INTRODUÇÃO
A crise econômica internacional contemporânea, bem como as notícias a envolverem fusões e incorporações de grandes companhias em diversos setores produtivos redirecionaram a atenção dos estudiosos do direito laboral para o instituto da dispensa coletiva, já que este último costuma figurar como opção frequentemente considerada pelas empresas em momentos de dificuldades financeiras ou de reestruturação organizacional.
A atualidade do tema bem como o inegável impacto social inerente às despedidas em massa de trabalhadores, impõem sua discussão à luz dos princípios da negociação coletiva e da interveniência sindical, positivados nos artigos 7º, XVII e 8º, III e VI, da Constituição Federal, com vistas a perquirir os limites que o ordenamento jurídico estabelece à implementação de práticas dessa natureza por parte das empresas.
Nesse sentido, o presente artigo procurará definir, inicialmente, em que medida os sobreditos dispositivos constitucionais exigem a participação dos sindicatos obreiros nas deliberações empresariais em torno das despedidas em massa e, uma vez ultrapassada tal indagação, quais as condutas impostas às partes pelo dever geral de boa-fé que subjaz ao postulado da negociação coletiva.
1- DA EXIGÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL NAS TRATATIVAS PRÉVIAS À DISPENSA COLETIVA COMO COROLÁRIO DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO.
De acordo com o constitucionalista espanhol Gregório Péces-Barba, "cada direito fundamental (...) aparece como exigência da realidade histórica do mundo moderno", isto é, "não surge na razão como expressão da natureza, senão como resposta, como dissenso diante de uma situação de fato, que provoca uma reação intelectual a gerar os valores que fundamentam cada direito". [01]
Sendo a negociação coletiva, portanto, um direito fundamental oriundo das lutas históricas dos trabalhadores em torno de melhores condições sociais, surgido como nítida reação à dicção unilateral dos empresários em torno do regime laboral, tem-se que a compreensão exata de seu atual sentido e alcance não prescinde da verificação das circunstâncias pretéritas que o condicionaram.
Pois bem, da análise das vicissitudes históricas a culminarem com o advento dos direitos sociais entre a metade do Século XIX e o início do Século XX, observa-se que o direito à negociação coletiva é decorrência natural da evolução da liberdade sindical. Com efeito, a percepção dos trabalhadores individualmente considerados em torno de sua hipossuficiência perante as empresas, conduziu-lhes à constatação de que os interesses comuns por eles compartilhados somente encontrariam condições reais de concretização a partir de sua organização coletiva.
Viu-se, mais precisamente, que a igualdade formal propalada pelos códigos civis, a orientar a formulação da generalidade dos negócios jurídicos, não possuía valor prático algum nas relações de trabalho entabuladas entre o obreiro individualmente considerado e a empresa, haja vista a disparidade de forças das partes signatárias dos respectivos contratos.
De fato, e a despeito da ficção jurídica a constar da legislação civilista, a realidade demonstrava que a empresa detinha posição preponderante em relação ao trabalhador naquelas avenças, pois a enorme oferta de mão-de-obra permitia aos empresários a fixação de condições vis de trabalho, sem prejuízo do preenchimento das respectivas vagas, ao mesmo tempo em que as mais elementares necessidades dos obreiros empurrava-os para a aceitação das propostas patronais, conforme descreve Manuel Carlos Palomeque Lopez:
Embora os princípios liberais da contratação contidos nos Códigos Civis não deixassem de proclamar a liberdade e igualdade das partes na determinação do conteúdo do contrato, um singular mecanismo ligado às leis do mercado encarregava-se, contrariamente, de esvaziar o conteúdo daquelas formulações igualitárias. Com efeito, a troca de trabalho por salário estava submetida, tal como quaisquer outras relações econômicas, à lei da oferta e da procura dos bens objecto de transacção (trabalho e salário).
Por um lado, a > de trabalho não cessava de crescer como consequência da destruição do emprego, decorrente da generalizada industrialização da produção, ao mesmo tempo em que massas de cidadãos livres em procura de ocupação se amontoavam nas concentrações urbanas. (...) Por outro lado, a > de trabalho controlada pelo empresário era cada vez mais reduzida, por idênticas razões de substituição da máquina pelo homem.
(...)
O empresário podia assim livremente dispor de condições de trabalho a baixo custo (tempos de trabalho prolongados e salários reduzidos), sabendo que seriam aceites por um ou outro indivíduo de uma superpovoada oferta de trabalho. A igualdade formal dos contratantes de trabalho (trabalhadores e empresários) alterava-se, de facto, para o predomínio da vontade omnímoda do empresário na fixação das condições contratuais, que não duvidaria em impô-las sem pejo, a favor da maximização do seu benefícios. [02]
Diante de tal situação, a constituir nas palavras do referido autor, "o gérmen de sua própria superação" [03], as lutas obreiras em torno da liberdade sindical vislumbraram, ao lado do direito à franca constituição de entidades representativas, o reconhecimento, em favor destas últimas, da ampla possibilidade de atuação no fito de defender os interesses dos trabalhadores e de fixar as condições laborais em pé de igualdade com a empresa.
Percebeu-se, então, que a igualdade material entre os atores das relações de trabalho somente teria lugar se a contraparte da empresa na fixação das condições laborais fosse deslocada da pessoa do obreiro, individualmente considerado, para a entidade de classe deste último. De fato, sendo a empresa, por si só, um ente coletivo, somente o sindicato profissional a conjugar os interesses comuns da categoria reuniria suficiente poder de barganha para defendê-los diante do capital organizado. [04]
A percepção paulatina de tal assertiva por parte dos obreiros e a implementação das sobreditas lutas gerou a descriminalização da coalizão de trabalhadores nas principais potências econômicas europeias do Século XIX, em especial Inglaterra e França, seguida pela positivação da liberdade sindical em um primeiro momento e, posteriormente, pela expressa promoção e ampliação do escopo do direito à negociação coletiva nos planos doméstico e internacional.
De fato, com a garantia do direito à constituição de sindicatos para a defesa dos interesses das categorias obreiras, a constar de leis como o "Trade Unions Act" da Inglaterra (1871) e a "Lei Waldeck-Rousseau" da França (1884), as entidades representativas dos trabalhadores passaram a exercer maior pressão sobre as empresas em torno da melhoria das condições de trabalho e de remuneração. Tal situação, possibilitada em grande medida pelo advento do direito à liberdade sindical, propiciou a instituição da prática da contratação coletiva e sua propagação como forma de regulamentação do labor prestado aos empresários, conforme bem sintetiza Orlando Gomes:
Para impedir, praticamente, a união dos operários em organizações profissionais, foi ela considerada delito. De direito que devera ser passou a constituir crime. Punia-o a legislação de quase todos os paises da Europa. Nos artigos 414 e 415, o Código Penal Francês estabelecia sanções para os que se associassem com o objetivo de defesa de seus interesses profissionais. A Inglaterra decretou, também, leis punitivas da coalisão operaria. E, assim, outras nações.
Esse furor anti-associativo, manifestado na manhã do seculo XIX, não teve duração longa. A crescente aglomeração dos trabalhadores nos centros industriais foi forçando a realidade legal, e o fenomeno sindical expandiu-se com tal vigor, que se tornou impossível freiar o irresistível impulso associativo. Com o correr dos tempos, o crime de outrora passou a ser o supremo direito dos trabalhadores, reconhecido e proclamado pela legislação de todos os povos cultos.
A grande industria é, assim, o clima propício ao desenvolvimento da convenção coletiva de trabalho. O regime economico que ela inaugurou caracteriza-se por dois fatos de repercussão incomensuravel na vida social moderna. São eles a produção em massa e a organização profissional. (...) São esses dois fatores que condicionam a evolução da convenção coletiva de trabalho. [05]
No entanto, em que pese a notória propagação da negociação coletiva como forma de fixação das condições laborais nos países industrializados, apenas nas primeiras décadas do Século XX as legislações domésticas e os tratados internacionais passaram a fazer expressa menção a tal instituto e a qualificá-lo como direito das entidades representativas dos trabalhadores em relação às empresas e ao Estado.
Destacam-se, nesse sentido, as leis espanholas editadas entre 1904 e 1931, que estabeleceram diretrizes para os "pactos" e "acordos" a serem firmados pelos sindicatos obreiros e as empresas nas questões atinentes ao descanso dominical (Lei de 3.3.1904), à jornada máxima em estabelecimentos mercantis (Lei de 4.7.1918) e à carga horária dos empregados em chapelarias, bem como a "Lei de Contratos de Trabalho", de 1931, cujo teor, finalmente, veio a regulamentar a contratação coletiva em termos gerais naquele país ibérico. [06]
No âmbito dos Estados Unidos, merecem destaque o "Norris-La Guardia Act" e o "National Industry Recovery Act" editados nos anos que se seguiram à grande depressão, mais precisamente em 1932 e 1935, como medidas integrantes do "new deal". As referidas leis não só asseguravam às entidades sindicais o direito à negociação coletiva com as empresas, como também impunham às referidas partes o dever quanto ao estabelecimento de tratativas em assuntos de interesse transindividual no ambiente de trabalho.
No plano internacional, a "Declaração referente aos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho" firmada na Filadélfia em 1944, assentou em seu item III e) que dentre os papéis a serem desempenhados pela OIT a partir da nova fase iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial, constaria a promoção do direito à negociação coletiva nas questões atinentes à organização dos fatores de produção. [07]
Nessa esteira, em 1949, a Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção nº 98 – ratificada pelo Brasil em 27.11.1952 -, impondo aos Estados signatários em seu art. 4º o dever de tomar medidas voltadas para o fomento da negociação coletiva. [08] Em complemento à referida normativa, foi aprovada no âmbito da OIT em 6.6.1951, a Recomendação nº 91, cujo item 2.1 define que a matéria sujeita à regulamentação dos "acordos coletivos" contempla não apenas as condições de trabalho, como também os termos do emprego. [09]
Coerentemente com a definição constante da Recomendação nº 91, a OIT editou, em 1981, a Convenção nº 154 – ratificada pelo Brasil em 10.7.1992 –, a definir amplamente a "negociação coletiva" como toda e qualquer tratativa entabulada entre as entidades obreiras e as empresas com o fim de "fixar as condições de trabalho e emprego", "regular as relações entre trabalhadores e empregadores" ou estabelecer pautas para as relações entre as entidades patronais e obreiras, bem como entre estas últimas e as empresas. [10] Paralelamente a isto, o art. 5º, II, "b", da norma em apreço impôs aos Estados signatários a adoção de medidas tendentes à progressiva ampliação de seu arcabouço legal interno com vistas a contemplar as referidas matérias. [11]
E em consonância com o amplo escopo abrangido pela negociação coletiva nos termos da Convenção nº 154 da OIT, a moderna legislação laboral editada no plano doméstico dos Estados vem estendendo o instituto em apreço em direção a diversas pautas que transcendem a singela regulamentação das condições de prestação do trabalho e de remuneração.
