito), o processo sobredito é indispensável, sob pena de afronta à Constituição Federal, artigo 5º, LIV e LV, estes a seguir reproduzidos:

"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

43. A palavra "bens", do artigo 5º, LIV, retro, é aqui, e deve ser, apanhada no seu sentido mais largo, para fins de assegurar a todos a dignidade, o mínimo existencial, que fundamenta nossa República [07].

44. Leia-se, então, "bens" como todo patrimônio, material e imaterial, de uma pessoa, nele incluso o estado fiscal de adimplente para com obrigações tributárias.

45. O abalizado jurista Alexandre de Morais [08], ensinando sobre interpretação de normas constitucionais, explica que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda".

46. Infere-se do Texto Supremo que, diante de uma acusação administrativa fiscal, associada ou não a um lançamento tributário, resta clara a imprescindibilidade do processo, como garantia constitucional fundamental.

47. Diz-se, então, de:

- lançamento de ofício de crédito tributário não dependente de processo administrativo; e

- lançamento de ofício de crédito tributário dependente de processo administrativo.

48. Apesar da norma do artigo 39, § 2º, da Lei Federal nº 4.320/64 ("Art. 39. ... § 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas..."), vale lembrar que tributo é uma prestação pecuniária compulsória que não constitui sanção de ato ilícito – CTN, artigo 3º.

49. Nessa senda, o Auto de Infração é um instrumento bifronte, destinando-se a acusações fiscais de prática de infração a leis tributárias, com imposição de penalidade, e a lançamento de ofício de crédito tributário. Por vezes, um e outro acontecem no mesmo instante, ao tempo da protocolização do Auto de Infração. Antes desta protocolização, o que se tem é apenas um instrumento administrativo (Auto de Infração) apto ao lançamento, à constituição do crédito tributário.

50. A ótica pela qual o lançamento se completa com sua notificação ao sujeito passivo:

- parte do pressuposto de sua realização pelo sujeito ativo, ente tributante, tomando-se o conceito de ato administrativo em sentido amplo, o que inviabiliza o discernimento do tema;

- confunde a eficácia do ato administrativo de lançamento com sua existência e validade; e

- desatende à norma do artigo 37, § 1º, da Constituição Federal de 1988 – "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.".

51. A ausência de força executiva do Auto de Infração protocolizado (do lançamento), ou seja, a incapacidade deste de provocar, imediatamente, a emissão de uma certidão de dívida ativa executável - artigos 1º e 2º, §5º, VI, da Lei nº. 6.830 de 22/09/80, c/c o artigo 585, VII, do CPC/73, reside no âmbito da eficácia, e não da existência e validade.

52. O lançamento derivado de protocolização regular de Auto de Infração, antes de notificado (intimado) ao sujeito passivo, tem eficácia imediata "intramuros", isto é, para a Fazenda Pública; ficando, a partir de então, sujeito ao controle de legalidade que lhe é correlato, tal como acontece com toda atividade da Administração Pública.

53. No caminhar para eventual certidão de dívida ativa (artigo 585, VII, do CPC/73), ganha em eficácia, gradativamente, o Auto de Infração protocolizado (o lançamento). Neste avançar, visualizado no procedimento processual administrativo, surge a notificação (intimação) ao sujeito passivo, que, realizada segundo a lei, entre outros efeitos:

- integra o sujeito passivo à relação processual administrativa (artigo 5º, LIV e LV, da CF/88);

- informa ao autuado quanto à imputação que lhe é feita (artigos 5º, XXXIII, e 37, caput, e § 1º, da CF/88), fazendo extrapolar os muros da Administração Pública a eficácia do lançamento;

- e, a princípio – porque o início do respectivo curso pode ser obstado, suspende o prazo prescricional, até que sejam decididas as reclamações e os recursos (aqui entendidos os termos em sentido amplo: defesa, pedido de reconsideração ou outro do gênero) administrativos, como querem o CTN, artigo 151, III, e a Súmula 153 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR, antecessor do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

54. Notificado (intimado) o sujeito passivo do lançamento imediatamente após a protocolização do auto de infração, e na mesma data desta, impedido, obstaculizado, está o iniciar do curso do prazo prescricional; primeiro, enquanto não estiver vencido o prazo para impugnação ou pagamento (artigo 199, II, do CC/02), depois, e sem descontinuidade, se de qualquer modo for tempestivamente afrontado o lançamento, até que sejam decididas as reclamações e os recursos administrativos – sentido lato, como se entende na Súmula TFR153 (artigo 199, I, do CC/02).

55. Dada a notificação (intimação) regular do lançamento após a data da protocolização do Auto de Infração, visualiza-se a hipótese de suspensão do prazo prescricional.

56. No processo administrativo tributário iniciado por auto de infração regular, verificada a revelia, segundo a lei de regência, ou transitada em julgado a decisão administrativa pela procedência do lançamento (auto de infração protocolizado), tem-se como dado o último passo necessário à consolidação da eficácia sobredita, bastante a viabilizar o título executivo extrajudicial antes referido – certidão de dívida ativa.

57. As referências ao Código Civil, regente de relações particulares, são acompanhadas da cautela que se deve ter ao se lançar mão de institutos de Direito Privado para enfrentar questões de Direito Tributário. Referida cautela, ao contrário de inviabilizar o alcance de disposições do Código Civil, norteia a integração do Direito prevista nos artigos 107 e seg. do CTN/66.

58. O Direito é uno, e seus ramos denotam sua multiplicidade.

59. Os artigos 123 do CTN/66 e 2.035, p.único, do CC/02 deixam clara a integração sobredita quando, no primeiro, é dito que salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes, e, no segundo, que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

60. Ademais, a Constituição Federal torna saliente uma tônica que permeia todos os ramos do Direito, qual seja que estes trazem consigo uma função social – v.g.: artigos 1º, III, 3º, I, IV, 5º, XXIII, 173, § 1º, I, 182, caput, e §§ 2º e 4º, e 186, todos da CF/88.

61. Sem querer a exaustão, note-se que a Lei Maior mostra no seu artigo 182, § 4º, II, de maneira expressa, a integração dos ramos Civil e Tributário do Direito.

62. Leia-se – CF/88, artigo 182, § 4º, II:

" Art. 182.......

§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - ............

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

.........".

63. Não parece merecer prosperar a tese segundo a qual o lançamento de oficio de crédito tributário, incluso o decorrente de protocolização de auto de infração, somente se dá quando regularmente notificado o sujeito passivo porquanto a informação, a publicidade, dos atos administrativos diz respeito à eficácia destes e à moralidade administrativa.

64. A afirmação encontra abrigo na doutrina e no próprio direito posto, a exemplo dos extratos a seguir indicados:

- "A publicidade, contudo, não é um requisito de forma do ato administrativo,"não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade....

.......

Em alguns casos, a forma de publicidade exigida é a notificação pessoal ao interessado no ato ou a quem o ato beneficia ou prejudica." [09]

- Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, artigos 26 e 61, p. único:

"Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005).

........

Art. 61.......

Parágrafo único.  A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)." (grifei).

65. Com o máximo respeito, outra afirmação insustentável é que o crédito tributário, e, em corolário, o respectivo ato de lançamento, submetido a processo administrativo, somente se mostra definitivamente constituído quando da conclusão deste (processo).

66. O desacerto da assertiva reside em considerar surtindo efeitos, eficaz, um ato administrativo inacabado, portanto inexistente. Se o crédito tributário, segundo tal entendimento, apenas se constitui definitivamente com o trânsito em julgado de decisão emitida em processo administrativo de controle de legalidade do ato de lançamento correlato, implica dizer que, na hipótese, o lançamento é ato complexo, ou seja, resulta "da conjugação de vontade de órgãos diferentes" [10].

67. Realmente, não tem esse perfil o lançamento, que é ato administrativo da categoria dos simples [11], sendo bastante a manifestação de um único Servidor Fiscal para sua consumação.

68. A possibilidade do crédito tributário, e, em decorrência, do respectivo ato de lançamento, sofrer alteração por decisão administrativa, não significa sua incompletude; ao invés, indica sua pré-existência.

69. Não tem lugar o apelidado lançamento provisório. Ou há lançamento, e crédito tributário, ou não há.

70. Pela própria letra do seu art. 151, III, pelo qual as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário, o CTN/66 deixa claro que, quando de tais reclamações ou recursos, que, relativamente a Auto de Infração, acontecem no curso do processo administrativo fiscal, o citado crédito tributário já se encontra constituído.

71. O aludido art. 151, III, ao dispor sobre a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não só o admite como existente e válido, mas também o presume líquido, certo e exigível.

72. E não cabe entender diferente. Como poderia o CTN, art. 151, III, dizer da exigibilidade do crédito tributário se não o considerasse, além de existente e válido, líquido e certo? Um crédito ilíquido ou incerto não pode ser exigível, senão depois de liquidado e acertado.

73. Essa presunção de liquidez e certeza do crédito tributário – dívida tributária ainda não inscrita (Lei nº. 6.830/80, art. 2º), extraída do art. 151, III, CTN, obviamente relativa, é depreendida a partir do art. 204 do CTN e da presunção de legitimidade que caracteriza os atos administrativos.

74. O lançamento não notificado ao sujeito passivo, malgrado assente eficácia imediata para o sujeito ativo, influencia reflexamente no patrimônio daquele (sujeito passivo).

75. É que, consumado o lançamento, livra-se a Fazenda Pública dos efeitos da decadência, passando a sofrer os da prescrição tributária; mesmo longe dos olhos do sujeito passivo.

76. Muita vez a comparação leva à concisão.

77. O ordenamento jurídico estipula situações nas quais uma pessoa tem seu patrimônio modificado, ou influenciado, por atitudes alheias ao seu conhecimento, tomadas unilateralmente por outrem.

78. Um exemplo bastante comum é a perda da propriedade pelo usucapião [12].

79. O Código Civil, em seu artigo 1.238, estatui sobre o denominado usucapião extraordinário [13], em virtude do qual o posseiro, ainda que invasor clandestino de um imóvel, adquire-lhe a propriedade.

80. No exemplo dado, o ato unilateral do posseiro invasor, mesmo realizado às escondidas, desconhecido pelo verdadeiro dono do imóvel, tem eficácia suficiente para modificar o patrimônio do titular do bem apossado.

81. O lançamento é ato praticado unilateralmente por Servidor Fiscal, agente do sujeito ativo tributário.

82. Identificado – e não notificado - o sujeito passivo quando da feitura do lançamento, na forma do artigo 142 do CTN [14], e seu patrimônio recebe a influência fiscal respectiva.

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Sobre o autor
Manoel Omena Farias Júnior

fiscal de tributos do Estado de Alagoas, bacharel em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC), julgador tributário da Coordenadoria de Julgamento da Secretaria Executiva de Fazenda do Estado de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS JÚNIOR, Manoel Omena. A constituição definitiva do crédito tributário, marco entre os prazos decadencial e prescricional tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2172, 12 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12963. Acesso em: 26 abr. 2024.

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