4.DA ÍNTIMA RELAÇÃO ENTRE RECEITA E LUCRO
Tendo em vista que o foco do presente trabalho gira em torno, primordialmente, da relação entre receita e lucro, dedicar-se-á capítulo exclusivo a discutir as relações firmadas entre ambos institutos.
Pois bem. De proêmio, cumpre indagar a seguinte questão: considerando-se a receita isoladamente, ingresso este que antecede e gera o lucro, como imune, por que motivo não seria imune a mesma receita quando considerada na composição do lucro?
Sendo assim, supor que a receita decorrente de exportação seja imune, mas negar tal qualidade a essas mesmas receitas quando elas compõem o lucro implicaria admitir imunidade para a receita bruta, mas não para a líquida, o que não é nada lógico.
Conforme restou assentado anteriormente, as receitas decorrentes de exportação são desoneradas da PIS e COFINS, ambas contribuições sociais. Dessa forma, não se afigura razoável que essa entrada de valores volte a ser tributada por ocasião da CSLL.
Neste sentido, impende trazer à baila a lição de Sascha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado Derzi (2004), abaixo transcrita:
"É verdade que a CSLL não tem como fato gerador as receitas brutas, mas o lucro auferido pela pessoa empresarial com aquelas receitas. É verdade que o lucro é conceito diferente do conceito de receita. Receita não é lucro, lucro não é receita. Mas também é verdade que o lucro das exportações está contido no conceito de receita das exportações. Ao excluir do campo de competência tributária as receitas formadoras do lucro (não propriamente o lucro), a Emenda Constitucional nº 33/01 protegeu de forma mais ampla e efetiva a exportação nacional. O lucro é parcela restrita da receita e configura apenas o ganho líquido, aquilo que, na parte da receita, significa efetivo acréscimo, excedente, ganho novo. Portanto, norma que imuniza o lucro, de fato não atinge a receita ou o faturamento (múnus dixit), pois a receita, produto bruto das vendas de mercadorias e serviços, pode ocorrer com ou sem lucro. Assim, é possível haver receita ou faturamento sem que ocorra lucro. Mas a recíproca não é verdadeira. Norma que, constitucionalmente, injeta para fora dos possíveis fatos jurígenos, as receitas decorrentes de exportação, ipso facto, também projeta para fora o lucro operacional delas resultante, o excedente que parte delas representa e que compõe o acréscimo patrimonial do exercício, no campo da incompetência, ou, como preferem alguns juristas, no campo da não incidência constitucional. Não é possível formar o lucro operacional sem as receitas de exportação. (...)"
Ademais, cumpre frisar que na seara administrativa, a semelhança substancial entre o lucro e a receita encontra-se, em sua forma mais cristalina, na legislação do imposto de renda, também aplicável à CSLL.
Dessarte, imperioso trazer à colação as alterações efetuadas no art. 43 do Código Tributário Nacional por intermédio da Lei Complementar n.º 104/01, que, ao inserir os parágrafos 1º e 2º nesse artigo, resultou por introduzir na definição constitucional da renda, que coincide com o de lucro, justamente a receita, reforçando cada vez mais a tese da não-incidência da CSLL sobre as receitas de exportação, consoante segue abaixo:
"Art. 43. (...)
§1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo."
Outro ponto que merece destaque remete às Leis n.º 10.637/92 e n.º 10.833/2003, haja vista a transformação da COFINS e do PIS originais, incidentes sobre a receita bruta sem possibilidade de deduções – ditos cumulativos, em não cumulativos, sendo, portanto, deduzidas as despesas necessárias sobre as quais tenham anteriormente incidido as mencionadas contribuições.
Dessa forma, conclui-se que a COFINS e a PIS, que anteriormente incidiam simplesmente sobre a receita, passaram a incidir sobre algo que muito se aproxima da relação receita-despesa (receita subtraída a despesa), isto é, do lucro (TROIANELLI, 2008).
Portanto, valioso deixar claro que o Fisco defende o fato de que a imunidade contida no art. 149, §2º, I, da CF somente aplicar-se-ia a PIS e COFINS, esse argumento parece cada mais vez cair por água abaixo por diversas razões, dentre elas a questão da não cumulatividade dessas duas contribuições que terminam por incidir sobre algo bastante próximo ao lucro. Ainda segundo Troianelli (2008), caso não fosse o relacionamento substancial entre a receita e o lucro, o legislador não teria campo para efetuar tais mudanças.
Imprescindível trazer à baila o fato da incidência da CSLL no caso das empresas optantes pelo lucro presumido, que consiste justamente em um percentual da receita da pessoa jurídica. No aludido regime, presume-se que um percentual das receitas auferidas pela empresa constitua o seu lucro, base de cálculo da mencionada contribuição social, inegável, portanto, a identidade firmada entre receita e lucro, alicerçado nessas condicionantes.
Neste trilhar, a lição de Troianelli (2008, p. 45):
"Ora, considerando-se que a Constituição Federal confere à União a competência para instituir o imposto sobre a renda e contribuição sobre o lucro, e não sobre a receita, seria o regime do lucro presumido inconstitucional caso a receita não se relacionasse substancialmente à rendae ao lucro, pelo fato de ser o elemento positivo deste. Além disso, como a CSL, quando apurada dentro do regime do lucro presumido, tem por base de cálculo legalmente estabelecida a receita bruta, mesmo a se admitir a interpretação restritiva adotada pela Fazenda é certo que, neste caso, estaria a contribuição abrigada pela imunidade prevista no art. 149, §2º, I. Nessa hipótese, e a se negar a mesma imunidade para a CSL apurada sobre o regime do lucro real, nós teríamos uma imunidade constitucional aplicável à CSL quando apurada sob um regime e inaplicável à mesma contribuição se apurada sobre outro regime, o que é absurdo e antiisonômico, uma vez que o regime de apuração do tributo não é fator idôneo de discriminação para condicionar a aplicação de imunidade que se relaciona à exportação de bens e serviços, na medida em que a desoneração das exportações nada tem a ver com regimes de apuração do lucro".
Conclui-se, também, através da leitura do art. 187, §1º, da Lei das Sociedades Anônimas, que, essencialmente "receita = lucro + despesa". Portanto, através desses fatores apreende-se que "lucro = receita – despesa".
Além dessas considerações, afigura-se imprescindível trazer à baila alguns ensinamentos contábeis a fim de se compreender como se chega à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Portanto, a partir do resultado do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda – IR, ou seja, o resultado contábil (econômico) à semelhança da apuração do IR pelo lucro real, a base de cálculo da referida contribuição é apurada mediante adições e exclusões previstas em lei.
No que atine às empresas optantes pelo lucro presumido, tem-se que a base de cálculo da CSLL será a receita bruta mensal, aplicando-se o percentual de 12% (doze por cento), incidindo sobre esse resultado, a alíquota de 9% (nove por cento).
Imperioso destacar a lição de Láudio Camargo Fabretti (2000, p. 271), que dá a entender que cada vez mais receita e lucro se aproximam, assim se manifestando:
"A proibição da dedução de diversas despesas, como tem sido feita, de forma que está tornando-se rotineira, a cada ano, desnatura o conceito de lucro, tornando-o maior do que a realidade do resultado econômico, ferindo, por via de conseqüência, o princípio da capacidade contributiva do contribuinte (§1º do art. 145 da CF)."
A apuração do lucro líquido encontra-se expressa, consoante mencionado anteriormente, no art. 187 da Lei n.º 6.404/76 – Lei das Sociedades por Ações. Portanto, a demonstração do resultado do exercício deve obedecer ao seguinte esquema:
Exercício |
|
Receita bruta das vendas e serviços |
A |
Deduções das vendas, abatimentos e impostos |
(-) B |
Receita líquida das vendas e serviços |
C |
Custo das mercadorias e serviços vendidos |
(-) D |
Lucro Bruto |
E |
Despesas com vendas, despesas financeiras deduzidas das receitas, despesas gerais e administrativas e outras despesas operacionais |
(-)F |
Lucro (ou prejuízo) operacional |
G |
Receitas não operacionais |
+ H |
Despesas não operacionais |
(-) I |
Saldo da conta de correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido (Revogada – Lei n.º 9.249/95) |
(+ ou -) J |
Resultado do Exercício antes do imposto de renda |
L |
Fonte: FABRETTI, 2000.
Portanto, a partir de 01.09.2003, por força do art. 22 da Lei 10.684/2003, a base de cálculo da CSLL, devida pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido corresponderá a 12% da receita bruta nas atividades comerciais, industriais, serviços hospitalares e de transporte, e 32% para prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e transporte, intermediação de negócios e administração, locação ou cessão de bens imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza.
5.DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA SE PLEITEAR A EXCLUSÃO DAS RECEITAS DE EXPORTAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO
Afigura-se de suntuoso relevo tratar a questão a despeito da legitimidade ativa para se pleitear a não incidência da contribuição social sobre o lucro líquido sobre as receitas decorrentes de exportação, haja vista as peculiaridades que se encontram imbricadas nos modos pelos quais se dá o desenvolvimento do comércio exterior, levando em consideração a existência de relações comerciais triangulares.
De início, importante salientar que majoritária parcela das exportações brasileiras corresponde a commodities, ou seja, encontra-se relacionada a produtos agrícolas que são comercializados para o mercado europeu e o americano.
Por tratar-se o setor agrícola de seara não tão desenvolvida quanto a parcela do mercado que se dedica à atividade industrial, aqueles produtores encontram uma série de barreiras quanto à forma de internacionalizar sua produção, tendo em vista a série burocracia que permeia o cenário nacional, dentre outras dificuldades, para não deixar de citar a dificuldade na comunicação, a necessidade de atendimento aos padrões internacionais, o custo do frete internacional, a oscilação da moeda americana, fatores esses que influenciam diretamente no preço final dos produtos brasileiros, que influenciam negativamente na sua concorrência frente aos seus competidores internacionais.
Todas essas barreiras constituem óbices à projeção da produção nacional na arena mundial, na constante luta pela inserção nos mercados internacionais, tendência este mais que atual. Sendo assim, alguns produtores, por não dispor de todo aparato técnico-estrutural, tendem a comercializar sua produção a outras empresas, especializadas na compra e venda de mercadorias para o exterior, executando todo o procedimento de negociação do produto no estrangeiro, nomeando-se essas empresas de trading companies.
Pois bem. Atingido esse ponto, insta estabelecer algumas distinções acerca dos conceitos de exportação direta e indireta. Em breves palavras, a venda de mercadorias para o exterior pode ser feita pelo próprio produtor, que comercializa diretamente com seu comprador – importador, dando-se, dessa maneira, a exportação de forma direta. Por outro lado, também é permitido a esse produtor nacional comercializar sua produção, ou parte dela, a uma outra empresa que atua adquirindo esses produtos para, posteriormente, exportá-los.
Tal debate ora firmado é de fundamental importância ao se proceder à análise da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Previdenciária de n.º 03, data de 15 de julho de 2005, que determinou que em relação às atividades rurais e agroindustriais, a referida imunidade às exportações contida no art. 149, §2º, I da CF, somente seria válida se a comercialização tiver sido realizada diretamente entre produtor e comprador externo, criando-se mais um entrave ao desenvolvimento econômico dos produtores desse setor que, quando comparados a outros setores, possuem um grau de desenvolvimento bem mais retraído.
A aludida IN/SRP n.º 03/2005, assim dispõe:
"Art. 245. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.
§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto."
Conclui-se que a referida instrução normativa delimitou o benefício da imunidade unicamente para as exportações cuja produção seja comercializada com o importador, domiciliado no estrangeiro.
Sendo assim, vê que justamente aquela parceria dos produtores agrícolas mais deficitários, que não dispõem de uma base funcional que a possibilite comercializar sua produção para o mercado internacional de forma direta, veja-se privado da imunidade em comento.
O entendimento do Fisco é de que tais valores provenientes da exportação indireta são considerados como receitas provenientes do mercado interno.
Note-se, que a imunidade constitucional debatida ao longo do presente trabalho, não menciona qualquer distinção do modo pelo qual é realizada a exportação. Repise-se que a imunidade constitucional aqui debatida não trouxe qualquer distinção entre a origem desses valores, isto é, se seriam provenientes da exportação direta ou indireta.
Assim, a limitação trazida pela Instrução Normativa SRP nº 03/2005 além de ser inconstitucional e ilegal não é razoável, eis que onera os produtos dos produtores rurais e agroindústrias de pequeno e médio porte que não possuem seus próprios meios para exportarem sua produção, não dispondo de condições de organização da infra-estrutura logística e prospecção de clientela nos mercados externos para realizar a exportação direta e, desta maneira, necessitam dos serviços de empresas comerciais exportadoras como forma de conseguir melhores preços para seus produtos no mercado internacional.
Desta feita, várias empresas vêm recorrendo ao Judiciário como mecanismo de ver seu direito à imunidade garantido. Neste sentido, cai como uma luva o julgado da AMS n.º 289.533 emanado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que afastou a distinção trazida pela mencionada instrução normativa, abaixo transcrito:
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - NÃO SUJEIÇÃO DA IMPETRANTE AOS EFEITOS DA RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO ARTIGO 245, PARÁGRAFOS 1º E 2º DA IN MPS/SRP Nº 3 - ARTIGO 149, PARÁGRAFO 2º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO IMUNES DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE PRETENDE DESABRIGAR DA IMUNIDADE O RESULTADO DA EXPORTAÇÃO INTERMEDIADA POR "TRADING COMPANIES" - PRELIMINAR REJEITADA, APELO
E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS.
1. O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal assim que as contribuições sociais "não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação".
2. O objetivo do constituinte é desonerar das contribuições as receitas oriundas de operações de exportação; a Carta Magna não distinguiu entre as exportações diretas (operação entre o produtor local e o adquirente alienígena, - sediado no estrangeiro) e as exportações indiretas (operações "triangulares", envolvendo o produtor local, uma empresa exportadora intermediária e o adquirente alienígena situado noutro país).
3. Dispõe o art. 110 do Código Tributário Nacional que "a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
4. Não parece adequada a distinção feita na Instrução Normativa nº 03/2005, em seu art. 245, § 2º, de modo a desabrigar da imunidade o resultado da exportação intermediada por "trading companies", uma vez que norma infralegal não pode ir além do texto legal, menos ainda do texto constitucional.
5. Na verdade tudo indica que o § 2º do art. 149 da Constituição Federal intenta imunizar a receita adquirida quando houver específica operação de exportação; isso é o que mais importa, e não quem seja o contratante que está na "outra ponta" do negócio.
6. Matéria preliminar rejeitada e, no mérito, apelo e remessa oficial improvidos. [17]
Desse modo, conclui-se pela legitimidade ativa tanto das empresas que realizam a exportação de maneira direta, como da indireta, a se valerem do benefício contido na tão mencionada imunidade tributária em apreço, firmada no âmbito constitucional.