Convém mencionar, a título exemplificativo, o Real Decreto Legislativo nº 1, de 24.3.1995, da Espanha ("Estatuto de los Trabajadores"), cujos artigos 82.2 e 85.1 inserem dentre o objeto dos contratos coletivos qualquer aspeto voltado para a obtenção da "paz social através das obrigações que se pactuem" [12] e o art. 541º do Código do Trabalho português (Lei nº 99, de 27.8.2003), a fixar como conteúdo das convenções coletivas, dentre outras matérias, "as relações entre as partes outorgantes", "os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores" e "os processos de resolução dos litígios emergentes de contratos de trabalho". [13]
Merece destaque, ademais, a diretriz constante da 8ª Seção do "National Labor Relations Act" dos Estados Unidos, em seu § 5° alínea "d", que mesmo antes do advento das Convenções n° 98 e 154 da OIT, mais precisamente em 1935, já impunha às empresas e as entidades obreiras o dever de implementar negociações coletivas nos assuntos diretamente pertinentes às relações empregatícias. [14]
Da análise das vicissitudes históricas ora descritas, bem como da evolução legislativa no plano doméstico e internacional a respeito do tema em apreço, chega-se ao fundamento axiológico não só do direito à negociação coletiva, como também de todo o amplo conjunto do Direito Coletivo do Trabalho: onde quer que os interesses da empresa e dos trabalhadores nas relações laborais estiverem em jogo, far-se-á imprescindível a participação do sindicato obreiro, conforme bem assevera Mario de La Cueva:
O princípio da igual liberdade de contratação e o contrato de arrendamento de serviços do ´Code Napoléon´, (...) provaram no decorrer do tempo que a apregoada igualdade jurídica perante a lei entre sujeitos economicamente desiguais constituiu uma das maiores mentiras da história. Entre quem vive em estado permanente de necessidade e aquele que se desenvolve na abundância, o desenlace das relações entre trabalhadores e empresários não pode ser senão a subordinação da vontade do primeiro ao segundo.
(...)
Enquanto a igualdade do direito civil foi individualista e formal, a igualdade por que lutou o movimento obreiro a fim de fundar sobre ela o direito coletivo do trabalho foi a igualdade da classe trabalhadora frente ao capital, a igualdade dos fatores de produção, trabalho e capital, de tal sorte que em cada empresa a igualdade dar-se-ia entre a comunidade obreira e o patrão. (...) Portanto, o direito coletivo serviria para igualar, mediante prerrogativas jurídicas, a superioridade econômica do capital. O resultado final a que se chegou, depois da legitimação dos sindicatos, dos contratos coletivos e da greve, foi que a as condições de prestação dos serviços teriam que ser o resultado de um acordo de vontades das duas classes sociais, que se não fosse obtida, inviabilizaria a atividade das empresas. Daí a sentença final: sem o concurso do trabalho toda atividade econômica é impossível, de modo que o trabalho somente se prestará (...) com seu pleno consentimento e mediante a retribuição que estime justa. Assim se realizou o fenômeno, relatado muitas vezes por numerosos autores: o direito do trabalho provocou o trânsito do absolutismo empresarial à democracia de classes sociais. [15]
Dito em outros termos, sendo imprescindível a participação dos sindicatos obreiros em toda e qualquer discussão a versar sobre aspectos tendentes a afetar diretamente a coletividade dos trabalhadores, pode-se afirmar, com segurança, que o direito à negociação coletiva não se afigura compatível com a implementação unilateral de medidas dessa natureza por parte da empresa.
Do contrário, se as condições laborais de interesse transindividual forem impostas pelas empresas independentemente da ciência e da participação do sindicato da categoria profissional, estar-se-á retornando à situação anti-isonômica existente anteriormente ao advento do Direito Coletivo do Trabalho, pois, em tais circunstâncias, o obreiro individualmente considerado não reunirá, sozinho, meios para se contrapor aos desígnios patronais, restando-lhe como única opção, a submissão a estes últimos.
Observa-se, diante disso, que o conteúdo histórico do direito à negociação coletiva abrange, de um lado, a exigência quanto à participação das entidades sindicais obreiras nas deliberações de assuntos aptos a afetarem, de algum modo, a coletividade dos trabalhadores e, de outro, a vedação à implementação unilateral de medidas dessa natureza por parte das empresas.
1.2 A sistemática da dispensa coletiva nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT e no direito comparado.
Sendo a negociação coletiva um direito fundamental cujo sentido, a teor da Convenção n° 154 da OIT, impõe a ciência e a participação da entidade representativa dos trabalhadores em todas as deliberações empresariais aptas a afetarem, de algum modo, a coletividade obreira, não é difícil antever que tal definição se estende às situações de dispensas coletivas.
De fato, quando uma determinada organização empresarial opta pela promoção de um grande número de despedidas para adequar-se às novas conjunturas econômicas, tecnológicas ou mercadológicas, tal medida afeta a coletividade dos trabalhadores e as relações entabuladas entre estes últimos e a empresa naquele aspecto fundamental que possibilita e pressupõe a própria existência das demais condições de trabalho: o vínculo empregatício.
Disso decorre o dever imposto às empresas no sentido de informar a entidade representativa dos trabalhadores a respeito dos intentos despeditórios e de consultá-la previamente à implementação daquela providência drástica, possibilitando, nesse sentido, a discussão bilateral em torno das eventuais medidas alternativas à dispensa coletiva ou, se realmente impossível a manutenção dos vínculos empregatícios, das compensações a serem oferecidas aos obreiros afetados.
Do contrário, estar-se-á conferindo aos empresários a prerrogativa de agir unilateralmente no sentido de glosar o principal aspecto atinente às relações de trabalho, em nítido prejuízo da coletividade obreira, frustrando-se, dessa forma, o desígnio de igualdade material entre empresa e sindicato profissional que subjaz ao princípio da negociação coletiva e que condicionou toda a evolução histórica do conceito.
Justamente por tal razão, a Convenção n° 158 da Organização Internacional do Trabalho estabelece de maneira peremptória em seu art. 13, § 1°, que a implementação de dispensas coletivas por motivos econômicos, tecnológicos ou estruturais deve ser precedida de consulta ao sindicato obreiro e de procedimentos de negociação com este último. Transcreve-se, por oportuno, o dispositivo em apreço:
Art. 13 – 1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos:
a) proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos mesmos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos.
b) Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as conseqüências adversas para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos.
Nesse mesmo sentido, o Conselho das Comunidades Europeias, por intermédio de sua Diretiva n° 75, de 17.2.1975 (artigo 2°), deixou assente que a implementação de dispensas coletivas não prescinde da prévia consulta às respectivas entidades sindicais obreiras e da tentativa de acordos voltados para evitar tais medidas drásticas ou para atenuar as consequências destas últimas, nos seguintes termos:
Artigo 2°.
1.Sempre que o empregador tencione efectuar despedimentos colectivos, deve proceder a consultas aos representantes dos trabalhadores com o objectivo de chegar a um acordo.
2. As consultas incidirão, pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos colectivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas conseqüências.
3. Para que os representantes dos trabalhadores possam formular propostas constructivas, o empregador deve fornecer-lhes todas as informações úteis e, em qualquer caso, através de uma comunicação escrita, os motivos do despedimento, o número de trabalhadores a despedir, o número de trabalhadores habitualmente empregados e o período no decurso do qual se pretende efectuar os despedimentos.
Há de se ressaltar, por oportuno, que mesmo com as reformas implementadas pela Diretiva n° 98, de 20.7.1998, do Conselho da União Europeia na sistemática das dispensas coletivas, as exigências de informação e participação da entidade obreira em tais procedimentos não só foram mantidas, como também substancialmente reforçadas, conforme atesta o art. 2° do diploma internacional em apreço:
Artigo 2º
1. Quando o empresário cogitar na efetivação de despedidas coletivas, deverá consultar, em tempo hábil, os representantes dos trabalhadores com vistas à obtenção de num acordo.
2. As consultas versarão, no mínimo, sobre as possibilidades de evitar ou reduzir as demissões coletivas e de atenuar seus efeitos, mediante o recurso a medidas sociais de acompanhamento destinadas, em especial, á ajuda para a readaptação ou a reconversão dos trabalhadores demitidos.
(...)
3. A fim de permitir que os representantes dos trabalhadores possam formular propostas construtivas, o empresário, durante o transcurso das consultas e em tempo hábil, deverá:
a) proporcionar todas as informações pertinentes e
b) comunicar-lhes, em qualquer caso, por escrito:
i) os motivos do projeto de demissão coletiva;
ii) o número e as categorias dos trabalhadores que serão despedidos;
iii) o número e as categorias de trabalhadores empregados habitualmente;
iv) o período durante o qual está prevista a efetivação das demissões;
v) os critérios levados em conta para designar os trabalhadores que serão demitidos, se as legislações ou práticas nacionais conferem ao empresário tal possibilidade;
vi) o método de cálculo das possíveis indenizações por despedida distintas da legislação ou da prática nacionais.
O empresário deverá transmitir à autoridade pública competente uma cópia da comunicação escrita contendo, ao menos, os elementos previstos nos incisos I a V da letra b) do parágrafo 1º;
4. As obrigações estabelecidas nos itens 1, 2 e 3 aplicar-se-ão independentemente do fato da decisão relativa à demissão coletiva ser aplicada pelo próprio empresário ou por uma empresa que exerça controle sobre ele.
No que se refere às infrações referentes às obrigações de informação, consulta e notificação estabelecidas na presente Diretiva, qualquer justificativa do empresário baseada no fato de que a empresa tomadora da decisão relativa à demissão coletiva não lhe facilitou o acesso às informações necessárias, não serão levadas em consideração. [16]
No plano das legislações domésticas dos Estados, importa fazer menção, a título exemplificativo, ao art. 51, §§ 2° e 4°, do Real Decreto n° 23/95, da Espanha ("Estatuto de los Trabajadores"), e ao artigo 1.233 do Código do Trabalho francês, que, no fito de viabilizar a ampla negociação entre os atores sociais anteriormente à implementação de despedidas coletivas, estabelecem procedimentos minuciosos a serem observados pela empresa e pelas entidades obreiras, bem como deveres atinentes à justificação dos motivos e à informação recíproca.
Em apertada síntese, o dispositivo espanhol condiciona as dispensas coletivas à autorização da autoridade estatal e à prévia realização de negociação com as entidades obreiras, que deverá versar, necessariamente, sobre os motivos a ensejarem a dissolução dos vínculos empregatícios, sobre a implementação de eventuais medidas alternativas e, em último caso, sobre as formas de atenuação das consequências. Ainda segundo o dispositivo em tela, as tratativas entre as partes não poderão durar menos de 15 (quinze) ou 30 (trinta) dias, a variar de acordo com o número de trabalhadores afetados. [17]
No caso francês, o art. 1.233 do Código do Trabalho ("Code du Travail") estabelece procedimentos diferenciados a variarem de acordo com o número de trabalhadores vinculados às empresas que pretendem efetuar despedidas coletivas. Assim, para as organizações que possuem menos de 50 (cinquenta) assalariados, o legislador exige a realização de duas reuniões entre as partes no interregno mínimo de 14 (catorze) dias. Para os entes empresariais a congregarem ao redor de si 50 (cinquenta) empregados ou mais, impõe-se a realização daqueles dois encontros em intervalos de 14 (catorze), 21 (vinte e um) e 28 (vinte e oito) dias, a depender do porte da empresa. [18]
Em qualquer hipótese, o referido dispositivo exige que a empresa encaminhe à entidade obreira, juntamente com a convocação para a primeira reunião, ofício contendo as razões a fundamentarem o plano de demissão coletiva, a relação dos afetados, as categorias atingidas e os critérios para o estabelecimento da ordem das dispensas, bem como o cronograma para a implementação do programa e as medidas econômicas vislumbradas. [19]
Do exposto até então, observa-se que a participação das entidades sindicais obreiras nos processos de dispensa a afetar um grande número de trabalhadores, tal como estabelecido na Convenção n° 158 da OIT e na legislação interna dos Estados indicados, configura decorrência natural do princípio do estímulo à negociação coletiva.
De fato, tendo as referidas dispensas o condão de afetar diretamente o principal aspecto atinente às relações de trabalho, qual seja, o vínculo empregatício, faz-se imprescindível que as referidas medidas sejam precedidas de discussão entre a empresa e a entidade representativa dos trabalhadores. Sem isto, estar-se-á a permitir a atuação unilateral daquela primeira em pautas de interesse comum dos atores laborais, de modo totalmente contrário ao desígnio de igualdade a permear o instituto da negociação coletiva.
1.3 O conteúdo do direito à negociação coletiva na Constituição Federal de 1988. Artigos 7º, VI, XIII, XIV, XXVI, 8º, III e VI, da Carta Magna. Da necessidade de participação plena do sindicato da categoria profissional nas tratativas prévias à dispensa coletiva.
Muito embora o Brasil não tenha ratificado a Convenção n° 158 da OIT, nem editado legislação específica a regulamentar o fenômeno das dispensas coletivas, tal vicissitude não afasta, entre nós, a obrigatoriedade quanto à participação do sindicato obreiro nas tratativas prévias à implementação daquelas medidas drásticas.
Tal assertiva se constata na medida em que a Constituição Federal de 1988, ao contrário das cartas precedentes, não só reafirmou em seu art. 7°, XXVI, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, como também estabeleceu, nos incisos VI, XIII e XIV do referido dispositivo, a obrigatoriedade quanto à instauração de negociação coletiva em pautas de interesse comum dos atores das relações de trabalho (fixação dos salários, compensação de horários, redução da jornada e turnos ininterruptos de revezamento) e impôs de maneira ampla no art. 8°, III e VI, a obrigatoriedade quanto à participação do sindicato obreiro nas tratativas entabuladas com as empresas e as entidades patronais. [20]
Paralelamente a isto, há de se ressaltar que justamente sob a égide dos sobreditos dispositivos constitucionais – mais precisamente em 29.9.1994, com a edição do Decreto n° 1.256 – o Brasil procedeu à ratificação da Convenção n° 154 da OIT, cujo art. 2° estende a obrigatoriedade da negociação coletiva para além da singela fixação das condições de trabalho, passando a abranger, também, as relações entre trabalhadores e empregadores, bem como de suas respectivas entidades representativas.
Disso se infere, cristalinamente, que a configuração do direito à negociação coletiva e da interveniência sindical em tais procedimentos, a constarem dos artigos 7° e 8° da Constituição Federal de 1988, reforçados pelos dispositivos da Convenção n° 154 da OIT, denota aquele ideal de equivalência de forças e independência entre os atores das relações laborais, que busca evitar a preponderância da empresa e sua atuação unilateral nos assuntos que interessam tanto a ela quanto aos trabalhadores, conforme atestam Maurício Godinho Delgado e Carlos Alberto Gomes Chiarelli, ao comentarem os referidos dispositivos da Carta Magna:
O princípio da interveniência sindical na normatização coletiva propõe que a validade do processo negocial coletivo submeta-se à necessária intervenção do ser coletivo institucionalidado obreiro- no caso brasileiro, o sindicato.
Assumido pela Carta Constitucional de 1988 (art. 8°, III e VI, CF/88), o princípio visa a assegurar a existência de efetiva equivalência entre os sujeitos contrapostos.
(...)
O princípio da equivalência dos contratantes coletivos postula pelo reconhecimento de um estatuto sociojurídico semelhante a ambos os contratantes coletivos (o obreiro e o empresarial).
(...)
Em primeiro lugar, de fato, os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho têm a mesma natureza, são todos ´seres coletivos´. Há, como visto, o empregador que, isoladamente, já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical. É claro que pode também atuar através de sua entidade representativa; contudo, mesmo atuando de forma isolada, terá natureza e agirá como ser coletivo.
No que tange aos trabalhadores, sua face coletiva institucionalizada surge através de seus entes associativos; no caso brasileiro, os sindicatos.
(...)
O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio é a circunstância de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação).
Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (...) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso impossibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. [21]
(...)
A negociação coletiva foi inovação criativa do Direito Coletivo do Trabalho, instituto gerado à luz da realidade laboral dos tempos novos; da massa operária e das concentrações industriais; da multidão anônima, do sindicato representativo e da megaempresa. O trabalhador isolado perdia-se no apinhado dos galpões de fábrica. Outros, muitos outros, igual a ele, tinham as mesmas aspirações, ambições e dificuldades. O sindicato foi criado para ser (...) ´o grande contratador do trabalho´, falando por aqueles cuja voz não se ouvia e cuja vontade não chegava a ser identificada. O sindicato negociador é fruto da industrialização, da urbanização, da multidão. E essa negociação, sem o egoísmo individual, exigida pela realidade, ganhou normas e regras, princípios teóricos e fundamentos doutrinários, recolhida e batizada pelo Direito, como ´negociação coletiva´.
(...)
A Constituição de 1988 não se limitou ao inciso IV, do art. 8º em suas preocupações com a negociação coletiva. Anteriormente, ao enumerar os direitos do trabalhador o constituinte inserira, no art. 7º, em seu inciso XXVI, o ´reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho´.
Não se trata de ver a questão negocial como um assunto pertinente à esfera associativa, enfoque que anima e embasa o art. 8º. Ali se faz questão de cobrar, de exigir, como requisito de validade para o processo negocial coletivo, a coparticipação sindical. Ali se esclarece que o sindicato é parte indispensável para que se completem as formalidades operacionais da negociação. Ali se recorda que, sendo a negociação ´coletiva´ a pessoa jurídica habilitada para representar tal tipo de interesse, tipicamente categorial, é o sindicato, associação criada e mantida por quadro social e motivações classistas justamente para tal fim.
Já no art. 7º, inciso XXVI da Carta (...) olha-se tal instituto, menos sob o ângulo de aspirações e objetivos grupais, e muito mais do ponto de vista dos anseios e garantias do trabalhador. (...) O que o art. 7º (inciso XXVI) proclama é o direito do trabalhador de ver reconhecida a Convenção e/ou o Acordo de que faz parte, logicamente como integrante de sua categoria, e através do qual, se acredita, faz-se possível, e até provável, obter melhoras nas condições de trabalho dentro da relação empregador-empregado.
(...)
Esse misto, do direito individual de ter o seu interesse integrando a composição do interesse coletivo, que não será igual a ele, mas o leverá em conta; de vê-lo compartilhar com outros a composição dessa aspiração média categorial e ter um instrumento eficaz para atendê-lo, satisfazê-lo, que é a negociação coletiva, justifica e explica o inciso XXVI, do art. 7º antecedendo, como causa e origem, a afirmativa que tem no art. 8º, inciso VI, seu corolário e operacionalização. [22]
Assim, do cotejo entre os artigos 7°, XXVI, e 8°, III e VI, da Constituição Federal de 1988, e do art. 2º da Convenção nº 154 da OIT, chega-se à precisa dimensão do conceito de "negociação coletiva" adotado pelo ordenamento jurídico pátrio: quando a atuação da empresa tiver o condão de afetar os interesses comuns a ela e aos trabalhadores em aspectos pertinentes às condições laborais e às relações trabalhistas de um modo geral, far-se-á necessária a participação das entidades obreiras na deliberação das medidas a serem implementadas.
A presença de tal orientação no cerne dos dispositivos em tela se constata tendo em vista que o art. 7°, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal, impôs expressamente a obrigatoriedade do procedimento de negociação coletiva para a implementação de quatro medidas cruciais não só para a coletividade dos trabalhadores, como também para a empresa, quais sejam, a redução do salário (art. 7º, VI), a compensação de períodos trabalhados (art. 7º, XIII), a redução da jornada (art. 7º, XIII) e a implementação de horários diferenciados nos turnos de revezamento ininterrupto (art. 7º, XIV).
A expressa menção a tais situações por parte do legislador constitucional, antes de indicar que a obrigatoriedade de implementação da negociação coletiva alcança apenas aquelas quatro hipóteses, denota, ao revés, uma relação meramente exemplificativa que revela e reforça a regra geral a constar dos artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal, e do art. 2º da Convenção nº 154 da OIT, a determinar a imperatividade de tal procedimento sempre que as questões subjacentes às relações de trabalho tenham o condão de afetar os trabalhadores e a própria empresa.
Do contrário, se o caráter obrigatório da negociação coletiva fosse limitado àquelas quatro situações específicas, estar-se-ia conferindo primazia a uma interpretação meramente gramatical e restritiva, em total desconsideração aos fins a permearem os artigos 7º, XXVI, e 8º, III e IV, da Constituição Federal, bem como o art. 2º da Convenção nº 154 da OIT, que devem orientar o processo de compreensão das normas ora analisadas, conforme se infere do clássico magistério de Carlos Maximiliano:
Tôda prescrição legal tem provàvelmente um escopo, e presume-se que a êste pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquêle propósito: quando assim não se procedia, construíam a obra do hermeneuta sôbre a areia movediça do processo gramatical.
Considera-se o Direito como uma ciência primàriamente normativa ou finalística. (...) O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais: será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interêsse para a qual foi regida.
(...)
O espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita. (...) Isolado, o elemento verbal talvez imobilizasse o Direito Positivo, por lhe tirar todo o elastério. Enquadra, de fato, o último [o direito positivo] em uma fórmula abstrata que encerra o escopo social; porém êste, como elemento móvel, conduzirá o jurista às aplicações diversas e sucessivas de que a fórmula é suscetível. Dêste modo a lei adquire o máximo de dutilidade. [23]
Ora, se a Constituição Federal em seu art. 8º, III e VI, estabeleceu como obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas e conferiu àquelas entidades o dever de representar suas respectivas categorias é porque ela pretendeu promover, justamente, a desejável equivalência de forças entre a empresa e os trabalhadores na generalidade dos assuntos de interesse comum a ambos e não apenas naquelas quatro hipóteses mencionadas nos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Carta Magna!
Se assim não fosse, estar-se-ia diante de situação em que a Constituição Federal teria estabelecido um fim a ser colimado pelos sindicatos sem conceder a estes últimos os meios necessários para tanto, o que redundaria, ao fim e ao cabo, em letal prejuízo à efetividade dos artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Carta Magna.
A incompatibilidade de tal hipótese interpretativa com os objetivos vislumbrados pela Lei Maior já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal quando este último debruçou-se sobre a questão atinente ao poder investigatório conferido às Comissões Parlamentares de Inquérito e ao Ministério Público.
Estabeleceu-se, nos respectivos precedentes, que quando a Constituição Federal confere incumbências a determinados entes – tal como ocorre no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º), do Ministério Público (art. 129, I) e dos Sindicatos (art. 8º, III) – os meios necessários para a concretização de tais misteres são implícitos a estes últimos, não necessitando, portanto, de discriminação taxativa no texto constitucional. Transcreve-se, nesse sentido, os arestos correspondentes aos Habeas Corpus nº 71.039/RJ e 91.661/PE:
Às câmaras legislativas pertencem poderes investigatórios, bem como os meios instrumentais destinados a torná-los efetivos. Por uma questão de funcionalidade elas os exercem por intermédio de comissões parlamentares de inquérito, que fazem as suas vezes. Mesmo quando as comissões parlamentares de inquérito não eram sequer mencionadas na Constituição, estavam elas armadas de poderes congressuais, porque sempre se entendeu que o poder de investigar era inerente ao poder de legislar e de fiscalizar, e sem ele o Poder Legislativo estaria defectivo para o exercício de suas atribuições. O poder investigatório é auxiliar necessário do poder de legislar; "conditio sine qua non" de seu exercício regular. Podem ser objeto de investigação todos os assuntos que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória do Congresso.
(...)
São amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições.
(...)
O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo. Quem quer o fim dá os meios. A comissão parlamentar de inquérito, destinada a investigar fatos relacionados com as atribuições congressuais, tem poderes imanentes ao natural exercício de suas atribuições, como de colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante ela e a depor; (...) Também pode requisitar documentos e buscar todos os meios de provas legalmente admitidos. Ao poder de investigar corresponde, necessariamente, a posse dos meios coercitivos adequados para o bom desempenho de suas finalidades; eles são diretos, até onde se revelam eficazes, e indiretos, quando falharem aqueles, caso em que se servirá da colaboração do aparelho judiciário. [24]
(...)
Relativamente à possibilidade de o Ministério Público promover procedimento administrativo de cunho investigatório, asseverou-se, não obstante a inexistência de um posicionamento do Pleno do STF a esse respeito, ser perfeitamente possível que o órgão ministerial promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito.
(...)
Ressaltou-se que o art. 129, I, da CF atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública, bem como, a seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Aduziu-se que é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos poderes implícitos, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Destarte, se a atividade-fim — promoção da ação penal pública — foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, é inconcebível não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia. [25]
Por esse mesmo raciocínio, conclui-se que os deveres de representação e de participação obrigatória nas negociações coletivas titularizadas pelos sindicatos obreiros a teor do art. 8º, III e VI, da Constituição Federal – cuja finalidade consiste, justamente, em assegurar a equivalência de forças entre os atores coletivos das relações laborais – compreendem, necessariamente, a prerrogativa de tomar parte nas deliberações empresariais a respeito de medidas tendentes a afetar a coletividade profissional, especialmente na hipótese de impacto em elemento precípuo da relação trabalhista, qual seja, a vigência de contratos de trabalho, com um conteúdo desenganadamente lesivo à coletividade de trabalhadores.
Desse modo, ante o amplo escopo finalístico abrangido pelos artigos artigos 7º, VI, XIII, XIV, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal – complementados, nesse particular, pela Convenção nº 154 da OIT –, bem como o munus representativo imposto aos sindicatos, resta evidente que as medidas empresariais tendentes à promoção de dispensas coletivas encontram-se condicionadas à prévia negociação com a entidade obreira.
Do contrário, estar-se-ia excluindo do âmbito de incidência do princípio do estímulo à negociação coletiva matéria que constitui o próprio núcleo das relações laborais entabuladas entre a empresa e a generalidade dos trabalhadores, qual seja, o vínculo empregatício, sem o qual não seria possível sequer cogitar do estabelecimento daqueles acordos e convenções referentes à redução de salários e jornadas, compensação de horários e fixação de turnos ininterruptos de revezamento que a Constituição Federal, em seu art. 7º, VI, XIII e XIV, reputa obrigatórios.
E, como se já não bastasse, estar-se-ia a permitir a atuação unilateral da empresa em assunto de nítido interesse para esta última e para a coletividade obreira, de modo francamente atentatório ao desígnio de equiparação de forças entre aquele ente patronal e o sindicato dos trabalhadores que subjaz aos sobreditos dispositivos constitucionais.
Há de se ressaltar, paralelamente a isto, que a Constituição Federal de 1988 consagra como fundamentos da República, nos termos do art. 1°, III e IV, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, assentando, outrossim, em seu art. 3º, I, que construção de uma "sociedade livre, justa e solidária" configura objetivo da República e em seu art. 7º, caput, que os direitos dos trabalhadores têm por escopo "a melhoria de sua condição social".
Disso se infere que os postulados da dignidade humana, do valor social do trabalho e da solidariedade condicionam, necessariamente, a interpretação dos direitos fundamentais elencados nos demais dispositivos da Constituição Federal, aí incluído, por evidente, o primado da negociação coletiva.
Exatamente nesse sentido, Luís Roberto Barroso assinala que "os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema, [incumbindo-lhes] a função de ser o fio condutor dos diferentes segmentos do Texto Constitucional, dando unidade ao sistema normativo." [26]
Pois bem, sendo a negociação coletiva um direito fundamental historicamente vinculado aos primados axiológicos da dignidade humana, do valor social do trabalho e da solidariedade, conforme visto alhures, tem-se que sua interpretação e aplicação nos casos concretos deve buscar, também por esse motivo, a ampliação da participação dos sindicatos obreiros nas discussões a envolverem os assuntos de interesse comum à empresa e à generalidade dos trabalhadores.
Desse modo, estar-se-á evitando que a ausência das entidades obreiras nas tratativas a envolverem os sobreditos interesses possa redundar na implementação unilateral, por parte da empresa, de medidas prejudiciais à dignidade dos trabalhadores e à sua condição social, em total descompasso com as pautas axiológicas centrais da Constituição Federal.
É justamente nesse sentido que os valores em referência condicionarão, na espécie, o sentido e o alcance a ser conferido ao princípio da negociação coletiva, conforme se infere do magistério de José Carlos Vieira de Andrade a respeito da centralidade do postulado da dignidade humana para a definição do conteúdo dos direitos fundamentais:
Os preceitos relativos aos direitos fundamentais, ao constituírem posições jurídicas subjectivas, exprimem também o reconhecimento e a garantia de um conjunto de bens ou valores que são caros à comunidade e que legitimam e dão sentido aos preceitos constitucionais respectivos. São valores ou bens que a Constituição, nuns casos, recebe como dados irrecusáveis da cultura universal ou nacional, noutros casos de algum modo cria, procurando interpretar o sentimento colectivo da época na determinação de um projecto de vida em comum.
Esses bens ou valores não se amontoam nem pura e simplesmente se somam, ainda que apareçam espalhados por múltiplas normas concretas. Há ou tem de haver uma qualquer ordem entre eles, uma qualquer unidade que dê coerência e sentido a essa cultura constitucional. A unidade política fundamental não pode constituir-se se não tiver um significado material, uma razão-de-ser, nem poderá subsistir se não tiver uma razão-de-dever-ser-assim. A vida de homens em sociedades não suporta uma qualquer organização ou quaisquer regras, ditadas por puros factos de poder, exige-se uma ordenação de sentido que corresponda a um entendimento geral do mundo e das coisas, ou a um consenso generalizado, ainda que plural, acerca dos respectivos interesses e relações. A Constituição de uma sociedade política só o é, pois, verdadeiramente, só terá efectiva força constituinte, se representar este entendimento ou consenso e aquela unidade.
Do mesmo modo, o conjunto dos direitos fundamentais tem também uma ordem de sentido, na medida em que se destina especificamente a definir e garantir na posição do homem concreto na sociedade política.
(...)
A definição constitucional do estatuto jurídico dos indivíduos através do reconhecimento ou concessão de direitos fundamentais tem como fim proteger a dignidade essencial da pessoa humana, mas realiza-se mediante a previsão e protecção de aspectos específicos ou de zonas determinadas da existência e da actividade humana. Ora, estes aspectos e esferas da vida dos homens referem-se tanto à sua dimensão individual (solitária) como à sua dimensão social (solidária) e multiplicam-se na complexidade intensa da rede de relações interindividuais, sobretudo nas sociedades fortemente diferenciadas dos nossos dias. [27]
No caso específico das dispensas coletivas, a interpretação dos direitos fundamentais elencados no artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal, à luz dos primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da solidariedade impõe, com ainda mais força, a realização obrigatória de negociação entre a empresa e as entidades obreiras naqueles supostos, eis que as jubilações a serem implementadas têm o condão de afetar diretamente a subsistência de grupos inteiros de trabalhadores, havendo, aí, o potencial risco de degradação da condição social destes últimos.
Destaque-se, nesse sentido, que a participação do sindicato obreiro nas tratativas prévias à implementação das despedidas coletivas tende a obter das empresas, quando não a manutenção de todos ou de alguns vínculos empregatícios, pelo menos a adoção de medidas compensatórias voltadas para a redução dos impactos sociais das jubilações. Nisso reside, justamente, o liame entre negociação coletiva e os primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da solidariedade, que acabará por justificar a própria existência daquele direito fundamental titularizado pelas entidades de trabalhadores. [28]
Importa salientar, a propósito, que tal vínculo indissociável existente entre os primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da negociação coletiva serviu de fundamento para a decisão proferida em sede de liminar pelo Desembargador Luís Carlos Sotero da Silva, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nos autos do Dissídio Coletivo nº 00309-2009-000-15-00-4, proposto pelo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São José dos Campos e Região no fito de anular a dispensa de 4.000 (quatro mil) trabalhadores implementada pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), em fevereiro do corrente ano, sem a participação daquela entidade. Transcreve-se, por oportuno, os trechos pertinentes a constarem do referido decisum:
Como é cediço, em observância aos princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência (artigos 1º, inciso IV e 170, inciso IV, CF), detém o empregador os poderes de dirigir, regulamentar, fiscalizar e disciplinar a prestação de serviços dos seus empregados. (...) Nesse contexto, e tendo em vista a própria proteção constitucional á propriedade (art. 5º, inciso XXII, CF) possui o empregador a liberdade de contratar e dispensar empregados, desde que a dispensa seja realizada por meio de critérios objetivos e com respeito aos direitos da personalidade humana. No entanto, o poder diretivo do empregador, consubstanciado na possibilidade de rescindir unilateralmente os contratos de trabalho dos empregados, não é absoluto, encontrando limites nos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana.
(...)
Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 elencou a dignidade do ser humano como princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º). Esse princípio se traduz na necessidade de respeito aos direitos fundamentais da pessoa como integrante da sociedade. A par disso, é bem verdade, o princípio da ordem econômica e da livre concorrência, mas desde que fundada na valorização do trabalho humano, assegurando a todos uma existência digna e conforme os ditames da justiça social, priorizando os valores sociais do trabalho sobre os valores da sociedade capitalista (art. 170).
(...)
É nesse sentido que já se reconheceu, há muito, que a proteção à integridade da pessoa humana estende-se – como não poderia deixar de ser – ao trabalhador, destinatário de maior interesse público, não só por seu status de agente transformador da realidade sócio-econômica, mas também pela posição jurídica que ocupa nas relações de tomada e prestação de serviços. Tal assertiva deve ser interpretada não apenas em face dos direitos individuais do empregado, mas também em relação aos direitos interpessoais – coletivos ou difusos – inerentes à categoria operária, pois, reitere-se, há indiscutível interesse público na preservação da dignidade do trabalhador enquanto pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro. A Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre a aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva, preceitua, por sua vez, que (...)´Artigo 4º. Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, se necessário, para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e condições de emprego.
(...)
CONCLUINDO – Em síntese, talvez possamos concluir que a garantia de emprego é algo muito mais importante do que parece. E que a lei – acusada, tantas vezes, de superprotetora – dá ao trabalhador muito menos do que promete. Na verdade, proteger o emprego não é só proteger o emprego. É também proteger o sindicato e as condições de trabalho. É garantir o processo e viabilizar um verdadeiro acesso à Justiça. Em última análise, proteger o emprego é proteger cada norma trabalhista. Portanto, é proteger o próprio Direito. (g.n). Ademais, não se pode olvidar que as organizações empresariais possuem relevante papel no desenvolvimento social e econômico do país e, nesse contexto, surge o conceito de responsabilidade social da empresa, que deve, inclusive orientar a contratação e demissão (sobretudo em massa) dos seus funcionários.
Diante do exposto, mediante a realização de uma cognição sumária, tenho por configurado, no caso em tela, o relevante fundamento da impossibilidade de se proceder a demissões em massa sem prévia negociação sindical. (...) Assim sendo, CONCEDO A LIMINAR para determinar a suspensão das rescisões contratuais operadas, desde o dia 19/02/2009, pela suscitada, sem justa causa ou sob o fundamento de dificuldades financeiras decorrentes da crise econômica global (...), assim como as que vierem a ocorrer sob igual forma ou justificativa, até a data da audiência de conciliação, ora designada para o dia 05 de março de 2009, às 09h00, nos termos do art. 236 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal. [29]
Do exposto no presente tópico, observa-se que o conteúdo do princípio da negociação coletiva, a constar dos artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal e do art. 2º da Convenção nº 154 da OIT, impõe a participação do sindicato obreiro em toda e qualquer discussão entabulada no cerne da empresa, cujo desfecho tenha o condão de afetar a respectiva categoria obreira.
Sendo assim, depreende-se cristalinamente dos sobreditos dispositivos que a implementação unilateral de despedidas em massa por parte das empresas, à revelia do sindicato obreiro, afigura-se incompatível não só com o princípio do estímulo à negociação coletiva, como também com os primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da solidariedade, positivados nos artigos 1º, III e IV, 3º, I, e 7º, caput, da Carta Magna e condicionantes da totalidade dos direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio.