Artigo Destaque dos editores

Agência reguladora municipal.

Estrutura única de regulação dos serviços públicos

Exibindo página 1 de 3
13/06/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Os serviços de coleta de lixo, saneamento básico e transporte coletivo encontram-se sob a regulação municipal. Sugere-se a criação de uma estrutura única de agência, destinada a regular e fiscalizar a prestação desses serviços.

RESUMO

O desenvolvimento do papel do Estado culminou em sua atuação como ente regulador da sociedade e daqueles que nela atuam. A partir desta compreensão, instituíram-se as agências reguladoras, órgãos da Administração Pública responsáveis pela regulação e fiscalização na prestação de serviços públicos. Os serviços de coleta de lixo, saneamento básico e transporte coletivo encontram-se sob a regulação municipal, motivo por que se sugere a criação de uma estrutura única de agência, destinada a regular e fiscalizar a prestação desses serviços, de modo a prestigiar os princípios da economicidade e eficiência.

Palavras-chave: Intervenção; Regulação; Agências Reguladoras; Serviços Públicos; Município.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 A EVOLUÇÃO DO MODO DE INTERVENÇÃO DO ESTADO. 2.1 Do Estado de bem-estar social à terceirização dos serviços públicos. 2.2 O novo modelo de intervenção estatal: o Estado Regulador . 3 AS AGÊNCIAS REGULADORAS . 3.1 Os antecedentes que serviram de modelo às agências brasileiras. 3.2 A origem e o desenvolvimento das agências no Brasil. 3.3 Características das agências reguladoras . 4 AGÊNCIA REGULADORA MUNICIPAL DE SERVIÇOS PÚBLICOS. 4.1 Os serviços públicos passíveis de regulação municipal. 4.2 Os princípios que fundamentam a criação da agência reguladora municipal de serviços públicos. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Analisando-se, brevemente, a história recente do modo de intervenção estatal, percebe-se que a derrocada do modelo keynesiano, acentuada por crises financeiras internacionais, foi determinante para a concepção do Estado como hoje se conhece.

Em resumo, a doutrina de Keynes previa a garantia, pelo Estado, de padrões mínimos de renda, alimentação, habitação, enfim, um conjunto de direitos assegurados pelo Estado aos cidadãos como direitos políticos. Ou seja, o Estado comprometia-se a intervir na economia, de modo a assegurar uma ampla gama de direitos aos cidadãos.

"Há um consenso de que o Welfare State serviu como um meio de compensar, por intermédio de políticas de cunho keynesiano, a insuficiência do mercado em adequar os níveis de oferta e demanda agregada, controlar politicamente as organizações de trabalhadores e capitalistas e estimular a mercantilização da força de trabalho segundo padrões industriais fordistas, ao administrar alguns dos riscos inerentes a esse tipo de relação de trabalho e ao transferir ao Estado parte das responsabilidades pelos custos de reprodução da força de trabalho." (COELHO, 2005, P. 61)".

As origens desse modelo remontam ao fim da Primeira Guerra Mundial e à crise de 1929, período em que a intervenção estatal de modo direto fez-se necessária em face à crise social que se houvera instalado. Ainda, no período mencionado, a regulação do Estado era verificada apenas na ordem econômica, de modo a evitar cartéis e qualquer forma de dominação que prejudicasse a concorrência (MESQUITA, 2005, p. 26).

Todavia, a inoperância do Estado em promover as ações necessárias a garantir os direitos conferidos aos cidadãos, aliado às consequências econômicas trazidas por estas políticas, culminaram na derrocada do Estado de Bem-Estar Social. Mais especificamente, a doutrina identifica duas grandes causas para a necessária reforma da Administração: a vultuosidade dos déficits fiscais dos países na década de 80 e a baixa qualidade dos serviços públicos prestados (CARDOSO, 2006, p. 42).

O modelo de Administração Pública centralizada, burocrática e ineficiente não mais atendia às necessidades enfrentadas por Estados que suportavam graves crises econômicas, traduzidas por enormes déficits fiscais, aumento do desemprego e taxas declinantes de crescimento. Em suma, tratava-se de um enorme aparato público, dotado de inúmeras responsabilidades e extrema burocracia, que não dispunha dos meios adequados a equacionar o gravame da situação que se impunha.

O cenário enfrentado pela doutrina do bem-estar social é ilustrado por BARROSO (2008, p. 2):

"A quadra final do século XX corresponde à terceira e última fase, a pós-modernidade, que encontra o Estado sob crítica cerrada, densamente identificado com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Mesmo junto a setores que o vislumbravam outrora como protagonista do processo econômico, político e social, o Estado perdeu o charme redentor, passando-se a encarar com ceticismo o seu potencial como instrumento do processo e da regulamentação."

Em face a essa crise, diversos países [01] adotaram reformas administrativas, as quais, ainda que tenham mantido muitos dos deveres e políticas públicas oriundos da política do bem-estar social, em nome de uma política de governo focada na qualidade da gestão pública, aprovaram leis e emendas constitucionais que permitiram a implementação do modelo regulatório.

Segundo MORALES (1998, p. 116), havia três diferentes alternativas disponíveis aos Estados para reordenar sua forma de intervenção: a primeira, através da prestação dos serviços públicos por meio de organizações estatais – a qual já havia demonstrado sua inefetividade; a segunda, instituindo-se a privatização ou terceirização dos serviços públicos, permitindo ao mercado a auto-regulação; por fim, a terceira traduz-se no financiamento, pelo Estado, das políticas sociais prestadas através de instituições pertencentes ao chamado terceiro setor.

O Estado brasileiro adotou as três formas, diferenciando-as conforme a natureza dos serviços. A prestação dos serviços de natureza eminentemente social, em grande parte, foi transferida ao terceiro setor. Os serviços públicos relacionados ao saneamento básico, às telecomunicações, às rodovias, dentre outros, foram terceirizados à iniciativa privada, seja por meio da delegação ou da concessão.

A reforma administrativa aplicada no Brasil no período 1995-1998 baseou-se em dois alicerces: tornar os administradores ou gestores públicos mais autônomos e responsáveis, e limitar o Estado às suas atividades exclusivas, descentralizando as tarefas de execução às agências executivas e às agências reguladoras (BRESSER-PEREIRA, 2005, p.15).

A política de prestação de serviços públicos através de instituições estatais criadas para este fim foi refutada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), o qual adotou ideologia diretamente contraposta, de minimização do papel do Estado na economia. Todavia, houve a retomada do ideário de estatização no período atual, de governança do Presidente Luis Inácio Lula da Silva (2002 – atualmente). Obviamente, estas diferenças são oriundas das ideologias pregadas pelos partidos políticos, tema a ser abordado adiante.

No presente artigo serão abordados os órgãos criados para a regulação dos serviços públicos, as agências reguladoras. Neste sentido, faz-se necessário abordar, ainda que brevemente, os efeitos da política de terceirização dos serviços públicos.

Inicialmente, busca-se estabelecer uma breve distinção acerca dos conceitos de privatização e concessão. Na lição de SOUTO (2001, p. 30), privatização consiste na "mera alienação de direitos que asseguram ao Poder Público, diretamente ou através de controladas, preponderância nas deliberações e poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade". Concessão, por sua vez,

"É um contrato administrativo por meio do qual a Administração delega a um particular a gestão e a execução, por sua conta e risco, sob o controle do Estado, de uma atividade definida em lei como serviço público (CF, art. 175)". (idem, ibidem).

Ainda, a esse respeito, manifesta-se CARVALHO FILHO (2006, p.289):

"Anteriormente, a Lei n. 8.031/90 usava o termo ‘privatização’, mas a nova idéia proveniente do vocábulo acabou gerando interpretação desconforme ao preceito legal, entendendo algumas pessoas que significaria privatizar atividades, o que não seria verdadeiro, visto que muitas das atividades do programa continuariam e continuam a caracterizar-se como serviços públicos; a privatização, assim, não seria da atividade ou serviço, mas sim do executor da atividade ou serviço." (grifos no original)

O ordenamento jurídico pátrio não prevê a possibilidade de privatização dos serviços públicos, conforme se infere do teor do art. 175 [02] da Constituição Federal. A estes serviços, instituiu-se a utilização da concessão ou delegação. Entretanto, sem se preocupar com o verdadeiro significado desses institutos, promoveu-se uma verdadeira manipulação de conceitos e uma difamação da reforma à época em que foi instituída.

A terceirização dos serviços públicos buscava alcançar objetivos além da modernização da Administração Pública, tais como: reordenar a intervenção do Estado na economia, concentrar esforços em áreas e setores em que seja fundamental a presença do Estado, reduzir ou melhorar o perfil da dívida pública, ampliar os investimentos da iniciativa privada e contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais (SOUTO, 2001, p. 31).

No primeiro momento, a consequência verificada foi a contribuição para o equilíbrio das contas públicas decorrente da arrecadação de valores através dos processos de terceirização dos serviços, do fim dos subsídios pagos aos servidores daquelas estruturas e da arrecadação de impostos.

Ao comentar as consequências das chamadas "privatizações", MORALES afirma que as previsões pessimistas não se concretizaram. Ao invés disso

"O oposto aconteceu. Vantagens para os Estados, que reuniram importantes recursos financeiros para amenizar o déficit público, equacionaram parte da crise fiscal, reduziram gastos públicos com o fim dos subsídios, reduziram a remuneração indireta de pessoal e aumentaram a arrecadação de impostos. Vantagens para os usuários e clientes, que, quase sem exceção, passaram a receber produtos e serviços melhores, a menores preços e com garantia de fornecimento. Vantagens para o setor privado, que na maior parte das vezes adquiriu, junto com capital e estoque, monopólios naturais, que, mesmo fiscalizados, representam uma forma segura de maximizar lucros, especialmente em mercados com demanda fortemente reprimida" (1998, p. 121)

No processo de adequação do papel do Estado, surgiu a necessidade de redefinir a Administração Pública. Para tanto, GROTTI (2006, p. 2) define oito princípios básicos como estratégias predominantes: desburocratização, descentralização, transparência, accountability, ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão.

Todas essas características vêm ao encontro do que se propôs através da instituição das agências reguladoras, órgãos da Administração dotados de alta capacidade técnica e de competências específicas, delineadas de forma a conferir tecnicidade e agilidade às questões regulatórias de determinado setor.

2.2 O novo modelo de intervenção estatal: o Estado Regulador

O Estado Regulador, embora existente desde a época do liberalismo econômico (séc. XIX), assume preponderantemente sua forma com o advento do Estado Neoliberal, instaurado nas décadas de 70 e 80, sob comando dos Estados Unidos e da Inglaterra (MESQUITA, 2005, p.26).

O ineditismo advindo da concorrência na prestação de serviços públicos suscitou a necessidade de criação de mecanismos que favorecessem a concorrência entre os agentes e a eficiência na sua prestação.

Segundo JUSTEN FILHO (2002, p.24), são quatro as principais características do Estado Regulador. Primeiramente, no modelo regulatório há a transferência à iniciativa privada de atividades econômicas até então desenvolvidas pelo Estado e a liberalização de monopólios estatais para exploração pelos particulares. Em seguida, verifica-se primordialmente a presença do Estado na atividade econômica não de forma direta, mas através de instrumentos normativos pelos quais influencia os particulares na consecução do bem-comum. A terceira característica reside na não limitação estatal à mera regulação do mercado, sendo-lhe possível a intervenção direta para a realização de valores políticos ou sociais. Por último, caracteriza-se o Estado Regulador pela dinamicidade do regramento regulatório, possibilitada por instrumentos postos à sua disposição, ante a necessidade de inovação contínua.

No ordenamento jurídico pátrio, o desempenho das funções regulatórias funções encontra previsão no art. 174 da Constituição Federal, o qual assim determina:

"Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado".

São duas as formas de intervenção do Estado na ordem econômica: direta e indireta. Direta quando o Estado produz bens e serviços através de suas empresas, em monopólio ou em competição com a iniciativa privada. A síntese da regulação desta forma de intervenção está consolidada no art. 173 da Constituição Federal. A atuação estatal de forma indireta, por sua vez, dá-se por meio da regulamentação e fiscalização da prestação dos serviços, a fim de preservar o interesse público. Encontra-se previsão de intervenção indireta nos arts. 21, XI e XII, 174, 177 da Constituição Federal.

"A moderna regulação [...] representa, sim, uma mudança no paradigma pelo qual a intervenção estatal na economia se dá, mudança fortemente marcada pela substituição ou complementação dos mecanismos de intervenção direta na ordem econômica por instrumentos de uma determinada modalidade específica de intervenção indireta que poderíamos designar de intervenção regulatória". (MARQUES NETO, 2005, p. 42)

MESQUITA (2005, p.25) destaca a necessidade de se diferenciar a função reguladora (ou atividade regulatória) e a função regulamentar (ou regulação). Aduz o autor que a função regulamentar constitui-se de espécie de função reguladora, e "consiste em disciplinar uma atividade mediante a emissão de atos ou comandos normativos" (idem). A função reguladora, ou atividade regulatória estatal, por sua vez, além da função regulamentar, engloba atividades de fiscalização, de poder de polícia, adjudicatórias, de conciliação e de subsidiar e recomendar adoção de medidas pelo poder central no ambiente regulado.

SOUTO (2008, p. 3) ao diferenciar as funções supramencionadas, aduz que a função regulamentar só pode ser exercida pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, IV da Constituição Federal. Acrescenta que a função regulatória não se limita à expedição de normas, eis que abriga o exercício de função "quase legislativa", "quase executiva" e "quase judicial". Ademais, afirma que esta função é informada por critérios técnicos, e não políticos, garantidos pela independência própria da agência reguladora; e que o objetivo precípuo da função regulatória é a competição entre os agentes de mercado ou, quando esta não seja possível, deve impedir surjam abusos em função de monopólios ou oligopólios.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No paradigma regulador, o Estado, através dos órgãos responsáveis pela tutela de setores pré-definidos da economia, edita normas reguladoras e fiscaliza o cumprimento destes ditames.

A síntese das normas reguladoras é trazida por SOUTO (2008.p. 4):

"Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade política princípios constitucionais e legais que compõe a base da moldura regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente com vistas ao atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade por meio de seus representantes no Poder Legislativo".

O mesmo autor aponta três etapas na atividade regulatória: a regulação normativa, a regulação executiva e a regulação judicante (2008, p. 5). A primeira traduz-se na edição de normas reguladoras, insertas no conceito anteriormente exposto. A segunda, regulação executiva, é exercida através de atos de concessão de direitos, licenças e delegações, além da fiscalização da atividade. Por fim, a regulação judicante "tem por objetivo a solução de conflitos entre os agentes, mais uma vez buscando o equilíbrio entre os envolvidos" (idem, ibidem).

O contexto atual do paradigma Regulador ainda é marcado pela redução do papel do Estado. A esse respeito, DI PIETRO (2004, p. 36) assinala algumas tendências: criação de condições para a participação do cidadão nas atividades relacionadas à defesa do interesse público; privatizar por todos os instrumentos que permitam diminuir o papel do Estado na ordem econômica e social; desregular a economia, pela eliminação dos monopólios e aplicação das regras de livre concorrência; reservar para o Estado as tarefas de incentivar, subsidiar, fiscalizar, planejar, regular, assegurando seu papel de Estado Regulador; submeter o Estado a normas de direito internacional e comunitário; desburocratizar a Administração, aplicando-se o modelo de Administração Pública Gerencial, com ênfase na busca pela eficiência; ampliar as técnicas de fomento à iniciativa privada de interesse público na ordem econômica e social. Por fim, a autora menciona (idem, ibidem) o fenômeno da "agencificação", ou seja, a criação de entidades com variado grau de independência, nos moldes norte-americanos.

A regulação econômica, hodiernamente, na visão de MESQUITA (2005, p.27)

"Não pressupõe substituir a forma de intervenção direta do Estado na ordem econômica. O que é relevante na ação reguladora do Estado é a separação entre os entes operadores estatais e o ente regulador do respectivo setor, criando condições para que os operadores estatais e privados compitam entre si, sob as mesmas regras, de forma a oferecer um serviço adequado a usuários e consumidores – qualidade e preços justos."

É no contexto da terceirização dos serviços públicos e do crescente exercício da função regulatória pelo Estado que são criadas as agências reguladoras, responsáveis pelo efetivo exercício da moderna regulação econômica, conforme ilustra CARDOSO (2006, p.82):

"É neste ponto que se inserem as agências reguladoras, de essencial importância num Estado subsidiário, que reconhece a liberdade do mercado, desregulamentado no que se refere a preços e índices oficiais limitadores da liberdade individual dos que exercem atividades mercantis e industriais, mas forte o bastante para evitar abusos e excessos de grupos econômicos e de rent-seekers em detrimento de consumidores e, em última instância, do próprio Estado".


3. AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Para melhor compreensão do instituto das agências reguladoras, faz-se necessário remeter às origens do modelo regulatório anglo-saxão, que inspirou o modelo aplicado no Brasil.

A origem das agências reguladoras nos Estados Unidos ocorreu no ano de 1887, com a criação da Interstate Commerce Comission (ICC), destinada a regular os serviços ferroviários que eram alvo de disputa entre as empresas que buscavam o lucro máximo e os fazendeiros do oeste, que desejavam a regulação dos preços (GROTTI, 2006, p.3). Posteriormente, foram criadas a Federal Trade Commission (FTC), em 1914, e a Federal Radio Commission (FRC), em 1926. A criação destes órgãos corresponde à primeira etapa do desenvolvimento das agências nos EUA.

Entretanto, foi somente com a segunda etapa do desenvolvimento das agências reguladoras, ocorrida nos anos de 1930-1945, sob o New Deal, que as mesmas passaram a caracterizar a Administração Pública norte-americana (BINENBOJM, 2005, p.2).

"É neste período que toma corpo, quantitativa e qualitativamente, a idéia de uma Administração policêntrica e insulada de influências políticas, caracterizada por sua expertise e pela sua capacidade de responder pronta a eficientemente às demandas crescentes de uma sociedade cada vez mais complexa. Este é o principal legado institucional do New Deal". (idem, ibidem)

É neste cenário que são instituídas "a publicização de determinadores setores da atividade econômica, mitigando as garantias liberais clássicas da propriedade privada e da autonomia da vontade" (idem, p.3).

No terceiro momento, ocorrido nos anos de 1945-1965, a Administrative Procedure Act – APA instituiu normas gerais acerca do procedimento administrativo e, por consequência, trouxe uniformidade nas decisões das agências reguladoras (GROTTI, 2006, p.3).

A quarta etapa, correspondente aos anos de 1965-1985, revelou o desvirtuamento do sistema regulatório norte-americano, através da captura das agências pelos agentes econômicos regulados.

Não obstante, houve aumento das críticas ao modelo de agências por parte dos agentes políticos e econômicos. As razões de seu descontentamento fundavam-se no crescente grau de intrusividade das agências nas atividades privadas e em sua questionável eficiência na gestão dos mercados regulados na sua não sujeição aos mecanismos tradicionais de accountability eleitoral [03](BINEBOJM, 2005, p.4).

Como resposta a esta crise, a partir de 1985 até os dias atuais, houve a redefinição do modelo através de controles externos, exercidos através dos Poderes Executivo e Judiciário e participação dos agentes econômicos e de entidades de defesa do consumidor e meio ambiente (idem, ibidem).

Analisado o paradigma norte-americano, importa verificar a evolução do modelo regulatório inglês.

Na Inglaterra, somente houve a implantação do modelo regulatório a partir dos anos 80, no governo da Ministra Margret Thatcher. Até então, era maciça a presença do Estado.

Todavia, encontram-se resquícios de entes reguladores desde 1834, a partir de quando o Parlamento passou a criar entes autônomos, responsáveis por concretizar medidas previstas em lei e por decidir controvérsias dela resultantes (GROTTI, 2006, p.3).

Com o Estado de Bem-Estar Social, houve a criação de diversas entidades públicas quase-autônomas. Nos anos posteriores, prosseguiu-se com a instituição desses entes, sob as mais variadas formas, o que tornou por produzir um acúmulo de estruturas burocráticas ineficientes.

Ante este contexto, em 1960, foi produzido relatório pelo Fulton Committee, a partir do qual foram criadas quatro entidades regulatórias: Civil Aviation Authority, em 1971, e Manpower Services Commission, Advisory and Conciliation and Arbitration Service e Health and Safety Commission, todas em 1974 (JUSTEN FILHO, 2002, p. 141).

Com a ascensão do Partido Conservador ao Poder, o governo Thatcher implementou uma série de mudanças capitaneadas pelo manegerialism, ou gerencialismo, destinado a reduzir o tamanho do Estado, seu custo e sua influência na economia local (CARDOSO, 2006, p. 50).

CARDOSO (idem, ibidem) traz dados que exemplificam o alcance das mudanças implementadas: o número de servidores foi reduzido de 700 mil para 600 mil, tendo, ao final de 15 anos de reformas, a diminuição alcançado o patamar de 30% do funcionalismo. Atividades secundárias do Estado foram terceirizadas, chegando-se até a terceirizar o serviço de saúde.

A descentralização dos serviços públicos se deu através da delegação de competências às agências executivas, que passaram a reunir a maior parte dos servidores públicos. Estas entidades, dotadas de autonomia financeira e organizacional, atuavam conforme "documentos de referência", similares aos contratos de gestão existentes no direito nacional. Ademais, estas estruturas comprometiam-se a prestar serviços de qualidade, através de compromissos assumidos publicamente perante os cidadãos.

Por meio da publicização das metas assumidas pelas agências executivas inglesas, a fiscalização social fez-se presente e garantiu a execução dos objetivos e a melhoria considerável dos serviços públicos prestados.

Os governos trabalhistas que sucederam o período Thatcher deram prosseguimento às reformas. Informa JUSTEN FILHO (2002, p.143) que "em setembro de 1998, já tinham sido instituídas 138 agências, empregando 377.500 servidores".

Embora detenha institutos similares às agências brasileiras, o modelo inglês, em razão de estar situado em ordenamento jurídico completamente diverso, não responde aos questionamentos suscitados na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Demais processos de reforma implementados em outros países trouxeram, igualmente, resultados positivos e, especialmente, a implementação da cultura de eficiência do setor público [04].

3.2. A origem e desenvolvimento das agências reguladoras no Brasil

A implantação do modelo de agências reguladoras é consequência direta da assunção, pelo Estado Brasileiro, de sua função regulatória. Para a captação de recursos privados para investimento na prestação de serviços públicos, era necessário fornecer segurança aos investidores e, para tanto, optou-se pela adoção do modelo regulatório praticado nos EUA.

"Na verdade, mais do que um requisito, o chamado compromisso regulatório (regulatory commitment) era, na prática, verdadeira exigência do mercado para a captação de investimentos. Em países cuja história recente foi marcada por movimentos nacionalistas autoritários (de esquerda e de direita), o risco de expropriação e de ruptura dos contratos é sempre um fantasma que assusta ou espanta os investidores estrangeiros. Assim, a implantação de um modelo que subtraísse o marco regulatório do processo político-eleitoral se erigiu em verdadeira tour de force da reforma do Estado. Daí a idéia da blindagem institucional de um modelo, que resistisse até a uma vitória da esquerda em eleição futura". (BINENBOJM, 2005, p.6)

Ao contrário do que à primeira vista se imagine, as agências reguladoras não foram criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, mas sim da Casa Civil, através do projeto de criação da ANEEL. PACHECO (2006, p. 5) narra curioso fato que envolve esse contexto. Segundo a autora, originariamente, segundo o projeto, a ANEEL seria uma autarquia convencional, sem autonomia decisória ou quaisquer das demais prerrogativas que informam as agências hoje. Coube ao Congresso Nacional a busca por modelos alternativos e a adoção de elementos presentes nas experiências internacionais que envolviam o tema.

A autora acrescenta (idem, ibidem) que as características elementares das agências, como autonomia e independência decisória, mandatos fixos e não-coincidentes com os do Executivo, agilidade processual, dentre outras, foram definidas pelo Conselho da Reforma do Estado, órgão de assessoria da Presidência da República.

A partir desses debates inaugurados pela criação da agência reguladora do setor energético, definiu-se a estrutura comum dos órgãos reguladores. Com início no ano de 1997, a instituição das agências por meio de leis específicas ocorreu sucessivamente até o ano de 2005, quando da instituição da ANCINE.

Impende destacar que a criação das agências reguladoras no Brasil deu-se após a delegação/concessão dos serviços. A doutrina aponta este fato como uma das razões para as dificuldades enfrentadas por esses órgãos, uma vez que, no seu entender, o marco regulatório deveria preceder a terceirização dos serviços [05].

Em síntese, a nível federal, foram criadas as seguintes agências: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n. 9427, de 26/12/96), Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Lei n. 9472, de 16/07/97), Agência Nacional de Petróleo – ANP (Lei n. 9478, de 06/08/97), Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n. 9782, de 26/01/99), Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei n. 9961, de 28/01/00), Agência Nacional de Águas – ANA (Lei n. 9984, de 17/07/00), Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (Lei n. 10233, de 05/06/01), Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Lei n. 10233, de 05/06/01), Agência Nacional do Cinema – ANCINE (MP n. 2228-1, de 06/09/01, com redação dada pela Lei n. 10454/02).

Alguns Estados-membros também criaram suas agências reguladoras, porém o fizeram através de um único órgão regulador que abrange diferentes áreas de atuação, a exemplo do que se propõe no presente artigo. BARROSO (2005, p. 8) enumera exemplos extraídos dos Estados do Acre [06], Alagoas [07], Amapá [08], Amazonas [09], Ceará [10], Espírito Santo [11], Goiás [12], Mato Grosso [13], Mato Grosso do Sul [14], Minas Gerais [15], Pará [16], Paraíba [17], Pernambuco [18], Rio Grande do Norte [19], Rio Grande do Sul [20], Santa Catarina [21], Sergipe [22] e Tocantins [23].

Outros, a exemplo dos Estados da Bahia [24], Distrito Federal [25], Paraná [26], Rio de Janeiro [27] e São Paulo [28], optaram pela criação de agências especializadas nos setores concedidos.

No âmbito dos municípios, a maior parte das agências foi criada com a finalidade de regulação de um serviço específico. São exemplos a Agência Municipal de Águas e Esgoto de Joinville [29], Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município de Natal [30], Agência Reguladora de Águas e Saneamento Básico do Município de Ponta Grossa [31], Agência Reguladora dos Serviços de Água e Esgoto de Mauá - ARSAE [32]

O desenvolvimento atual das agências brasileiras encontra alguns desafios, conforme descreveu a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, em seu Relatório Sobre a Reforma Regulatória no Brasil.

Extrai-se do relatório importantes lições:

"O primeiro desafio político para essas agências tem sido operar como órgãos autônomos dentro do ambiente institucional para trazer confiança e transparência ao setor privado e à sociedade civil. A inclusão do tema "independência" no amplo debate sobre políticas públicas foi marcada por discussões e contradições. Algumas delas estavam ligadas à questão da separação entres as ações de definição de políticas gerais e planejamento, que deveriam continuar submetidas aos ministérios, das ações de fiscalização e execução de tarefas, que foram delegadas às agências. Como um todo, as agências têm atuado como braços operacionais do governo e têm cumprido sua missão desde que foram criadas. Elas têm status diferentes e algumas delas deixam menos espaço para a autonomia que outras." (2007, p.334)

Constatou-se importantes avanços na prestação dos serviços públicos decorrentes da atuação das agências federais:

"De uma maneira geral, as agências construíram uma reputação íntegra e contribuíram generosamente em importantes melhorias no marco regulatório em suas áreas. A área de seguro de saúde privado foi controlada e regulada, oferecendo melhores condições para os consumidores, comparando-se á situação anterior de falta de regulação. De maneira parecida, as condições para o transporte ferroviário e rodoviário foram facilitadas graças a um ambiente melhorado. No setor energético, as correções feitas no marco regulatório e o gerenciamento eficaz de novas estruturas contribuíram para a resolução da crise de 2001. No âmbito das telecomunicações, os feitos do Brasil estão amplamente alinhados com seu desenvolvimento relativo e pode se orgulhar da importante penetração dos serviços de telefones móveis". (2007, p.335)

Ao sugerir melhorias no setor, assim se pronunciou a OCDE:

"Dois papéis principais para o regulador econômico no contexto brasileiro são: minimizar as incertezas regulatórias, pois isto reduz a confiança do investidor; e se impor como um gerenciador imparcial e autônomo dos agentes de mercado. Proporcionar um serviço de acesso universal verdadeiro é também um desafio em algumas áreas, como as telecomunicações, onde uma maior noção prática do que seja serviço universal pode servir para melhorar as condições de acesso para a grande maioria da população que carece de qualquer tipo de conexão ou acesso à Internet". (2007, p.335)

Resumidamente, o relatório trouxe sugestões de opções políticas aptas a assegurar uma regulação de alta qualidade, dentre elas: ampliar esforços para integrar uma aproximação "do governo como um todo", implantar capacidades institucionais para a qualidade regulatória, melhorar os mecanismos de coordenação e esclarecer responsabilidades para a qualidade regulatória, implantar a Análise de Impacto Regulatório como uma ferramenta eficaz da qualidade regulatória, melhorar a qualidade do estoque regulatório a fim de assegurar a consecução eficiente dos objetivos econômicos e sociais e melhorar a transparência e ampliar a participação social nos processos regulatórios.

Igualmente o fez quanto às sugestões de opções políticas concernentes às autoridades reguladoras, a ver-se: consolidação da autonomia e do estatuto das autoridades reguladoras brasileiras, fortalecer a estrutura estratégica para o planejamento e tomadas de decisão nos setores regulados, fortalecer os mecanismos de prestação de contas sociais sem prejudicar a autonomia das autoridades, sistematizar a cooperação com autoridades de defesa da concorrência, melhorar os mecanismos de coordenação em setores específicos, maior fortalecimento dos mecanismos de coordenação em vários níveis para fortalecer a segurança e o desempenho, fortalecer alguns dos poderes das agências reguladoras brasileiras, e considerar as mudanças institucionais e legais para modernizar processos de recursos, possivelmente designando juízes especializados e estruturas recursais.

Desta forma, colocadas as questões atinentes ao desenvolvimento das agências reguladoras no Brasil, passa-se ao breve estudo de suas características.

3.3 Características das agências reguladoras

As principais características das agências reguladoras são enumeradas por ARAGÃO (2002, p.28): órgãos ou entidades independentes, caráter técnico, policentrismo, e amplo poder normativo.

A independência das agências é traço inerente à sua própria definição. O exercício desta característica é viabilizado pelas prerrogativas que a lei instituidora do órgão lhe conferir. Por exemplo, a independência decisória, a independência política, traduzida nos mandatos fixos de seus dirigentes, e a autonomia financeira, patrimonial e de gestão, são atributos que conferem à agência a autonomia necessária à equalização dos interesses contrapostos que lhe cabe regular.

MARQUES NETO (2005, p. 72) divide o conceito de independência das agências em duas dimensões: orgânica e administrativa.

A independência orgânica consiste na garantia do exercício das atividades-fim da agência independentemente da influência política do Poder Central. Encontram-se inseridos nesta dimensão a estabilidade dos dirigentes da agência e ausência de controle hierárquico de seus atos.

A outra dimensão da independência das agências, a administrativa (ou independência de gestão), trata de garantir liberdade de meios para o exercício da regulação. Dentre seus componentes, encontram-se a autonomia de gestão, autonomia financeira, a liberdade pra organizar seus serviços e o regime de pessoal compatível com a natureza das atividades desenvolvidas.

As atividades desenvolvidas pelo órgão regulador congregarão três interesses distintos, compostos pelo agente prestador de serviços públicos, o consumidor e o Poder Público. Neste contexto, a independência revela-se essencial à consecução das finalidades do órgão regulador.

"A independência se põe, portanto, essencial para que o regulador possa exercer suas funções de forma equidistante em relação aos interesses dos reguladores (operadores econômicos), dos beneficiários da regulação (os usuários, consumidores, cidadãos) e ainda do próprio poder políticos, ficando protegido tanto dos interesses governamentais da ocasião, quanto dos interesses estatais diretamente relacionados ao setor regulado (como titular da atividade objeto da regulação – no caso de serviços públicos -; como titular de bem explorado no setor – no caso de bens públicos escassos ou de bens reversíveis -; e no caso de titular do capital de empresa que opera no setor regulado – nas situações em que o setor foi aberto à competição, mas nele remanesceram operadores públicos". (MARQUES NETO, 2005, p. 68).

As consequências da captura da agência por qualquer destes entes são alertadas por MASTRANGELO (2005, p.88):

"Quanto à captura governamental, em face das ingerências políticas que o processo regulatório pode ensejar; no tocante à captura pelos concessionários, porque pode tender ao prejuízo da modicidade das tarifas, ao afrouxamento da fiscalização e à benevolência na aplicação das sanções.

Nem por isso, contudo, pode-se minimizar o risco de captura pelos próprios usuários, porquanto a superestimação de seus interesses ‘poderia trazer riscos na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão’".

Importantes medidas destinadas a coibir a captura do órgão pelos agentes supramencionados, especialmente governo e agentes econômicos, foram instituídas pela a Lei Federal nº 9.986, de 18 de julho de 2000, que dispôs acerca da gestão de recursos humanos das agências reguladoras.

Relativamente à defesa ante os interesses governamentais, as principais medidas são as formalidades necessárias à nomeação dos dirigentes e a vedação às suas exonerações ad nutum. A nomeação dos dirigentes das agências dá-se por meio de indicação do Chefe do Poder Executivo, submetida à aprovação pelo Senado Federal. Igualmente, foram instituídos requisitos para a investidura no cargo: reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados (art. 5º, da Lei nº 9.986/00).

A vedação à livre exoneração destes cargos encontra abrigo no art. 9º da Lei, o qual prevê a perda do mandato somente nos casos de renúncia, condenação judicial transitada em julgado e de processo administrativo disciplinar.

Ambas restrições foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 1949-0. O mérito do julgamento é exposto por ARAGÃO (2002, p.31):

"A primeira, em virtude ao art. 52, III, ‘f’, da Constituição Federal admitir a prévia aprovação do Senado Federal da escolha de ‘titulares de outros cargos que a lei determinar. Quanto à constitucionalidade da vedação da exoneração ad nutum dos dirigentes das agências reguladoras independentes, o Supremo entendeu que não viola as competências do Chefe do Poder Executivo, admitindo a exoneração apenas por justa causa e mediante o prévio procedimento administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa, ou se advier a mudança da lei criadora da agência independente".

Quanto às restrições à captura pelos agentes econômicos, a mesma Lei instituiu, em seu art. 8º, a chamada "quarentena", ou seja, o impedimento, por ex-dirigente do órgão, de exercer atividade ou prestar qualquer serviço no setor regulado, por quatro meses, a contar da exoneração ou do término do mandato.

Em suma, a importância do efetivo exercício da independência das agências reguladoras é sintetizada na lição de MARQUES NETO (2005, 68):

"[...] Para que tenhamos o pleno exercício da regulação sobre esta atividade (inclusive buscando a efetivação das pautas de interesse geral estabelecidas para o setor regulado), será necessário que o ente dela encarregado mantenha uma certa autonomia em relação a estes três blocos de interesses que, normalmente, não são combináveis, nem muito menos coincidentes".

Em seguida, cabe tecer algumas considerações acerca do caráter técnico inerente às agências reguladoras. A tecnicidade desses órgãos é condição de sua legitimação, eis que quanto maior for seu conhecimento técnico a respeito do setor regulado, mais eficiente a regulação e "menor a assimetria de informações em relação ao regulado" (MARQUES NETO, 2005, p.62).

O significado da especialização da agência é trazido por JUSTEN FILHO (2002, p.366):

"Isso significa o aprofundamento do conhecimento acerca dos problemas a enfrentar e das soluções disponíveis, evitando-se soluções produzidas ad hoc. O exercício da atividade regulatória deixa de ser uma manifestação impensada para tornar-se objeto de uma disciplina dotada de maior racionalidade. Surge um núcleo organizado, composto por pessoas dotadas de conhecimento comum e aprofundamento acerca de determinado assunto".

MARQUES NETO (2005, p.63) indica dois momentos em que a capacitação técnica da agência deve ser perseguida: no recrutamento de seus agentes (dirigentes e funcionários), que deve ser pautado pela capacidade específica, conhecimento técnico e experiência no setor regulado, e na preservação de condições de informação e acesso contínuo ao conhecimento pela agência, de modo que não perca sua capacidade técnica.

Importa atentar-se para o risco da instrumentalização para fins políticos do saber técnico, ao se distanciar da imparcialidade em atendimento a interesses de terceiros, o que leva à "burocratização da política" ou à "politização da burocracia", como alerta ARAGÃO (2002, p.35).

Ademais, há ainda o risco de perda da capacidade técnica pelo esvaziamento dos meios do regulador, em decorrência da cooptação dos melhores técnicos por oportunidades de mercado e perecimento da base de informações pela sua desatualização (MARQUES NETO, 2005, p.63).

A noção do policentrismo das agências, por sua vez, é derivada da noção de ordenamentos setoriais, que se traduzem em aparatos normativos setoriais às quais o Estado tem conferido poder decisório em questões de sua especialidade técnica.

ARAGÃO (2002, p.36) ensina que, quando se verificou a necessária especialização do Direito e a incapacidade do Poder Legislativo de lidar com a complexidade das questões que se apresentavam

"Tornou-se, então, imperioso não apenas a especialização das matérias a serem reguladas, como também dos órgãos incumbidos da expedição das respectivas normas, que, em virtude dos seus amplos poderes, deveriam, para exercê-los satisfatoriamente e com observância dos cânones do Estado de Direito, estarem, na medida do possível, livres das injunções políticas parciais."

Assim, "a conjunção desses fatores – criação de órgãos independentes encarregados da regulação de atividades específicas dotadas de grande conteúdo técnico, resultou nos ordenamentos setoriais" (idem, ibidem)

Desta feita, em resumo, entende-se o policentrismo das agências como a descentralização das instâncias decisórias e normativas do Estado, característica que informa o Direito Administrativo atual.

O aspecto mais polêmico das agências reguladoras reside em seu amplo poder normativo. A este respeito, a doutrina se divide entre aqueles que entendem que as agências não dispõem de poder normativo, e outros, que ponderam ser esta prerrogativa inerente ao exercício de suas funções.

Os doutrinadores que expressam a falta de poder normativo das agências o fazem com fundamento no inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal, que assim dispõe: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei". Ilustra-se tal afirmativa com a posição adotada por DI PIETRO (2004, p.49), para quem as agências carecem de competência para baixar regras de conduta, unilateralmente, inovando na ordem jurídica. Em especial,

"Não podem as agências baixar normas que afetem direitos individuais, impondo deveres, obrigações, penalidades, ou mesmo outorgando benefícios, sem previsão em lei. Trata-se de matéria de reserva de lei, consoante decorre do artigo 5º, inciso II, da Constituição".

Contrariamente a este entendimento, coloca-se MARQUES NETO (2005, p.108), para quem do art. 49, V, da Constituição, extrai-se o entendimento de que "o poder normativo pode ser exercido, na forma que a lei dispuser, pelo Poder Executivo que, na Constituição, é mais amplo que o seu chefe (cf. artigo 76)" e que o "constituinte admitiu, ainda que genericamente, a possibilidade de delegação legislativa".

Através da delegação, o Chefe do Poder Executivo fixa limites, objetivos e finalidades do órgão, e estabelece padrões ("standarts") para a regulação, possibilitando, assim, o exercício pleno das funções da agência reguladora. Tem-se verificado esta metodologia nas leis que instituíram as agências federais, a exemplo da ANEEL, ANATEL, ANP, dentre outras.

CARVALHO FILHO (2007, p.8) sintetiza a questão, ao dizer que

"[...] não nos parece ocorrer qualquer desvio de constitucionalidade no que toca ao poder normativo conferido às agências. Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias leis disciplinadoras da regulação que, como visto, transmitiram alguns vetores, de ordem técnica, para a normatização, pelas entidades especiais – fato que os especialistas têm denominado de ‘delegalização’ [...]. Resulta, pois, que tal atividade não retrata qualquer vestígio de usurpação da função legislativa pela Administração, pois que poder normativo – já o acentuamos – não é poder de legislar: tanto pode existir este sem aquele, como aquele sem este. É nesse aspecto que deve centrar-se a análise do tema". (grifos no original)

No mesmo sentido, ARAGÃO (2002, p.43), ao afirmar que "a Lei [...] estabelece apenas parâmetros bem gerais da regulamentação a ser feita pelo ente regulador independente". Porém, o autor alerta para a importância da aferição da legalidade dos atos normativos das agências:

"A possibilidade do poder normativo ser conferido em termos amplos e às vezes implícitos, não pode isentá-lo dos parâmetros suficientes o bastante para que a legalidade e/ou a constitucionalidade dos regulamentos seja aferida. Do contrário, estaríamos, pela inexistência de balizamentos com os quais pudessem ser contrastados, impossibilitando qualquer forma de controle sobre os atos normativos da Administração Pública, o que não se coadunaria com o Estado de Direito". (idem, p.44)

É esta a interpretação com a qual se alinha o presente artigo.

As agências reguladoras, sob as formas características apresentadas, são os instrumentos jurídicos adequados à consecução do objetivo proposto, qual seja, a regulação dos serviços públicos municipais.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Amana Kauling Stringari

Bacharel em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC, Pós-graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública pela Faculdade Anita Garibaldi. Advogada associada ao Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados S/C.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STRINGARI, Amana Kauling. Agência reguladora municipal.: Estrutura única de regulação dos serviços públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2173, 13 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12982. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos